Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1373/15.6T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO DO CRÉDITO FISCAL
Data do Acordão: 05/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DEVISEU – VISEU – JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 23º, N.º 2, E 24º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT); 153.º E 160.º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT); 128º A 140º CIRE.
Sumário: I- A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão nos processos de execução fiscal, imputando-se, por via dessa reversão, os efeitos do incumprimento da obrigação de pagamento, por parte do devedor originário, ao responsável subsidiário.

II- A oposição judicial é o meio processual próprio para o revertido contestar, no processo executivo fiscal, a decisão da reversão e os pressupostos (substantivos e processuais) em que assentou.

III- Não tendo contestado a reversão fiscal, apesar de citado para a mesma, a decisão que a operou fica definitivamente consolidada/estabilizada.

IV- E nessa condição, fica precludido o direito de o revertido/responsável subsidiário poder posteriormente questionar/impugnar os pressupostos em que assentou essa reversão, mesmo que tal ocorra no âmbito do processo de insolvência decretada depois de ter operado essa reversão.

Decisão Texto Integral:







Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Em 09/03/2015, por sentença, devidamente transitada, proferida nos autos nº...- que correram na então Secção (hoje Juízo) do Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – foi declarada a insolvência de M..., ali devidamente identificada.

2. Terminado o prazo para a reclamação de créditos, e apresentada que foi pelo sr. administrador judicial a lista/relação de credores a que alude o artº. 129º, nº. 1 do CIRE, veio aquela insolvente, à luz do artº 130º, nº. 1, do mesmo diploma legal, impugnar a referida lista, no que concerne tão só aos créditos reclamados, e ali reconhecidos, pelos credores Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Viseu (doravante também designado por ISS), e Fazenda Nacional/Autoridade Tributária (através do MºPº).

2.1 O crédito reclamado pelo ISS reporta-se a contribuições (contribuições da responsabilidade da entidade empregadora e as quotizações da responsabilidade dos trabalhadores e retidas nas respetivas remunerações pela entidade empregadora) devidas e (alegadamente) não pagas pela entidade empregadora “L..., Lda.” para o sistema previdencial de segurança social, referentes aos meses de Julho de 2012 a Novembro de 2012, no valor de € 9.880,29 a título de capital, a que acrescem os juros de mora vencidos e calculados até ao mês de Março de 2015, no valor de € 1.387,81, e ainda custas apuradas no âmbito do processo executivo respectivo no valor de € 696,67.

Contra aquela devedora originária (que entretanto veio a ser declarada insolvente), e com vista à cobrança da dívida, foi instaurado processo de execução fiscal. Porém, no decurso dessa execução veio a verificar-se que o património daquela era insuficiente ao pagamento integral da dívida exequenda, vindo por esse motivo o processo a ser mesmo encerrado.

Desse modo, e devido a dívida reportar-se ao período em que a insolvente/ora impugnante teria a qualidade gerente da referida devedora originária, veio a mesma a ser revertida contra si (como devedora subsidiária), à luz das disposições conjugadas do artºs. 23º, n.º 2, e 24º da Lei Geral Tributária (LGT); 153.º e 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na sequência de despacho (de reversão) de órgão de execução fiscal, prosseguindo então a execução contra si na posição de executada.

2.2 Por sua vez, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional/Autoridade Tributária reporta-se a uma dívida de IUC – Cat. C, relativo ao período de tributação de 2011-01-01 a 2011-12-31, com data de vencimento a 2013-11-21, a que acrescem juros de mora no valor de €33,08 e custas no valor de €75,34.

Dívida essa que originariamente era imputada era imputada à sociedade “V..., Lda.”, mas que, por razões (de facto e de direito) idênticas àquelas referente ao crédito reclamado pelo ISS, veio também a ser revertida contra a insolvente, na qualidade de subsidiária responsável (por deter também a qualidade de gerente daquela sociedade naquele período), através de decisão proferida no âmbito do processo execução fiscal, que prosseguiu então contra si na posição de executada.

2.3 Na referida impugnação a insolvente alega, em síntese, nunca ter nos períodos em causa, que motivaram a constituição dos créditos reclamados pelo ISS e pela Fazenda Nacional/Autoridade Tributária, exercido de facto a gerência de qualquer daquelas duas sociedades, não tendo qualquer responsabilidade/culpa funcional nas dívidas originadas, sendo certo que também não foi notificada da decisão de reversão contra si proferida naqueles dois processos executivos fiscais, e que os valores da dívida da sociedade L... foram pagos pela própria.

3. Na sua resposta, o ISS começou por invocar a caducidade do direito da insolvente a apresentar a impugnação, por ter sido apresentada depois de decorrido o prazo legal fixado para o efeito pelo artº. 130º do CIRE.

De qualquer modo, a assim não se entender, impugnou os factos alegados pela impugnante (embora reconhecendo que a dívida inicial de devedora originário foi por esta paga parcialmente, pelo que o crédito reclamado corresponde ao montante ainda em dívida), defendendo a existência dos pressupostos que determinaram que fosse proferida contra si a decisão de reversão, sendo certo que tendo sido citada dessa decisão a mesma não a impugnou, pelo que o despacho que decidiu a reversão formou caso julgado (dentro e fora do processo).

Pelo que terminou pedindo que a referida exceção de caducidade fosse julgada procedente e, em consequência, que a impugnação fosse liminarmente indeferida, e sempre, não assim se entendendo, que fosse julgada improcedente.

3.1 Por sua vez, na sua resposta, a Fazenda Nacional/Autoridade Tributária (através do MºPº), depois de, no que a si diz respeito, impugnar o essencial dos factos alegados pela insolvente/ impugnante, defendeu que ao ter sido citada do despacho de regressão da dívida contra si proferida e não tendo reagido contra ela (por via de impugnação ou oposição) no âmbito do respetivo processo de execução fiscal, conformou-se, assim, com a dívida exequenda (ora reclamada), e nesses termos pediu a improcedência da impugnação.

4. Não tendo a tentativa de conciliação surtido efeito, no despacho de saneamento do processo o sr. juiz a quo julgou improcedentes a exceções de caducidade e de caso julgado aduzidas pelo credor ISS, após que, entendendo que os autos não permitiam ainda conhecer sobre o mérito das impugnações, fixou o objeto do litígio, os temas de prova - sem qualquer reclamação - e designou dia para julgamento.

5. Realizada a audiência de discussão e julgamento (com a gravação da prova testemunhal), seguiu-se a prolação da sentença, na qual decidiu (com o fundamento na preclusão do direito de o fazer) julgar improcedente sobredita impugnação apresentada pela insolvente, pelo que, homologando a lista definitiva de créditos apresentada pelo sr. administrador judicial, passou de imediato à graduação desses créditos, nos termos em que ali o fez.

6. Inconformada com tal sentença, dela apelou a insolvente/impugnante, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

7. Respondeu o MºPº, em representação da fazenda Nacional/Autoridade Tributária (nos termos que constam de fls. 133/26), defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do julgado.

8. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

A) De facto.

O tribunal da 1ª. instância deu como provados, os seguintes factos (mantendo-se a ordem de descrição e a sua redação ortográfica):

1. Por sentença proferida em 9 de Março de 2015 transitada em julgado, foi declarada a insolvência de M...

2. Foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.

3. A fls. 84 do presente apenso, veio o Sr. Administrador da Insolvência apresentar a lista de créditos a que alude o art. 129º do C.I.R.E.

4. Foram impugnados os créditos dessa lista correspondentes aos números 2 (Fazenda Nacional) e 3 (Instituto da Segurança Social).

5. Foi apreendido a favor da massa insolvente o produto financeiro denominado “Depósito Crescimento Global” no valor de €791,14.

6. A Fazenda Nacional, representada pelo Ministério Público, reclamou créditos relativos a uma dívida de IUC – Cat. C, relativo ao período de tributação de 2011-01-01 a 2011-12-31, com data de vencimento a 2013-11-21, a que acrescem juros de mora no valor de €33,08 e custas no valor de €75,34.

7. A dívida de IUC, originariamente imputada à sociedade “V..., Lda.”, foi revertida contra a Insolvente, na qualidade de subsidiária responsável, através de decisão proferida no âmbito da execução fiscal nº ...

8. A carta para citação da Insolvente do despacho de reversão foi depositado no receptáculo postal domiciliário da insolvente em 2014-11-03, após ter sido devolvido o aviso de recepção da carta anteriormente enviada.

10 (por manifesto lapso de escrita omitiu-se o nº. 9). Não foi deduzida impugnação ou oposição.

11. A Insolvente renunciou à gerência da “V..., Lda.”, facto que foi registado em 13 de Dezembro de 2012 na matrícula comercial da sociedade.

12. O ISS, I.P. - Centro Distrital de Viseu reclamou créditos respeitantes a contribuições (contribuições da responsabilidade da entidade empregadora e as quotizações da responsabilidade dos trabalhadores e retidas nas respectivas remunerações pela entidade empregadora) devidas e não pagas pela entidade empregadora “L..., Lda., para o sistema previdencial de segurança social.

13. As contribuições objecto da reclamação referem-se aos meses de Julho de 2012 a Novembro de 2012, no valor de €9.880,29 a título de capital, a que acrescem os juros de mora vencidos e calculados até ao mês de Março de 2015, no valor de €1.387,81, e ainda custas apuradas no âmbito do processo executivo respectivo no valor de € 696,67.

14. Todas essas contribuições são também objecto de Processo de Execução Fiscal que corre termos na Secção de Processo Executivo de Viseu do IGFSS, I.P. sob o nº ... e respectivo apenso; nº ... e respectivos apensos; e nº ... e respectivo apenso., que foram, originariamente, instaurados contra a devedora originária “L..., Lda.”

15. No decurso do referido processo de execução fiscal, e das diligências levadas a cabo pelo órgão de execução fiscal, resultou que o património da devedora originária era insuficiente ao pagamento integral da dívida exequenda.

16. A sociedade “L..., Lda.” foi declarada insolvente no âmbito do processo nº ..., o qual veio a ser encerado por insuficiência da massa, nos termos do disposto no artigo 232.º do CIRE.

17. Em face da insuficiência do património da devedora originária, foi, nos termos do disposto nos artigos 23.º, n.º 2 e 24.º da Lei Geral Tributária (LGT); 153.º e 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), proferido, em 18/12/2013 despacho de reversão contra a aqui insolvente M...

18. No período a que se referem as contribuições em dívida, objecto do processo de execução fiscal e da reclamação de créditos apresentada nos presentes autos, tinha aquela M... a qualidade de gerente da referida sociedade “L..., Lda.”.

19. A aqui insolvente M... foi designada gerente da sociedade “L..., Lda.” em 02/06/2010, tendo renunciado à gerência 06/11/2012.

20. No âmbito dos Processos de Execução Fiscal referidos em 14 que correm termos na Secção de Processo Executivo de Viseu do IGFSS, I.P. foi proferido despacho de reversão contra a aqui insolvente, nos termos do disposto no artigo 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

21. Do despacho de reversão referido em 20 foi a aqui insolvente citada no âmbito do processo de execução fiscal através de carta registada com aviso de recepção, que a própria assinou na data de 30/12/2013.

22. Contra o referido despacho de reversão não apresentou a aqui insolvente qualquer impugnação ou oposição no âmbito da execução fiscal.

23. No momento em que contra a aqui insolvente foi proferido despacho de reversão, a dívida em execução fiscal ascendia ao montante de €26.175,54.

24. Tal dívida foi parcialmente paga, ficando em dívida o montante de €11.964,77 (onze mil, novecentos e sessenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos).

Sob o ponto 10. dessa decisão fez constar que “com interesse e para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos.”

E sob o ponto 11. motivou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:

«A convicção do Tribunal sobre os factos provados resultou da análise dos documentos juntos aos autos, designadamente: Da cópia da certidão da Segurança Social relativamente aos montantes em dívida pela “L..., Lda.” e pela Insolvente, por força da reversão operada, a título de contribuições para a Segurança Social (fls. 22 a 25); a informação relativa ao encerramento do processo de Insolvência da “L..., Lda.” (fls. 25 verso); o despacho de reversão e a nota de citação da Insolvente (fls. 26 a 28); a cópia do aviso de recepção da citação da Insolvente para efeitos de reversão da dívida (fls. 28 verso); os prints do Portal da Justiça relativa ao exercício da gerência da Insolvente na “L..., Lda.” (fls. 29 a 31); a cópia dos documentos relativos à citação em reversão da dívida da “V..., Lda.” para a Insolvente (fls. 64 verso a 66); a lista de pagamentos efectuados pela sociedade “L..., Lda.” referentes ao ano de 2012 (fls. 89 a 92).

Os depoimentos de ... - TOC que efectuou a contabilidade da “V..., Lda.” e que tinha acesso às contas da L..., Lda.”-; bem como o depoimento de ... - o qual conhecia a Insolvente e trabalhou como escriturário para as sociedades de que a Insolvente foi gerente -, não se revelaram importantes pois reportaram-se a factos cuja provou se tornou supervenientemente inútil (questão de saber se a Insolvente era gerente de facto das sociedades cuja dívida foi objecto de reversão para os seus gerentes).»

B) De direito.

1. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Ora, calcorreando conclusões das alegações do presente recurso verifica-se que a única verdadeira questão que importa aqui apreciar traduz-se em saber se a insolvente pode ou não discutir no âmbito do processo de insolvência (e mais concretamente no apenso de verificação e reconhecimento de créditos) os fundamentos/pressupostos da sua responsabilidade subsidiária operada por via de reversão nos processos de execução fiscal acima identificados (e quando ainda não havia sido declarada insolvente).

Na sentença recorrida entendeu-se que não, com o fundamento, em síntese, de ter havido preclusão o direito de o fazer, por não ter deduzido, nos processos de execução fiscal acima identificados, qualquer oposição à decisão de reversão da dívida ali proferida contra si, apesar dela e para ela ter sido citada.

Apelante defende que sim, com fundamento, em síntese, no princípio da auto-suficiência do processo de insolvência (sendo aí, no apenso de verificação de créditos, a sede própria para discutir os créditos contra o insolvente) e de os despachos de reversão não formarem caso julgado.
1.1  Apreciemos.

Como se sabe, o processo de insolvência é “uma estrutura complexa”, com especificidades próprias, e dada a finalidade precípua e a insatisfação completa dos credores, não se limita a um fim exclusivamente liquidatário, apresentando-se como um “processo concursal”.

A verificação de créditos (artºs. 128º a 140º CIRE – diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante citemos somente o normativo sem a menção da sua fonte) tem sido qualificada como processo declarativo da ação de insolvência, embora com especialidades, que corre por apenso (artº. 132º), e por conseguinte com uma estrutura autónoma, mas funcionalmente conexa, que comporta quatro fases (apresentação, saneamento, instrução e julgamento).

A fase do saneamento inicia-se com a tentativa de conciliação, para a qual são convocados todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador, após o que o processo é concluso para despacho, nos termos dos artºs. 510º e 511º do CPC (artºs. 595º e 596º NCPC).

No saneador o juiz deve considerar verificados os seguintes créditos, em relação aos quais o despacho saneador tem o valor se sentença de verificação e graduação de créditos (artº. 136 nº. 6): os aprovados por todos os presentes (artº. 136º nºs. 2 e 4); os que constem da lista de créditos reconhecidos e não impugnados (artº. 136º nº 4); os créditos que possam ser considerados verificados face aos elementos de prova contidos nos autos (artº. 136º nº. 5).

Se no momento do saneador algum dos créditos carecer de prova, por os factos estarem controvertidos, impõe-se a seleção da matéria de facto constante das impugnações e respostas, por força do artº. 136º, nº 3, sendo que a graduação de todos os créditos apenas ocorrerá na sentença final (artº. 136º, nº 7).

Por outro lado, e naquilo que para aqui mais interessa, importa dizer que a responsabilidade tributária subsidiária (regulamentada no artº. 24º da LGT onde se prevê essa responsabilidade no concerne aos membros dos corpos sociais e responsáveis técnicos das pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados, e nomeadamente quanto aos seus administradores e gerentes) efetiva-se através do chamado processo ou procedimento da reversão fiscal (artº. 23º, nº. 1, LGT).

Através desse instituto da reversão a responsabilidade tributária subsidiária concretiza-se imputando-se os efeitos do incumprimento da obrigação de pagamento, por parte do devedor originário, ao responsável subsidiário. O instituto da reversão visa, por conseguinte, responsabilizar um terceiro - o responsável subsidiário – por dívidas do responsável originário, aquele em relação ao qual se encontram reunidos os pressupostos do facto tributário (Vide Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, pág. 199, de José Maria Fernandes Pires e outros).

Assim, quando o devedor principal (uma pessoa coletiva ou ente fiscal equiparado) não pague as dívidas tributárias e não tenha bens suficientes, dá-se a reversão, permitindo-se, por razões de economia processual, que o processo executivo fiscal pendente contra o devedor originário possa continuar contra o responsável subsidiário, evitando-se, assim, a instauração de novo processo executivo.

O artº. 23º da LGT e o artº. 153º do CPPT estabelecem as condições em que pode ser desencadeada a reversão, a qual se dá, após audição prévia do novo responsável subsidiário (artºs. 23º, nº 4, e 60º da LGT, sendo para o efeito citado artºs. 160º, nº. 1, e 191º, nº 3 al. a), do CPPT), com o ato administrativo (despacho) do órgão da Administração Fiscal.

O revertido, perante o ato (de reversão), tem vários meios de reagir, de entre os quais a oposição à execução fiscal (artºs. 203º e 151º, nº. 1, do CPPT), que é o meio processual próprio para se atacar/contestar (num conhecimento que será então da competência do tribunal tributário da 1ª instância) os pressupostos da responsabilização subsidiária (Vide, por ex., Carlos Paiva, in “O Processo de Execução Fiscal, 2016, 4ª. ed, Almedina, págs. 147/148”; Jesuíno Alcântara Martins e José Costa Alves, in “ O Procedimento e Processo Tributário, 2016, Almedina, págs. 382/383”; “Ac. do STA de 29/6/2005, proc. nº. 0501/05; Ac. do. STA de 2/5/2012, proc. nº. 300/2012: Ac. do TCAN de 8/5/2008, proc. nº 01376/04 e Ac. do STA de 30/04/2003, proc. 97/03, disponíveis www.dgsi.pt).

Como escreve Rui Duarte Morais (in “Manual de Procedimento e Processo Tributário, 2016, Almedina, págs. 341 e 342”), “a oposição à execução assume, ainda, especial importância enquanto meio processual próprio para aquele que foi citado por reversão contestar a decisão de reversão, quer relativamente à verificação dos pressupostos substanciais da sua responsabilidade tributária, quer quanto à verificação dos pressupostos processuais para que essa reversão possa (já) ter acontecido.”

Não deduzindo essa oposição (judicial) o revertido (devedor subsidiário) vê – com se infere das palavras ali vertidas, com as quais concordamos, pelo mesmo autor – precludido o direito de questionar a dívida que lhe é imputada, ficando, assim, a esse respeito consolidada a decisão (de reversão) da autoridade fiscal administrativa.

Revertendo tais considerações para o caso concreto, e tendo em conta a matéria de facto apurada acima descrita, verifica-se que quando a impugnante/ora apelante foi declarada insolvente já há muito haviam operado as decisões de reversão contra si proferidas (no âmbito de cada um dos processos de execução fiscal e que originaram a sua responsabilidade, enquanto devedora subsidiária, quanto aos créditos ora reclamados pelo ISS e pela Fazenda Nacional/Autoridade Tributária no processo de insolvência), pois que para elas citadas não as contestou então por via de oposição judicial, assim se tendo definitivamente consolidado/estabilizado aquelas decisões administrativas fiscais de reversão de dívida.

Sendo assim, como a nosso ver bem decidiu o tribunal a quo, ficou-lhe precludido o direito de vir agora no âmbito do processo de insolvência impugnar os pressupostos em que assentaram tais decisões/procedimentos de reversão (que efetivaram a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas aqui em discussão), através da impugnação dos respectivos créditos reconhecidos insertos na lista, a que alude artº. 129º, nº. 1, do CIRE, apresentada pelo sr. administrador judicial.

Nesse caso não funciona ou é aplicável o princípio da auto-suficiência do processo de insolvência. A devedora insolvente não pode vir agora servir-se do processo de insolvência para reabrir a questão da verificação dos pressupostos ou da legalidade daquela sua responsabilidade subsidiária operada por via de regressão, numa altura em a mesma já se encontra há muito consolidada/estabilizada, quando em tempo oportuno prescindiu do meio processual (vg. oposição judicial) que a lei lhe facultava para, em sede própria, contestar a mesma. A mesma questão se surgeria em relação a qualquer outro imposto liquidado pela administração fiscal em relação ao qual se desencadeou a responsabilidade subsidiária por intervenção do instituto fiscal da reversão. A prevalecer a tese defendida pela ora insolvente, independentemente do tempo em que operou a reversão da dívida sempre poderia o revertido aproveitar o processo de insolvência (que anos mais tarde viria a ser decretada em relação a si) para reabrir a discussão sobre a questão a verificação dos pressupostos que determinaram a sua responsabilidade tributária subsidiária por via da reversão, quando na altura em que a mesma ocorreu se demitiu de o poder fazer utilizando o meio processual próprio (a oposição judicial) que a lei lhe facultava para efeito, o que, salvo o devido respeito, se nos afigura absurdo e atentatório dos princípios da segurança e certeza do direito.

A questão poderia quando muito suscitar-se e obter resposta diferente (conforme se decidiu, a esse propósito, no Ac. desta Relação e Secção de 23/09/2014, proc. 1982/12.5TBMGR-B1, relatado pelo desemb. Jorge Arcanjo, disponível em www.dgsi.pt), se aquando da prolação de declaração de insolvência o procedimento de regressão fiscal ainda não tivesse sido concretizado/operado no processo de execução fiscal pendente, encontrando-se por exemplo por citar/ouvir a pessoa a reverter e/ou então a decorrer o prazo lega para deduzir oposição. Nessa situação poderia defender-se (numa decisão que, mesmo assim, não deixaria de ser controversa dado o disposto nos nºs. 3 e 7 do artº. 23º da LGT) que, dado a obrigatoriedade de avocação de processos de execução fiscal pendentes (artº. 180º, nº. 3, do CPTT) e o disposto no artº. 88º, nº. 1, do CIRE, que determina, de forma imperativa, que a declaração de insolvência impõe a suspensão automática das execuções pendentes contra o insolvente, o que levaria a que o insolvente ficasse impedido de deduzir oposição à execução fiscal (sendo que a omissão do ato da suspensão sempre implicaria até nulidade processual, com a subsequente anulação logo também do prazo para a dedução de oposição), podendo então, nestas circunstâncias, admitir-se, como se decidiu no referido acórdão, que o insolvente pudesse vir a discutir no âmbito do processo de insolvência a verificação dos pressupostos daquela sua responsabilidade subsidiária que, consequentemente, originou o crédito reclamado contra si e por si impugnado. Mas, salvo o devido respeito, não é manifestamente o caso dos autos.

Termos, pois, em que, perante aquilo que se deixou exposto, se decide manter a decisão recorrida, julgando-se, em consequência, improcedente o recurso.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão da 1ª. instância.

Custas a cargo da massa insolvente (artºs. 303º, 304º e 51º, nº. 1 al. a), do CIRE).

Sumário:

I- A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão nos processos de execução fiscal, imputando-se, por via dessa reversão, os efeitos do incumprimento da obrigação de pagamento, por parte do devedor originário, ao responsável subsidiário.

II- A oposição judicial é o meio processual próprio para o revertido contestar, no processo executivo fiscal, a decisão da reversão e os pressupostos (substantivos e processuais) em que assentou.

III- Não tendo contestado a reversão fiscal, apesar de citado para a mesma, a decisão que a operou fica definitivamente consolidada/estabilizada.

IV- E nessa condição, fica precludido o direito de o revertido/responsável subsidiário poder posteriormente questionar/impugnar os pressupostos em que assentou essa reversão, mesmo que tal ocorra no âmbito do processo de insolvência decretada depois de ter operado essa reversão.

Coimbra, 2017/05/23


Isaías Pádua

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães