Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
47/15.2IDLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 04/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 70.º E 71.º DO CP
Sumário: I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


1.

Nos presentes autos a arguida A.... foi condenada na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5 €, pela prática de um do crime de abuso de confiança fiscal, na forma dolosa, dos art.105º, nº 1, 2 e 4, e 6º, nº 1 e 3, todos do RGIT, e a arguida B...., Ldª, foi julgada responsável por um crime de abuso de confiança fiscal, na forma dolosa, dosart.105º, nº 1, 2 e 4, e 7º, todos do RGIT, sendo condenada em 150 dias de multa, à taxa diária de 5 €.

2.

A arguida B... , Ldª, recorreu da medida da pena, nos seguintes termos:

«A - A determinação da medida da pena, foi fixada fora dos limites definidos na lei.

B - Assim, deste modo, o Tribunal "a quo", violou a regra base Penal - "O Critério da Escolha da Pena", art. 70.° do C.P..

C -Definida a moldura penal abstracta, haverá que encontrar o "quantum" concreto da pena a aplicar à arguida, aqui na segunda e última operação supra referida, pois que o tipo de ilícito apenas a pena de prisão prevê.

D - Na determinação desse "quantum" concreto haverá que fazer apelo às necessidades de prevenção e à culpa da arguida, na sequência do comando contido no artigo 71º, nº 2 do Código Penal.

E - É afirmação habitual da doutrina, com seguimento jurisprudencial, ­V. g., dos mais recentes, os Acs. do STJ de 24-01-2007 (06P4345J, de 25­10-2006 (06P2938) e de 21-03-2007 (07P790),que a prevenção geral positiva ou de integração, com o intuito de tutela dos bens jurídicos é a finalidade primeira da aplicação de uma pena, não fazendo esquecera prevenção especial ou de socialização, a reintegração do agente na sociedade - art. 40º, nº 1, do CP.

F - Funcionando em "ambivalência" com as necessidades de prevenção, a culpa, a vertente pessoal do crime, o cunho da personalidade do agente tal como vertida no facto, funciona como um limite às exigências de prevenção geral.

G - Assim, o limite máximo da pena fixar-se-á, em função da dignidade humana do condenado, pela medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativa mente se imponham, enquanto o seu limite mínimo é delimitado pelo "quantum" da pena que em concreto ainda realize eficazmente aquela protecção dos bens jurídicos.

H - Apuremos, então, quais os elementos de facto determinantes para a determinação da pena concreta, nos termos do artigo 71º, nº 1 e 2, do Código Penal.

I - Desde logo se deve levar em conta a elevada ilicitude dos factos e a necessidade de tutela efectiva dos bens jurídicos protegidos que, aqui, se limitam aos patrimónios.

J - Haverá que relembrar que a Recorrente agiu com dolo directo e que a sua culpa é intensa.

L - O mesmo não ocorre com a necessidade de prevenção de futuros crimes, já que as circunstâncias da prática dos mesmos exigem maior rigor e severidade, dada a actuação em grupo. É prática que, por imposição de defesa da sociedade, se impõe reprovar seriamente.

M - São, pois, circunstâncias atinentes ao facto, sua forma de execução e à personalidade do agente, que determinarão que a pena proposta cumpra a "função contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada", na terminologia de Jakobs.

N - Entende-se, pois, que se enquadra na culpa do Recorrente a pena de cem dias de multa à taxa diária de cinco euros, que perfaz o montante global de quinhentos euros».

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

Alegou que a recorrente não invocou quaisquer factos que sustentassem o seu pedido, sendo certo que alegou outros de onde decorre que a pena é adequada, mormente a elevada ilicitude, o dolo directo e a culpa intensa.

Nesta Relação, o Sr. P.G.A. pronunciou-se no mesmo sentido.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.


*

FACTOS PROVADOS

5.

Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos, no que à situação económica e financeira da arguida B... respeita:

«…

11. A sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença datada de 21/11/2013;
…».

                                                                                  *

6.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão nos seguintes termos:

«…O tribunal formou convicção nas declarações do arguido a respeito das respetivas condições de vida (social, profissional e familiar), passada e presente, conjugadas com a respetiva informação social e certificado de registo criminal.

…».


*

DECISÃO

Atento o disposto no art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., a questão a decidir respeita à duração da pena de multa aplicada à arguida B... , Ldª.


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Alegou a arguida que, não obstante a elevada ilicitude e necessidade de tutela dos bens jurídicos afectados, que no caso são apenas patrimoniais, não obstante o dolo directo e culpa intensos, «o mesmo não ocorre com a necessidade de prevenção de futuros crimes, já que as circunstâncias da prática dos mesmos exigem maior rigor e severidade, dada a actuação em grupo. É prática que, por imposição de defesa da sociedade, se impõe reprovar seriamente», sendo «circunstâncias atinentes ao facto, sua forma de execução e à personalidade do agente, que determinarão que a pena proposta cumpra a "função contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada"».

Concluiu, depois, que a pena aplicada deve ser reduzida.


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Nos termos do art. 40º, nº 1, do Código Penal as finalidades das sanções penais são «a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», não podendo nunca a pena «ultrapassar a medida da culpa» (art. 40º, nº 2).

À defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, reporta-se a prevenção geral positiva ou de integração, e esta é a finalidade primeira da pena, no quadro da moldura penal abstracta. Depois, a sua fixação estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Fixada a pena é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Relativamente à determinação do quantum exacto de pena será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.

           

            Partindo destas considerações gerais os art. 70º e segs. do Código Penal estabelecem as regras da escolha e medida da pena.

Dispõe o art. 71º, nº 1, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

Acrescenta o nº 2:

«2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».

            Percorridos estes itens a medida da pena é-nos dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, ou seja, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente surge a culpa, que indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.

            A arguida na medida em que defende o abaixamento da pena invoca a desproporcionalidade da pena aplicada relativamente aos factos cometidos.

No entanto dispensa-se de invocar factos de onde uma tal desproporção resulta. Aliás, da exposição feita o que resulta é a concordância da arguida com a pena aplicada, surgindo o pedido final, de abaixamento, como contraditório com o texto.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, na improcedência do recurso confirma-se a decisão recorrida.

Fixa-se em 3 UCs a taxa de justiça.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 5 de Abril de 2017

(Olga Maurício – relatora)

(Luís Teixeira – adjunto)