Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1298/15.5T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EMPREITADA DE BENS DE CONSUMO
DEFEITOS
DENÚNCIA
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS1219, 1220, 1221, 1225 CC, DL Nº 67/2003 DE 8/4
Sumário: 1. - Em contrato de empreitada de reconstrução e substituição do telhado da casa de habitação dos réus (donos da obra), onde estes têm centrada a sua vida, por sociedade empreiteira, que se dedica, para além do mais, a obras de construção civil, se ficou contratada a aplicação de painel sandwish de 5 cm de espessura e a empreiteira aplicou, unilateralmente, painel sandwish de 4 cm de espessura, com um preço de aquisição inferior ao do material contratado, o diferencial de preço deve ser descontado no preço da empreitada, por se tratar de montante em que está lesado o dono da obra.

2. - Tal contrato configura uma empreitada de bens de consumo, com um regime legal específico, mais protetivo e favorável ao dono da obra consumidor.

3. - Este, na denúncia dos defeitos, deve identificá-los, concretizando-os, em termos que permitam à contraparte – um profissional/especialista perante um leigo – compreender a declaração de denúncia, percecionando de que defeitos se trata, como ocorre se é comunicado que a obra apresenta defeitos estruturais que comprometem o uso habitacional da casa, especificando-se que, por defeito de construção (execução na colocação da estrutura, placa sandwish e telha), quando chove logo existem infiltrações pelas paredes a partir da cobertura, provocando danos no interior da habitação, e reforçando-se que o mais grave é a forma como foi colocada a placa sandwish e a telha, permitindo aquelas infiltrações.

4. - Apurado que este defeito, tempestivamente denunciado, decorre da não observação, em obra, das inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante e da omissão das medidas suplementares que garantissem uma total estanquidade do telhado novo, assim permitindo – pela fraca inclinação obtida – a entrada de água das chuvas no seu interior, é o mesmo imputável ao empreiteiro, que tem o dever de eliminação do vício.

Decisão Texto Integral:















Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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I – Relatório

C (…), Ld.ª”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra

A (…) e mulher, I (…), também com os sinais dos autos,

pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 11.029,32, a que acrescem juros de mora, à taxa legal comercial, vencidos, desde 05/06/2015, e vincendos, até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:

- no exercício da sua atividade de construção civil, a A. celebrou com os RR., em junho de 2014, um contrato de empreitada, no âmbito do qual se obrigou a efetuar uma obra na moradia dos RR., consistente na reconstrução e substituição do respetivo telhado, ficando aqueles obrigados a pagar o respetivo preço;

- a A. apresentou um orçamento aos RR., tendo as partes acordado na data de conclusão e no preço, mais elencando os trabalhos realizados;

- durante a execução dos trabalhos, os RR. solicitaram a execução de outras obras e trabalhos, não previstos no orçamento, ascendendo o custo total das obras efetuadas a € 20.029,32;

- tendo havido pagamentos parciais pelos RR., a dívida encontra-se reduzida, quanto ao capital, aos montantes de € 8.589,00 (relativamente aos trabalhos orçamentados) e € 2.440,32 (relativamente aos trabalhos a mais), a que acrescem os juros moratórios peticionados.

Os RR. contestaram, por exceção e impugnação, invocando, designadamente:

- a existência de defeitos estruturais na obra, que diminuem de forma inaceitável o uso da habitação, assim pugnando pela improcedência parcial do pedido formulado pela A., admitindo dever-lhe as quantias de € 206,64, pelos trabalhos a mais, e € 294,09, pelos trabalhos orçamentados, bem como o que resultar da perícia aos trabalhos efetuados pela A., em concreto o valor que for apurado como diferença entre o preço já pago pelos RR. e o valor que for apurado (se superior) da mão-de-obra e materiais aproveitáveis daquilo que foi executado.

Ademais, deduziram pedido reconvencional contra a A., correspondente, no essencial, à quantificação dos invocados defeitos na execução da obra, encontrando-se o peticionado decomposto nos seguintes termos:

1. - Declaração de que a A. executou deficientemente, tanto do ponto de vista técnico como funcional, a obra contratada com o R. marido para substituição do telhado da casa, em virtude de apresentar os defeitos de construção que elenca;

2. - Declaração de que tais defeitos foram comunicados pelo R. marido ao gerente da A., pessoalmente e por telefone, logo que o mesmo se apercebeu da sua existência e também por escrito em 11/06/2015;

3. - Declaração de que os defeitos são estruturais e a sua existência e não retificação provocam ambiente insalubre e diminuem gravemente o fim habitacional do prédio;

4. - Declaração de que a execução da empreitada do ponto de vista técnico e funcional, de modo a impermeabilizar a cobertura da casa de habitação dos RR. e evitar a entrada das águas das chuvas e humidade, exige a retirada da placa sandwich ali colocada e a colocação de placa com dimensões que abranja não só o espaço entre paredes como o espaço das paredes da mesma casa e colocação de remate no topo dos cumes e canal de escoamento nos beirais para alguma água residual que entre pelas telhas ou se forme por condensação interior;

5. - Caso assim não se entenda (quanto ao ponto 4.-), se declare que a reparação dos defeitos importa num valor total de € 7.460,00, acrescido de IVA, à taxa legal, no montante de € 1.715,80;

6. - E declarar-se, em qualquer dos casos, que a reparação dos defeitos na marquise é desaconselhável, sendo que a sua demolição e reconstrução ascende a € 250,00, acrescido de IVA;

7. - Que da demora na execução da obra e deficiente execução resultaram para os RR. danos patrimoniais correspondentes à quantia de € 2.900,00, acrescidos de IVA, num total de € 3.567,00;

8. - Que da demora na execução da obra pela A. e da deficiente execução da mesma resultaram danos patrimoniais cuja reparação demanda a quantia de € 350,00 em reparação de gesso nos tetos, parede de um quarto e hall e na repintura das paredes;

9. - Que da deficiente execução da obra resultaram danos não patrimoniais, de cômputo não inferior a € 2.500,00;

10. - Condenação da A. no reconhecimento de todas as situações referidas e, neste caso, na redução do preço da empreitada para o valor que for apurado pelos peritos como efetivamente devido pelos materiais e mão-de-obra e na restituição da quantia que for apurada excedendo o valor da obra feita;

11. - E caso não seja reconhecido o pedido do ponto 4.-, no reconhecimento das restantes situações, na redução do preço no montante de € 9.175,80 e na restituição, se for o caso, da quantia apurada como excedendo o valor da obra;

12. - Em qualquer dos casos, no pagamento aos RR. da quantia de € 307,50 para a reconstrução da marquise, de € 3.567,00, € 350,00 e € 2.500,00, esta a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A A. replicou, excecionando a caducidade do direito dos RR., por falta de denúncia dos defeitos nos prazos legalmente previstos (tendo a obra sido concluída em outubro de 2014, altura em que foi recebida e aceite pelos RR., sem qualquer reclamação sobre defeitos ou não acabamento, a invocação na contestação/reconvenção é tardia), e concluindo pela procedência daquela exceção de caducidade ou, em todo o caso, pela sua absolvição de todos os pedidos da reconvenção, por não provada esta.

Admitida a reconvenção e saneado o processo, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova – relegando-se para final o conhecimento da exceção de caducidade –, passou-se à instrução da causa, com produção de prova pericial colegial (cfr. relatório de perícia de fls. 172 a 189 do processo físico), perante o que ambas as partes se limitaram a requerer a comparência dos peritos na audiência final, a fim de ali prestarem esclarecimentos orais ([1]) ([2]).

Procedeu-se à audiência final, com produção de provas, designadamente por esclarecimentos orais dos peritos, após o que foi proferida sentença (datada de 16/01/2019), decidindo assim:

«1. Julgar parcialmente procedente a ação, condenando os RR. no pagamento solidário à A. da quantia de € 10.099,80, acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial em vigor, vencidos desde 05.06.2015 até efetivo e integral pagamento.

2. Julgar improcedente a invocada exceção de caducidade do direito dos RR.;

3. Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional;

Custas por A. e RR., na proporção de 5% para a A. e 95% para os RR.» ([3]).

Da sentença vieram os RR. interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

(…)


***

A A./Apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação dos RR., e interpôs recurso subordinado, restrito à parte da sentença que julgou improcedente a exceção de caducidade, apresentando a respetiva alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([4]):

(…)

Os RR. responderam em matéria de recurso subordinado, pugnando pela improcedência deste recurso.


***

Pronunciando-se pela inexistência de nulidade da sentença, o Tribunal a quo admitiu os recursos (principal e subordinado) como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantido o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito dos recursos, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito dos Recursos

Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes recorrentes – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito dos recursos ([5]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, incidindo a impugnação recursiva sobre a decisão da matéria de facto e de direito, cabe saber ([6]):

a) Se ocorre nulidade da sentença, por contradição entre fundamentos e dispositivo [art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.] – conclusões VI a XI dos RR./Apelantes;

b) Se deve lançar-se mão do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª b), do NCPCiv., ordenando-se a produção de nova prova pericial, tendo por objeto o telhado/obra a que se reportou a perícia colegial realizada na 1.ª instância – conclusões XLIX a LI dos mesmos RR.;

c) Se foi devidamente impugnada a decisão de facto e, caso o tenha sido, se merece procedência [al.ªs m), n), p), s), kk), mm) e nn) dos factos dados como não provados, e pontos 25 e 39 dos factos julgados provados] – conclusões XII e segs. dos mesmos RR.;

d) Se ocorreu erro de julgamento em matéria de direito e suas consequências:

1. - Na perspetiva do recurso principal, determinando a improcedência da ação e a procedência da reconvenção (conclusão XXXIV dos mesmos RR.);

2. - Na perspetiva do recurso subordinado, levando à procedência da deduzida exceção de caducidade do direito de ação.


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III – Fundamentação

A) Nulidade da sentença

Como resulta das suas conclusões recursivas, os RR./Apelantes começam por arguir a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., tratando-se, pois, de invocação da causa de nulidade traduzida em contradição/oposição entre os fundamentos e a decisão.

No caso, os Apelantes reportam-se ao “acervo factual dado por provado”, de que resultaria que “a A., não só não colocou a telha indicada”, como ainda “não implementou medidas para garantir a total estanquicidade do telhado” (conclusão VII), vindo o Tribunal recorrido, não obstante esses vícios, a concluir que “a obra não se apresenta como defeituosa” (conclusão VII), assim se evidenciando, a seu ver, a contradição apontada entre fundamentos e decisão.

Cabia, por isso, a tais Apelantes, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontra consubstanciado na sentença apelada aquele vício gerador de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

A norma da al.ª c) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv. reporta-se à oposição entre fundamentos e decisão ou à existência de ambiguidade ou obscuridade geradoras de ininteligibilidade.

Com efeito, dispõe este preceito legal, desde logo, que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Trata-se, por isso, de contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto ou direção diferente ([7]), inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.ºs 667.º e 668.º do anterior CPCiv. ([8]) – hoje art.ºs 614.º e seg. do NCPCiv. –, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Sendo de considerar que a sentença dos autos se apresenta fundamentada – são consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos, em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é também causa de nulidade da sentença, mas apenas em caso de falta absoluta da respetiva fundamentação, posto uma fundamentação insuficiente ou deficiente não constituir causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso –, também não se verifica, salvo o devido respeito, o vício de nulidade por via de contradição.

Assim, reitera-se que diz a parte apelante impor a factualidade dada como provada uma conclusão no sentido de que a obra realizada é defeituosa, não cumprindo esta a sua função ou finalidade, a de garantir o isolamento/estanquicidade da habitação, quanto à sua cobertura, sendo, porém – acrescenta –, que o Tribunal a quo, ao invés, concluiu no sentido de não se tratar de obra defeituosa.

É patente, pois, que a parte recorrente tem uma leitura/interpretação diferente dos factos apurados, por relação à perspetiva acolhida pelo Tribunal, chegando a uma conclusão oposta à adotada na sentença.

Quer dizer, do que se trata é, não de contradição da sentença (entre fundamentos e decisão), mas de discordância (dos RR./Recorrentes) face ao sentido da decisão.

Ora, a discordância perante o sentido da decisão não configura uma nulidade desta, apenas podendo configurar, neste plano, um erro de julgamento de direito, a dever ser apurado em sede de recurso da matéria de direito.

É que, como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão, tal como prevista no dispositivo citado – a problemática a considerar é sempre a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (…). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído” ([9]).

Inexiste, pois, a invocada contradição, improcedendo a arguição de nulidade da decisão recorrida.

B) Produção na Relação de nova prova pericial

Pretendem os RR./Apelantes, por outro lado, que o Tribunal ad quem lance mão do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª b), do NCPCiv., ordenando a produção de nova prova pericial, tendo por objeto o telhado/obra a que se reportou a perícia colegial realizada na 1.ª instância.

Como já expresso em sede de antecedente relatório, ocorreu instrução da causa na 1.ª instância, com produção de requerida prova pericial colegial (v. relatório de perícia de fls. 172 a 189 do processo físico), perante o que ambas as partes se limitaram a requerer a comparência dos peritos na audiência final, a fim de ali prestarem esclarecimentos orais, como veio a ocorrer.

Porém, o Tribunal a quo teve o cuidado de determinar que os peritos prestassem esclarecimentos escritos quanto a “discrepâncias” detetadas, o que foi correspondido através dos esclarecimentos periciais de fls. 201 a 204 do processo físico.

Quer dizer, nenhuma das partes – designadamente, os RR. ora Recorrentes –, apesar da produção da prova em observância integral do princípio do contraditório, requereu esclarecimentos periciais escritos, reclamou contra o relatório pericial (ou seu ulterior esclarecimento), como podia, nos moldes do disposto no art.º 485.º do NCPCiv., ou requereu a realização de segunda perícia, como previsto nos art.ºs 487.º e segs. do mesmo Cód..

Limitaram-se as partes a requerer a presença dos peritos em audiência final, para esclarecimentos verbais, que foram prestados (cfr. art.º 486.º do NCPCiv.), nada mais tendo sido requerido, pelo que foi proferida, finda a audiência, a decisão recorrida.

Assim, é notório que os RR./Apelantes, inconformados com a sentença, pedem tardiamente, junto da Relação, a realização de uma nova perícia, a qual, se para tanto tivessem fundamento probatório, deviam ter pedido no tempo próprio, na 1.ª instância, como “segunda perícia”, a qual, se admitida, haveria de ser ponderada na sentença (v. art.º 489.º do NCPCiv.).

Se a parte não o fez, só de si se pode queixar, traduzindo inconsequente inconformismo, despois do desfecho da ação na 1.ª instância, vir pedir nova prova pericial, sem ter reagido em tempo relativamente ao resultado da perícia efetuada nos autos com o devido contraditório (cfr. conclusões XXXI a XXXIII da apelação dos RR.).

Ficou, pois, ultrapassada a fase da prova pericial, não se justificando renovação de prova ou produção de nova prova na Relação, só requerida perante o desfecho negativo da causa, para os interesses dos RR., observado na sentença, o que traduz inconsequente inconformismo destes.

Ademais, só “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada” (neste caso, pericial) é que é possível a “produção de novos meios de prova” [art.º 662.º, n.º 2, al.ª b), do NCPCiv.], dúvida essa (fundada) que se não suscita a este Tribunal ad quem, em face do relatório pericial colegial junto (que foi valorado, como devia, pela 1.ª instância, inclusive com o complemento de esclarecimentos periciais escritos por determinação do Tribunal e orais em audiência final, estes a requerimento das partes), não podendo o preceito legal em causa servir para, enviesadamente, requerer provas que já muito antes – antes da própria sentença, para que nesta pudessem ser ponderadas, se admissíveis – deveriam ter sido requeridas e que só não o foram por inércia da parte ([10]), o que as torna claramente extemporâneas ou prejudicadas por preclusão.

Com refere Abrantes Geraldes ([11]), é preciso que “se revele a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada susceptível de sanação mediante a produção de novos meios de prova”. E prossegue o mesmo Autor: «(…) não estamos perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que à Relação apenas cumpra corresponder, antes deve ser encarado como um poder/dever conferido à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objectividade, quando percepcione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares».

Assim, não foram modificadas “as regras de distribuição do ónus da prova”, nem foram abolidos “os efeitos que emanam de um sistema em que ainda predomina o princípio do dispositivo”, não podendo “deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, com previsão de efeitos preclusivos que não podem ser ultrapassados só pela livre iniciativa da parte”.

E, adotando o “critério orientador” de ponderação proposto pelo mesmo Autor ([12]) pode dizer-se, em “apreciação crítica da actuação” do Tribunal recorrido, que este agiu, no campo probatório, em matéria de prova pericial, como lhe era exigido, não só acedendo aos pedidos das partes de comparência dos peritos em audiência final para esclarecimentos orais (que foram prestados), como até, e desde logo, notificando os peritos para prévios esclarecimentos escritos (os quais se mostram juntos aos autos), crendo-se que nada mais se lhe impunha fazer, ante a ausência de outros requerimentos das partes (nomeadamente, quanto a eventual segunda perícia), às quais devia caber a iniciativa, no exercício do seu ónus probatório (cfr. art.º 342.º do CCiv.).

Em suma, improcede a requerida produção de nova prova pericial.

C) Impugnação da decisão da matéria de facto

Tendo sido impugnada a decisão de facto em suficiente observância dos ónus legais a que alude o art.º 640.º do NCPCiv., cabe verificar se merece tal impugnação procedência, estando em causa o inconformismo dos RR./Apelantes quanto às al.ªs m), n), p), s), kk), mm) e nn) dos factos dados como não provados e aos pontos 25 e 39 dos factos julgados provados.

(…)

Não se mostra, pois, nesta parte que tenha o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento de facto, não se vislumbrando provas que imponham um julgamento em sentido diverso (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.), nem sequer a “contradição insanável” a que aludem os impugnantes (cfr. conclusão XLVI e segs.), cujas conclusões não podem proceder neste particular.

D) Quadro fáctico da causa

1. - Sindicada a decisão da matéria de facto, em apreciação da respetiva impugnação recursiva, é a seguinte a factualidade provada:

1. A A. é uma sociedade por quotas que se dedica à atividade de construção civil e obras públicas, compra e venda e revenda de edifícios e elaboração de projetos para a construção civil, o que faz habitualmente e com fins lucrativos, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC (…)

2. Os RR. são proprietários e possuidores de uma moradia sita na localidade de (...) , Concelho do (...) , na qual têm instalada a sua habitação e onde vivem;

3. Em junho de 2014, no exercício da sua atividade comercial, a A. efetuou com os RR. e a pedido destes, um acordo pelo qual se obrigou a efetuar uma obra na moradia dos RR. referida em 2), consistente na reconstrução e substituição do respetivo telhado, ficando os RR. obrigados a pagar-lhe o respetivo preço;

4. Para o efeito, a A. apresentou aos RR., e a pedido destes, um orçamento, do qual consta, além do demais teor, o seguinte:

«(…)

Cap.1 Cobertura

1.1. Demolição da cobertura (da casa de residência), incluindo transporte e vazadouro dos produtos sobrantes e demais trabalhos necessários.

1.2. Execução de um pilar e vigas para servir de apoio ao telhado, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários.

1.3. Aplicação de vãos inferiores a 1 metro, com madres de 10cm, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários.

1.4. Fornecimento e colocação de placas sandwich de 5cm, incluindo todo o material e trabalho necessário (inclui ripas para assentamento da telha).

1.5. Fornecimento e aplicação de telha (igual à da casa do Sr. D (...) , exceto as laterais), incluindo todo o material e trabalho necessário.

1.6. Limpeza de todo o espaço envolvente à obra, incluindo transporte e vazadouro dos produtos sobrantes e todos os trabalhos necessários.

1.7. Execução de um pilar, para aumento do telhado, para uma possível marquise.

Acresce de IVA à taxa legal em vigor.

Total: 14.300,00 €.»

5. A mão-de-obra e materiais necessários à execução da obra seriam por conta da A;

6. A A devia concluir a obra até final do mês de outubro de 2014;

7. O preço acordado pelas partes, a pagar pelos RR. à A. como contrapartida pela execução da obra em questão, foi de € 14.300,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, no montante de € 3.289,00, no total, por conseguinte, de € 17.589,00, tendo sido acordado pelas partes que os RR. pagariam à A. metade desta quantia no início da obra e a restante metade quando a obra estivesse concluída;

8. Os RR. aceitaram e concordaram com o orçamento e demais acordado;

9. A A deu início às obras em momento temporal não concretamente apurado mas que se situa entre meados de agosto e a primeira semana de setembro, tendo executado as seguintes:

a. Efetuou a demolição da cobertura da moradia (da casa de residência) dos RR incluindo o transporte para o vazadouro dos produtos sobrantes e demais trabalhos necessários;

b. Aplicou/executou os vãos referidos no ponto 1.3 do orçamento, nas medidas lá referidas, com madres de 10cm, com aplicação de vigas de apoio às placas sandwich, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários;

c. Forneceu e colocou na cobertura placas sandwich de 4cms em alozinco (liga de alumínio e zinco) e aplicou ripas para assentamento da telha;

d. Forneceu e aplicou telha na cobertura, nos termos referidos no ponto 1.5 do orçamento, incluindo todo o material e trabalho necessário;

e. Executou dois pilares, em cimento, a que se referem os pontos 1.2 e 1.7 do orçamento, o que sucedeu na fachada norte da moradia, os quais encimou com viga em forma de arco, de apoio ao telhado, sobre a qual construiu uma parede em blocos, que rebocou, em continuação da parede da varanda do 1.º andar já existente, tendo rebocado essa parede e sobre a mesma construído uma cobertura, que dotou de placas de sandwich e telha idêntica à que foi aplicada no resto do telhado;

f. Findas tais obras e as correspondentes a trabalhos a mais, aludidas em 11), a A efetuou a limpeza de todo o espaço envolvente à obra, incluindo remoção e transporte dos produtos/materiais sobrantes, para vazadouro apropriado;

10. Durante a execução das obras referidas em 9), os RR solicitaram à A a execução de outras obras e trabalhos na moradia não previstas no orçamento;

11. A fachada sul da moradia é dotada ao nível do 1.º andar de uma varanda, a qual era encimada por uma cobertura suportada em três pilares de cimento, cobertura essa constituída por duas partes distintas:

A. Uma das partes, sita do lado nascente e sensivelmente a partir da porta existente na varanda e até à parede virada a poente, era constituída por telhado dotado de telhas;

B. A parte restante, ou seja, situada sensivelmente a partir dessa porta e para o lado poente, era constituída por uma estrutura de caibros de madeira, tendo cerca de 7m de comprimento por 2m de largura;

12. A A substituiu o telhado e a telha da parte da cobertura referido em 11) A), trabalhos esses incluídos no acordo e orçamento;

13. A pedido dos RR e como obra extra, a A retirou a estrutura de caibros de madeira referida em 11) B) e, em sua substituição, executou uma cobertura idêntica à que executou no resto do telhado da moradia, ou seja, aplicou placas sandwich de 4cm, ripas para assentamento do telhado e colocou telha, tendo rematado esse telhado com cimalha idêntica à existente no restante telhado da moradia;

14. Sendo os materiais aplicados nesta obra por conta e pagos pela A;

15. O custo desta obra, incluindo materiais e mão-de-obra foi de € 476,00, acrescido de IVA à taxa legal;

16. Também no decorrer da execução da obra, os RR pediram à A, como obra extra, que efectuasse uma intervenção em parte do logradouro de terra que circunda a sua moradia e que faz parte integrante desta, o que a A aceitou fazer;

17. A intervenção aludida em 16) consistiu em uma parte do logradouro e ocupando extensão não concretamente apurada, a A executar, o que fez, uma placa de cimento, na qual assentou mosaico em toda a área e construiu um muro de suporte em blocos e betão, que rebocou, com cerca de 10m de comprimento e em forma inclinada, tendo na sua parte mais elevada cerca de 1,20m de altura;

18. Numa outra parte do mesmo logradouro e em área também não concretamente apurada, a A executou outra placa de cimento, na qual assentou mosaico, tendo aplicado produto impermeabilizante à base de resina, tendo os materiais aplicados em ambas essas intervenções sido por conta da A, com exceção do mosaico que foi pago pelos RR;

19. O custo das obras referidas em 17) e 18), incluindo materiais e mão-de-obra, com exceção do mosaico, foi de € 700,00, acrescido de IVA à taxa legal, no total de € 861,00;

20. Os trabalhos orçamentados incluíam a colocação de telha nova apenas em toda a área de cobertura da casa;

21. O custo da telha aplicada na dependência da casa, descrita em f) foi de € 784,00, acrescida de IVA à taxa legal, num total de € 964,32;

22. Desta forma, o custo global dos trabalhos a mais, incluindo materiais e mão-de-obra foi de € 1.960,00 (€ 476,00 + € 700,00 + € 784,00), acrescidos de IVA à taxa legal, ou seja, de € 2.410,80;

23. A moradia em que foram efetuadas as obras é o local de residência dos RR, que ali têm instalada a sua habitação e onde habitualmente dormem, confecionam e tomam as refeições e têm organizado o seu centro de vida doméstica;

24. Durante todo este tempo que durou a execução das obras supra descritas, os RR., nomeadamente, o R marido foi diariamente acompanhando, visualizando e vistoriando as obras e trabalhos e acompanhando a sua execução;

25. A A. terminou as obras na primeira semana de outubro, tendo executado as obras e aplicado os materiais [ALTERADO];

26. Após a conclusão das obras, o representante legal da A comunicou tal facto aos RR, que do mesmo ficaram cientes;

27. Tendo os RR ficado em condições de observarem, verificarem e constatarem as obras realizadas pela A., o que fizeram;

28. Não tendo apresentado perante a A, logo nessa altura ou nos meses seguintes qualquer reclamação quanto à execução das obras e à sua conformidade com o acordado;

29. Por conta da quantia total referida em 7), os RR pagaram à A a quantia de € 5.000,00, por cheque, em 17.09.2014, e a de € 4.000,00, por cheque, em 28.11.2014, tendo o débito ficado reduzido a € 8.589,00;

30. A A solicitou aos RR o pagamento das quantias devidas, sem sucesso, por diversas vezes, apesar de os RR prometerem fazê-lo, alegando estarem com dificuldades na movimentação do dinheiro que tinham depositado no Banco X (...) devido aos problemas que o Banco X (...) atravessava à data;

31. Por via de Advogado, a A enviou missiva datada de 04.06.2015 ao R. marido, que aqui se dá por reproduzido e onde, além do demais teor, consta o seguinte:

«(…)

Escrevo a V.Ex.ª, na qualidade de Advogada da firma C(…), L.da (…) a fim de lhe enviar fatura n.º2015/14 e recibos 2015021 e 2015022.

Conforme pode confirmar através da fatura e recibos agora enviados, ainda se encontra pendente o valor de 8.589,00 euros, referente aos serviços já prestados e orçamentados em 17/06/2014.

Mais o informo que, como é do seu conhecimento, foram acordados entre V.Ex. e o sócio gerente da minha constituinte, o Sr. A (...), alguns trabalhos extra que já se encontram executados e que passo a enumerar:

a) Um telheiro, no valor de € 500,00

b) Arrnajo no terraço da sua moradia, no valor de € 700,00

c) Fornecimento de telha para uma dependência de arrumos, no valor de € 784,00

A estes valores acresce IVA à taxa legal.

Assim, tem V.Ex.ª um débito para com a minha constituinte no valor global de (…), pelo que agradeço a V.Ex.ª que diligencie no sentido de efetuar o pagamento junto da minha constituinte. Àquele montante acresce o valor referente a juros de mora calculados à taxa legal.

Após terem sido feitas várias tentativas pela minha constituinte no sentido de V.Ex.ª regularizar o débito que tem com a mesma e todas elas terem saído frustradas, ficarei a aguardar que efetue o pagamento até ao próximo dia 17 de junho de 2015.

(…);»

32. O R recebeu a carta referida em 31), não tendo até ao presente dia (por referência à data de entrada em juízo da p.i.) pago as quantias solicitadas;

33. Em resposta à carta transcrita em 31), o R marido enviou à A a carta datada de 11.06.2015, que aqui se dá por reproduzida, onde além do demais teor, consta o seguinte:

«(…)

Assunto: Notificação.

Fica os senhor notificado na qualidade de gerente da firma C(…) de que a obra acima referenciada e cuja construção foi contratada com a referida firma não se encontra acabada e a EXECUÇÃO FEITA apresenta defeitos estruturais que tornam a utilização da casa bastante precária designadamente quando ocorrem chuvas.

Com efeito, por defeito de execução na colocação da estrutura, placa sandwich e telha, logo que acontecem chuvadas, existem infiltrações pelas paredes a partir da cobertura que já provocaram estragos sérios no revestimento e pisos das várias divisões nos primeiro e segundo andares, cuja reparação me custou a quantia de € 3.000,00 em limpeza de paredes, pintura das mesmas, recolagem de tacos (…) afagamento dos mesmos e envernizamento.

Perante as chuvadas de setembro de 2014 vi-me obrigado com a família a tapar a cobertura com plásticos, pois o senhor deixou o telhado por acabar e sem qualquer proteção, para além de ter passado noites inteiras a apanhar e a limpar águas das infiltrações.

O mais grave é a forma como foi colocada a placa sandwich e a telha permitem e permitirão as referidas infiltrações transformando a minha casa que era pelo menos impermeável à água das chuvas numa casa imprópria para viver devido a tais infiltrações.

Deste modo, fica o senhor notificado, na qualidade de gerente da C(…), para proceder à correção dos defeitos, que passa obviamente por eliminar os defeitos existentes na colocação da cobertura da casa e anexos existentes.

Caso não execute as obras dentro do prazo de 30 dias, dada a urgência da execução da correção dos defeitos, terei de recorrer a trabalho de terceiros, que farei após decurso daquele prazo e caso o senhor nada diga nem se prontifique a retificar a obra.

(…);»

34. Em dia e hora não concretamente apurados, a A fez chegar à obra dois trabalhadores para tapar a cobertura do prédio (com plásticos ou toldos);

35. O painel sandwich, tal como se encontra aplicado na obra, tem a função térmica, acústica e estrutural (sustentação de telha) através da aplicação de ripa sobre o painel;

36. Se for, como o foi, colocada telha sobre o painel sandwich, a finalidade de isolamento de humidades e águas pluviais é executada pelo telhado formado pelo conjunto das respetivas telhas, o qual é colocado imediatamente por cima da placa/painel sandwich, que dessa forma lhe serve de suporte e base de sustentação;

37. Numa construção corrente, não faz sentido aplicar painel sandwich com funções de isolamento de águas pluviais e, simultaneamente, por cima do painel, aplicar telhado cerâmico com a mesma função;

38. A não ser que a inclinação da pendente indicada pelo fabricante não seja respeitada, havendo assim de prever um elemento suplementar que garanta a estanquidade do telhado;

39. A A aplicou o painel sandwich quer ao nível de beirados, quer ao nível de alçados sustentando-o em metade da respetiva parede, em cerca de 10cm das mesmas, já que as paredes têm a largura de 20cm e aplicando no remate à parede material isolante de poliestireno expandido;

40. E tendo como base de sustentação esse painel sandwich, a A colocou telhas em toda a área do telhado da casa, o qual é constituído por diversas partes ou “águas” de diversos tamanhos e desniveladas entre si;

41. As telhas foram corretamente colocadas mas não foram respeitadas as inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante, nem foram implementadas medidas suplementares que garantam total estanquidade do telhado;

42. Com esta fraca inclinação, em dias de vento de sul, pode “empurrar” alguma água para debaixo das telhas;

43. O telhado da casa é constituído por 11 águas ou faces, de diferentes tamanhos, situados em locais diferentes e desnivelados entre si;

44. A A não fez o remate dos cumes dos painéis sandwich com chapa ou fecho com chapa mas fez o remate com material isolante, espuma de poliuretano expandido;

45. E não aplicou com chapa, que não é tecnicamente recomendável;

46. A impermeabilização e isolamento térmico de uma cobertura de casa dos RR não exige que a placa tipo sandwich abranja além do espaço interior das paredes a sobreposição da mesma sobre o espaço dessas paredes;

47. A impermeabilização da cobertura não exige a colocação de remate no cume do telhado sobre as placas sandwich ai confluentes;

48. Os RR encarregaram terceira pessoa de proceder a obras na sua casa, que consistiram em:

A. Mão-de-obra na reparação de pintura e gessos e afagamento e envernizamento de tacos de madeira - € 1.970,00 + Iva;

B. Tintas, gesso e verniz - € 930,00 + Iva;

49. Tendo-lhe pago a quantia de € 2.900,00, acrescida de IVA a 23%, num total de € 3.567,00;

50. O R. marido não é técnico nem construtor civil, apesar de ter seguido as obras e até ter ajudado nalguns tipos de trabalhos;

51. Foi orçamentado aos RR o custo de € 350,00 para reparação do gesso do teto e paredes e repintura das paredes existentes num dos quartos e hall;

52. O valor da mão-de-obra e materiais recuperáveis na obra executada pela A, se tiver de ser retirada toda a placa sandwich ali colocada implicaria o seguinte:

i. Retirar telha cerâmica lusa e elementos de fixação, incluindo limpeza e armazenamento das telhas intactas para posterior utilização e transporte de resíduos para gestor licenciado: 160m2 x 1,00m2 = 160,00 euros + IVA (um dia de trabalho para dois homens);

ii. Retirar painel sandwich existente, incluindo limpeza e transporte de resíduos para gestor licenciado = 160m2 x 2,00€ = 320,00 euros + IVA;

iii. Valor do material recuperável – será o da telha que se estima em 75% da telha existente, o que perfaz um valor de 160m2 x 0,75 x 10€ = 1200€ + IVA;

53. A impermeabilização da cobertura não exige a colocação, na parte mais baixa do declive do telhado, caleira para receção e condução de águas de chuva que se infiltrem pelas telhas e águas resultantes de condensação entre telhas e placa sandwich;

54. Se tiver de ser aplicada nova placa sandwich, o fornecimento e aplicação do painel de 5cm terá um custo de € 3.744,00.

55. O valor da diferença no custo dos painéis sandwish (5 cm, em vez de 4 cm) ascende a € 288,000 (tendo em conta um total de 160 m2) [ADITADO].

2. - E foi julgado com não provado:

«a. Que já após a apresentação do orçamento, as partes tenham acordado em aplicar na obra placas de 4 cm ao invés de 5 cm;

b. Que no âmbito do acordo celebrado entre as partes, tenha sido inicialmente acordado que no telhado da dependência da moradia dos RR a A aplicaria telhas retiradas e aproveitadas do telhado antigo da casa;

c. Que os valores referidos em 15) e 19) tenham sido acordados e aceites pelos RR;

d. Que a extensão da intervenção referida em 17) tenha sido de 30m2 e em 18) tenha sido de 10m2;

e. Que os trabalhos orçamentados incluíssem a colocação de telha nova também nos anexos intervencionados;

f. Que nas obras e materiais contemplados no orçamento estivesse incluída a substituição da telha da cobertura de uma dependência de arrumos situada na parte posterior da moradia dos RR por telha que seria aproveitada e proveniente do telhado da moradia a substituir pela A;

g. Que quando a A se aprestava para colocar essa telha na cobertura da dita dependência, os RR, e tendo em conta que a telha a aproveitar estava velha, descolorida e desgastada, tenham pedido à A que antes aplicasse na cobertura dessa dependência telha nova e idêntica à aplicada no resto do telhado da moradia, ficando os RR com tal encargo;

h. Que a comunicação referida em 26) tenha sido imediatamente;

i. Que o teor da carta transcrita em 33) corresponda a um expediente para os RR se furtarem ao pagamento à A das quantias peticionadas;

j. Que o começo da obra tivesse sido acordado para o mês de julho de 2014;

k. Que entretanto a A tenha aceite a obra de um emigrante e que só depois da execução desta durante os meses de julho/agosto tenha iniciado a obra da casa dos RR, ou seja, já em setembro, tendo retirado a telha a partir de 08.09;

l. Que se tenha ficado por aí e que não tenha encomendado e levado para a obra a telha e a placa sandwich a aplicar;

m. Que em 14.09.2014, já com a cobertura de todo o telhado fora do edifício e sem a nova cobertura, pelas 05:00 da manhã tenha começado a chover intensamente e que os RR e família tenham tentado evitar o pior colocando plásticos na cobertura da casa, já sem telha;

n. Que as chuvas tenham durado 15 dias, que tenha havido infiltração de águas e humidades e que a família dos RR tivesse de dormir em camas cobertas de plásticos e de retirar quase permanentemente água e que esta escorresse pelas paredes e tetos e se acumulasse nas divisões dos pisos;

o. Que o gerente da A. nada tenha feito e que só dias depois, entre 20 e 21.09, tenha chegado à obra um rolo de plástico preto para tal efeito;

p. Que o resultado tenha sido aparecerem bolores nos tetos das divisões, maus cheiros, descolagem do papel de parede em algumas divisões e os tacos em madeira dos pisos descolarem-se e estragarem-se com a humidade neles infiltrada;

q. Que somente em outubro o gerente da A tenha vindo verificar a situação, após muitos telefonemas a ele dirigidos pelo R marido;

r. Que o R marido tenha verificado que a reconstrução do telhado não estava a ser feita de modo a impermeabilizar por completo a cobertura;

s. Que a A em vez de colocar a placa sandwich a abarcar a largura das paredes da casa, tanto nos alçados como nos beirados, a tenha colocado apenas entre as paredes;

t. Que o R marido tenha advertido os trabalhadores e o gerente da A que daquela forma a sua casa certamente iria meter água pelo telhado;

u. Que só por volta de 20.12 o gerente da A se tenha deslocado à casa dos RR, que tenha constatado os estragos da humidade, pois tinha chovido um pouco, e que tenha dito: deixamos passar o Natal e no dia 02.01 já vimos arranjar tudo;

v. Que tenha passado janeiro, fevereiro e que apesar de telefonemas frequentes e diários do R marido para o gerente da A: o que o R marido recebia quando era atendido era insultos;

w. Que tenha sido o R marido a preparar o terreno para receber placa de cimento com área de 12,42m2;

x. Que os preços dos trabalhos a mais tenham sido comunicados aos RR apenas com a carta datada de 04.06.2015;

y. Que desde o início dos trabalhos, designadamente, da colocação da placa sandwich interiormente às paredes da casa e a não cobrir as paredes, o R marido tenha reclamado junto da A e que tenha comunicado a esta que a obra, assim realizada, não iria impedir a entrada de água pelo telhado;

z. Que o R. marido tenha constatado logo após a conclusão da cobertura e a chegada das primeiras chuvas que a cobertura do telhado deixava infiltrar água e humidade e que tenha avisado o gerente da A telefonicamente de tal situação e dos prejuízos inerentes;

aa. Que o gerente da A não lhe atendesse o telefone ou que quando o atendia o insultasse e que nunca se tenha deslocado à obra em tempo útil de forma a agir e evitar prejuízos com infiltração de águas e humidades na casa dos RR;

bb. Que apenas se tenha deslocado à casa em meados de outubro;

cc. Que os RR tenham sempre respondido às solicitações aludidas em 30) e que respondessem que pagariam quando os defeitos existentes fossem corrigidos;

dd. Que os danos aludidos em 51) tenham ocorrido por força de chuvas de agosto de 2015;

ee. Que a A tenha deixado no local da obra os restos da placa sandwich sem autorização do R.;

ff. Que não tenham sido efetuados os arejamentos nos sótãos (execução de furos e respetivos tubos);

gg. Que inexista depósito de telhas de substituição;

hh. Que tenha havido falta de limpeza do cimento nas varandas e gradeamento;

ii. Que as paredes das marquises tenham sido executadas em desalinhamento;

jj. Que a existência dos defeitos apontados de ee) a ii) sejam hoje ainda visível e que a existência dos mesmos torne insalubre a habitação e diminua drasticamente as condições de habitabilidade da casa;

kk. Que se exija a realização dos seguintes trabalhos, caso a correção dos alegados defeitos pudesse ser feita sem a substituição do painel sandwich:

- mão-de-obra e materiais para execução de caleira e a encaminhe para o exterior, no valor de € 4.896,00;

- Valor da diferença no custo dos painéis sandwich (5cm vs 4cm) - € 400,00;

-Mão-de-obra e materiais necessários à execução do fecho com chapa apropriada dos remates nos cumes dos painéis sandwich - € 1.464,00;

- Mão-de-obra e materiais para completar remate das telhas e rincão - € 50,00;

- Custos de recolha e transporte a vazadouro de produtos sobrantes da obra - € 40,00;

-Custos de mão-de-obra e materiais para efetuar arejamentos nos sótãos - € 300,00;

- Custo de telhas de substituição iguais às aplicadas na obra - € 110,00;

- Custo do trabalho de limpeza de cimento nas varandas e gradeamentos - € 200,00;

Total: € 7.460,00, acrescido de IVA à taxa legal no valor de € 1.715,80;

ll. Que a marquise tenha de ser demolida e que a sua demolição e reconstrução ascenda a € 250,00 + IVA (€ 57,50), num total de € 307,50;

mm. Que durante 15 dias do mês de setembro de 2014 e enquanto duraram as chuvas, os RR e família tenham vivido em desassossego permanente, dormido mal e com as camas cobertas por plásticos, em ambiente húmido, tendo ainda de recolher, por vezes durante a noite e a horas de sono, a água que se infiltrava e acumulava nos pisos das várias divisões;

nn. Que tais situações tenham provocado nos RR revolta, indignação e stress e impotência e que lhes tenha perturbado o curso normal da vida e tranquilidade.».

D) Matéria de direito

1. - Dos vícios da obra contratada

Ultrapassada a impugnação da decisão da matéria de facto e fixado, em termos definitivos, o quadro fáctico da causa – é o respetivo factualismo, e só este, o atendível para decisão do recurso –, cabe conhecer de direito, matéria a que os RR./Recorrentes dedicaram as conclusões XXXV e segs. da sua apelação (até aí forneceram, no essencial, elementos e razões para alimentar a sua impugnação da decisão de facto).

Neste âmbito, começam por defender que deveria ter sido considerado o diferencial de preço, que pretendem ser de € 400,00, entre a aplicada chapa sandwish de 4 cm de espessura e a convencionada de 5 cm de espessura.

Ora, por força de alteração fáctica introduzida pela Relação, na sequência da impugnação da decisão de facto, vem agora provado que esse diferencial ascende a € 288,000 [cfr. facto 55, conjugado com os factos dos pontos 4 (subponto 1.4) e 9, al.ª c), todos do quadro fáctico apurado].

Assim, haverá de considerar-se o diferencial, não de € 400,00 – não apurado –, mas de € 288,00, em que os RR. (donos da obra) se encontram lesados, por desconformidade, imputável à A. (empreiteira), entre o acordado/contratado e o efetivamente realizado por esta, que aplicou material mais barato em vez do contratado (mais dispendioso).

Termos em que assiste parcial razão aos RR./Recorrentes, na parcial procedência, nesta vertente, da sua apelação.

Para além disso, refere esta parte que, dando-se como provados os factos dos pontos 35 a 42, está a confirmar-se o caráter defeituoso da obra, visto o telhado, no seu conjunto, não cumprir a sua finalidade natural, a de garantir a impermeabilização da habitação, o que obrigaria à procedência do pedido reconvencional (conclusões XXXIX a XLI).

Revisitemos os pontos convocados, com o seguinte teor relevante:

«35. O painel sandwich, tal como se encontra aplicado na obra, tem a função térmica, acústica e estrutural (sustentação de telha) através da aplicação de ripa sobre o painel;

36. Se for, como o foi, colocada telha sobre o painel sandwich, a finalidade de isolamento de humidades e águas pluviais é executada pelo telhado formado pelo conjunto das respetivas telhas, o qual é colocado imediatamente por cima da placa/painel sandwich, que dessa forma lhe serve de suporte e base de sustentação;

37. Numa construção corrente, não faz sentido aplicar painel sandwich com funções de isolamento de águas pluviais e, simultaneamente, por cima do painel, aplicar telhado cerâmico com a mesma função;

38. A não ser que a inclinação da pendente indicada pelo fabricante não seja respeitada, havendo assim de prever um elemento suplementar que garanta a estanquidade do telhado;

39. A A aplicou o painel sandwich quer ao nível de beirados, quer ao nível de alçados sustentando-o em metade da respetiva parede, em cerca de 10cm das mesmas, já que as paredes têm a largura de 20cm e aplicando no remate à parede material isolante de poliestireno expandido;

40. E tendo como base de sustentação esse painel sandwich, a A colocou telhas em toda a área do telhado da casa, o qual é constituído por diversas partes ou “águas” de diversos tamanhos e desniveladas entre si;

41. As telhas foram corretamente colocadas mas não foram respeitadas as inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante, nem foram implementadas medidas suplementares que garantam total estanquidade do telhado;

42. Com esta fraca inclinação, em dias de vento de sul, pode “empurrar” alguma água para debaixo das telhas;» (destaques aditados).

Quer dizer, a A. colocou painel sandwish e, sobre este, telhas em toda a área do telhado da casa, sendo que, apesar dessa dupla cobertura, não foi resolvido o problema da total estanquidade do telhado.

Ora, é essa – a de total estanquidade – a função de qualquer telhado novo de uma normal casa de habitação, resultado que tem de ser garantido pelo empreiteiro que procede à realização da obra de colocação de um tal telhado novo.

No caso, não logra o realizado telhado novo (até com aquela dupla cobertura) cumprir integralmente a função para que foi aplicado, posto, «em dias de vento de sul, pode[r] “empurrar” alguma água para debaixo das telhas», com as decorrentes possíveis infiltrações. Temos, pois, um vício.

Resta saber a quem é o mesmo imputável.

Prova-se, como visto, que a A. (empreiteira), na execução da obra, não agiu por forma a serem respeitadas as inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante, sendo que também não foram – e deviam sê-lo – implementadas medidas suplementares que garantissem uma total estanquidade do telhado.

Por isso, com a fraca inclinação adotada na feitura da obra, o vento de sul pode “empurrar” água para debaixo das telhas, gerando infiltrações no interior, o que só pode ser imputado a quem realizou a obra, posto não ter implementado – como apurado – medidas que se apresentavam como necessárias para garantir a pretendida e necessária total estanquidade do telhado.

Os RR., de permeio ao emaranhado de pedidos da sua reconvenção, pediram a “Declaração de que a execução da empreitada (…), de modo a impermeabilizar a cobertura da casa de habitação dos RR. e evitar a entrada das águas das chuvas e humidade, exige a retirada da placa sandwich ali colocada e a colocação de placa com dimensões que abranja não só o espaço entre paredes como o espaço das paredes da mesma casa e colocação de remate no topo dos cumes e canal de escoamento nos beirais para alguma água residual que entre pelas telhas ou se forme por condensação interior” (destaque aditado).

Tal corresponde, em adequada interpretação (virada para soluções de justiça material, que não meramente formal, segundo a filosofia subjacente ao NCPCiv.), à pretensão de reparação dos defeitos comprovados no telhado e geradores de possíveis infiltrações, não se apurando que não possam ser suprimidos, pelo que os RR. têm direito a exigir da A. a sua reparação/eliminação, nos termos do disposto no art.º 1221.º, n.º 1, do CCiv., caso não proceda a exceção de caducidade, matéria que se apreciará adiante.

Porém, o defeito a eliminar é apenas o anteriormente aludido, de acordo com a factualidade provada: o decorrente de não terem sido observadas as inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante, nem terem sido implementadas medidas suplementares que garantissem uma total estanquidade do telhado, assim permitindo – pela fraca inclinação da obra – entrada de água no interior (debaixo das telhas). E não mais.

2. - Da exceção de caducidade

No seu recurso subordinado, versando apenas sobre a exceção de caducidade do direito dos RR./Reconvintes quanto a defeitos da obra, vem a A./Recorrente insurgir-se contra o veredito de improcedência dessa matéria de exceção, tal como proferido na decisão em crise.

Nesta expendeu-se assim:

«(…) a este caso se aplica o regime previsto no art.º 1225.º do Código Civil, na medida em que as obras concretas em apreço correspondem a obras de reparação (dado implicar a retirada e substituição, na génese, da cobertura da casa) de imóvel destinado por sua natureza a longa duração, porquanto se trata da casa de morada de família dos RR.

Assim sendo, preceitua o n.º 2 do normativo citado que “a denúncia (…) deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.”

Alega a A que os RR não denunciaram os alegados defeitos que só agora alegam na contestação/reconvenção dado que concluiu a obra em outubro de 2014, tendo os RR recebido e aceite a obra, não tendo enviado qualquer carta, antes tendo-lhe entregue dois cheques respetivamente em 17.09.2014 e 28.11.2014.

Mais alegam que em 11.06.2015 os RR lhes enviaram uma carta, mas onde não são denunciados os defeitos que ora discriminam, fazendo-o de forma vaga e genérica, o que, na perspectiva da A., não consubstancia denúncia de defeitos nos termos do disposto nos artigos 1220.º e 1225.º, ambos do Código Civil.

(…)

Certo é, também, que não resultou provado que tivessem sido feitas pelo R. marido a representante ou trabalhador da A. previamente à carta datada de junho de 2015 quaisquer reclamações ou queixas ao trabalho desenvolvido.

(…)

Com interesse, e cronologicamente, resultou provado o envio da carta datada de 04.06.2015 pela A. aos RR, interpelando estes para o pagamento do valor ainda em dívida, na perspectiva daquela e a resposta dos RR. àquela carta por via de missiva datada de 11.06.2015.

Esta tem como epígrafe “notificação” e do seu teor resulta a imputação de que (…) a execução da obra apresenta defeitos estruturais que tornam a utilização da casa bastante precária designadamente quando ocorrem chuvas.

Invoca a A. que tal não pode ser tido como uma verdadeira reclamação.

Permitimo-nos discordar p[o]is, ainda que não de forma exaustiva, sempre os RR. descreveram os defeitos e os efeitos destes na sua moradia, interpelando a A. a corrigi-los, pelo que não tendo decorrido 01 ano desde outubro de 2014 e junho de 2015, a denúncia afigura-se tempestiva e, consequentemente, improcedente a invocada caducidade do direito dos RR.» (itálico aditado).

Contrapõe a A./Recorrente com o disposto no art.º 1219.º, n.º 1, do CCiv., segundo o qual o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles.

Invoca, para tanto, os factos provados dos pontos 24, 26, 27, 28 e 29, de que “resulta que a Autora concluiu a obra em Outubro/2014, os RR ali vivendo na moradia diariamente foram acompanhando a execução das obras dia a dia, a Autora após a conclusão das obras comunicou tal facto aos RR, que disso ficaram bem cientes, ficando em condições de a observarem, verificarem, constatarem as obras, o que fizeram, não tendo apresentado perante a A. logo nessa altura ou nos meses seguintes qualquer reclamação”, antes tendo até efetuado pagamentos.

Ora, dir-se-á que também resulta provado que o R. marido não é técnico nem construtor civil, apesar de ter seguido as obras e até ter ajudado nalguns tipos de trabalhos (facto 50).

Trata-se, pois, de um leigo em matérias de empreitada de construção civil e de obras em casas de habitação, lidando, porém, com um profissional, a sociedade A., por isso melhor apetrechada, desde logo por via de melhores conhecimentos de construção e com superior organização/preparação técnica.

Bem se compreende que pudesse ter passado despercebido aos RR. o facto de a espessura do painel sandwish aplicado ser inferior à acordada, não lhes sendo exigível que, em postura de total desconfiança, fossem medir aquela espessura aquando da conclusão e aceitação da obra.

Tal como não lhes era exigível, num relacionamento contratual normal entre as partes, que fossem de imediato realizar testes de estanquicidade, para saber desde logo se o telhado novo permitia, não obstante tal novidade, a entrada de águas das chuvas para o interior.

O que seria normal e compreensível era que tais testes apenas viessem a ser realizados depois de se constatar que, por força das chuvas subsequentes à conclusão da obra, a água entrava para o interior, pelo telhado, não obstante a dita novidade daquele e a dupla cobertura (com painel sandwish e telhas).

A aceitação da obra não implica, sem mais, o conhecimento dos defeitos – mormente daqueles que só venham a revelar-se posteriormente –, conhecimento esse que não se presume quanto a defeitos não aparentes (cfr. art.º 1219.º, n.º 2, a contrario, do CCiv.), antes tendo de ser demonstrado por aquele a quem aproveita.

Ora, dos invocados pontos fácticos 24 e 26 a 29 não resulta que os RR., meros leigos em matérias de construção civil – sem que resulte que se tenham socorrido de um técnico para verificação da obra ([13]) –, tivessem conhecimento, ao tempo da aceitação da obra, dos defeitos ora em questão, nem se presume tal conhecimento ([14]) e muito menos aceitação deles ([15]).

Questão diversa – e reiteradamente trazida aos autos – é a de saber se a reclamação dos defeitos pelos RR., por carta remetida dentro do prazo de um ano subsequente à conclusão e aceitação da obra, é válida e eficaz ou se, ao invés, não concretiza, de forma factual e precisa, os específicos problemas que permitam ao Tribunal concluir pela existência ou inexistência desses defeitos.

Nesta parte, cabe dizer que se concorda com a apreciação da 1.ª instância.

Com efeito, da carta consta claramente a indicação dos defeitos em questão: ali se refere que a obra apresenta defeitos estruturais que comprometem o uso habitacional da casa, designadamente quando ocorrem chuvas, especificando-se que, por defeito de construção (execução na colocação da estrutura, placa sandwish e telha), quando chove logo existem infiltrações pelas paredes a partir da cobertura, provocando diversos danos no interior da habitação (danos esse que também são concretizados), e reforçando que “O mais grave é a forma como foi colocada a placa sandwish e a telha permitem e permitirão as referidas infiltrações (…)”.

E os RR. terminam a carta notificando a A. “para proceder à correção dos defeitos, que passa obviamente por eliminar os defeitos existentes na colocação da cobertura (…)”.

Em suma, se a reclamação contra os vícios deve corporizar-se em “denúncia dos defeitos”, sob pena de caducidade (art.º 1220.º, n.º 1, do CCiv.), o que implica concretização/descrição/identificação bastante das anomalias detetadas/existentes, no caso os RR., na veste de meros consumidores, leigos em matéria de construção civil, procederam a concretização bastante, permitindo claramente à A. saber de que defeitos se tratava.

Donde que, ao invés da A./Recorrente, seja de concluir, como na sentença, por terem os RR. reclamado/denunciado os defeitos, por carta tempestiva, em moldes factuais, concretos e suficientemente precisos, permitindo ao respetivo declaratário (a A., destinatária da carta), ademais um especialista, conhecer os vícios invocados, sem margem para dúvida razoável.

Corporizada está, pois, uma tempestiva e eficaz denúncia de defeitos da obra, afastando a excecionada caducidade, assim improcedendo as conclusões da A./Recorrente em contrário.

Em síntese:

a) Não demonstrada a exceção de caducidade dos direitos dos RR.;

b) Haverá de deduzir-se o montante de € 288,00, em que os RR. (donos da obra) se encontram lesados, à sua demonstrada dívida perante a A., a qual assim se mostra credora do montante de € 9.811,80 (correspondente a € 10.099,80 - € 288,00);

c) E haverá, ainda na parcial procedência da reconvenção, de condenar-se, em substituição ao Tribunal a quo, a A. a eliminar o defeito decorrente da não observação das inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante e da omissão das medidas suplementares que garantissem uma total estanquidade do telhado novo, o qual permite – pela fraca inclinação da obra – a entrada de água das chuvas no interior (por debaixo das telhas), cuja correção se impõe.  

                                                 ***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Em contrato de empreitada de reconstrução e substituição do telhado da casa de habitação dos réus (donos da obra), onde estes têm centrada a sua vida, por sociedade empreiteira, que se dedica, para além do mais, a obras de construção civil, se ficou contratada a aplicação de painel sandwish de 5 cm de espessura e a empreiteira aplicou, unilateralmente, painel sandwish de 4 cm de espessura, com um preço de aquisição inferior ao do material contratado, o diferencial de preço deve ser descontado no preço da empreitada, por se tratar de montante em que está lesado o dono da obra.

2. - Tal contrato configura uma empreitada de bens de consumo, com um regime legal específico, mais protetivo e favorável ao dono da obra consumidor.

3. - Este, na denúncia dos defeitos, deve identificá-los, concretizando-os, em termos que permitam à contraparte – um profissional/especialista perante um leigo – compreender a declaração de denúncia, percecionando de que defeitos se trata, como ocorre se é comunicado que a obra apresenta defeitos estruturais que comprometem o uso habitacional da casa, especificando-se que, por defeito de construção (execução na colocação da estrutura, placa sandwish e telha), quando chove logo existem infiltrações pelas paredes a partir da cobertura, provocando danos no interior da habitação, e reforçando-se que o mais grave é a forma como foi colocada a placa sandwish e a telha, permitindo aquelas infiltrações.

4. - Apurado que este defeito, tempestivamente denunciado, decorre da não observação, em obra, das inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante e da omissão das medidas suplementares que garantissem uma total estanquidade do telhado novo, assim permitindo – pela fraca inclinação obtida – a entrada de água das chuvas no seu interior, é o mesmo imputável ao empreiteiro, que tem o dever de eliminação do vício.

                                                 ***

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso principal, interposto pelos RR./Apelantes:
1. - Assim fixando, em substituição ao Tribunal a quo, o montante devido por aqueles à A. em € 9.811,80 (nove mil oitocentos e onze euros e oitenta cêntimos), a que acrescem juros como definido na sentença;
2. - E condenando a A./Reconvinda, na parcial procedência da reconvenção, a eliminar o defeito, supra referido, decorrente da não observação, em obra, das inclinações mínimas recomendadas pelo fabricante e da omissão das medidas suplementares que garantissem uma total estanquidade do novo telhado/cobertura, o qual permite, por isso, a entrada de água das chuvas no seu interior;
b) Improcedendo no mais tal recurso;
c) Julgar improcedente o recurso subordinado (da A.), mantendo nessa parte a sentença recorrida.
Custas do recurso principal por A./Recorrida e RR./Recorrentes na proporção de 1/3 por aquela e 2/3 por estes.
Custas do recurso subordinado pela A./Recorrente, ante o seu total decaimento nesse âmbito.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 05/11/2019

         

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Cfr. fls. 192 v.º (A.) e 194 v.º (RR.).
([2]) Não obstante isso, o Tribunal a quo teve o cuidado de determinar que os peritos prestassem esclarecimentos escritos quanto a “discrepâncias” detetadas (cfr. despacho de fls. 199), o que foi correspondido através dos esclarecimentos periciais de fls. 201 a 204 do processo físico.
([3]) Cfr. fls. 251 v.º do processo físico.
([4]) Que se deixam transcritas.
([5]) Exceptuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([6]) Segue-se uma ordem lógica de enunciação das questões a decidir, caso nenhuma delas resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([7]) Assim o Ac. STJ, de 14/01/2010, Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos), com sumário disponível em www.dgsi.pt.
([8]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 23/05/2006, Proc. 06A1090 (Cons. Sebastião Póvoas), em www.dgsi.pt.
([9]) Cfr., por todos, o Ac. TRL, de 01/10/2013, Proc. 4638/08.0TCLRS.L1-7 (Rel. Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido os Acs. STJ, de 14/01/2010, Proc. 1885/04.7TBMTS.S1 (Cons. Alberto Sobrinho), da mesma data mas no Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos) e de 25/03/2009, Proc. 09B0412 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), todos em www.dgsi.pt.
([10]) Os art.ºs 485.º (quanto a reclamações pelas partes) e 487.º (quanto a requerimento de segunda perícia), ambos do NCPCiv., encerram claras remissões para prazos legais de exercício, com natureza perentória, imperativa e preclusiva.
([11]) Em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 231 e seg..
([12]) Em op. e loc. cits..
([13]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed. revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1986, p. 818.
([14]) Como refere Luís de Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, vol. III, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 546-547, se a verificação “for realizada apenas pelo dono da obra, aparente será o vício que seja facilmente descoberto por uma pessoa de comum diligência”, não sendo correto fazer presumir na pessoa do dono da obra “conhecimentos que o comum das pessoas normalmente não possui”. E acrescenta este Autor que “infiltrações no prédio que apenas sejam detectáveis na época das chuvas correspondem a um defeito oculto” – op. cit., p. 546.
([15]) Aliás, in casu trata-se até de uma empreitada de bens de consumo, com um regime específico e mais favorável ao dono da obra consumidor (até quanto a prazo de denúncia dos defeitos), ao qual não se impõe o dever de verificar a obra, “apenas irresponsabilizando o empreiteiro se o dono da obra conhecia a falta de conformidade ou não podia razoavelmente ignorá-la ou se esta resultar dos materiais por este fornecidos (art. 1.º, n.º 3 D.L. 67/2003)”, diploma este de 08-04 – cfr. Menezes Leitão, op. cit., p. 556-558.