Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
422/13.7TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
RELAÇÃO CAUSAL
FACTORING
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – SECÇÃO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 45º E 46º, AL. C), DO CPC DE 1961; 2º, NºS 1, 7 E 8 DO DECRETO-LEI Nº 179/95, DE 18 DE JULHO.
Sumário: – Os documentos particulares que se encontrem assinados pelo devedor são – à luz do artº 46º, c) do CPC de 1961 - título executivo quando importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante esteja determinado ou seja determinável mediante simples cálculo aritmético.

II - Os documentos particulares simples puramente recognitivos – i.e., que contenham um acto unilateral de acertamento da obrigação causal subjacente, consubstanciado no reconhecimento de uma dívida - são título executivo.

III - Valendo o documento particular apresentado pelo exequente como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, funciona a presunção de existência da relação causal, cabendo, por isso, ao devedor executado afastar ou por em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou a invalidade do débito aparentemente reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor exequente.

IV - O contrato de cessão financeira, factoring ou cobrança é um contrato estruturalmente atípico – embora nominado e socialmente típico - que, na ausência de um definição legal, a doutrina define como aquele pelo qual uma das partes – cedente financeiro, facturizado ou aderente – cede ou se obriga a ceder à outra – cessionário financeiro ou factor – mediante remuneração, a totalidade ou parte dos créditos de curto prazo de que é titular sobre um ou mais terceiros – devedor cedido.

V - A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., a prova deve ser valorada de harmonia com um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

Banco S…, SA promoveu, no 1º Juízo Cível da Comarca de Viseu – actualmente Instância Central, Secção de Execução, da Comarca de Viseu – por requerimento apresentado por via electrónica no dia 7 de Fevereiro de 2013[1], contra T…, Lda., a acção executiva para pagamento de quantia certa, para da última haver a quantia de € 498.765,00 e juros de mora, à taxa legal para juros comerciais, contados desde a data do vencimento das facturas, no valor de € 22.956,56.

Fundamentou esta pretensão executiva no facto de, em 2 de Maio de 2006, ter sido celebrado, entre E…, SA e T… – Instituição Financeira, SA – hoje Banco S…, SA – um contrato de factoring, nos termos do qual a primeira cedeu à segunda, todos os créditos resultantes de fornecimento dos seus produtos/serviços à executada, e de, em resultado de tal cessão, que a executada aceitou e reconheceu, ter passado a ser seu credor relativamente às facturas …, nos valores de € 298.890,00 e € 199.875,00, vencidas em 15 de Julho e 20 de Agosto de 2012, respectivamente, que, até à data, não foram pagas pela executada.

A executada opôs-se à execução pedindo a sua absolvição do pedido exequendo.

Alegou, como fundamento da oposição, que entre a exequente e a E… – aderente - foi celebrado um contrato de factoring com recurso, que foi convencionado entre as partes – factor e aderente – a contabilização dos créditos e débitos deste contrato em conta corrente, que legitimava o factor – exequente – a exigir o saldo devedor à aderente, só ela podendo dizer se aquele podia legitimamente reclamar um crédito, tanto sobre o aderente como sobre terceiro/devedor, que, além de não ter sido junta aquela conta corrente, não foi alegada aquela legitimidade por parte do factor, que existia um limite no montante dos adiantamentos que a exequente podia fazer à aderente, que não foi alegado se a exequente adiantou o financiamento à aderente, que peticiona um valor muito superior ao que poderia adiantar à aderente, desconhecendo-se se debitou esse valor à última e se esta pagou, e se a interpelou para pagar, pelo que os documentos apresentados pela exequente não consubstanciam título executivo, que o negócio celebrado entre a executada e cedente visava a aquisição de veículos pesados de mercadorias e prestação de serviços, sob a condição, que a cedente aceitou, de se vir a verificar um novo serviço com determinando cliente, condição que não veio a concretizar-se, pelo que comunicou à cedente que o negócio ficava sem efeito, facto que a última aceitou, não detendo, por isso, a exequente, qualquer crédito.

O exequente afirmou, em contestação, que a executada, em documentos, assinados por si, assume ser devedora das quantias de € 298.890,00 e de 199.875,00, documentos que, por importarem a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante é determinado, constituem título executivo.

O despacho saneador concluiu, sem margem para dúvidas, que o exequente ofereceu dois títulos executivos recognitivos de obrigações pecuniárias, líquidas e exigíveis (a própria executa declarou nos títulos que reconhece a existência e a exigibilidade), em razão do que indeferiu a excepção invocada pela executada.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa – com fundamento designadamente, em que não se provou a tese da condição suspensiva, de cuja verificação ficou dependente a produção dos efeitos do negócio de compra e venda de veículos e prestação de serviço de assistência/manutenção de veículos, celebrado entre a executada e a E… – julgou totalmente improcedente a oposição.

É esta decisão, bem como a contida no despacho saneador, que a executada impugna no recurso ordinário de apelação – no qual pede a alteração, em conformidade, do despacho saneador e a sua absolvição do pedido executivo, ou, caso assim não se entenda, a alteração, em conformidade, daquela sentença, devendo a oposição julgar-se procedente, com a sua absolvição do pedido executivo e a declaração de extinção da execução – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:

...

O exequente concluiu, na resposta ao recurso, pela improcedência dele.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:

Factos provados: …

2.2. O decisor da 1ª instância, adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., esta motivação:

A resposta afirmativa aos pontos 1.º a 5.° da Base Instrutória (BI) é clara e não oferece polémica, estribada sobretudo nos documentos de fls. 92 (nota de débito) e 93 fatura), conjugados com os documentos de fls. 49 a 53 da execução (que, diga-se, não foram autuados pela ordem sequencial de folhas) e nos testemunhos de … Em suma, a oponente comprou à E… os veículos usados cujas matrículas constam da fatura de fls. 93. A E… assumia ainda a manutenção de tais veículos e da restante frota da oponente, a que corresponde a nota de débito de fls. 92. A aquisição de tais veículos tinha em vista transportes para países nórdicos. A oponente não consumou esse negócio de transportes com esse cliente.

...

3. Fundamentos.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão – ou decisões - impugnadas que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, objectivo do recurso pode ser limitado, expressa ou tacitamente, pelo próprio recorrente, tanto requerimento de interposição como nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC)[2].

Maneira que, face à vinculação temática desta Relação ao conteúdo das decisões impugnadas e da alegação da recorrente, as duas questões que importa decidir são as de saber se:

a) Os documentos que servem de base à execução são extrinsecamente exequíveis;

b) A obrigação exequenda é intrinsecamente inexequível, por força de qualquer impeditivo ou extintivo, alegado pela executada, que exclua essa exequibilidade.

 A resolução destes problemas vincula ao exame, ainda que breve, da condição da acção executiva representada pela exequibilidade extrínseca – que respeita à incorporação da pretensão num título executivo – e pela exequibilidade intrínseca, i.e., a subsistência de um dever de prestar, por ausência de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito à prestação constitutivamente documentada naquele título.

Este último problema tem implícito um outro: o de error in iudicando, por erro na avaliação ou aferição das provas, dos enunciados de facto alegados pela recorrente relativos à condição que, de harmonia com a sua alegação, foi aposta ao contrato de compra e venda e prestação de serviços que concluiu com a cedente.

3.2. Exequibilidade extrínseca da pretensão.

A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artºs 2, 4 nº 3 e 45 nº 1 do CPC de 1961).

A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo, i.e., num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artº 45 nº 1 do CPC de 1961)

O título executivo é o documento da qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva. Este título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação[3].

O título executivo exerce, assim, desde logo, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.

A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário. A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título.

O título deve, portanto, incorporar o direito de execução, quer dizer o direito do credor de obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação.

Nestas condições não pode ser reconhecido valor executivo ao documento que não contenha, ao menos implicitamente, a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação e o correspondente dever de cumprimento. Para que possa ser usado como título executivo o documento deve incorporar o direito a uma prestação; quando isso não ocorre, nada há a prestar por um sujeito passivo e, por isso, nada há a executar.

Nos casos em que documento que serve de suporte ao accionamento executivo não incorpora a faculdade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título correspondente é extrinsecamente inexequível.

A inexequibilidade extrínseca do título constitui idóneo fundamento de contestação da execução (artºs 814 a), 2ª parte, e 816 do CPC de 1961). Se for considerado procedente, esse fundamento traduz-se na falta de um pressuposto processual da execução, o que conduz à extinção da instância executiva bem como à caducidade de todos os efeitos produzidos na execução (artºs 817 nº 4 do CPC de 1961).

Na verdade, o objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente.

Como é intuitivo, se a obrigação se encontra titulada por um documento escrito pode inferir-se, com um elevado grau de probabilidade, a sua constituição ou a sua existência; nesta eventualidade, compreende-se que deva permitir-se ao credor, utilizando esse documento como título executivo, instaure directamente – i.e., sem a prévia propositura de uma acção condenatória para obter esse mesmo título – a acção executiva.

E era essa, até há bem pouco tempo, a orientação do direito português que atribuía, com uma generosidade sem paralelo noutros sistemas jurídicos, a todo o um conjunto de documentos, a qualidade de título executivo.

Estavam nessas condições, precisamente, os documentos particulares simples ou documentos particulares não autenticados: os documentos particulares que se encontrem assinados pelo devedor são título executivo quando importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante esteja determinado ou seja determinável mediante simples cálculo aritmético (artº 46 c), 1ª parte, do CPC de 1961). Assim, no tocante às obrigações pecuniárias, os documentos particulares simples, só não possuem eficácia executiva, relativamente a obrigações, daquela espécie, ilíquidas, i.e., cuja quantidade não está determinada.

Repare-se, face a este enunciado, que os documentos particulares simples constituem título executivos tanto no caso de documentarem a constituição de uma obrigação pecuniária, como na hipótese de deles constar o reconhecimento, pelo devedor, de uma obrigação pré-existente, como sucede, no caso de reconhecimento de dívida. Dito doutro modo: Os documentos particulares simples puramente recognitivos – i.e., que contenham um acto unilateral de acertamento da obrigação causal subjacente, consubstanciado no reconhecimento de uma dívida - são título executivo (artº 458 nºs 1 e 2 do Código Civil).

O reconhecimento de dívida - enquanto negócio jurídico unilateral causal – implica a isenção ou a dispensa do credor de fazer a prova da relação fundamental – desde que não esteja legalmente sujeita a formalidades específicas – cuja existência, até prova en contrário, se presume. Nesta situação peculiar, que a doutrina designa como de causalidade substancial e abstracção processual, o credor que invoca o acto unilateral de reconhecimento, está dispensado de invocar e provar a relação fundamental, que se presume; o devedor, pode, porém, fazê-lo, para contrariar a pretensão do credor, devendo, então, alegar e provar a insubsistência do crédito, por cumprimento, ou por prescrição, ou por invalidade da relação fundamental ou por outra razão que, no caso, possa ter esse efeito[4].

Maneira que, embora o acto de reconhecimento da dívida se não traduza numa relação jurídico-material, dotada da característica da abstracção – assentando, necessariamente na existência anterior de uma relação jurídica fundamental que suporta o acto de reconhecimento unilateral de um débito pré-existente – a presunção de existência de uma relação fundamental, traz implícita a desoneração do credor da demonstração da existência e validade dessa relação causal, subjacente ao negócio unilateral, recaindo, naturalmente, sobre o devedor o ónus ou encargo de ilidir essa presunção, no âmbito da oposição à execução que deduza. Quer dizer: valendo o documento particular apresentado pelo exequente como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, funciona a presunção de existência da relação causal, cabendo, por isso, ao devedor executado afastar ou por em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou a invalidade do débito aparentemente reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor exequente.

É exacto que a doutrina não é inteiramente acorde quanto à exacta extensão do regime da apontada abstracção processual, dado que, não falta quem entenda – em termos mais restritivos – que aquela abstracção apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral – mas não também do ónus de alegar essa mesma relação[5].

A ser isto exacto, em tal caso, o credor que promova a execução contra o devedor que tenha reconhecido unilateralmente o débito, não pode limitar-se a exibir o documento particular simples que corporize o acto de reconhecimento unilateral da relação causal anteriormente existente entre as partes, devendo, no articulado respectivo, identificar essa relação causal, alegando os factos essenciais constitutivos, embora por via da indicada dispensa de prova, esteja dispensado de provar tal factualidade, cumprindo ao devedor, na oposição que deduza, alegar – e demonstrar - que essa concreta causa constitutiva, invocada pelo credor, afinal não existe em termos juridicamente válidos (artº 458 do Código Civil).

Na espécie do recurso, o exequente apresentou, com o requerimento executivo, três documentos, todos de natureza particular.

Um daqueles documentos – ou melhor as declarações de vontade dos outorgantes que corporiza – é claramente qualificável como contrato de cessão financeira, factoring ou cobrança, no qual E…, SA, e um antecessor do exequente, figuram nas qualidades de aderente e de cessionário ou factor, respectivamente.

Trata-se de um contrato estruturalmente atípico – embora nominado e socialmente típico - que, na ausência de um definição legal, a doutrina define como aquele pelo qual uma das partes – cedente financeiro, facturizado ou aderente – cede ou se obriga a ceder à outra – cessionário financeiro ou factor – mediante remuneração, a totalidade ou parte dos créditos de curto prazo de que é titular sobre um ou mais terceiros – devedor cedido (artº 2 nº 1, 7 e 8 do Decreto-Lei nº 179/95, de 18 de Julho)[6].

No tocante às modalidades que pode revestir, conta-se a incompleta ou completa, consoante o factor apenas de dispõe a prestar ao aderente os seus serviços de gestão e cobrança, ou também um serviço de financiamento, concedendo-lhe antecipações sobre o valor nominal dos créditos cedidos, própria ou imprópria – também designada com recurso ou pro solvendo ou sem recurso – consoante o factor assume o risco de incumprimento dos devedores cedidos ou não, e aberta ou fechada, conforme pressuponha ou não a notificação do devedor cedido pelo aderente. Em qualquer dos casos, o contrato institui entre as partes uma espécie de conta corrente, em que uma das partes vai cedendo créditos da sua actividade, recebendo, em contrapartida, os valores acordados que podem corresponder a uma percentagem sobre os valores cedidos.

Note-se que na cessão financeira imprópria ou sem recurso, o risco de incumprimento do devedor transfere-se para o factor; na imprópria ou com recurso, isso não sucede, seja porque o factor só pagará ao aderente após boa cobrança do crédito, seja porque, na hipótese de incumprimento, dispõe de regresso contra o aderente. Do que decorre que o factoring impróprio não traduzirá, afinal, uma verdadeira cessão de créditos – mas um mútuo com restituição atípica ou um mandato.

É controversa a natureza jurídica do contrato, que tem sido entendido como penhor de créditos, sub-rogação, dação, seguro de créditos, contrato misto, contrato normativo, cessão de créditos, etc.[7].

Seja qual for precisamente essa natureza jurídica, exacto é, em todo o caso, que assenta sobre a figura geral da cessão de créditos, cujas regras lhe são, em princípio, supletivamente aplicáveis (artº 577 e ss. do Código Civil)[8]. Assim, operada a transferência dos créditos, o factor passa a ser o credor e pode exigir a respectiva satisfação aos devedores, originariamente do aderente; estes últimos, por força da notificação que lhes é feita, passam a ser devedores do factor, que, porém, dispõem da faculdade de opor ao factor as mesmas excepções que poderiam invocar perante o cedente, dado que a conclusão do contrato de factoring não pode, em caso algum, prejudicar a posição jurídica dos devedores cedidos (artºs 583 e 588 do Código Civil). A cessão dispensa o consentimento do devedor, mas não o pode colocar em pior situação do que aquela em que anteriormente se encontrava. Assim, toda e qualquer excepção, seja ela temporária ou definitiva, que o devedor, antes da cessão, possuísse contra o cedente, é oponível ao cessionário, permitindo-lhe recusar-se a efectuar-lhe o cumprimento (artº 485 do Código Civil). Entre as excepções que, naturalmente, poderão ser opostas pelo devedor ao cessionário, encontram-se tanto aquelas que obstam à constituição do crédito como as que operam a sua extinção.

No entanto, para além do apontado documento, o exequente ofereceu, com o requerimento executivo, outros dois – datados de 5 de Janeiro e 27 de Fevereiro de 2012 - que têm por conteúdo duas comunicações dirigidas pela E…, SA à executada, nas quais lhe dá notícia da celebração do apontado contrato de factoring ou de cessão financeira e de que relativamente a duas facturas – com os valores de € 298.890,00 e € 199.875,00 - o credor passaria a ser o Banco S…, SA. E a recorrente apôs – em ambos os documentos - o seu carimbo e a assinatura do seu gerente, sob a declaração: Tomámos conhecimento e aceitamos, nas condições acima explicitadas, a cessão a favor do Banco S…, SA, dos créditos supra relacionados, cuja existência e exigibilidade confirmamos.

A recorrente sustenta que tal subscrição ou assinatura se refere à aceitação da ocorrência do contrato de cessão. Mas – decididamente - não. Patentemente, com aquelas declarações, a recorrente não se limita a certificar a aquisição da notícia da conclusão do contrato cessão financeira ou de factoring, antes vai muito mais longe, dado que reconhece tanto a existência como a exigibilidade dos créditos cedidos. O mesmo é dizer: admite, confirma, reconhece ou confessa, tanto a existência dos créditos como o facto de ser devedor deles. É o que e sem para que isso deva ser oferecida a mínima dúvida – resulta da expressões existência, exigibilidade e confirmação, referidas aos créditos documentados nas facturas, indicadas nas apontadas declarações.

Ora, no caso que constitui o universo das nossas preocupações, o apelado, não se limitou a oferecer, com o requerimento executivo, os documentos nos quais consta o reconhecimento pela apelante dos débitos cuja satisfação coactiva pede na execução – mas logo alegou, também, a causa ou o facto constitutivo desses mesmos débitos, que aliás, já se mostrava individualizado nos documentos nos quais a recorrente apôs aquela declaração recognitiva: os fornecimentos de bens/serviços feitos por E…, SA – cedente – à executada[9]. Relação fundamental que – como decorre dos factos apurados na instância recorrida, relativamente aos quais se não alega, no recurso, qualquer incorrecção de julgamento – se mostra definitivamente adquirida para o processo.

Em absoluto remate: os documentos particulares simples, assinados pela executada, dado que importam o reconhecimento de uma obrigação pecuniária cujo montante está, em face desses mesmos documentos, perfeitamente determinado, constituem títulos executivos permitindo ao exequente – que teve também o cuidado de alegar o respectivo facto constitutivo – promover, com base neles, a realização coactiva das prestações correspondentes, através da acção executiva.

Não desmente o acerto desta proposição a circunstância de, no contrato de factoring ou cessação financeira, se ter convencionado um limite dos adiantamentos que o factor – exequente – se vinculou ou relativamente à aderente - € 300.000,00. Esse limite – ao contrário do que sugere a apelante – não respeita ao montante admissível dos créditos objecto da cessão - mas apenas ao valor da antecipação de créditos não vencidos que o factor se obrigou a fazer ao cedente.

De outro aspecto, o exequente – apesar de nitidamente se tratar de cessão financeira própria ou com recurso – não estava vinculado com o ónus da prova do saldo final da conta corrente ou se antecipou ao cedente, no todo ou em parte, o valor dos créditos cedidos. Repete-se: ao exequente apenas competia alegar, de harmonia com o entendimento mais exigente do problema – a par da exibição dos documentos recognitivos do crédito suja satisfação coactiva reclama – a causa desse crédito, a relação fundamental subjacente àquele negócio unilateral; a recorrente é que está vinculada ou onerada com o ónus da prova de que tal relação causal não existe ou que o crédito que dele emergiu se não constituiu ou se extinguiu, por qualquer causa, que lhe seja lícito opor ao exequente.

Em absoluto remate: os documentos nos quais a apelada funda o direito de execução do património da recorrente incorporam, realmente, o direito a essa execução, dado que importam o reconhecimento de obrigações pecuniárias de montante determinado.

Pelo lado da inexequibilidade extrínseca – do título executivo – o recurso não dispõe, pois, de bom fundamento.

3.3. Inexequibilidade intrínseca da pretensão exequenda.

Todavia, como a exequibilidade do título é independente da inexequibilidade da pretensão – que se baseia em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar – resta saber, se, realmente, como também sustenta a apelante, a pretensão executiva foi atingida por qualquer facto extintivo que a torne inexequível.

E, no caso, a recorrente invocou, um facto dessa espécie: uma condição suspensiva, que, segundo ela, foi aposta ao contrato de compra e venda e de prestação de serviços de que emergiram os créditos cedidos.

O Código Civil dá esta noção de condição: cláusula contratual típica que vem subordinar a eficácia de uma declaração de vontade a um evento futuro e incerto (artº 270). Depois de dar esta noção, o mesmo Código procede a um distinguo entre a condição suspensiva e a condição resolutiva. A condição diz-se suspensiva quando o negócio só produza efeitos após a verificação do evento; a condição é resolutiva sempre que o negócio deixe de produzir efeitos após a eventual verificação do evento em causa (artº 270).

Além desta classificação legal, a condição é susceptível de uma multiplicidade de classificações de origem puramente doutrinal[10]. Por relevar para a economia do recurso, destaca-se a ordenação das condições que as separa entre as condições casuais e potestativas, condições de momento certo e de momento incerto, e condições automáticas e condições exercitáveis.

Assim, a condição pode ser casual ou potestativa, conforme o evento de que dependam se traduza num facto alheio aos participantes ou, pelo contrário, emirja da vontade de um deles, caso em que este último recebe o direito potestativo de deter ou desencadear a eficácia do negócio. A condição causal pode depender dum facto natural, dum acto de terceiro ou dum acto social ou administrativo.

A condição pode ser de momento certo ou de momento incerto, conforme ocorra numa ocasião prefixada, ainda que incerta ou numa ocasião indeterminada.

As condições podem ser automáticas ou exercitáveis, de harmonia com a desnecessidade ou a necessidade, para a sua eficácia, de qualquer manifestação de vontade.

A condição seja ela suspensiva ou resolutiva, releva, inteiramente, da autonomia privada das partes e, como tal, deve ser respeitada (artºs 270, 405 nº e 406 nº 1 do Código Civil).

A pendência da condição cessa com a verificação ou não verificação; a certeza de que a condição se não verificará equivale à não verificação (artº 275 do Código Civil).

Verificada a condição os seus efeitos retrotraem-se, em princípio, à data da conclusão do negócio a que foi aposta. Portanto, sendo resolutiva, aquele negócio tem-se como não celebrado (artºs 276 e 277 do Código Civil).

Desde o momento da celebração do negócio condicionado e até à altura em que se verifique a condição – ou que haja a certeza de que não se verificará – esta está pendente. A pendência da condição é, assim, o período que medeia entre a celebração do negócio e a verificação ou não da condição.

Durante esse tempo, no caso de condição resolutiva, os efeitos negociais produzem-se plenamente. Todavia, a verdade é que situação jurídica condicionada é, por definição, uma situação instável, e, consequentemente, uma fonte de conflito de direitos: o titular do direito condicionado é, de algum modo, um titular precário.

A condição opera, naturalmente, uma distribuição de riscos, dado que da sua pendência ou da sua verificação podem ocorrer danos para os intervenientes no negócio. Trata-se, porém, de um risco assumido, por decorrer, por inteiro, da actuação da autonomia privada, que, como tal deve ser suportado, com resignação, pela parte prejudicada.

Na espécie do recurso, a apelante invocou, como fundamento da oposição, que o contrato de compra e venda e de prestação de serviços – que teve por objecto mediato a aquisição de camiões destinados à prossecução da sua actividade social de transportador e de que emergiram os créditos cedidos – que concluiu com a cedente – E…, SA – foi subordinado, por convenção das partes, a uma condição suspensiva: a de angariar ou obter um serviço com um certo cliente. Como tal condição se não verificou, o negócio ficou sem efeito, tendo a cedente assumido o encargo decorrente do contrato de factoring,

Simplesmente, submetidos os enunciados relativos à apontada condição, ao exercício da prova, o decisor de facto da 1ª instância, não se convenceu da respectiva realidade ou veracidade.

Mas isso deve-se, no ver da apelante, ao error in iudicando em que, incorreu, na aferição ou avaliação das provas, o tribunal da 1ª instância.

3.3.1. Parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.

A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se os factos tidos como assentes a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (artº 662 nº 1 do nCPC).

Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in iudicando; o recurso ordinário de apelação não perde, mesmo neste caso, a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame – embora aquele erro se torne patente – mas só se torne patente - sempre que a convicção desta Relação não coincida com a do decisor da 1ª instância.

Depois, essa reponderação é actuada sob o signo dos parâmetros seguintes:

a) Do exercício da prova – que visa a demonstração da realidade dos factos – apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (artº 341 do Código Civil);

b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção – i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (artº 607 nº 5 do nCPC).

c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos – e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos.

d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária, e portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.

e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;

f) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis.

g) O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta.

h) O controlo pela Relação da decisão da matéria de facto não é actuado por imediação, i.e., através de numa percepção própria do material que lhe serve de base, mas através da audição de um registo fonográfico ou da leitura, fria e inexpressiva, de transcrições, que torna indisponíveis todos os relevantíssimos momentos não-verbais da comunicação.

3.2.2. Reponderação das provas reputadas de erroneamente avaliadas.

Os enunciados de facto que, no ver da apelante, foram julgados em erro, são os que se contém na fundamentação de facto da sentença contestada sob o nº 3.12, que foi julgado provado – e os que foram julgados não provados. Segundo a impugnante, numa são e prudente apreciação da prova, a resposta exacta é exactamente a inversa; os factos declarados não provados devem julgar-se provados; aquele outro facto, julgado provado, deve declarar-se não provado.

E que provas é que, segundo a recorrente, é foram erroneamente valoradas? Só uma: os depoimentos das testemunhas ...

O primeiro aspecto que fere a atenção respeita não às provas produzidas – mas aquelas que não o foram. Causa, realmente, alguma estranheza, em face do valor extraordinariamente elevado do crédito e da natureza dos intervenientes no contrato – duas sociedades comerciais sujeitas, designadamente por força da lei fiscal, a obrigações estritas de contabilidade – que não exista a propósito da alegada condição uma única prova documental nem sequer um início de prova dessa espécie. Ausência de prova documental que é também patente no tocante às relações com o cliente cuja angariação estaria na base da condição, que nem sequer é, alguma vez, identificado.

Como também se considera deveras singular que uma sociedade comercial, através do seu gerente – que se presume criterioso e ordenado – subscreva, duas declarações através das quais reconhece, sem qualquer reserva, restrição ou ressalva, dois débitos de valor consideravelmente elevado, provenientes de um contrato que, afinal, tinha sido submetido a uma condição e, portanto, sob o qual pairava o risco da não produção de efeitos ou da destruição retroactiva dos efeitos produzidos, maxime, da obrigação de pagamento do preço. Decididamente, o conteúdo das apontadas declarações – e, sobretudo, a sua patente incondicionalidade – não se conjuga com a subordinação do negócio a uma qualquer condição, seja ela resolutiva ou simplesmente suspensiva. Ponto que, evidentemente, deve estar presente ou à luz do qual deve ser valorada a comprovadamente falível prova testemunhal.

E, no que toca especificamente à prova pessoal no qual a recorrente funda a impugnação, um ponto que imediatamente se salienta é a falta de intervenção directa de qualquer das testemunhas no negócio objecto da controvérsia. Essa circunstância não impede, evidentemente, a valoração do seu testemunho, mas enfraquece consideravelmente – por força da razão de ciência, da fonte de conhecimento dos factos – a sua força persuasiva.

Relativamente ao depoimento da testemunha …, a nota que logo se impõe à atenção é a sua desarmonia com a alegação da recorrente. Realmente, esta sustenta que o negócio celebrado seria dado sem efeito, caso se não verificasse a condição convencionada – a obtenção de um novo serviço com um cliente. Todavia, aquela testemunha esta asseverou que, aliás, o serviço não se veio a concretizar, e o negócio também não, que o serviço não se chegou a efectuar e o contrato também acabou por não se efectuar, acabou por não entrar no escritório e, mais adiante, garantiu que acabou por não entrar frota nenhuma, e que o negócio abortou, abortou completamente. E nas instâncias com que foi apertada pela Exma. Advogada do apelado, a testemunha garantiu que no ano de 2012 não foi adquirida viatura nenhuma, que nenhum desses carros nunca entrou nos Transportes … nem nunca trabalhou para os Transportes … e que se foram adquiridos nunca me foram entregues para trabalhar. Noutro passo, e a perguntas do Exmo. Advogado da apelante, a testemunha foi terminante em assegurar que esses carros não foram comprados pelos Transportes … e nunca trabalharam para os Transportes ...

...

Aquela prova inculca que, realmente, não houve execução, designadamente, da obrigação de entrega dos bens vendidos, emergente do apontado contrato – mas não que essa inexecução se deva à ineficácia do contrato ou à destruição retroactiva dos seus efeitos, por actuação de uma qualquer condição que lhe tenha sido, ab initio, aposta. De outro aspecto, é patente que a ineficácia do contrato é posterior às declarações de reconhecimento dos débitos produzidos pela apelante, dado que, doutro modo, essas declarações – caso o contrato, já nesse momento, não fosse eficaz – seriam, de todo, desrazoáveis e mesmo incompreensíveis.

Feitas todas as contas, apesar da distância entre esta Relação e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – no tocante à prova pessoal, através da audição do registo fonográfico conjugado com a leitura dos extractos dos passos depoimentos transcritos pela apelante na sua alegação – não há motivo para concluir que a tribunal de que provém o recurso, ao decidir julgar não provado o facto apontado, tenha incorrido – por violação das regras da ciência, da lógica ou da experiência – em qualquer error in iudicando, por erro na avaliação das provas. Dito doutro modo: apesar dos condicionalismos em que conheceu das provas – marcados pela ausência de imediação – a convicção que esta Relação delas extrai, coincide com a convicção da 1ª instância, pelo que, não há qualquer erro, na fixação dos factos materiais da causa, que deva corrigir-se.

Não há, portanto, fundamento para modificar aquele julgamento pelo que os factos materiais da causa, relativamente aos quais há que proceder à ponderação da correcção da decisão de direito – são os que foram apurados na 1ª instância.

E em face desses factos materiais, a improcedência da oposição – e correspondentemente do recurso – é um corolário que não pode ser recusado.

3.4. Concretização.

Como decorre dos factos que se devem ter por apurados, o contrato, concluído entre a apelante a E…, SA do qual emergem os créditos cedidos ao apelante, foi, por acto dos contraentes, declarado sem efeito. Todavia, essa ineficácia não é anterior, mas posterior quer à cessão daqueles créditos, por força do contrato de cessão financeira ou de factoring, para o apelado, quer ao conhecimento, pela apelante, desse mesmo acto transmissivo. E como aquela ineficácia é posterior ao conhecimento, pela apelante, da cessão, à recorrente não é lícito opor ao apelado, para se subtrair à obrigação de cumprimento, a excepção ou o meio de defesa correspondente (artº 585, 2ª parte, do Código Civil).

O recurso deve, pois, improceder.

Síntese conclusiva:

a) Os documentos particulares que se encontrem assinados pelo devedor são – à luz do artº 46 c) do CPC de 1961 - título executivo quando importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante esteja determinado ou seja determinável mediante simples cálculo aritmético;

b) Os documentos particulares simples puramente recognitivos – i.e., que contenham um acto unilateral de acertamento da obrigação causal subjacente, consubstanciado no reconhecimento de uma dívida - são título executivo

c) Valendo o documento particular apresentado pelo exequente como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, funciona a presunção de existência da relação causal, cabendo, por isso, ao devedor executado afastar ou por em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou a invalidade do débito aparentemente reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor exequente;

d) O contrato de cessão financeira, factoring ou cobrança é um contrato estruturalmente atípico – embora nominado e socialmente típico - que, na ausência de um definição legal, a doutrina define como aquele pelo qual uma das partes – cedente financeiro, facturizado ou aderente – cede ou se obriga a ceder à outra – cessionário financeiro ou factor – mediante remuneração, a totalidade ou parte dos créditos de curto prazo de que é titular sobre um ou mais terceiros – devedor cedido;

e) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., a prova deve ser valorada de harmonia com um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis.

A recorrente sucumbe no recurso. Essa parte deverá, por força desta sucumbência, suportar as respectivas custas (artº 527 nº 1 do nCPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela apelante.

                                                                                                                             15.03.17

                                                                                                                             Henrique Antunes (Relator)

               Isabel Silva

                                                                                                                          Alexandre Reis


[1] O requerimento executivo e os documentos com que foi instruído não constam do processo físico mas apenas do processo eletrónico.
[2] Por força da norma de direito transitório de que a Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Código de Processo Civil, se fez acompanhar, dado que tanto a execução como a oposição foram instauradas em data anterior a 1 de Setembro de 2013, aquele não é aplicável, quer ao título executivo quer à oposição, que, por isso, continuam a ser regulados pelo Código de Processo Civil de 1961 (artºs 6 nºs 3 e 4 da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho). No tocante ao título, aquela é inteiramente conforme com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, por força dos quais a exequibilidade de um título é aferida pela lei vigente ao tempo da proposição da acção executiva: Ac. da RE de 22.02.89, BMJ nº 384, pág. 681.
[3] J. C. Ferreira de Almeida, Algumas considerações sobre o problema da natureza e função do título executivo, RFD, 19, (1965), pág. 317 e ss.
[4] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2008, 5ª edição, pág. 506 e Ac. do STJ de 07.05.13, www.dgsi.pt. O reconhecimento de uma dívida é uma declaração de ciência (confissão) e, aí, a causa que se presume não é a causa do acto, mas a da obrigação, se esta for de natureza negocial, envolvendo uma causa (que se presume conjuntamente com outros elementos do negócio: João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, Lisboa, 1995, pág. 277, nota 468.
[5] Assim, por exemplo, José Lebre de Freitas – A confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 390: sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa do ónus de alegação, e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir, o credor que, tendo embora em seu poder, um documento em que o devedor reconhece a dívida ou promete cumpri-la, sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência de forma do artº 458 nº 2 do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental- e daí que a prova da inexistência da relação causa válida, a cargo do devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecida pelo devedor; cfr. Ac. do STJ de 07.07.10, www.dgsi.pt.
[6] José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 520, Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Leasing e Factoring, Principia, Cascais, 2001, págs. 98 e 99, Pedro Romano Martinez, Contratos Comerciais, Principia, Cascais, 2001, pág. 65, António Menezes Cordeiro, Da Cessão Financeira (Factoring), Lex, Lisboa, 1994, pág. 13, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, “O contrato de cessão financeira (factoring) no comércio internacional, disponível em http://repositório-aberto.uppt/bitstream/10216/24343/2/12668.pdf; Acs. do STJ de 15.01.13, 21.06.11, 04.05.10, 13.01.05, 27.05.04, 24.01.02 e de 05.06.03, www.dgsi.pt.
[7] Atribuindo ao contrato a natureza de cessão de créditos, cfr. os Acs. do STJ de 01.06.00, CJ, STJ, VIII, II, pág. 87, e de 27.04.04, CJ, STJ, XII, II, pág. 75.
[8] Luís M. T. de Menezes Leitão, Cessão de Créditos, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 370.
[9] Objecto das facturas indicadas nos documentos em que a apelante inseriu a sua declaração, e que terminaram por ser juntas, pelo recorrido, na audiência de discussão e julgamento que teve lugar noda 31 de Março de 2014.
[10] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 511 e Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, cit., págs. 327 a 334, e da Condição, BMJ nº 263, págs. 37 a 60.