Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1656/20.3T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: MEIOS DE PROVA
REQUERIMENTO COM OS ARTICULADOS
PROCESSO LABORAL
Data do Acordão: 02/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 552º, Nº 2, E 572º, AL. D), DO NCPC; 63º, Nº 1 DO CPT.
Sumário: I - Fugindo as declarações de parte, apenas previstas no CPC, à regra da apresentação dos meios de prova com os respetivos articulados (artigos 552.º, n.º 2 e 572.º, d), ambos do mesmo Código), inexiste qualquer fundamento legal para que, requeridas aquelas em processo do trabalho, seja aplicado o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CPT.
II - As partes podem requerer também no processo laboral, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
Decisão Texto Integral:







Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

P..., residente em Coimbra

intentou a presente ação de processo comum contra

T..., SA, com sede em ...

            No decurso da audiência de julgamento, que teve início no dia 02/11/2010, a mandatária da Ré requereu a prestação de declarações de parte da Ré.

De seguida, foi proferido o seguinte despacho:

Dispõe o art.º 63º, n.º 1, do CPT que os documentos, testemunhas e quaisquer outras provas devem ser apresentadas e requeridas com os respetivos articulados.

Esta norma é lei especial face à norma legal prevista no código de processo civil que permite que as declarações de parte possam ser requeridas até ao final da audiência de julgamento (art.º 466.º, nº 1 do CPC).

Sendo norma especial prevalece sobre a lei geral.

Assim sendo, não tendo as declarações de parte sido requeridas pela ré na contestação, rejeito por extemporaneidade este meio de prova, atento o disposto no citado art.º 63, n.º 1, do CPT.”

*                                                       

A Ré, notificada deste despacho, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

...

Termos que deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, seja o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita a pretensão do réu/apelante - prestação de declarações, ao abrigo do disposto do artigo 466º do NCPC.

*

O A. não apresentou resposta.

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 16 e segs., no sentido de que a apelação deverá ser julgada procedente.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

a)- Factos provados:

Os constantes do relatório que antecede                                                   

b) - Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, então, apreciar a questão suscitada pela Ré recorrente, qual seja:

- Se a prestação de declarações de parte que a Ré requereu em audiência de julgamento devia ter sido admitida.

  Alega a Ré recorrente que não será de aplicar o artigo 63.º do CTT; as declarações de parte não estão contempladas no CPT e, assim, tal meio de prova encontra-se excluído da regra estabelecida naquele normativo; as declarações de parte são uma exceção quanto ao momento de indicação dos meios de prova e, ainda, que tem lugar a aplicação subsidiária do artigo 466.º, n.º 1 do CPC. 

Vejamos:

Como já referimos, o tribunal de 1ª instância indeferiu as declarações de parte requeridas pela Ré por serem extemporâneas, atento o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CPT.

Dispõe este normativo que <<com os articulados devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas>>, redação que se manteve na Lei n.º 107/2019, de 09/09 que alterou o CPT.

Por outro lado, dispõe o artigo 466.º do CPC, sob a epígrafe “Declarações de parte” que:

<<1. As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.

2. Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.

3. O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.>>.

Este meio de prova não se encontra previsto de forma autónoma no CPT.

Por outro lado, como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro[2], <<a consideração do depoimento sobre factos favoráveis ao depoente, enquanto meio de prova, está fortemente associada à inexistência de melhores meios de demonstração de tais factos – isto é, de meios mais fiáveis. A necessidade sentida pela parte de oferecer o depoimento próprio como meio de prova pode resultar, quer da inexistência, quer do fracasso da produção de outros meios.

Assim se explica que a prestação de declarações de parte possa ser requerida até ao início das alegações orais em 1ª instância, em clara afronta da regra prevista nos arts. 552º, nº 2, e 572º, al d). (…) Nada impede, no entanto, que o meio de prova seja oferecido com os articulados.>>

Na verdade, como se decidiu no acórdão da RP de 15/12/2016, disponível em www..dgsi.pt., que acompanhamos:

<<Não poderemos deixar de deixar a nota de que, alguns aspetos inovatórios que foram sendo introduzidos no processo civil, já existiam no processo laboral. As declarações de parte, como meio de prova assim designado e introduzido no processo civil com a reforma de 2013, não estava contemplada no CPT. Mas estava já previsto no CPT/99[25], e assim continuou com as alterações introduzidas pelo DL 295/2009, de 13.10 , nos termos do qual o autor e o réu devem comparecer pessoalmente no dia marcado para o julgamento (art. 71º, nº 1). Tal norma tinha e tem a sua razão de ser.

Como dizia Albino Mendes Batista [26] “Tal obrigação de comparência pessoal das partes, ou mais correctamente tal ónus, é uma concretização peculiar dos princípios da imediação e da oralidade, uma vez que se considera relevante o contacto directo do juiz com as partes.

Este preceito encontra a sua justificação na utilidade para o juiz de ouvir as partes sobre o conflito que as opõe, sendo um elemento probatório a tomar em conta não só uma atitude positiva mas também a sua recusa, nos termos do nº 2 do art. 519º do CPC (Assim Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo Sumário Laboral, CJ, 1988, III, p. 52.

Nesse sentido, como bem diz João Palla Lizardo, “para que a sua aplicação ganhe plena razão de ser, seria positivo que os tribunais fizessem maior uso do poder de inquirirem directamente as partes (Que futuro para o Processo do Trabalho face ao actual Processo Civil?, QL, nº 11, 1998, p.96).”.

Ou seja, serve isto para dizer que, já desde longa data, a possibilidade de audição das partes, fosse por recurso à figura do “depoimento de parte” ou de “declarações de parte” (assim por vezes informalmente designadas), era já entendida como uma medida que se poderia mostrar útil à boa resolução da causa.

Mas avançando.

O CPC/2013, como se disse, veio consagrar as declarações de parte como um meio de prova admissível, meio de prova que não se confunde, naturalmente, com o que a parte alega no seu articulado. Uma coisa é o alegado pela parte no seu articulado, outra as declarações que presta em audiência de julgamento, seja em depoimento de parte, seja em declarações de parte, ambos meios de prova.

E previu igualmente a possibilidade de as partes requerem o seu próprio depoimento, apenas impondo como condição: que o requerimento seja formulado até ao início das alegações orais em 1ª instância e que as declarações incidam sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. A estas haverá que acrescentar uma outra, que decorre da própria natureza desse meio de prova - declarações de parte -, e também por contraposição ao que é a prova testemunhal, qual seja as declarações de parte incidirem apenas sobre matéria do processo em que o declarante é parte.

(…)

Se a parte não requerer as suas declarações de parte, poderá o juiz, dentro dos seus poderes oficiosos (cfr. arts. 417º, nº 1 e 452º, nº 1, do CPC), fazer uma avaliação quanto à necessidade ou não de determinar o depoimento da parte. Mas não já se for a própria parte a requerê-lo ao abrigo do art. 466º. Este é um direito que assiste à parte, sem outra limitação que não as apontadas e não cabendo ao juiz recusá-lo com fundamento em que o mesmo, com maior ou menor probabilidade, seria inútil. Para além de que, desconhecendo-se o que a parte irá declarar (podendo acontecer que as declarações prestadas em julgamento não coincidam, total ou parcialmente, com o constante do respetivo articulado), não se afigura possível ou, pelo menos, curial, antecipar um juízo de inutilidade quanto às declarações. O pressuposto legal, aliás, é o contrário, pois que, se assim não fosse, o CPC não teria previsto a possibilidade das declarações de parte a requerimento da própria parte ou, então, teria previsto que tal requerimento estivesse sujeito a prévia avaliação do juiz quanto à necessidade ou pertinência dessas declarações (para além de que, e como acima se disse, o CPT também privilegia a audição das partes).>>.

Face a tudo o que ficou dito somos a concluir que fugindo as declarações de parte, apenas previstas no CPC, à regra da apresentação dos meios de prova com os respetivos articulados (artigos 552.º, n.º 2 e 572.º, d), ambos do mesmo Código), inexiste qualquer fundamento legal para que, requeridas aquelas em processo do trabalho, seja aplicado o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CPT.

Na verdade, revestindo-se as declarações de parte da particularidade de poderem ser “requeridas até um momento processual mais tardio do que aquele que vigora para a generalidade dos requerimentos probatórios (…)[3], o requerimento da Ré com vista à sua prestação não tinha de ser apresentado com o respetivo articulado.

Resta dizer que não estamos perante qualquer “conflito” entre lei geral e especial porque, por um lado, a prova por declarações de parte não se encontra regulada no CPT e, por outro, a previsão contida no n.º 1 do artigo 63.º do CPT é idêntica à constante dos artigos 552.º, n.º 2 e 572.º, d), ambos do CPC., sendo aplicável subsidiariamente a legislação processual comum (artigo 1.º, n.º 2, do CPT).

Assim sendo, as partes podem requerer também no processo laboral, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto[4].

Pelo exposto, devem ser admitidas as declarações de parte requeridas pela Ré aos factos indicados pela mesma e em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.

  Procedem, assim, as conclusões da recorrente, impondo-se a revogação do despacho recorrido.

  IV – Sumário[5]

- Fugindo as declarações de parte, apenas previstas no CPC, à regra da apresentação dos meios de prova com os respetivos articulados (artigos 552.º, n.º 2 e 572.º, d), ambos do mesmo Código), inexiste qualquer fundamento legal para que, requeridas aquelas em processo do trabalho, seja aplicado o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CPT.

- As partes podem requerer também no processo laboral, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na procedência do recurso, acorda-se em revogar a decisão recorrida, admitindo-se as declarações de parte requeridas pela Ré aos factos indicados pela mesma e em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.

            Custas a cargo da parte vencida a final, uma vez que o A. recorrido não contra-alegou e a decisão do recurso não se reflete negativamente na esfera jurídica do mesmo.

                                                                                     Coimbra, 2021/02/12

                                                                                     (Paula Maria Roberto)  

                                                                                         (Ramalho Pinto) 

                                                                                                  (Felizardo Paiva)                                                                                                                                                                  

                                                                                                                                                                                                                                                                   

                                                           ***


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                  – Felizardo Paiva

[2] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª edição, Volume I, Almedina, pág. 396.
[3] Lebre de Freitas, CPC anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 306.
[4] No sentido da prestação de declarações de parte em processo laboral, nos termos do artigo 466.º do CPC, cfr. o acórdão da RP, de 25/03/2019 e da RG, de 18/01/2018, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.