Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ABÍLIO RAMALHO | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE | ||
Data do Acordão: | 10/26/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CRIMINAL – J3) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 21.º, 24.º E 25.º DO DL N.º 15/93 DE 22-01 | ||
Sumário: | I – O funcionamento da figura-de-delito de tráfico de menor gravidade prevenida sob o art.º 25.º/a) do D.L. n.º 15/93, de 22/01, pressupõe que a ajuizanda actividade de narcotráfico se haja materializado em condicionalismo e/ou circunstancialismo eminentemente episódico, experimental, comummente compreensível e ainda socialmente tolerável e razoavelmente justificável, racionalmente indutor de juízo de acentuada, excepcional, significativa, considerável (nos dizeres legais) mitigação do respeitante desvalor comportamental e da respectiva ilicitude. II – Sempre que tal excepcionalidade se não patenteie, a conduta de narcotráfico haver-se-á de subsumir ao tipo-de-ilícito-padrão inscrito no art.º 21.º do citado D.L. n.º 15/93, de 22/01, ou, naturalmente, verificando-se quaisquer das correspectivas circunstâncias, no agravativo prevenido sob o respectivo art.º 24.º. III – O concertado desenvolvimento por associado grupo de duas ou mais pessoas de quaisquer dos actos criminais – e/ou actividades – previstos, máxime, no art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01, condiciona o funcionamento da circunstância agravativa da respectiva ilicitude (e penalidade abstracta) inscrita sob a al. j) do citado compêndio legal (D.L. n.º 15/93, de 22/01) – prática de crime por membro de bando com, pelo menos, a colaboração doutro –, e, por conseguinte, absolutamente inviabiliza, por dissimetria do grau do respectivo desvalor, o privilegiamento associado ao subtipo-de-ilícito de tráfico de menor gravidade firmado sob o art.º 25.º/a) do dito D.L. n.º 15/93, de 22/01. IV – Por efeito da necessária observância judicial dos pertinentes instrumentos jurídicos de direito internacional – vinculativos do Estado Português –, mormente dos comandos normativos ínsitos sob o art.º 3.º/6 da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 19/12/1988 (de Viena), aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 20/06/1991, e sob os pontos 5 e 9 e art.º 4.º, máxime n.º 1, da Decisão-Quadro n.º 2004/757/JAI do Conselho da União Europeia, de 25/10/2004, convergentemente intimantes dos Estados-Membros à rigorosa imposição de penas de prisão efectiva aos agentes criminais de tráfico de droga, particularmente vigorosas aos que integrem atinente estrutura organizada, postula-se, por regra, a cominação aos correspectivos responsáveis de medidas penais efectivamente privativas da liberdade (de prisão efectiva). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam – em conferência – na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: PARTE I – RELATÓRIO
1 – Na sequência de pertinente julgamento no âmbito processual, pelo acórdão (de Tribunal Colectivo) exarado na peça de fls. 2257/2296 (8.º vol.), foram – dentre outras vertentes decisórias – absolvidos os sujeitos-arguidos A... [1], B... [2], C... [3], D... [4] e E... [5] dum assacado ilícito criminal de tráfico de droga[6], p. e p. pelos arts. 21.º/1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01 – essencialmente representado: [a)] pela imputada comercialização pelos quatro primeiros ( A... , B... , C... e D... ) concertadamente entre si, pelo menos entre Outubro de 2012 e Junho de 2013, como modo de vida e exclusiva fonte de rendimento, sob o impulsionamento e liderança dos dois primeiros ( A... e B... , casal de facto), de substâncias tóxicas, máxime de haxixe (cannabis), [comprado em placa e revendido em fatias (línguas)], folhas ou sumidades de cannabis, (mormente obtidas por cultivo pessoal de plantas de cannabis quer pelo casal de A... e B... quer por C... e D... , em estufas próprias e a tanto apropriadas), LSD (dietilamida do ácido lisérgico), Anfetaminas (substâncias simpatomiméticas, estimulantes da actividade do sistema nervoso central, com a estrutura química básica da beta-fenetilamina), MDMA/ecstasy (químico sintético 3,4-metilenodioxi-N-metanfetamina, de efeito psicadélico) e, aparentemente, cocaína (cujos resíduos foram encontrados em moinho policialmente encontrado/apreendido em 15/01/2013 no interior do veículo automóvel da arguida A... ); e [b)], quanto ao último, E... , de compra, venda e posse de resina, folhas e sumidades de cannabis, bem como pelo cultivo (aparentemente de forma independente) de plantas de cannabis, (cfr. ajuizamento factual, subordinado sob o respectivo quadro, a págs. 3/18 do referenciado acórdão, ínsitas a fls. 2258/2267v.º dos autos, cujo conteúdo nesta sede se tem por integrado) –, e condenados (todos) pelo ajuizado cometimento dum (mero) crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º/a) do mesmo diploma legal – a que tal imputado e judicialmente reconhecido comportamento foi a final subsumido –, a correspectivas penas de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão ( A... ), 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão ( B... ), 2 (dois) anos de prisão ( C... ), 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão ( D... ), e 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão ( E... ), a final suspensas na respectiva execução por idêntico e correspondente período, mediante regime de prova quanto aos quatro primeiros ( A... , B... , C... e D... ). 2 – De tal vertente deliberativa recorreu o Ministério Público, fundado na pretensa ilicitude da referenciada qualificação criminal, supostamente emergente da seguinte, convocada, essencial, ordem-de-razões (em síntese do ora relator do respectivo argumentário motivacional, documentado a fls. 2324/2344): 3 – Responderam os arguidos A... , B... e E... , batendo-se pelo acerto do questionado acórdão e, consequentemente, pela improcedência recursória, (vd. respectivas peças, a fls. 2477/2480v.º, 2458/2465-2483/2490 e 2467/2473). 4 – Nesta Relação foi emitido parecer por Ex.mo representante do mesmo órgão da administração da justiça (M.º P.º) em sentido concordante com a tese e pretensão recursória, (vd. peça de fls. 2511/2513). 5 – O arguido D... (apenas) exerceu a faculdade conferida pelo normativo ínsito sob o n.º 2 do art.º 417.º do CPP, essencialmente pugnando pela manutenção (no que lhe respeita) do sindicado julgado, (cfr. peça de fls. 2520/2521). II – AVALIAÇÃO
§ 1.º – Contextualização –
Com vista à cabal avaliação da suscitada ilicitude de tal sindicada vertente deliberativa – concernente à ajuizada tipificação criminal e, decorrentemente, às decretadas punições dos id.os arguidos A... , B... , C... , D... e E... –, importa reter a essencialidade da respectiva explicação, (ínsita, máxime, a págs. 51/54 do questionado acórdão, documentadas a fls. 2282/2283v.º dos autos): «[…] d) Vejamos pois se o comportamento dos arguidos A... , B... , C... , F... , D... e E... se acha susceptível de recondução à actividade delituosa de tráfico de estupefaciente e, em tal caso, se pode ser enquadrado em tal tipicidade atenuada… Temos, pois, que o circunstancialismo dado como provado na decorrência da instrução e discussão da causa força a constatação [de] que os arguidos A... , B... , C... e D... , nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nas alíneas a) a bs) dos factos provados, detinham e vendiam cannabis – e, ainda que com carácter muito secundário, também anfetaminas e MDMA – a terceiros contra a entrega de valores pecuniários. Estupefaciente que se mostrava, pois, sua pertença e que mantinham, invariavelmente, com vista a operar a correspondente revenda. Acresce que os arguidos A... , B... , C... e D... actuaram ainda em conjugação de esforços e vontades, com divisão de tarefas, assumindo os primeiros uma função primacial de aquisição e guarda de estupefaciente e de coordenação, ao passo que os últimos se dedicavam à concreta distribuição do produto. O que nos leva a concluir pela ocorrência de co-autoria entre tais sujeitos processuais […] Por outro lado, e já por referência ao tipo subjectivo do crime, conclui-se que os arguidos A... , B... , C... e D... actuaram com dolo directo, tendo agido de forma livre, intencional e consciente, e tendo pleno conhecimento de que não podiam transmitir ou proporcionar a outrem produtos estupefacientes. Já quanto ao arguido E... , acha-se também inequívoco que a factualidade demonstrada obriga à conclusão [de] que o mesmo, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nas alíneas bt) a bx) dos factos provados, detinha na sua posse cannabis – em quantidades, aliás, particularmente elevadas – e chegou a ceder tal estupefaciente numa dada ocasião. Mas mesmo a pura posse ou detenção de estupefaciente não pode deixar de incorporar o preenchimento do tipo incriminatório posto em relevo quando se tenha em atenção – em face dos ensinamentos já supra avançados – que não [se] quedou minimamente demonstrado que tal substância se destinava apenas ao consumo próprio do arguido E... . Por outro lado, e já por referência ao tipo subjectivo do crime, conclui-se que o arguido E... actuou com dolo directo, tendo agido de forma livre, intencional e consciente, e tendo pleno conhecimento de que não podia deter ou proporcionar a outrem produtos estupefacientes. Com o que também é de afirmar a prática pelo arguido E... de um crime de tráfico de estupefacientes, ainda que não em co-autoria com os demais visados no processo. […] e) E somos, ademais, da opinião que o tipo de ilícito preenchido em co-autoria pelos arguidos A... , B... , C... e D... se deverá enquadrar no tipo atenuado consagrado no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93. Na verdade, é certo que a quantidade dos produtos detidos e alienados se mostra já substancial e numerosa. Mas tal não pode fazer olvidar que estamos em face de traficantes de rua com modus operandi claramente primitivo e com um grupo, ainda assim – para o que se apurou –, restrito e repetitivo de adquirentes. O que, aliás, acabou por [se] quedar evidente no reduzido número de operações concretas e individualizadas de venda que se lograram comprovar nos autos e no lapso temporal de 6 meses pelo qual perdurou a actuação. Note-se, por outra via, que os mesmos laboravam nas proximidades das suas habitações e em contacto directo com os correspondentes consumidores, não logrando, ademais – e atento o estilo de vivência –, retirar rendimentos especialmente elevados de tal actividade delituosa. O que nos permite, pois, concluir que estamos em face de uma actuação de distribuição de pequena escala e sem o paralelo suporte de organização ou logística mínima para uma autêntica actividade de tráfico com envergadura substancial. Isto ao ponto de se reconduzir a actuação dos arguidos A... , B... , C... e D... ao tráfico de menor gravidade. Constatação que é claramente de renovar em face do arguido E... quando se atente que apenas se comprovou a detenção de estupefaciente – ainda que em quantidades equivalentes às que se divisaram àqueles outros arguidos – e a cedência gratuita numa ocasião isolada. […]» § 2.º – Apreciação –
1 – Com o devido respeito pelo colégio julgador, não se poderá deixar de reconhecer o acerto jurídico da tese recursória, e, dessarte, a evidente insuportabilidade jurídico-normativa do sindicado privilegiamento da responsabilidade criminal dos referenciados sujeitos-arguidos – A... , B... , C... , D... e E... – pelas suas apuradas condutas ilícito-criminais, em detrimento da correspectivamente imputada subsunção ao tipo-de-ilícito-padrão firmado sob o art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93 (de 22/01)[7], cujo ajuizamento e respectiva explicação nos causa séria apreensão (…!): 1.1 – Diversamente de tal literalmente incabível inversão interpretativa, assumidamente paritária dalguma similar e, quiçá, inquietante produção jurisprudencial, de que é exemplo a citada no acórdão recorrido – que, naturalmente, se não ignora –, cremos induzir-se pronta, empírica e penetrantemente do próprio texto normativo-descritivo do respeitante/convocado subtipo, ínsito sob o art.º 25.º/a) do D.L. n.º 15/93 (de 22/01)[8], que o funcionamento da respectiva figura-de-delito necessariamente pressuporá que a ajuizanda actividade de narcotráfico se materialize em condicionalismo/circunstancialismo eminentemente episódico, experimental, comummente compreensível e ainda socialmente tolerável e razoavelmente justificável, dessarte medianamente persuasório e exortativo de ajuizamento de acentuada, excepcional, significativa, considerável (nos dizeres legais) mitigação do desvalor comportamental e da respectiva ilicitude. Ora, tal inafastável requisitório – incongruentemente subvertido pelo órgão julgador (que, antes, o ilícita e antagonicamente avaliou no incomportável sentido de contextual irrepresentação de importante/notável relevância!) – é apodicticamente irrevelado pelo adquirido quadro-de-facto, que, ao invés, pelo menos no que aos quatro primeiros arguidos respeita, antes axiomaticamente persuade duma já bem-organizada, compartilhada e consolidada apetência e persistência criminógena de concertada actividade ilícito-proibida de compra – conduta típico-criminal (aliás, já de apreciáveis quantidades de droga, designadamente de haxixe), perturbantemente desconsiderada, na medida em que, estranhamente (em função da supra extractada explicação do julgado), apenas se considerou como ilícita e criminalmente censurável a respectiva venda e posse/detenção –, venda, cultivo – idem – e detenção de multiplicidade de substâncias, plantas (de cannabis) e preparados tóxicos, reiteradamente desenvolvida em múltiplos locais e contextos (até em festivais musicais!) ao longo de pelo menos cerca de 9 (nove) meses, comprovadamente entre Outubro de 2012 e Junho de 2013 [e não de apenas 6 (seis), como incompreensivelmente foi mencionado na justificação do criticado julgado!] – máxime de placas de resina de cannabis, subsequente e concertadamente revendida em tiras (línguas), folhas ou sumidades de cannabis, (mormente obtidas pelo cultivo pessoal de plantas de cannabis quer pelo casal de A... / B... quer por C... e D... , em estufas próprias e a tanto apropriadas), LSD, MDMA/ecstasy, e, aparentemente, cocaína (cujos resíduos foram encontrados em moinho policialmente encontrado/apreendido em 15/01/2013 no interior do veículo automóvel da arguida A... ) –, ademais assaz demonstrativa de apreciável desenvoltura, à-vontade, sentimento de impunidade e de pessoal alheamento às basilares regras e valores de regular convivência em sociedade, demandante, por conseguinte, de particular e vivo juízo de censura, diametralmente dissimétrico, pois, do imanente ao referenciado subtipo-de-ilícito prevenido sob o art.º 25.º/a) do D.L. n.º 15/93 (de 22/01) – como palmarmente emerge, mormente, do seguinte excerto do definido (tido por adquirido/provado) acervo factual[9]: Logo, como é de mediana discernibilidade, irreunido tal condicionalismo de excepcional redutibilidade do correspectivo gravame comportamental, e, por conseguinte, de funcionalidade da enunciada figura-de-delito de tráfico de menor gravidade, e, antes, incontornavelmente verificado o cabal preenchimento dos pressupostos do dito tipo-de-ilícito-padrão legalmente inscrito sob o art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93 (de 22/01), ter-se-á, naturalmente, que lhes (arguidos A... , B... , C... e D... ) imputar a dolosa co-autoria da correspondente comissão criminal, (cfr. ainda arts. 10.º/1, 14.º/1 e 26.º do Código Penal), e cominar respeitante punição. 1.2 – Similar raciocínio se impõe, outrossim, quanto ao arguido E... , a quem, não obstante a diferenciável carga de reprovabilidade comportamental – relativamente àqueloutros, bem-entendido, com natural reverberação na medida da respectiva pena –, identicamente desaproveita o questionado privilegiamento infraccional, por nenhuma ponderosa razão mitigativa do correspondente desvalor ilícito-criminal se descortinar do fixado quadro-de-facto, que, aliás, diversamente do ligeiramente afirmado no sindicado acórdão (vide anterior § 1.º), bem representa quer da sua ilícita ligação aos demais, ainda que concretamente (em função do que foi reconhecido/comprovado em julgamento) cingida a um acto criminal de compra de cannabis, na cidade do Porto, [cfr. pontos-de-facto h), i) e ca)], e, logo, em bombeiro, da correspondente co-autoria, (cfr. art.º 26.º do Código Penal), quer da sua já significativa relevância e potencial interacção no narcotráfico zonal inelutavelmente induzida, máxime, pela apreciável quantidade e diversidade de material tóxico-proibido possuído (preparados/substâncias e plantas de cannabis) e artefactos correlacionados com o desenvolvimento de tal ilícita actividade: Destarte, haver-se-lo-á também que condenar pelo pessoal cometimento dum crime de tráfico de droga p. e p. pelo referido inciso normativo do art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01, a que corresponde a moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão. 2 – A – necessária/legal – reacção penal/punitiva a cominar – por este tribunal de 2.ª instância, por se encontrar já cabalmente respeitado o princípio do contraditório, [cfr. art.º 428.º do Código de Processo Penal (CPP), máxime, e Acórdão de Fixação de Jurisprudência (AFJ) do Plenário do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016[10]] – a cada um dos id.os arguidos pelo ora reconhecido cometimento de tais correspectivos actos criminais de tráfico de droga (p. e p. pelo art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01), a encontrar entre os assinalados limites da respectiva moldura penal abstracta – de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão –, há-de reunir potencial aptidão/adequação à virtual realização do triplo desiderato legal de reprovação da censurabilidade dos respectivos comportamentos delitivos, de pessoal sensibilização para o futuro acatamento das regras e valores de regular convívio em sociedade (prevenção especial) e de prevenção geral da criminalidade, mormente da mesma etiologia, pelo exemplo e reforço da confiança da comunidade no funcionamento do direito e das instituições, máxime judiciárias, (cfr. arts. 40.º/1 e 71.º/1 do C. Penal). Com tais premissas, haverá de ser individualizada em função da culpa pessoal e dos demais aplicáveis critérios previstos no art.º 71.º/2 do C. Penal, com particular atenção ao grau da individual ilicitude procedimental, modo de execução dos actos, gravidade das suas potenciais consequências e intensidade do respectivo dolo, sem descurar a própria personalidade/carácter, aferida(o), desde logo, pelos comportamentos típicos judicialmente reconhecidos e neles espelhada(o), (vd. citados preceitos legais). A alarmante disseminação da droga, no nosso país e por todo o globo, conduz, por sistema, à apropriadamente considerada praga ou flagelo social da toxicomania ou toxicodependência, que, por seu turno, motiva a constante e assaz preocupante prática de todo um outro vasto tipo de criminalidade, nomeadamente contra a propriedade, o património, a liberdade, integridade física, ou mesmo a própria vida alheia, máxime como forma de angariação pelos respectivos adictos de recursos económicos adequados à dispendiosa satisfação das suas apetências/dependências tóxicas, geradoras, por si, das nefastas consequências por demais conhecidas – degradação física, psíquica e familiar, e, frequentemente, a morte da população consumidora. Nos tempos que correm, com pertinácia, impõe a lei – internacional e interna – aos julgadores a missão de, nos limites penais, tentar alcançar aqueles objectivos, máxime de prevenção geral da criminalidade, procurando refrear tão inquietante evolução delitiva de tráfico de droga e fenómenos associados, preocupação basilar da comunidade internacional, assente em diversificados instrumentos jurídicos, designadamente nas Convenções das Nações Unidas (ONU) Sobre Estupefacientes de 30/03/1961 (de Nova Iorque), de 21/02/1971 (de Viena), e, fundamentalmente, na Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 19/12/1988 (de Viena), assinada por Portugal, em Nova Iorque, em 13/12/1989, e aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 20/06/1991, [publicada no Diário da República (DR) I Série-A, n.º 205, de 06/09/1991], e na Decisão-Quadro n.º 2004/757/JAI do Conselho da União Europeia, de 25/10/2004, (publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 11/11/2004). No caso em apreço, os ditos cidadãos-arguidos participavam já, à sua contributiva dimensão, activa e decisivamente no desenvolvimento de tais realidades marginais e respectivas sequelas, com dolo directo e livre determinação da respectiva vontade, sem que compreensíveis razões o justificassem – que não fossem egoísticos interesses lucrativos. Pessoas de – aparentemente – normal capacidade de entendimento dos valores fundamentais e das regras de conduta convivenciais, basilares, vigentes neste país, como em qualquer nação minimamente civilizada, que a liberdade pessoal de todos e a sua própria limitam, determinaram-se livremente (optaram/escolheram) à interessada realização de tais marginais comportamentos, em detrimento de quaisquer outros, máxime da saúde pública, (basilar valor nuclearmente protegido pela concernente criminalização). A cadeia distributiva de droga que os quatro primeiros organizadamente integravam – rigorosamente tradutora da figura jurídica de organização criminosa conceitualmente definida no art.º 1.º/1 da Acção Comum n.º 98/733/JAI do Conselho da União Europeia [de 21/12/1998, publicada no Jornal Oficial da União Europeia (nº L 351) de 29/12/1998][11], e prevenida sob o ponto 5 e art.º 4.º/3 da referida Decisão-Quadro (DQ) n.º 2004/757/JAI do Conselho como factor relevantemente condicionante do agravamento pelos respectivos Estados-Membros das penas máximas privativas de liberdade (de prisão) a cominar aos seus elementos pelo cometimento de crimes relacionados com os actos de tráfico de droga caracterizados sob o respectivo art.º 2.º, n.º 1, als. a), b) e c), da mesma DQ[12], e, no direito interno, da de bando, consubstanciante da circunstância agravativa prevista sob a al. j) do art.º 24.º do citado D.L. n.º 15/93, de 22/01 (!) – traduzia já, seguramente, significativa relevância no respectivo circuito de comercialização, a aferir, máxime, pela diversidade do material tóxico por si movimentado/produzido, e, mesmo, pela ordem de grandeza das quantidades do haxixe adquirido (em placas) e revendido. Directamente responsáveis pela proporcional disseminação de droga e, reflexamente, por todas as respectivas consequências supra aludidas, todos são, naturalmente (empírica e juridicamente), objecto de inexorável juízo de culpa e, por conseguinte, de acentuada censura ético-jurídica, demandante de adequadas e enérgicas medidas punitivas, com necessária função e eficácia reprovativa dos pessoais comportamentos delitivos, desmotivadora de eventuais/futuras (idênticas ou diversas) ilícitas cogitações, e, fundamentalmente, de reforço da confiança da comunidade no funcionamento das regras protectivas dos elementares valores, legalmente padronizadas, e das instituições, máxime judiciárias – na actualidade tão abalada (!) –, para além da desejada exemplaridade a potenciais delinquentes que da condenação tomem conhecimento. Todavia, impõe-se diferenciação do correspondente juízo crítico: - [a)] No topo da pirâmide A... e B... , impulsionadores, líderes e coordenadores da referida associação criminal; [b)] simetricamente, o arguido D... , que, autor em 10/03/2011 de 2 (dois) gravosos crimes de roubo e em 26/05/2011 de um crime de ofensa à integridade física e de outro de ameaça agravada, objecto de correspondentes condenações [por acórdão de 08/11/2012 (transitado em julgado em 10/12/2012) e por sentença de 25/06/2013 (transitada em julgado em 10/09/2013)] a correspectivas (duas) penas concretas de 2 anos e 6 meses de prisão, e conjunta/unitária de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução por idêntico período (3 anos e 6 meses), mediante regime de prova, (os roubos), e de 180 dias e de 110 dias de multa, e conjunta/unitária de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, (os demais), cristalinamente revelou, pelo ora conhecido, concorrente, comportamento de compartilhado narcotráfico, preocupante má-formação da própria personalidade e absoluto desprezo quer pela ordem jurídica instituída quer pelas (entretanto) decretadas injunções judiciais não detentivas, máxime das inerentes à definida solução punitiva concernente aos seus ajuizados crimes de roubo, posto haver, absolutamente indiferente e insensível à, quiçá, boa-vontade dos respectivos julgadores e ao outorgado crédito à sua futura contenção delitiva e conformação às nucleares/vinculativas regras comportamentais postuladas pelo ordenamento jurídico nacional – natural/virtualmente associadas à suspensão (em 08/11/2012) da execução da pena conjunta de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, punitiva do enunciado cometimento de dois crimes de roubo –, levianamente reiterado tal ilícita actividade criminal, ainda em pleno período de suspensão da execução da referida pena de 3 (três) anos e 6 (seis) de prisão, dessarte insofismável e terminantemente infirmando qualquer hipoteticamente idealizável confiabilidade na sua modificação caracterológica [o que, irracional e desconcertantemente, foi também desvalorizado pelo tribunal recorrido, que, ainda assim, ilicitamente (ademais pelas nucleares razões emergentes do pertinente direito internacional vinculativo do Estado Português que infra se convocarão/elucidarão), e, aliás, incongruentemente com a sua reconhecida insensibilidade à anterior medida sancionatória dos referenciados roubos[13], lhe voltou a suspender a execução da cominada pena de prisão ajuizadamente punitiva do por si (colégio julgador) avaliado crime de tráfico de droga (de menor gravidade) de sua pessoal corresponsabilidade!]; [c)] C... , em função da sua essencial subordinação ao casal A... / B... , e da própria juventude (nascido em 30/09/1992, tinha 20 anos à época da interrupção – por acção policial – da sua comparticipação na referida actividade delitiva), que, no entanto, diversamente do ajuizado em 1.ª instância, se nos afigura desmerecedor do regime especial postulado pelo D.L. n.º 401/82, de 23/09[14], máxime da atenuação especial da referenciada moldura penal abstracta, consagrada sob o respectivo art.º 4.º, fundamentalmente por prementes razões de firme e adequada defesa da sociedade e de prevenção geral da criminalidade, mormente de idêntica natureza, a tal fortemente obstarem, como, aliás, expressamente prevenido pelo próprio órgão legislador sob o ponto 7 do preâmbulo do referido diploma legal, cujo índice baliza pela casuística aplicabilidade de pena de prisão superior a 2 (dois) anos[15], claramente aportável ao caso sub judice; [d)] e, finalmente, E... , com os demais apenas conhecidamente coligado numa operação de compra de haxixe, a avaliar, naturalmente, pela apurada factualidade, bem ilustrativa, ainda assim, da sua potencial perigosidade social, claramente significada pela enunciada titularidade de substancial acervo de material estupefaciente/psicotrópico, evidentemente indiciador da sua pessoal disponibilidade à respectiva difusão e à associada dependência adictícia da próxima e correspectiva população consumidora. Relativizar-se-ão, porém, os positivados comportamentos delitivos – de todos os id.os sujeitos-arguidos –, que, essencialmente centrados na comercialização/cultivo de cannabis, desmerecerão o superior grau de censura associado ao tráfico doutros tóxicos mais perigosos e nefastos, como a heroína e a cocaína. Postular-se-á, no entanto, o efectivo cumprimento reclusivo das correspondentes reacções penais, única solução prevenida no ordenamento jurídico com virtual aptidão/adequação à realização do exigente objectivo legal de dissuasão de similares comportamentos infraccionais e de defesa dos superiores interesses societários, designadamente da saúde pública, instantemente recomendada pelos sinalizados instrumentos jurídicos da comunidade internacional – incompreensivelmente descurados na questionada deliberação do Tribunal Colectivo (!) –, designadamente pelos comandos ínsitos sob o art.º 3.º/6 da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 19/12/1988 (de Viena), aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 20/06/1991[16] – também art.º 14.º/2, quanto à preocupação de erradicação da cultura ilícita de plantas que contenham estupefaciente, como a de cannabis[17] –, e sob os pontos 5 e 9 e art.º 4.º, máxime n.º 1, da Decisão-Quadro n.º 2004/757/JAI do Conselho da União Europeia, de 25/10/2004, convergentemente intimantes dos Estados-Membros à rigorosa imposição de penas de prisão efectiva aos agentes criminais de tráfico de droga, particularmente vigorosas aos que integrem atinente estrutura organizada[18]. Assim, tudo ponderando pelos pertinentes critérios de individualização das penas previstos nos normativos 29.º, 40.º/1 e 71.º do Código Penal – sem descurar, bem-entendido, a absoluta incontrição pessoal de qualquer dos ditos agentes (alcançada do acórdão recorrido), cujas criminais condutas apenas foram interrompidas por acção policial, a correspectivamente conhecida situação sócio-económica, e a primariedade criminal (registral) de A... , B... , C... e E... –, entende este órgão colegial judicial como adequada à salvaguarda das finalidades penais de reprovação, prevenção especial e geral da criminalidade, designadamente da mesma natureza, e proporcional à respectiva culpa, a cominação a cada um dos identificados cidadãos-arguidos, a título punitivo do pessoal cometimento dum ora ajuizado crime de tráfico de droga previsto e punível pelo art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01, das seguintes penas concretas: 2.1 – A A... e B... : 5 (cinco) ANOS DE PRISÃO; 2.2 – A C... : 4 (quatro) ANOS e 6 (seis) MESES DE PRISÃO; 2.3 – A D... : 4 (quatro) ANOS e 10 (dez) MESES DE PRISÃO; 2.4 – A E... : 4 (quatro) ANOS e 3 (três) MESES DE PRISÃO. PARTE III – DISPOSITIVO
Por tudo o exposto, o pertinente órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo – nos termos sobreditos – provimento ao avaliando recurso do Ministério Público, e, consequentemente, revogando a sindicada vertente deliberativa do Tribunal Colectivo, delibera: 1 – Condenar os arguidos A... , B... , C... e D... , pela pessoal co-autoria comissiva, imediata/material, dum crime – de trato sucessivo – de tráfico de substâncias tóxicas, p. e p. pelo art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01, às seguintes penas concretas, cujo efectivo cumprimento se determina: 1.1 – A... e B... : 5 (cinco) ANOS DE PRISÃO; 1.2 – C... : 4 (quatro) ANOS e 6 (seis) MESES DE PRISÃO; 1.3 – D... : 4 (quatro) ANOS e 10 (dez) MESES DE PRISÃO. 2 – Condenar o arguido E... pelo pessoal cometimento dum crime de tráfico de substâncias tóxicas, p. e p. pelo art.º 21.º/1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01, à pena concreta de 4 (quatro) ANOS e 3 (três) MESES DE PRISÃO, cujo efectivo cumprimento outrossim se lhe impõe. 3 – Manter, no mais – mormente quanto à condenação do arguido D... pelo ajuizado cometimento dum crime de detenção de arma proibida [p. e p. pelo art.º 86.º/1/d) da Lei n.º 5/2006, de 23/02] – o deliberado em 1.ª instância e vertido no referenciado acórdão de fls. 2257/2296. 4 – Determinar à 1.ª instância: 4.1 – A pertinente/necessária comunicação da presente deliberação condenatória ao registo criminal; 4.2 – O oportuno envio de certidão deste acórdão ao Processo n.º 60/11.9PAPBL, com vista à eventual revogação da suspensão da referenciada pena conjunta de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão no respectivo âmbito cominada ao arguido D... pelo pessoal cometimento de 2 (dois) crimes de roubo, posto haver cometido no correspondente período o ilícito criminal por que ora fica condenado, [cfr. arts. 495.º/3 do Código de Processo Penal e 56.º/1/b) do Código Penal]. *** Sem tributação. *** Coimbra, 26 de Outubro de 2016
(Abílio Ramalho, relator)[19]
(Luís Ramos, adjunto)
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