Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/10.4TBPNL-O.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
PRAZO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 123 CIRE, 321, 328, 329 CC
Sumário: 1 - Os prazos para efetivar a resolução de atos em benefício da massa insolvente, consagrados no artº 123º nº1 do CIRE, devem, teleologicamente, ser tidos, e apesar da sua epígrafe, não como de prescrição, mas como de caducidade.

2- A resolução em benefício da massa, prevista em tal segmento normativo, é extrajudicial, meramente declarativa e recipienda, devendo ser dirigida ao legitimado para a impugnar, e ser deduzida, posto que suficientemente fundamentada, logo que o administrador tenha conhecimento não de toda a plêiade circunstancial que lhe subjaz, mas da essência da mesma, vg. das partes no ato intervenientes e da suposta prejudicialidade do mesmo para a massa.

3- Assim, a pretensão resolutiva dirigida, em processo judicial, ao tribunal, em articulado superveniente que nem sequer foi admitido, não tem validade e eficácia, vg. para interromper o aludido prazo de caducidade.

4 - A faculdade temporalmente dilatada de resolução conferida pelo nº2 do artº 123º, pressupõe, cumulativamente: I) que o contrato não esteja, na perspetiva das partes, jurídico-económicamente, cumprido, ie., seja de execução duradoura ou continuada; II) que a resolução do mesmo seja judicialmente invocada pelo réu, via excetiva, atento o pedido formulado pelo autor.

5- Não preenche tais requisitos a celebração de contrato de cessão de créditos, independentemente da cobrança, ou não, dos mesmos pelo cessionário, invocado pela cedente em ação na qual intervinha como autora.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

C (…) Unipessoal, Lda, deduziu impugnação à resolução de contrato  em benefício da massa insolvente de  C(…), Lda.

Alegou, para além do mais:

Que direito a resolver o contrato, quando foi exercido, já havia caducado porque ultrapassado estavam os prazos do artº 123º nº1 do CIRE.

2.

Em sede de despacho saneador foi, para além do mais, proferida a seguinte decisão quanto a tal fundamento:

«Nestes termos, julgo procedente a exceção de caducidade do direito de resolução e declaro sem efeito a resolução operada pela administradora da insolvência, em 26 de junho de 2013, do negócio de cessão de crédito, celebrado entre insolvente e C (…) Unipessoal, Lda..»

Na sequência de recurso interposto do despacho saneador pela massa insolvente foi prolatado acórdão por esta Relação no qual foi deliberado anular a sentença, por omissão de pronúncia, e ordenar o prosseguimento dos autos para conhecimento da questão nova levantada pela massa ao invocar a possibilidade de resolução a todo o tempo nos termos do nº2 do artº 123º.

No seguimento dos autos foi proferido despacho complementador daquela primeira decisão no qual foi decidido:

«Por conseguinte, não se encontra demonstrado o exercício do direito de resolução por via de exceção, pelo que se conclui pela caducidade deste direito, pelo decurso do prazo de dois anos a que alude o art.º 123º, nº 1 do CIRE, nos termos e pelos fundamentos já expostos na decisão anteriormente prolatada nos autos.»

3.

Mais uma vez inconformada recorreu a massa insolvente de C (…) Lda.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Nos termos do disposto no artigo 123.º do CIRE, existem dois prazos dentro dos quais a Resolução em Benefício da Massa Insolvente pode ser efectuada;

2. O prazo regular e que consta do n.º 1 daquele artigo, consagra que a resolução pode ser efectuada dentro dos seis meses seguintes ao conhecimento do acto pelo Administrador Judicial, mas nunca depois de terem decorrido dois anos da declaração de insolvência do devedor;

3. Ao fazer-lhe menção na sua epígrafe, o artigo 123.º do CIRE determina expressamente que o prazo constante do seu n.º 1 é um prazo de prescrição e não de caducidade;

 4. Tal menção implica uma opção clara e deliberada na aplicabilidade das regras constantes dos artigos 300.º e seguintes do Código Civil ao prazo do artigo 123.º do CIRE,

 5. Nos termos do n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil só se não fosse feita menção expressa à prescrição é que seriam aplicáveis as regras da caducidade a tal artigo,

 6. Até porque, ao julgar, deve o intérprete aplicar as normas presumindo que o legislador aplicou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e não deve considerar o pensamento legislativo que não tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei.

7. A recorrida C (…). Unipessoal, Ld.ª foi notificada duas vezes da resolução em benefício da massa insolvente: a primeira, em 03.06.2013, por requerimento efectuado nos autos de processo n.º 433397/08.9YIPRT, que corriam os seus termos pela Secção Única do extinto Tribunal Judicial de Penela; e a segunda por notificação judicial avulsa efectuada em 26.06.2013.

8. Em 03.06.2013 a recorrida tomou conhecimento que a Massa Insolvente declarava resolvido o contrato identificado, quais as razões de facto e de direito que justificavam a apresentação, naquele momento, de tal requerimento e quais os fundamentos de direito e de facto que tornam resolúvel o acto.

9. Assim interrompendo o prazo de prescrição nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 353.º (queria dizer-se 323º) do Código Civil.

10. Ainda que assim não fosse, a notificação judicial avulsa foi requerida pela Massa Insolvente no dia 10.06.2013, pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 353.º(queria dizer-se 323 nº2)  do Código Civil, o prazo de prescrição deve considerar-se interrompido no dia 15.06.2013, e dentro dos dois anos posteriores à declaração de insolvência.

11. Ao declarar caduco o direito da recorrente de Resolver o Contrato em Benefício da Massa Insolvente o tribunal a quo viola por errada interpretação o artigo 123.º, n.º 1 e 2 do CIRE e os artigos 292.º e 300.º e seguintes do Código Civil;

12. Essas normas deveriam ter sido interpretadas no sentido de considerar que o prazo constante do artigo 123.º do CIRE é um prazo de prescrição, que foi interrompido com a notificação à recorrida feita em 03.06.2013. Sem prescindir,

13. Mesmo que o artigo 153.º (queria dizer-se 123) do CIRE consagrasse um prazo de caducidade, não havia caducado o direito de Resolver o negócio quando a recorrida foi notificada em 03.06.2013.

14. A resolução em benefício da Massa Insolvente efectuada em 03.06.2013 não padece de qualquer vício formal ou substancial;

 15. Apenas o poder de decidir a resolução em benefício da Massa Insolvente é acto próprio do Administrador Judicial,

16. A notificação formal às partes pode ser efectuada com recurso a mandatário forense ou funcionário judicial em caso de acções judiciais pendentes ou notificações judiciais.

4.

Sendo que, por via de regra - artºs 608º nº2, ex vi do artº 663º nº2, 635º e 639º-A  do CPC -, de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Caducidade, ou não, do direito à resolução do contrato.

5.

Os factos tidos em consideração na decisão inicial e complementar, foram os seguintes.

a) Decisão inicial.

1º Por sentença proferida em 8 de abril de 2008, transitada em julgado em 19 de maio de 2008, no âmbito do processo nº 13/08.4TBPNL, do Tribunal Judicial de Penela, a insolvente foi condenada a pagar à aqui autora a quantia de €108.382,18, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 11,20% desde 29 de janeiro de 2008 até efetivo e integral pagamento;

2º Em 20 de outubro de 2008, insolvente e aqui autora subscreveram o documento intitulado de Cessão de Crédito junto de fls. 11 a 12 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta, designadamente:

Primeira Outorgante: C (…), Lda. (…) na qualidade de cedente; Segunda Outorgante: C (…) -Unipessoal, Lda. (…) na qualidade de cessionário (…);

 (…) Cláusula Primeira

1. As C (..:)Unipessoal, Lda. detém sobre a Primeira Outorgante um crédito de €522.088,35;

2. O crédito e direitos são reconhecidos pela primeira outorgante e encontram-se titulados na conta corrente e pelas respetivas faturas e recibos dela integrantes (…);

Cláusula Segunda

1. As C (…), Lda. detém créditos vencidos e vincendos sobre a F )(…)Lda., sociedade comercial por quotas com sede na Rua C (...) Costa da Caparica, decorrentes do contrato de empreitada celebrado no dia 3 de setembro de 2007, que tem por objeto a construção de um edifício habitacional multifamiliar, sito em (...) , Montes de Alvor;

2. Os créditos vencidos e vincendos contabilizam-se em €120.514,26, correspondente à diferença do valor da empreitada contratualizado e o valor já liquidado pela F (…), Lda. à primeira outorgante;

Cláusula Terceira

1. Os créditos, vencidos e/ou vincendos, e outros que tenham sido constituídos e reconhecidos pela F (…), Lda. decorrentes da identificada obra, a favor da primeira outorgante C (…). A primeira outorgante autoriza que estes créditos sejam reclamados e exigidos por qualquer forma, na data do seu vencimento, à F (…), Lda.

3. A primeira outorgante informará, para o efeito, a segunda outorgante a data do vencimento dos créditos cedidos (…);

3º Em 4 de março de 2010 foi requerida a declaração de insolvência de C (…), Lda.;

4º Em 15 de junho de 2011 foi declarada a insolvência de C (…), Lda.;

5º Em 28 de novembro de 2011 a administradora da insolvência nomeada nos presentes autos de insolvência elaborou o parecer sobre a qualificação da insolvência junto de fls. 2 a 12, do Apenso D, cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, no qual alude à celebração do acordo referido em 2º (artº 51º);

6º Em 10 de junho de 2013 deu entrada no Tribunal Judicial de Penela a notificação judicial avulsa junta de fls. 22 verso a 27 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos;

7º Na notificação judicial avulsa referida em 6º a administradora da insolvência nomeada nos presentes autos de insolvência pede a notificação da aqui autora da resolução em benefício da massa insolvente do negócio referido em 2º;

8º A aqui autora foi notificada do teor da notificação judicial avulsa referida em 6º em 26 de junho de 2013;

a) Decisão complementar:

1º Correu termos no Tribunal Judicial de Penela, a ação de processo ordinário nº 433397/08.9YIPRT, em que figuram como autoras C (…) Unipessoal, Lda. E C (…), Lda. e ré F (…) Lda.;

2º No âmbito da ação referida em 1º, em 3 de junho de 2013, a aqui insolvente apresentou o articulado superveniente junto de fls. 171 verso a 174 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, nos termos do qual pediu que se declare resolvido em benefício da massa insolvente o acordo escrito denominado de cessão de créditos;

3º O articulado superveniente referido em 2º foi liminarmente indeferido, por decisão já transitada em julgado;

4º No âmbito da ação referida em 1º foi proferida a sentença junta de fls. 189 a 206, já transitada em julgado, cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos;

5º Na sentença referida em 4º foi apreciado o contrato de cessão de créditos em apreço nos presentes autos e a aí ré (F (…), Lda.) foi condenada a pagar à aqui autora (C (...) ) €58.928,96, acrescida de juros de mora, e o que se apurar em incidente posterior de liquidação quanto ao valor dos trabalhos a menos a que se refere o ponto L da ata de 30.10.08 na parte em que excedam €17.390,11, até €31.170,00;

6.

Apreciando.

6.1.

O julgador decidiu a causa invocando o seguinte discurso argumentativo:

Na decisão inicial:

 «Nos termos do artº 120º, nº 1 do CIRE, podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

 A resolução concretiza-se por declaração emitida pelo administrador da insolvência, nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de dois anos sobre a data da declaração da insolvência (artº 123º, nº 1 do CIRE).

 Estes prazos consubstanciam prazos de caducidade do direito potestativo de impugnação e não de prescrição do direito, como poderia inculcar a epígrafe do artº 123º (vide, neste sentido, e por todos, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, p. 443).

 E é indiscutível que a resolução, como declaração de vontade, a operar, no caso, mediante comunicação legalmente tarifada, é uma declaração recetícia, ou seja, a respetiva eficácia depende do conhecimento do destinatário (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. da RP de 25 de junho de 2013, relatado por Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt.)

 Nos termos do artº 331º, nº 1 do CC, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.

 Assim sendo, no caso vertente, só impediria a caducidade do direito de resolução, a comunicação da resolução à autora dentro dos referidos prazos de seis meses ou dois anos.

 Constata-se, porém, que a sentença de declaração de insolvência de C (…) Lda. foi proferida em 15 de junho de 2011 e que a autora apenas foi notificada da resolução do negócio de cessão de crédito em 26 de junho de 2013, ou seja, decorridos mais de dois anos sobre a data da prolação da sentença de insolvência.

 Atente-se, ainda, que não foi alegada qualquer factualidade que permita ao tribunal concluir que a declaração de resolução não foi oportunamente recebida pela autora por facto que lhe seja imputável e que poderia tornar eficaz a sua notificação em data anterior, nos termos do artº 224º, nº 2 do CC.

 Por conseguinte, conclui-se pela caducidade do direito de resolução.»

Na decisão complementar:

«Na contestação, a massa insolvente, para além de considerar que não ocorreu a caducidade do direito de resolução nos termos alegados pelo autor, invoca que o negócio objeto de resolução ainda não estava cumprido e, como tal, a resolução podia operar a todo o tempo, nos termos previstos no art.º 123º, nº 2 do CIRE.

 Para efeito, alega que operou a resolução, por via de exceção, no âmbito de outro judicial…

A defesa por via de exceção está especificamente prevista no art.º 123º, nº 2 do CIRE, ao estabelecer que enquanto o negócio não estiver cumprido, a resolução pode ser declarada, sem dependência de prazo, por via de exceção.

 Assim, por exemplo, numa ação de cumprimento instaurada pelo alienante, na sequência de um contrato de compra e venda a prestações celebrado, no passado, com o adquirente, devedor insolvente, instaurado o processo de insolvência, o administrador da insolvência, se entretanto não declarou resolvido o contrato, pode opor-se -desde que preenchidos os requisitos dos art.ºs 120º ou 121º do CIRE- à sua execução, arguindo a resolução do ato em benefício da massa.

 E este tipo de defesa pode ser usado sem dependência de prazo.

 No caso vertente, a massa insolvente exerceu este tipo de defesa no âmbito de uma ação judicial que correu termos noutro tribunal e, como tal, não pode ser conhecida por este tribunal.

 De resto, a ação que correu termos no Tribunal Judicial de Penela não configurava qualquer ação de cumprimento intentada pela aqui autora contra a aqui massa insolvente, pelo que nem sequer se verificavam os pressupostos processuais para admissão deste tipo de defesa por exceção.

 Em suma, a resolução do contrato por via de exceção comunicada no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial de Penela, através da apresentação de articulado superveniente, não pode ser invocada e conhecida nestes autos.»

6.2.

Perscrutemos.

6.2.1.

As razões justificativas dos institutos da prescrição e da caducidade, radicam na proteção da certeza e segurança do tráfico jurídico, na conveniência de se evitarem os riscos e inconvenientes de uma apreciação judicial a longa distância - principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos -  e, ainda, no fito da proteção do devedor evitando-se a onerosidade excessiva decorrente da exigência do pagamento a longo prazo, procurando-se assim obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285.

Numa outra perspetiva, pode dizer-se que o decurso dos prazos da prescrição ou da caducidade apresenta-se como uma reação ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, entendendo-se que ele já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Pessoa Jorge, ob. e loc. Cits e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e sgs.

Ora como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, estes valores que a ordem jurídica prossegue, assumem uma relevância e magnitude, senão superior, pelo menos igual ao outro fito pretendido, qual seja a realização da justiça material que cada caso concreto reclama.

E ainda que a justiça represente um valor de hierarquia superior, ele apresenta-se, muitas vezes e acima de tudo, como um valor ideal a atingir, pelo que casos há em que, por motivos atinentes à estabilidade das relações entre os membros da comunidade e a razões de garantia e de confiança, necessárias ao desenvolvimento, progresso económico e paz social, se impõe a prevalência da segurança.

Sendo certo que, se por um lado, o favorecimento tendencialmente absoluto da segurança sobre a pretensão de se atingir o resultado justo, acarreta uma ordem que pode abrir caminho a formas de opressão ou repressão, por outro, o fito da obtenção da justiça - numa conceptualização puramente ideal deste valor -, pode acarretar uma ordem jurídica instável e ineficaz e que anularia as vantagens aqui teoricamente obtidas.

Havendo, assim, por vezes, e em caso de conflito entre tais valores, que sacrificar a justiça perante a segurança, exceto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs.(neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs  e  Ac. da Relação do Porto de 12.02.2008, dgsi.pt, p.0726212.

Por outro lado, quid essencial diferenciador das figuras da prescrição e da caducidade é o seguinte:

A prescrição tem mais a ver com os direito subjetivos disponíveis propriamente ditos, pois que, e p. ex. não pode ser conhecida ex officio como já referido, é suscetível de renuncia e está sujeita a causas interruptivas e suspensivas.

A caducidade reporta-se mais a razões objetivas ditadas pela tutela do interesse social de definição das situações a que respeita, pelo que, por via de regra, o seu prazo não se suspende nem se interrompe – artº 328º do CC.

Noutra perspetiva ou nuance:

«é na diferença dos conceitos de exercício do direito e de exigibilidade que se pode, num primeiro momento, descortinar a distinção entre a prescrição e a caducidade.

Estando subjacente à exigibilidade o cumprimento de uma obrigação insatisfeita, a prescrição integra a inexigibilidade. Sendo o exercício que perspectiva a realização do direito a modificar, extinguir ou constituir uma relação jurídica, a caducidade integra a falta de exercício.

Enquanto que a limitação da exigibilidade tem o escopo de colocar termo a uma situação antijurídica, a limitação do exercício tem a finalidade, nos direitos potestativos, de fazer cessar um estado de sujeição e, nos direitos subjectivos, de acelerar ou abreviar a sua realização.»- Ac. da RP de 12.05.2014, p. 3324/10.5TBSTS-F.P1.

(sublinhado nosso)

Sendo ainda de relevar, para, num dado caso concreto, se poder concluir se o prazo que nele esteja em causa, assume, ou não, o jaez de prazo de caducidade, que é entendimento unanime na doutrina e na jurisprudência, que o prazo de propositura de uma ação é um prazo de caducidade.

6.2.2.

Nesta conformidade tem de concluir-se que os prazos constantes no artº 123º do CIRE, e não obstante a sua epígrafe, é um prazo de caducidade.

Primus porque os interesses por ele abrangidos não são, bem vistas as coisas, de cariz meramente privado.

 Há a perspetivar, na atuação da legislação insolvencial, outrossim um interesse social, atinente, vg. à manutenção, no tecido económico-social,  de empresas e indivíduos com uma atuação escorreita e profícua e a expurgação do mesmo daqueloutros que assim não pautem a sua atividade e conduta.

Secundus porque o prazo reporta-se - ou mais se reporta -  ao exercício atempado de um direito do que à imediata exigibilidade de uma obrigação.

Tertius porque não custa transportar para a situação que ora nos ocupa, por  analogia  e mutatis mutandis, a posição quanto ao cariz do prazo para a propositura de ações.

Na verdade, com a declaração de resolução mais não se pretende do que exercitar um direito, defender um interesse e obter um certo efeito jurídico, que apenas podem ser defendidos e obtido através do despoletar de um certo iter procedimental, inicialmente de cariz extrajudicial, mas que pode continuar, ou servir de fundamento para um vero processo judicial, qual seja o da sua impugnação.

Destarte, a analogia com o disposto no artº 125º que se refere expressamente à caducidade para a ação da impugnação da resolução, alcança-se, razoavelmente, admissível.

E, em todo o caso, os elementos sistemático, lógico e teleológico da hermenêutica jurídica, assim o impondo.

Considerando, designadamente, o almejado fito da composição definitiva de toda a situação insolvencial – lato sensu considerada - no mais curto lapso de tempo possível.

 Fito estes que dimana do encurtamento dos prazos pelas reformas mais recentes, como seja o de 4 para dois anos no nº1 do artº 120º, e de seis para três meses no artº 125º, operado pela reforma de 2012.

Neste sentido se inclinando, tanto quanto alcançamos, a maioria da  jurisprudência e da doutrina que sobre o tema têm versado.

Assim:

«o citado normativo (artº 123º) ao estabelecer o prazo de seis meses, a contar do respectivo conhecimento por parte do Administrador, para que este exerça o direito potestativo de resolver os actos prejudiciais à massa, visa, …abreviar o estado de sujeição decorrente do mesmo, estabelecendo, pois, atento o que acima ficou exposto, um prazo de caducidade.» - Ac. da RP de 12.05.2014, cit., e, bem assim, Ac. RL de 19.11.2015, p. 1061-07.7TYLSB-AA.L1-8.

Na doutrina, cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda In CIRE Anotado, Vol. I, reimpressão, 2006, pág. 443 e Menezes Leitão in Direito da Insolvência, 4ª Ed., pág. 223.

No sentido de que se trata de um prazo de prescrição cfr. Gravato Morais in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Coimbra Almedina, 2008, pág. 161 e ss.

6.2.3.

Soçobrando o argumento fulcral invocado pela recorrente – de que o prazo do artº 12º do CIRE é de prescrição -  importa retirar as devidas e necessárias consequências de tal prazo ser um prazo de caducidade.

Como resulta do supra já exposto, o prazo de caducidade, versus o que se verifica para o prazo de prescrição, não se suspende ou interrompe, senão nos casos em que a lei o determine – artº 328º do CC.

Ademais, o prazo começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido – artº 329º do CC.

No caso vertente  a lei estipula que o prazo conta-se a partir do conhecimento do ato que se pretende resolver - artº 123º do CIRE.

Ora no que concerne ao alcance e abrangência de tal «conhecimento» deve entender-se que ele se reporta ao conhecimento, pelo administrador da insolvência:

«das partes nele intervenientes, da sua data, do seu objecto e das obrigações dele resultantes para cada uma das partes, e não desde o conhecimento … dos pressupostos que podem fundamentar a resolução.

A adoptar-se esta última interpretação, seria colocar nas mãos do administrador da insolvência um instrumento de fácil e indefinida dilação do prazo, o que contrariaria, em absoluto, os princípios da segurança e da estabilidade dos negócios jurídicos que o legislador quis proteger.» - Ac. da RP de 12.05.2014, p. 3324/10.5TBSTS-F.P1.

De facto, e de direito, assim é.

O processo de insolvência é considerado urgente, pelo que, nele, os intervenientes devem atuar, acrescidamente, com o cuidado, a iniciativa e  o dinamismo necessários a consecutir o desiderato legal da sua tramitação o mais célere possível.

Não é, assim, necessário que o administrador apure exaustiva, pormenorizada e dilucidantemente todos os contornos do ato resolvendo.

Até porque a resolução apenas poderá ser colocada em causa na respetiva ação de impugnação e, nesta, pode, e deve - pois que esta ação se configura, jurídico-processualmente, nos casos em que o impugnante apenas aduz matéria deste jaez e não matéria excetiva, como uma ação de simples apreciação negativa em que o ónus da prova sobre os fundamentos da resolução sobre a massa impende -  a massa provar a bondade destes fundamentos – cfr, por vários, o Ac. da RC de 24.05.2011, p. 1791/08, da RL de 16.07.2013, p.1048/12 e Ac.  do STJ de 25.02.2014, p.251/09. In dgsi.pt.

Irreleva, pois, o argumento aduzido pela recorrente, em 03.06.2013, na ação 433397/08, em articulado superveniente, aliás não admitido, que apenas em Maio de 2013, aquando dos depoimentos dos gerentes das sociedades (…), teve conhecimento dos pormenores que podiam fundamentar a resolução, designadamente o conhecimento da gerente da C (...) , mãe do gerente da M(...) , aquando da cessão, de que esta já se encontrava em insolvência iminente.

Aliás, muito se estranha que, dada a história económico-financeira da M(...) , certamente decadente pelo menos desde 2008, e considerando aquela relação de parentesco entre os gerentes da sociedade, a administradora não suspeitasse da menor linearidade daquela cessão, quando a ela faz referência no seu relatório de 2011.

Ora no caso vertente está provado que:

5º Em 28 de novembro de 2011 a administradora da insolvência nomeada nos presentes autos de insolvência elaborou o parecer sobre a qualificação da insolvência junto de fls. 2 a 12, do Apenso D, … no qual alude à celebração do acordo referido em 2º (artº 51º).

Assim é.

No mencionado artº 51º é plasmado:

« Por escrito celebrado naquela data com  a C (...) , Lda,, a insolvente cedeu a esta sociedade, créditos até ao montante de 120.514,26 euros»

Trata-se do mesmo negócio jurídico em causa nos autos.

E, pelo que se disse, sendo os elementos já do conhecimento da administradora, em 2011, suficientes para ela despoletar a resolução.

Assim sendo, como entendemos que é, se o não fez, mal andou e sibi imputet.

 Pelo que, tendo a administradora resolvido este negócio em Junho de 2013, é  meridianamente evidente que há muito estava ultrapassado o primeiro dos prazos previstos no artº 123º do CIRE – seis meses – pelo que caducado estava o seu direito de resolver tal ato.

6.2.4.

Nesta conformidade, despiciendo se tornaria apreciar a tempestividade da resolução por respeito do segundo prazo – dois anos após a declaração da insolvência – pois que os prazos  não são cumulativos, mas são alternativos, bastando que aquele primeiro esteja ultrapassado para fenecer o direito da massa à resolução.

Mas mesmo que assim não fosse, ou não se entenda, também seria de concluir que este prazo já estava ultrapassado.

Na verdade, o modo de efetivar a resolução, ao abrigo do nº1 do artº 123º, é a via extrajudicial da carta registada com aviso de receção.

Efetivamente:

«o artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil,  (- e, outrossim, o artº 123º nº1 citado -) ao permitir que a resolução se possa exercer mediante declaração à outra parte, adopta o sistema “declarativo”, solução típica do ordenamento jurídico alemão, afastando a necessidade como princípio geral, de uma intervenção constitutiva-condenatória do tribunal, exigida em regra pelos sistemas resolutivos francês, espanhol e italiano.

 …as hipóteses de resolução judicial são expressamente referidas na lei (como é o caso do contrato de locação), ou implícitas no teor literal de certos preceitos, como os artigos 437.º, 966.º e 2248.º/1 do CC.

A natureza potestativa da declaração de resolução transmite-lhe as características de unilateralidade recipienda (art. 224.º, n.º 1, 1.ª parte, do C.C.), irrevogabilidade (230.º, n.º 1, do C.C.), incondicionalidade natural e concretização (dos factos que constituem o fundamento ou motivação da declaração), não estando sujeita a formalidades especiais Impondo-se a forma escrita, em caso de necessidade de registo da declaração para protecção de terceiros...» - Ac. da RP 23.11.2011, p. 35/10.5TBPMS-A.C2 com citação de José Carlos Brandão Proença in  A resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, 2006, pág. 151 e sgs

(sublinhado nosso).

 Por outras palavras:

«O artigo 123º, 1, do CIRE permite que declaração de resolução seja efetuada por carta registada com aviso de receção, exigindo que, no mínimo, haja a garantia de que essa declaração chegou ao destinatário, que tem legitimidade para intentar a respetiva ação de impugnação» - Ac. da RP 30.11.2015, p. 715/12.0TJPRT-G.P1.

Ora, no caso vertente, a pretensão de resolução efetivada em 03.06.2013 nos aludidos autos não foi dirigida ao interessado que tinha legitimidade para proceder à sua impugnação, - a ora impugnante -  mas antes ao tribunal, pedindo-se, adrede, a este órgão, que declare resolvido em benefício da massa insolvente o acordo de cessão de créditos.

Ademais, o tribunal nem sequer admitiu tal articulado e apreciou tal pretensão.

Logo, queda completamente ineficaz, designadamente para efeitos de interrupção/suspensão do prazo de caducidade, tal pretensão resolutiva.

6.2.5.

Resta a resolução operada por via da notificação judicial avulsa em 10.06.2013.

Aqui assistiria razão à recorrente se o prazo de dois anos fosse de prescrição.

Pois que ele se teria interrompido em 15.06.2013 – artº 323º nº2 do CC.

Exatamente no último dia para tornar tempestiva a resolução.

Mas sendo tal prazo de caducidade e tendo a notificação sido  apenas efetivada em 26.06.2013, ela verificou-se já após o decurso do prazo de dois anos, atenta a data da declaração da insolvência, em 15.06.2011.

6.2.6.

Finalmente a possibilidade de resolução sem dependência de prazo consentida pelo nº2 do artº 123º.

Esta faculdade está dependente da verificação  cumulativa de dois requisitos, a saber:

- o negócio  resolvendo não estar ainda cumprido;

-  a resolução ser efetuada por via de exceção.

Quanto a estes pressupostos cumpre referir o seguinte.

 A previsão deste segmento normativo «enquanto…o negócio não estiver cumprido»  reporta-se aos contratos de execução continuada ou duradoura.

O «cumprimento» deve ser entendido como a realização, a perfeição, do negócio inter partes considerada, isto é, tal como elas o quiseram e gizaram entre si e por reporte aos efeitos que dele para elas poderão advir.

O aproveitamento, ou não, dos efeitos possíveis do negócio, por uma das partes, designadamente com relação ou com intervenção/afetação de terceiros, não releva, interfere com, ou impede o, cumprimento; pois que é uma realidade que se situa, a jusante, para além deste.

Por outro lado o segundo requisito aponta e permite uma resolução operada por via judicial.

Mas não de qualquer modo.

Apenas por via de exceção, ou seja, quando o invocante tenha a qualidade de réu nessa ação.

Esta opção legislativa é, de jure condendo, criticável, no sentido de não permitir a resolução de contrato não cumprido outrossim ao autor da ação.

Mas é a inequívoca posição do legislador pelo que deve o intérprete e aplicador do direito respeitá-la.

Aqui chegados urge mencionar que, no caso sub judice,  nenhum destes requisitos se encontra presente.

O contrato de cessão de crédito cumpriu-se com ao acordo das partes e a sua vinculação ao mesmo com a aposição das assinaturas dos respetivos outorgantes.

Não estamos perante um contrato de execução continuada ou duradoura, máxime, na perspetiva das partes.

A cobrança dos créditos cedidos é um direito da cessionária que  ela exercerá, se e quando lhe aprouver, e que, poderá, ou não, ser concretizado/efetivado; e não resultando, em qualquer dos casos, qualquer vinculação ou responsabilidade para a cedente, pois que no contrato nada ficou exarado no sentido de a adstringir à consecução do direito cedido.

Por outro lado, na mencionada ação, a ora recorrente não assumia a qualidade de ré, mas antes de autora, tal como a própria sociedade C (...) , sendo ré a sociedade  F (…), Lda, perante a qual a sociedade M(...) tinha o crédito à C (...) cedido.

É, assim, claro, que a resolução ali impetrada não pode ser considerada como uma defesa via exceção, pois que, como é obvio, esta queda vedada ao autor e apenas pode ser concedida ao réu; e, bem assim, porque tal defesa não pode, na economia e perspetivação do objeto daquele processo tal como delineado pelas respetivas partes, como tal ser taxada.

Ela representou um mero incidente inominado e anómalo, cujo objeto nem sequer foi apreciado, pois que foi liminarmente rejeitado.

Improcede o recurso.

7.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - Os prazos para efetivar a resolução de atos em benefício da massa insolvente, consagrados no artº 123º  nº1 do CIRE, devem, teleologicamente, ser tidos, e apesar da sua epígrafe, não como de prescrição, mas como de caducidade.

II - A resolução em benefício da massa, prevista em tal segmento normativo, é extrajudicial, meramente declarativa e recipienda, devendo ser dirigida ao legitimado para a impugnar, e ser deduzida, posto que suficientemente fundamentada,  logo que o administrador tenha conhecimento não de toda a plêiade circunstancial que lhe subjaz, mas da essência da mesma, vg. das partes no ato intervenientes e  da suposta prejudicialidade do mesmo  para a massa.

III - Assim, a pretensão resolutiva dirigida, em processo judicial, ao tribunal, em articulado superveniente que nem sequer foi admitido, não tem validade e eficácia, vg. para interromper o aludido prazo de caducidade.

IV - A faculdade temporalmente dilatada de resolução conferida pelo nº2 do artº 123º, pressupõe, cumulativamente: I) que o contrato não esteja, na perspetiva das partes, jurídico-económicamente, cumprido, ie., seja de execução duradoura ou continuada; II) que a resolução do mesmo seja judicialmente invocada pelo réu, via excetiva, atento o pedido formulado pelo autor.

V – Não preenche tais requisitos a celebração de contrato de cessão de créditos, independentemente da cobrança, ou não, dos mesmos pelo cessionário, invocado pela cedente em ação na qual intervinha como autora.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar o despacho recorrido.

Custas pela massa.

Coimbra, 2016.02.02.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo ( com declaração)

Fonte Ramos

Concordo com o decidido ( face aos pontos 6.2.3. e 6.2.4 ).Mas entendo que o prazo é de prescrição pelas razões adiantadas por Gravato de Morais, autor citado no acórdão. O ac Rel. Lisboa não toma posição expressa sobre o assunto. O da Rel. Do Porto indicado toma posição aderindo à caducidade por mera citação dos autores Meneses Leitão e Carvalho Fernandes/João Labareda. No entanto, o primeiro não é peremptório apenas refere que lhe “parece” e os segundos não desenvolvem a razão da sua posição. Só Gravato de Morais o faz aprofundadamente.

Em suma, discordo do ponto 6.2.2. ( embora a discordância não se reflicta no decidido como referi).

Moreira do Carmo