Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1097/12.6TBCTB-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 10/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - JUÍZO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.581 CPC
Sumário: 1.- Os pressupostos da decisão estão cobertos pelo caso julgado enquanto pressupostos da decisão – caso julgado relativo – ou seja, a força de caso julgado alarga-se aos pressupostos enquanto tais, pois o que está em causa no caso julgado é o raciocínio como um todo e não cada um dos seus elementos; e só o raciocínio como um todo faz caso julgado.

2.- Os fundamentos da decisão (ligados ao decidido), adquirirem valor de res judicata – o caso julgado também possui um valor enunciativo, ou seja, a eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada, ficando afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele efeito que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada

3.- Quando o objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior, visando prevenir a possibilidade de prolação de decisões judiciais contraditórias com o mesmo objecto (efeito impeditivo), e pressupõe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

4.- Quando o objecto processual anterior funciona como condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo instaurado em segundo lugar. Garantindo a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior (efeito vinculativo), dispensando a tríplice identidade.

5.- Instaurada execução para pagamento de quantia certa e invocada em embargos de executado a compensação de créditos sobre o exequente, verifica-se a autoridade do caso julgado se num processo anterior foi decidido que não era possível operar a ao compensação.

Decisão Texto Integral:





            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Por apenso aos autos de insolvência em que foi declarada insolvente a sociedade “C (…), Unipessoal, L.da”, veio a Massa Insolvente de C (…)Unipessoal, L.da, requerer execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, contra “CA (…), L.da”, já ambas identificadas nos autos.

Apresentou como título executivo, a sentença proferida pelo Tribunal recorrido, em 14 de Julho de 2015 (aqui junta, por cópia, de fl.s 90 a 117), já transitada em julgado, que condenou a aqui executada, a pagar à aqui exequente, a quantia de 172.916,00 €, acrescida de juros de mora.

A executada (CA (…), L.da), veio deduzir os presentes embargos à execução, visando seja declarada a compensação de créditos, que alega deter sobre a exequente, com a consequente procedência dos embargos e a extinção da execução.

Alega para tal que no âmbito dos autos que correram termos na Comarca de Castelo Branco, Instância Central, Secção Cível, com o n.º 1588/11.6TBCTB, em que figurava como autor D (…) e como réu S (…), em 03 de Junho de 2016, foi celebrada transacção, pondo fim a tais autos, a qual foi judicialmente homologada nos termos que se passam a reproduzir:

“a) Autor e réu aceitam que o negócio em discussão nos autos foi celebrado pelo autor como representante da D (…), Lda e da sociedade A (…)Lda – e não em nome próprio – com a CA (…) Unipessoal, Lda.

b) Ficou acordado que € 300.000,00 (trezentos mil euros) seriam para pagar dívidas da D (…)Lda a credores, incluindo à sociedade A (…), Lda.

Do mesmo modo também o autor em nome da A (…), Lda – e não em nome próprio – celebrou um contrato de empreitada com a C (…)Unipessoal, Lda para a construção de uma moradia, sita à Rua do (...) em (...) pelo preço de € 167.000,00 (cento e sessenta e sete mil euros) a que vieram a acrescer trabalhos a mais no valor de € 20.916,50 (vinte mil novecentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos), tudo num total de €187.916,50 (cento e oitenta e sete mil novecentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos), a qual veio a ser edificada durante os anos de 2008 a 2011, tendo sido facturada àquela – A (…), Lda.

Autor e réu aceitam que em consequência do contrato celebrado entre o autor em representação da D (…)Lda e da A (…) Unipessoal, Lda, representada pelo seu sócio A (…)  e datado de 17/10/2007 tenham ficado por pagar €175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) à A (…) Lda, e não ao autor, pela A (…), Unipessoal, Lda.

O autor reconhece o crédito referido na cláusula anterior não é da responsabilidade do réu mas da sociedade para quem trabalhou, C (…)Unipessoal, Lda, sendo que faz parte do pedido global deduzido pelo autor na Insolvência nº 1097/12.6TBCTB - Fundão – Inst. Central - Sec. Comércio - J1 da Comarca de Castelo Branco.

O autor reconhece que o réu nada lhe deve nem a qualquer empresa que representa ou da qual tenha sido ou seja gerente ou administrador.

O réu reconhece que também o autor nada lhe deve a qualquer título.

As custas em dívida a juízo serão suportadas pelo autor, prescindindo ambos das de parte já pagas.

*

O autor presenciou esta transacção e deu a sua anuência para tal.

*

Neste momento, pela Meritíssima Juiz foi proferida a seguinte:

SENTENÇA

I – Na presente acção declarativa, sob a pretérita forma de processo comum, que D (…) moveu contra S (…), todos com sinais nos autos, pretendem as partes pôr termo àquela mediante a transacção que antecede.

II – Apreciando.

As partes podem, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objecto da causa, desde que tal não importe a afirmação da vontade das mesmas relativamente a direitos indisponíveis – artigos 283º, nº 2, e 289º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

A forma que deve assumir a referida transacção encontra-se definida no artigo 290º do mesmo diploma.

III – Decidindo.

Atendendo a que o objecto transaccionado está na livre disponibilidade das partes e vista a qualidade dos sujeitos intervenientes:

- julgo válida e eficaz a transacção que antecede, homologo-a por sentença e, em consequência, condeno as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, dando aqui por reproduzido o respectivo clausulado – artigos 283º, nº 2, 284º, 289º a contrario, 290º nº 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, e artigos 1248º e 1249º, ambos do Código Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho; e - declaro extinta a presente instância – artigos 277º, alínea d), do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho; e

- como acordado, condeno o Autor no pagamento das custas processuais, prescindindo ambas de custas de parte – artigo 537º, nº 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

Registe e notifique.”.

Com base nesta transacção, refere a aqui embargante-executada deter sobre a exequente-embargada, o crédito na mesma referido, que pretende ver compensado com o crédito exequendo.

Conforme despacho de fl.s 15, proferido em 18 de Novembro de 2018, a M.ma Juiz a quo, invocando que a questão da compensação alegada pelo executado-embargante já havia sido apreciada no apenso de Reclamação de Créditos, por decisão transitada em julgado, o que configura uma situação de “autoridade de caso julgado”, ordenou a notificação da embargante para, quanto a tal, se pronunciar.

O que esta fez – cf. requerimento de fl.s 17 e 18 – defendendo a admissibilidade dos embargos, com o fundamento em que “as partes podem por termo ao conflito por acordo e até pelo abuso de direito que seria receber duas vezes”, porque nada deve e “então deixe-se provar que nada deve”.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, foi proferida a decisão de fl.s 19 a 21 v.º, na qual se indeferiu liminarmente os embargos deduzidos, nos termos que se passam, parcialmente, a reproduzir:

“Cumpre, então, apreciar e decidir.

Conforme resulta do requerimento inicial de embargos, a executada quer ver reconhecido e compensado o crédito exequendo com o crédito reconhecido no âmbito do processo nº 1588/11.6 TBCTB, cuja sentença data de 03.06.2016 e que junta.

Alega para o efeito, em suma, que ali foi definitivamente posto fim a vários litígios nos termos da sentença que junta e que dela decorre que a A (…) tem um crédito sobre a Massa Insolvente de 175.000,00€.

Conforme referimos e resulta comprovado do processado no apenso B (reclamação de créditos do processo de insolvência), foi aí proferida decisão (já transitada em julgado) que conheceu, para além de outras, desta mesmíssima questão e que, depois de ouvido o Sr. Administrador de Insolvência e a comissão de credores, indeferiu a possibilidade de qualquer compensação destes mesmos créditos.

Ora, é evidente que este quadro processual nos remete para um cenário não de caso julgado, atenta a inexistência da tríplice identidade característica daquele instituto, mas antes a autoridade de caso julgado.

Veja-se que a questão ali apreciada foi incidental, no âmbito do apenso de reclamação de créditos, onde têm intervenção, para além da devedora e do Sr. Administrador de Insolvência, todo o universo de credores da insolvente, e que nestes embargos apensos à execução o núcleo dos sujeitos é mais restrito, uma vez que são partes apenas a Massa insolvente (representada pelo Sr. Administrador) e a ora executada, ali interveniente acidental.

Como ensina a este respeito Miguel Teixeira de Sousa, “ Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil ”, Lex, 2ª edição, 1997, pág. 572, também citado do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.11.2016, referente ao processo nº 1677/15.8T8VNG.P1, disponível in www.dgsi.pt, e que acompanharemos a partir deste momento, o caso julgado realiza dois efeitos: - um efeito negativo (que decorre da exceção de caso julgado, antes caracterizada), que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal (mesmo, portanto, aquele que decidiu) se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida, seja proferindo decisão oposta, seja repetindo a anterior; - um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais ao que nela foi definido ou estabelecido.

Em suma, o mesmo instituto do caso julgado produz dois efeitos distintos: um efeito negativo exercido através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas idênticas, segundo o critério da identidade de partes; identidade de causa de pedir; identidade do pedido; um efeito positivo, através da autoridade de caso julgado, impondo a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial ou prévia face ao “thema decidendum” no processo posterior.

Neste mesmo sentido, refere J. LEBRE de FREITAS, que “… pela excepção [de caso julgado] visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito “ (…), ao passo que “… a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida ” sublinhado do Acórdão que acompanhamos - J. LEBRE de FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, Coimbra Editora, 2011, pág. 325.

Ainda a propósito da distinção das figuras em apreço, e citando Miguel Teixeira de Sousa, explica exemplarmente o aresto em questão que a exceção de caso julgado manifesta-se no sentido de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que quando vigora como autoridade de caso julgado, “… o caso julgado material manifesta-se pela proibição de contradição da decisão transitada: autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior.”

A nossa jurisprudência, vem, de facto, entendendo que a autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir), pressupondo, porém, a decisão de determinada e concreta questão prejudicial ou prévia que não pode voltar a ser discutida.

Desta forma, poder-se-á concluir que a força e autoridade do caso julgado visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal e que possui também um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada.

Concluindo como o citado aresto, diremos, também, que a autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações, já não de identidade jurídica (exigível apenas em sede de exceção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre objetos processuais: julgada, em termos definitivos, certa questão em ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto dessa primeira causa, sobre essa precisa «quaestio judicata», impõe-se necessariamente em todas as ações que venham a correr termos entre as mesmas partes, ainda que incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na ação posterior, como sucedeu no caso vertente.

Por tudo o exposto, e porquanto a questão da compensação ora pretendida se mostra já discutida e decidida em outra sede judicial, e entre as mesmas partes, o prosseguimento dos presentes embargos e o seu propósito último (atenta a respetiva causa de pedir) mostra-se inadmissível, impedindo-o a força ou autoridade do caso julgado que emana da decisão prévia a que acima aludimos (sob pena de se incorrer em contradição com o já decidido).

Dir-se-á mesmo que decisão diversa permitiria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado (cfr. Ac. do STJ de 6.12.2016, Proc. n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, in www.dgsi.pt).

Naturalmente que, quer a possibilidade de se obter um entendimento entre as partes (hipótese em qualquer litígio), quer a alusão (agora) à figura do abuso de direito, relativamente à qual a petição de embargos é absolutamente omissa, não são de molde a concluir de forma diversa em face do acima exposto.

Nestes termos, os fundamentos de oposição deduzidos pela Embargante revelam-se manifestamente improcedentes perante a aqui exequente e assim indefiro liminarmente a presente Oposição à Execução Mediante Embargos, nos termos do artigo 732º nº 1, al. c) do C.P.C..

Custas pela embargante, nos termos do disposto no artigo 527º do C.P.C..”.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso, a embargante-executada, C (…), L.da, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 34), apresentando as seguintes conclusões:

Os embargos de executado deveriam ter sido recebidos e concedido o prazo legal à Massa para analisar e contestar.

Os fundamentos articulados na Oposição são claros, verdadeiros, sérios e passíveis de análise, contestação, aceitação, transacção.

O facto de não ter sido possível haver compensação logo na Insolvência, não impede que possa – em embargos de executado – vir tal tese a ser procedente.

Aqui, estão todas as partes em disputa; embargante, credores, devedores, massa.

E a tese da embargante não está julgada.

Uma coisa é ser decidida sem contraditório na Insolvência; outra é em embargos de executada levar de vencida a sua tese profundamente alicerçada em factos.

Ou seja, uma coisa é a eliminação da “dívida” na Insolvência; outra é a demonstração cabal de que houve um lapso.

Uma coisa é o Juiz decidir não caber nas suas competências ou na lei retirar uma dívida do acervo patrimonial da Massa; outra é não deixar em sede de embargos provar a “não dívida”.

Ou seja, a decisão recorrida impede que a embargante demonstre nada haver, como não deve, como os credores sabem que não deve, como o Administrador de Insolvência sabe que não deve.

10ª

Dura lex, sed lex – a embargante posicionou-se mal na Insolvência – mas tal não impede que a justiça puramente formal não tenha hipótese de nestes autos ser reparada, ser reverificada ao nível substancial.

11ª

Não fosse assim e a embargante teria que responder perante a Massa por meras razões formais – como defende a Sentença recorrida.

12ª

Lembra-se que a Insolvente era Ré no Pr. 1588/11.6TBCTB … antes desta Insolvência – 1097/12.6TBCTB! E, só por isso, saltou fora … não podendo ser condenada.

13ª

Não há, pois, caso julgado.

Revogando-se a douta sentença, ordenando-se que sejam recebidos os embargos para prosseguirem os autos se fará JUSTIÇA!

Contra-alegando, a exequente-embargada, pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos argumentos nesta expendidos.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se os presentes embargos de executado devem ser liminarmente indeferidos, por força da autoridade de caso julgado decorrente da anterior decisão, proferida no apenso de reclamação de créditos, em que já se apreciou o pedido de compensação de créditos, aqui, igualmente, em apreço.

Os factos a ter em consideração são os que constam do relatório que antecede, a que acresce o seguinte:

1. Conforme requerimento, aqui junto, por cópia, a fl.s 82 e v.º, a ora recorrente requereu, no âmbito do apenso de reclamação de créditos, a compensação do crédito, que computa em mais de 200.00,00 €, que alega deter sobre a insolvente (aqui exequente, através da respectiva Massa) e que é o resultante da transacção acima referida.

2. Conforme decisão ali proferida, datada de 22 de Janeiro de 2017, aqui dada por reproduzida, decidiu-se que a requerida compensação não podia “operar validamente”, assim se indeferindo o requerido.

3. Esta decisão veio a ser confirmada, cf. Acórdão proferido por este Tribunal da Relação, em 27 de Junho de 2017, já transitado em julgado, aqui junto, por cópia, de fl.s 68 a 75.

Se os presentes embargos de executado devem ser liminarmente indeferidos, por força da autoridade de caso julgado decorrente da anterior decisão, proferida no apenso de reclamação de créditos, em que já se apreciou o pedido de compensação de créditos, aqui, igualmente, em apreço.

Como resulta do relatório que antecede e da alegação da recorrente, esta insurge-se contra a decisão recorrida, a qual, no seu entender, devia ter admitido liminarmente os embargos deduzidos, com o fundamento em serem verdadeiros os factos em que se baseiam e por aqui estarem todas “as partes em disputa” e que “a tese da embargante não está julgada”, visando demonstrar “que houve um lapso”, por segundo alegar, inexistir a dívida exequenda.

Assim, esta questão está dependente do que se considerar ser a eficácia das aludidas decisões que, no âmbito do apenso da reclamação de créditos, denegaram a possibilidade de se proceder à requerida compensação, relativamente à recorrente.

Consequentemente, há que ter presente a razão de ser do caso julgado.

Como consabido, e reproduzindo o por nós já defendido em decisões anteriores, visa a “excepção de caso julgado” evitar que o órgão jurisdicional contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior.

Garante, portanto, a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente e a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica.

Encontrando-se os seus requisitos enumerados no artigo 581º do CPC, a saber: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

Identidade de sujeitos que reside no facto de as partes serem as mesmas nas duas acções sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

Identidade da causa de pedir que existe quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, identidade que tem de ser procurada não relativamente às demandas formuladas, mas na questão fundamental levantada nas duas acções; pelo que, tendo a nossa lei adoptado a chamada teoria da substanciação, se exige sempre a indicação do título ou facto jurídico em que se baseia o direito do autor.

Identidade do pedido que tem de ser apreciada não só em relação ao que se pede nas duas acções mas também em relação ao que se alega a respeito da questão fundamental que comanda o pedido das acções.

Sendo inquestionável o que acabamos de observar, está longe de representar ou constituir, só por si, uma explicação acabada para a compreensão da “excepção de caso julgado”.

Se, quanto à identidade de sujeitos, nenhumas dificuldades normalmente se suscitam, não é com a mesma facilidade que se percebe tal identidade nos elementos objectivos (causa de pedir e pedido).

E, a propósito dos limites objectivos do caso julgado, não será despiciendo referir que desde há muito que a concepção/sistema restrito do caso julgado se foi impondo quer na doutrina quer na jurisprudência; ou seja, hoje, não é sustentável dizer que qualquer fundamento fica pelo trânsito em julgado indiscutível (sistema amplo do caso julgado), devendo antes ser dito, como regra, que só a decisão tem foros de indiscutibilidade, sendo tudo o mais (todos os seus fundamentos) discutível (sistema restrito).

Porém, o que se diz como regra (só ter a sentença força de caso julgado na parte decisória e não nos motivos) é algo que não tem uma rigidez absoluta, distinguindo-se, tendo como ponto de partida tal regra (própria dum sistema restritivo puro), hipóteses em que os fundamentos têm força de caso julgado e hipóteses em que não têm[1].

Verdadeiramente, hoje, em termos de limites objectivos do caso julgado, impera a ideia pragmática do “in medio virtus[2]; o sistema restritivo adoptado acaba por ser apenas “pseudo-restritivo” ou, mais exactamente, um sistema intermédio[3].

De modos diversos e com mais ou menos nuances (de linguagem), diz-se recorrentemente que a decisão e fundamentos constituem um todo único; que toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), pelo que o respectivo caso julgado se encontra sempre referenciado a certos fundamentos; que reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos; enfim, que não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo no seu todo; que o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão[4].

 “Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão; mais exactamente, os fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial; não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão. Mas valem (os fundamentos) enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta[5]”.

Enfim, repetindo, os pressupostos da decisão estão cobertos pelo caso julgado enquanto pressupostos da decisão – caso julgado relativo – ou seja, a força de caso julgado alarga-se aos pressupostos enquanto tais[6]; o que está em causa no caso julgado é o raciocínio como um todo e não cada um dos seus elementos; e só o raciocínio como um todo faz caso julgado[7].

Mas mais – e relacionado com esta ideia dos fundamentos, enquanto tal (ligados ao decidido), adquirirem valor de res judicata – o caso julgado também possui um valor enunciativo, ou seja, a eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada, ficando afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele efeito que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada.[8]

Mais ainda, os fundamentos podem possuir um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto; conexões que podem ser, designadamente, de prejudicialidade, o que significa, por ex., que, se numa compra e venda o comprador obtém a redução do preço atendendo aos defeitos da coisa, não pode questionar a validade do contrato em acção em que o vendedor requeira que ele lhe pague a quantia em dívida.

E ainda o que resulta do que é normalmente chamado de “efeito preclusivo”; que designa o efeito da sentença segundo o qual não se pode formular a mesma solicitação processual no futuro com base em factos não supervenientes ao momento do encerramento da discussão em 1.ª instância – 663.º/1= 611.º/1 do NCPC[9].

Podendo referir-se, neste ponto, que “o âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objecto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da acção com base numa distinta causa de pedir. (…). Quanto ao âmbito da preclusão que afecta o réu, há que considerar que lhe incumbe o ónus de apresentar toda a defesa na contestação (art. 498.º/1), pelo que a preclusão que o atinge é independente do caso julgado: ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal.[10]

O que significa – é o sentido do efeito preclusivo para um réu – que os contra-direitos que um réu possa fazer valer – e não fez – são ininvocáveis contra o caso julgado; que este abrange aquilo que foi objecto de controvérsia e ainda os assuntos que o réu tinha o ónus de trazer à colação, estando neste último caso todos os meios de defesa do réu; que a indiscutibilidade duma questão, o seu carácter de res judicata, pode resultar tanto duma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo por força da lei esse efeito[11].

É, na síntese clássica, a regra do “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debetat”.

E é chegado a este ponto da compreensão dos limites objectivos do caso julgado – nos meandros das situações incompatíveis, de prejudicialidade e do chamado efeito preclusivo – que emerge a “figura” da autoridade de caso julgado e os exemplos de escola (e jurisprudenciais) da verificação da “autoridade de caso julgado”.

Como excepção dilatória, visa o caso julgado (material) prevenir, como já se referiu, a possibilidade de prolação de decisões judiciais contraditórias com o mesmo objecto (efeito impeditivo); como autoridade de caso julgado, garante a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior (efeito vinculativo).

Quando o objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior; quando o objecto processual anterior funciona como condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo instaurado em 2.º lugar[12].

Daí que a excepção do caso julgado pressuponha a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; enquanto, naturalmente, a autoridade do caso julgado dispensa tal tríplice identidade[13].

Porém, tal dispensa não significa um não confinamento da “figura” do alcance e da autoridade do caso julgado àquelas situações em que a sentença reconhece, no todo ou em parte, um concreto direito do A., assim fazendo precludir todos os meios de defesa do R., os concretamente deduzidos e até os abstractamente dedutíveis com base em direito próprio; ou àquelas situações em que a sentença, ao reconhecer um direito, constitui um pressuposto ou condição de julgamento de um outro objecto ou prejudica/exclui a invocação de direitos contraditórios e incompatíveis.

São aliás bem elucidativos os exemplos em que tal “figura” se considera normalmente como verificada:

Se uma decisão reconhece o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condena o R. à sua restituição e à demolição da construção que na mesma efectuou, não pode o R. – por força da autoridade do caso julgado da primeira decisão – em nova acção, ainda que com fundamento em acessão industrial imobiliária, pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela de terreno; apesar de não se verificar a excepção dilatória do caso julgado, atenta a diversidade da causa de pedir, a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da primeira decisão obstam a que, em nova acção, se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas na primeira acção com base numa realidade que já se verificava aquando da primeira acção e que aí poderia/deveria ter sido invocada pelo R. (quer para impedir a procedência da acção, quer para sustentar, em sede reconvencional, o direito potestativo de acessão imobiliária.

Se uma decisão condena no pagamento de uma indemnização, não pode aquele que é ali condenado vir pedir, com base no enriquecimento sem causa, a restituição da quantia paga; impedimento esse que resulta, não da excepção de caso julgado (face à diversidade das causa de pedir), mas da autoridade de caso julgado formado pela primitiva acção/decisão.

Se uma decisão condena no preço (duma compra e venda) duma coisa, não pode o condenado, em posterior acção, vir invocar vício invalidante de tal compra e venda; impedimento que também resulta da autoridade de caso julgado formado pela primitiva acção/decisão.

Se numa acção de reivindicação se reconhece a propriedade, tal vale como autoridade de caso julgado num processo posterior em que o proprietário requer a condenação da contraparte no pagamento duma indemnização pela ocupação indevida do imóvel.

Exemplos que têm em comum a identidade de sujeitos (em ambas as acções: na já decidida e na nova acção).

O que não é o caso da situação sob recurso – dado que na acção em que surge o crédito a compensar eram partes os sócios, a título individual, apresentando-se como credor da insolvente D (…) e na referida transacção veio a reconhecer-se que a dívida era da responsabilidade da sociedade ali identificada, concluindo-se que é a A (…) que detém um crédito sobre a Massa Insolvente ao passo que na insolvência foi reconhecido um crédito a D (…) – que convoca outro tipo de considerações sobre o caso julgado:

Designadamente, que o caso julgado só produz efeitos entre as partes, projectando a sua eficácia apenas nas relações entre as partes do processo; que aos terceiros que não participam no processo, que não hajam tido a oportunidade de defender os seus interesses – que podem naturalmente colidir, no todo ou em parte, com os da parte vencedora – não pode ser oposta a força de caso julgado duma decisão (a inoponibilidade do caso julgado a terceiros representa um corolário do princípio do contraditório).

O que não significa nem “que todos aqueles que não figuram no processo como partes possam ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes acções, agindo como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas[14]; nem, no pólo oposto, a doutrina dos efeitos reflexos do caso julgado em relação a terceiros; mas apenas que a sentença acaba por definir, perante todos, as situações jurídicas das partes, acabando por irradiar repercussões que são mera consequência do modo como o direito substantivo conexiona as situações jurídicas desses terceiros com as situações jurídicas das partes.

Tudo estando pois em saber “em que medida terceiros podem estar sujeitos, já não à autoridade do caso julgado, que, enquanto tal, não os atinge, mas à eficácia da sentença, quer no plano dos seus efeitos práticos ou de facto, quer no dos seus efeitos jurídicos indirectos.”[15]

Sendo justamente em tal ponto do problema que “é usual distinguir os terceiros juridicamente indiferentes dos terceiros juridicamente interessados: os primeiros (juridicamente indiferentes) são, ou pretendem ser, titulares duma situação jurídica que não pode, pela sua natureza, ser atingida pelo caso julgado, mas cuja consistência prática o caso julgado pode afectar, como é o caso do credor comum, cujo direito de crédito permanece, não obstante o desaparecimento de um bem do património do seu devedor diminuir a garantia que este representa para ele e restantes credores; juridicamente interessados são os titulares, ou pretensos titulares, de situações jurídicas que, a ser-lhes oposto o caso julgado, por ele podem ser, em si, afectados, quer por resultarem suprimidas, quer por terem o seu conteúdo modificado[16].

Ou, nas palavras do Prof. Antunes Varela[17]:

“Há, em 1.º lugar, as pessoas a quem podemos chamar terceiros juridicamente indiferentes. São as pessoas a quem a sentença não causa prejuízo jurídico, por não bolir com a existência ou validade do seu direito, embora possa afectar a sua consistência prática ou económica. (…) Nestes casos, em que a decisão contida na sentença não causa prejuízo jurídico ao direito de terceiro, nenhuma razão há para recusar a invocação do caso julgado perante esse terceiro, visto a regra da eficácia relativa do caso ter por fim evitar que terceiros sejam prejudicados, na consistência jurídica ou no conteúdo do seu direito (sem eles terem tido a possibilidade de se defender e esse risco não ocorrer em tal tipo de situações). Pode, por conseguinte, dizer-se que, em relação aos terceiros juridicamente indiferentes, a sentença impõe-se-lhes”.

E há as situações “em que as pessoas se arrogam a titularidade de uma relação ou posição incompatível com a reconhecida na sentença.

Na acção de reivindicação instaurada por A contra B, a sentença reconhece, por hipótese, a propriedade de A. sobre a coisa, sendo certo que C se arroga a qualidade de proprietário da mesma coisa. (…)

Nos casos deste tipo, nenhuma razão há, de acordo com o espirito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada.

Pelo contrário.

Se a sentença proferida for invocada contra terceiro, deve reconhecer-se a este a ampla possibilidade de alegar e demonstrar a existência do seu direito, incompatível com a decisão passada em julgado.”

Ora, na situação sob recurso a decisão proferida nas anteriores sentenças não bole, não contende com a existência ou validade do direito do recorrente, embora possa afectar a sua consistência prática ou económica, na medida em que o direito de crédito reconhecido na transacção acima referida se mantém, embora não lhe seja reconhecido, no âmbito da presente execução, para efeitos da invocada compensação de créditos.

Pelo que, se tem de concluir que, efectivamente, por força derivada da eficácia do caso julgado das decisões anteriores, está excluída toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada, ficando afastado todo o efeito incompatível que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada.

Ou seja, definido nas decisões anteriores, já transitadas em julgado, que não era possível operar a compensação, aqui também invocada, admitir, agora, tal compensação, seria ir de encontro ao ali já decidido, seria validar uma situação contraditória/incompatível, com o que ficou decidido nas anteriores decisões, o que, nos termos expostos, não é permitido dada a eficácia do caso julgado que emerge de tais decisões.

Em suma, seja quais forem as partes que venham invocar a compensação de tais créditos, a mesma não é de atender, porque prejudicada pelo decidido anteriormente, sendo de manter, por isso, a decisão recorrida.

Diga-se, para terminar, que como referido na decisão em apreço, ao ora decidido não obsta a possibilidade (genérica) de as partes transigirem sobre o objecto de um litígio, que esteja na sua disponibilidade, nem da invocação, ainda que tardia, do abuso do direito.

Como acima se referiu um dos exemplos apontados é, precisamente, o da impossibilidade da invocação do abuso do direito, para contrariar os efeitos de uma anterior decisão judicial.

Permitir, agora, tal invocação, com o fim de obter o direito à compensação, seria dar guarida a uma situação contraditória, incompatível, com a eficácia do caso julgado das anteriores decisões, uma vez que nestas, já se firmou a impossibilidade de operar a ora pretendida compensação.

Pelo que, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, a cargo da apelante.

Coimbra, 22 de Outubro de 2019.

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves

[1] A dificuldade – como refere o Prof. Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 121 e ss. – está “em estabelecer a distinção em bases científicas sem empurrar a questão para uma casuísmo necessariamente arbitrário”.

[2] Efectivamente, a concepção/sistema restrito (da sentença só ter força de caso julgado na parte decisiva e não nos fundamentos) leva a conclusões duvidosas e em última análise insatisfatórias (como resulta dos inúmeros exemplos citados por Castro Mendes, obra citada, pág. 143).

[3] Como observou – há mais de 50 anos, mas com inteira actualidade – o Prof. Castro Mendes (obra citada, pág. 133) – mesmo aqueles (Dias Ferreira) que diziam que “a sentença só tem força de caso julgado na parte decisiva e não nos motivos, considerandos ou enunciações”, não deixavam de acrescentar “excepto quando os considerandos estejam relacionados com a decisão por forma que com ela formem um todo indivisível”. Do mesmo modo a jurisprudência que “aceita a regra segundo a qual o caso julgado não se alarga aos fundamentos da decisão”, logo acrescentado “que o CPC admite a decisão implícita, como consequência necessária do julgamento expressamente proferido e já transitado, constituindo problema de interpretação da sentença saber se nela há um fundamento implícito”.

[4] Seguimos de perto Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 578.
[5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 579/80.

[6] O Prof. Antunes Varela – Manual de Processo, 1.ª ed., pág. 693 e ss. – parece ser um pouco mais restritivo, na medida em que apenas diz que “é a resposta dada na sentença à pretensão do A., delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende que seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado”; e que “a força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final”; porém, mais à frente não deixa de reconhecer que “reveste o maior interesse, para a delimitação do caso julgado, a fixação do sentido e, sobretudo, do alcance dessa resposta contida na decisão final”; e que “é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado

[7] O que, aliás, é de certo modo corroborado pelo art. 498.º do VCPC= art. 581.º do NCPC, ao colocar os dois requisitos da identidade objectiva – pedido e causa de pedir – precisamente no mesmo plano; sem qualquer diferença de projecção e alcance.

[8] Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, em que ilustra o referido com os seguintes exemplos: Se o R. é condenado, como devedor, a cumprir uma prestação ao A., aquele não pode demandar este último pedindo a restituição, com base no enriquecimento sem causa, da quantia paga; se o R. é condenado a entregar uma coisa ao A., aquele não pode instaurar uma acção pedindo a restituição da mesma coisa.

[9] A sentença condenatória corresponde à situação existente no momento do encerramento da discussão nos termos do art. 663.º/1 do CPC.
[10] Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 585/6.

[11] E a indiscutibilidade não pode ser posta em causa invocando argumentos, factos ou razões que o efeito preclusivo cobriu. - Prof. Castro Mendes, obra citada, pág. 186.

[12] A excepção do caso julgado encerra a vertente negativa, em ordem a evitar a repetição de acções; a autoridade do caso julgado traduz a vertente positiva, no sentido de imposição externa da decisão tomada.
[13] Se a exigisse não faria diferença com a excepção de caso julgado.
[14] Prof. Antunes Varela, Manual de Processo, 1.ª ed., pág. 706.

[15] Lebre de Freitas, CPC, Vol. 2.º, anotação ao então art. 674.º, pág. 685.

[16] Lebre de Freitas, local citado.
[17] Local citado, pág. 708.