Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
77/13.9TBOLR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
CONTRATO PROMESSA
PROVA
DECISÃO DE FACTO
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 349, 351, 413, 610, 611, 612 CC, 607, 662 CPC
Sumário: 1. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC).

2. Celebrado contrato-promessa sem tradição da coisa prometida alienar ou eficácia real, o acto impugnável, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 610º e seguintes do Código Civil, é o contrato definitivo, por ser este que causa prejuízo aos credores, retirando um bem penhorável ao património do devedor.

3. Na falta de elementos suficientemente elucidativos sobre todo o relacionamento contratual em causa, deverá ser adoptada uma visão de conjunto, atenta ao elo funcional que une os dois actos, que possibilita a utilização da impugnação pauliana pelos credores dos contraentes, perante uma operação jurídica complexa que lesou a garantia patrimonial dos seus créditos.

4. A actuação prevista no art.º 662º, n.º 2, alínea b), do CPC, o inquisitório que aí se admite, não poderá servir para suprir preclusões já verificadas ou ultrapassar o incumprimento de ónus probatórios.

Decisão Texto Integral:  
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           
            I. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (…), CRL, instaurou, no Tribunal Judicial de Oleiros, a presente acção ordinária de impugnação pauliana contra IA (…) e mulher, MS (…) (1ºs Réus); IJ (…), menor, representado pelos seus pais, IM (…) e mulher, MJ (…) (2º Réu); LC (…) e marido, PA (…) (3ºs Réus); e M (…)S. A. (4ª Ré), pedindo que sejam declarados ineficazes em relação a si, as doações e vendas referidas nos art.ºs 29º a 38º da petição inicial (p. i.) e, consequentemente, que os Réus sejam condenados à restituição dos imóveis transaccionados na medida do interesse da A., para que esta os possa executar no património dos Réus adquirentes (donatário e compradores) por forma a obter a satisfação dos seus créditos, referidos nos art.ºs 14º e 19º a 24º da p. i., por cujo pagamento os 1ºs Réus são responsáveis, com as legais consequências relativamente ao registo.
            Alegou, em síntese: em 30.5.2008, no exercício da sua actividade, concedeu um empréstimo no valor de € 860 000, pelo prazo de 15 anos, à J (…), Lda., na qualidade de mutuária, intervindo nesse negócio os 1ºs Réus, na qualidade de fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão; para garantia do contrato e das obrigações acessórias, a “J (…) hipotecou o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Castelo Branco sob o n.º 5882 da freguesia de Castelo Branco; apenas foram pagas algumas das prestações acordadas, a última das quais em 30.10.2008, ficando, nessa data, em dívida, a quantia de € 847 142,94, sendo que, entraram em mora na data do pagamento da prestação seguinte (30.11.2008), altura em que ficaram ainda em dívida juros remuneratórios, juros moratórios e despesas, tudo no montante total de € 1 022 827,80; instaurou então, para cobrança desses créditos, a acção executiva que corre termos com o n.º 56/10.8TBOLR e em que são executados os 1ºs Réus; foi também instaurado o processo de execução fiscal n.º 0604200901003275 que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, onde o prédio hipotecado foi vendido por € 516 000, tendo a A. recebido em 29.7.2010, na sequência de reclamação de créditos efectuada, a quantia de € 512 977,70, estando em dívida € 516 253,68 a essa mesma data, acrescida de juros de mora e despesas; os 1ºs Réus, em 13.7.2009, doaram ao 2º Réu, seu neto, com reserva de usufruto, o prédio urbano sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Oleiros, inscrito na matriz sob o artigo 749 da referida freguesia; o prédio rústico sito no lugar de Tojal da dita freguesia de (...), concelho de Oleiros, inscrito na matriz sob o artigo 2704 da mesma freguesia, e o prédio rústico, sito no lugar de Tojal da freguesia de (...), concelho de Oleiros, inscrito na matriz sob o artigo 2705 da mesma freguesia, sendo que, sobre o primeiro, se encontra já inscrito um arresto em 08.02.2010 para pagamento da quantia de € 60 694,65; nesse mesmo dia, doaram ao 2º Réu, com reserva de usufruto, o prédio rústico descrito na CRP de Castelo Branco sob o n.° 9 851 da freguesia de Castelo Branco, o prédio rústico, descrito na CRP de Castelo Branco sob o n.° 9 852 da freguesia de Castelo Branco, sendo que sobre o prédio descrito sob o n.º 9851 já incide uma penhora, registada em 2010.07.09, para pagamento da quantia de € 60 694,65 euros, e sobre o prédio descrito sob o n.° 9852 também já incide o registo de penhor, efectuado em 2010.07.09, para pagamento de quantia de € 60 694,65; no dia 28.8.2009 os 1ºs Réus doaram ao 2ª Réu, com reserva de usufruto, o prédio urbano sito no lugar de (...), freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 14434, bem como o prédio urbano sito no lugar de (...), freguesia e concelho de Castelo Branco, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 14435, prédios sobre os quais incidem arrestos e penhoras dos usufrutos; no dia 01.10.2009 os 1ºs Réus doaram ao 2º Réu, com reserva de usufruto, metade do prédio rústico descrito na CRP de Castelo Branco sob o n.º 6303 da freguesia de Castelo Branco; em 11.5.2010 os 1ºs Réus venderam aos 3ºs Réus metade do prédio urbano descrito na CRP de (...), sob o n.° 2396-A-3/19900416, sobre o qual já incide um arresto registado em 2009/11/12, para garantia do pagamento de € 60 694,65 euros; e em 23.6.2009 venderam os mesmos Réus à 4ª Ré o prédio urbano descrito na CRP de Oleiros sob o n.° 686-D da mesma freguesia; os 1ºs Réus desfizeram-se dos seus bens de maior valor, tornando impossível à A. obter a satisfação integral ou parcial dos seus créditos através da venda dos bens não alienados; os mencionados Réus tinham ainda consciência de que a garantia hipotecária concedida pela sociedade de que o 1º Réu era sócio e gerente não era suficiente para pagar à A. e que só através da venda do respectivo património era possível garantir o pagamento do crédito desta; sabiam que as doações causavam prejuízo à A.; nas escrituras de compra e venda quer vendedores, quer compradores, actuaram conscientes do prejuízo que causavam à A., com o intuito de evitar a cobrança dos créditos sobre os Réus, agindo com má fé e intenção de a prejudicar.
            Os 3ºs Réus contestaram, por impugnação, alegando, em síntese: que a aquisição da fracção se deveu a um acordo celebrado na sequência da compra da mesma, em compropriedade, pelo contestante e pelo 1º Réu no âmbito de uma acção executiva na qual este era exequente, não tendo havido qualquer simulação, tendo passado, após a celebração do prévio contrato-promessa de compra e venda a usufruir de toda a fracção como proprietário; só em 20.11.2009, o 3º Réu teve conhecimento da situação financeira do 1º Réu, vindo a contrato de compra e venda referente à fracção a ser outorgado em 11.5.2010, na sequência da procedência dos embargos deduzidos ao arresto de metade da fracção ao 1º Réu; na sequência desse contrato, entrou no património dos 1ºs Réus a quantia correspondente à aquisição de metade da fracção, não tendo o respectivo património ficado diminuído. Terminam pedindo a sua absolvição do pedido.
            A 4ª Ré também contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, deduzindo excepção dilatória de incompetência territorial.
            Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência territorial; seleccionou-se a matéria de facto (assente e controvertida), objecto de reclamações, por parte da A. e dos 3ºs Réus, que foram desatendidas.
            Na pendência da acção, os 1ºs Réus foram declarados insolventes, tendo a Sra. Administradora da Insolvência resolvido as doações feitas, o mesmo sucedendo com o contrato de compra e venda à 4ª Ré, encontrando-se os bens apreendidos à ordem da massa insolvente.
            Por sua vez, a A. veio desistir dos pedidos formulados, à excepção da venda referida na al. a) do art.º 38º da p. i..
            Nessa sequência e por despacho de 10.4.2013, foi julgada válida tal desistência, prosseguindo os autos para apreciação do pedido formulado contra os 1ºs e 3ºs Réus.
            Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal julgou a acção procedente e, em consequência, declarou procedente a impugnação do contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs e 3ºs Réus, referido no art.º 38º al. a) da petição inicial, declarando o mesmo ineficaz em relação à A. para efeitos de poder executar o imóvel no património dos Réus compradores, na medida do necessário para obter a satisfação completa do seu crédito.
            Inconformados e pugnando pela improcedência da acção, os 3ºs Réus interpuseram a presente apelação formulando as seguintes conclusões:
            (…)
            A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar, principalmente, se existe, ou não, erro na apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido [problemática decisiva para o acerto (ou desacerto) da decisão de mérito]; concluindo-se pela sua inexistência, importará depois apreciar a questão do “abuso do direito”; por último, afirmado o exercício legítimo do direito da A., se é ainda possível a produção de prova sobre a situação patrimonial dos 1ºs Réus à data do negócio impugnado.
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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
            a) A A. é uma instituição de crédito sob a forma de cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária. (A)
            b) Escritura intitulada de “Mútuo com hipoteca, fiança e mandato”, e documento complementar, de 30.5.2008, entre a A., na qualidade de 1º outorgante, no exercício da actividade referida em II. 1. a), e os 1ºs Réus, JA (…)MF (…) e JM (…), na qualidade de 2ºs outorgantes, por si e na qualidade de únicos sócios e em representação da sociedade J (…), Lda., de fls. 31-48. (B)
            c) Na sequência do referido em II. 1. b), a sociedade J (…)Lda., representada pelos seus sócios gerentes, referidos em II. 1. b), subscreveram e entregaram à A. a proposta de crédito n.º 41316913, de fls. 51-52 do PP, para concessão do mútuo de € 860 000, a serem pagos em 180 prestações mensais, com vencimento da primeira prestação em 30.6.2008 e com vencimento de juros à taxa anual acordada, na base de 360 dias, que a essa data era de 7,7 % o ano, proposta que foi aceite pela A. no mesmo dia; a taxa de juro foi alterada para 7,875 % ao ano, desde 30.9.2008. (C)
            d) Na sequência do referido em II. 1. a) a c), a J (…)Lda., recebeu da A. a quantia de € 860 000, em 30.5.2008. (D)
            e) Na sequência do referido em II. 1. a) a d), foram pagas prestações até à prestação de 30.10.2008, ficando por pagar € 847 142,94, não tendo sido pagas as prestações de 30.11.2008 e seguintes. (E)
            f) MA (…), IA (…) e JM (…) , receberam da A. os escritos de fls. 56-61, enviados em 21.9.2009. (F)
            g) Na sequência do referido em II. 1. a) a f), a A. instaurou, em 07.7.2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros, a execução comum distribuída com o n.º 56/10.8TBOLR, e processado desta. (G)
            h) E, em 29.7.2.010, a A. recebeu a quantia de € 512 977,72 na execução fiscal n.º 0604200901003275. (H)
            i) Escritura intitulada de “Justificação e Doação”, de 13.7.2009, entre os 1ºs Réus, na qualidade de 1ºs outorgantes, JM (…), PD (…) e JA (…) , na qualidade de 2ºs outorgantes, e IJ (…), de fls. 70-75, sobre os prédios:
            - urbano, descrito na CRP de Oleiros com o n.º 1107/20090901;
            - rústico, descrito na CRP de Oleiros com o n.º 1108/20090901;
            - rústico, descrito na CRP de Oleiros com o n.º 1109/20090901. (I)
            j) Escritura intitulada de “Doação”, de 13.7.2009, de fls. 77-80, sobre os prédios:
            - rústico, descrito na CRP de Castelo Branco com o n.º 9851:
            - rústico, descrito na CRP de Castelo Branco com o n.º 9.852. (J)
            k) Escritura intitulada de “Doação”, de 28.8.2009, de fls. 82-85, sobre os prédios:
            - urbano, descrito na CRP de Castelo Branco com o n.º 10 375;
            - urbano, descrito na CRP de Castelo Branco com o n.º 10.376. (K)
            l) Escritura intitulada de “Doação”, de 01.10.2009, de fls. 88-90, sobre metade do prédio rústico descrito na CRP de Castelo Branco com o n.º 6.303/20001102. (L)
            m) Escritura intitulada de “Compra e Venda”, de 23.6.2009, entre os 1ºs Réus, casados no regime da comunhão de adquiridos, na qualidade de 1ºs outorgantes, e M (…), S. A., na qualidade de 2ª outorgante, de fls. 188-191, sobre a fracção autónoma descrita na CRP de Oleiros sob o n.º 686/19980929-D. (M)
            n) Escritura intitulada de “Compra e Venda”, de 11.5.2010, entre os 1ºs Réus e o 3º Réu, PA (…) de fls. 194-196, sobre metade indivisa da fracção autónoma descrita na CRP de (...) com o n.° 2396/20080317-A-3. (N)
            o) Certidão de ónus e encargos do prédio urbano descrito com o n.º 2.396/19900416 na CRP de (...), na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (O)
            p) Certidão de ónus e encargos da fracção autónoma descrita com o n.º 2.396/20080317-A-3 na CRP de (...), na referência electrónica 52.240 do PE do apenso A. (P)
            q) Certidão de ónus e encargos do prédio urbano descrito com o n.º 686/19980929 na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (Q)
            r) Certidão de ónus e encargos da fracção autónoma descrita com o n.º 686/19980929-A na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (R)
            s) Certidão de ónus e encargos da fracção autónoma descrita com o n.º 686/19980929-D na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do apenso A. (S)
            t) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 1.202/20091117 na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (T)
            u) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 1.203/20091117 na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (U)
            v) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 1.204/20091117 na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (V)
            w) Certidão de ónus e encargos do prédio urbano descrito com o n.º 1.107/20090901 na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (W)
            x) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 1.108/20090901 na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (X)
            y) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 1.109/20090901 na CRP de Oleiros, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (Y)
            z) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 6.303/20001102 na CRP de Castelo Branco, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (Z)
            aa) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 9.851/20090331 na CRP de Castelo Branco, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (AA)
            bb) Certidão de ónus e encargos do prédio rústico descrito com o n.º 9.852/20090331 na CRP de Castelo Branco, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (AB)         
            cc) Certidão de ónus e encargos do prédio urbano descrito com o n.º 10375/20090901 na CRP de Castelo Branco, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (AC)
            dd) Certidão de ónus e encargos do prédio urbano descrito com o n.º 10376/20090901 na CRP de Castelo Branco, na referência electrónica 52.240 do PE do Apenso A. (AD)
            ee) Certidão de ónus e encargos do prédio urbano descrito com o n.º 2.634/19920907 na CRP de Castelo Branco, de fls. 127-129. (AE)
            ff) Certidão de ónus e encargos da fracção autónoma descrita com o n.º 2.634/19920907-A na CRP de Castelo Branco, de fls. 117-121. (AF)
            gg) Certidão de ónus e encargos da fracção autónoma descrita com o n.º 2.634/19920907-G na CRP de Castelo Branco, de fls. 122-126. (AG)
            hh) O 2º Réu nasceu em 30.11.1998, é filho de IM (…) e de MJ (…), e é neto dos 1ºs Réus. (AH)
            ii) IA (…) é casado com MS (…) no regime da comunhão de adquiridos. (AI)
            jj) Os 3ºs Réus são casados no regime da comunhão de adquiridos. (AJ)
            kk) Ao procederem como referido em II. 1. b) a e), os 1ºs Réus sabiam que a garantia hipotecária prestada à J (…), Lda., não era suficiente para pagar à A.. (AK)
            ll) Ao procederem como referido em II. 1. i) a n), os 1ºs Réus quiseram impossibilitar, como impossibilitaram, o pagamento coercivo das quantias referidas em II. 1. a) a f), e h). (AL)
            mm) Sabendo que não tinham mais bens susceptíveis de ressarcir coercivamente as ditas quantias. (AM)
            nn) Para além dos bens:
            - prédio urbano descrito na CRP de Oleiros sob o n.º 686/19980929;
            - prédio rústico descrito na CRP de Oleiros sob o n.º 1202/20091117;
            - prédio rústico descrito na CRP de Oleiros sob o n.° 1203/20091117; e
            - prédio rústico descrito na CRP de Oleiros sob o n.º 1204/20091117. (AN)
            oo) No intuito de evitar a cobrança coerciva dos débitos dos 1ºs Réus, pelos seus credores, bem como pela A.. (AO)
            pp) Escritura intitulada de “Compra e Venda”, de 14.12.2006, sobre a fracção autónoma descrita com o n.° 2.396/20080317-A-3 da CRP de (...), na referência electrónica 52.815 do PE do Apenso A. (AP)
            qq) Em 09.02.2009, os 1ºs Réus, na qualidade de 1ºs outorgantes, e promitentes-vendedores, e o 3º Réu, P (…), na qualidade de 2º outorgante, e promitente comprador, acordaram nos termos do escrito intitulado de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, na referência electrónica 52.815 do PE do Apenso A, sobre a fracção autónoma descrita com o n.º 2.396/20080317-A-3 da CRP de (...). (AQ)
            rr) Os 1ºs Réus assinaram escrito intitulado de ‘Procuração”, na referência electrónica 52.815 do PE do Apenso A, com termo de autenticação em 23.02.2009. (AR)
            ss) Ao procederem da forma referida em II. 1. n), os 3ºs Réus sabiam das dificuldades financeiras dos 1ºs Réus, que estes tinham dívidas anteriores e que sobre o prédio incidia um arresto para garantia do pagamento de € 60 394,65. (1º)
            tt) E, com o acto referido em II. 1. n), tiveram consciência que, pelo menos, dificultavam, a satisfação dos créditos dos credores dos 1ºs Réus, incluindo da A., e o pagamento coercivo das quantias em dívida. (resposta ao art.º 2º)
            uu) À data referida em II. 1. b), a A. não exigiu hipoteca dos 1ºs Réus sobre outros prédios destes. (7º)
            vv) Sabendo que as hipotecas referidas em II. 1. b) eram insuficientes. (8º)
            ww) Na sequência do referido em II. 1. qq), os 3ºs Réus pagaram aos 1ºs Réus € 16 250. (resposta ao art.º 11º)
            xx) Por sentença proferida a 12.7.2011 no âmbito do processo de insolvência n.º 28/11.5TBOLR do Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros, transitada em julgado em 10.8.2011, foi o 1º Réu declarado insolvente (cf. certidão junta de fls. 516 a 537 do apenso A).[1]
            yy) Na sequência do aludido processo de insolvência, a Sra. Administradora da Insolvência resolveu a favor da massa insolvente as doações efectuadas ao 2º Réu, resoluções que não foram objecto de impugnação (cf. a mesma certidão).
            zz) Por sentença proferida a 15.02.2012, no âmbito do processo de insolvência n.º 28/11.5TBOLR-I do Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros, foi declarada a insolvência da 1ª Ré (cf. certidão junta de fls. 538 a 542 do apenso A).
            aaa) Por sentença proferida a 07.9.2010 no âmbito do processo de embargos de terceiro n.º 2013/09.8TBCTB-B do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, transitada em julgado em 25.10.2010, foi determinado o levantamento do arresto da metade da fracção autónoma designada pela letra “A3”, correspondente ao terceiro andar A, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida (...), concelho do Seixal, descrito na CRP de (...) sob o n.º 2396 e sob o art.º 1078 (cf. certidão judicial junta de fls. 545 a 569).
            bbb) A petição inicial apresentada no âmbito do processo identificado em II. 1. aaa) por (…) foi notificada aos embargados em 18.12.2009 e não foi apresentada contestação (cf. certidão narrativa junta a fls. 545).
            2. E deu como não provado:
            a) Ao procederem da forma referida em II. 1. n), os 3ºs Réus agiram com o intuito de evitar a cobrança coerciva dos débitos dos 1ºs Réus, pelos seus credores, bem como pela A.. (3º)
            b) Ao procederem como referido em II. 1. n), os 3ºs Réus desconheciam que os 1ºs Réus fossem devedores da A.. (9º)
            c) E que com tal acto prejudicassem os créditos da A.. (10º)
            d) Após o referido em II. 1. qq), o 3º Réu passou a utilizar a fracção autónoma referida em II. 1. n) e a pagar as despesas comuns. (12º)
            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
a) Os 3ºs Réus/recorrentes insurgem-se, essencialmente, contra a decisão sobre a matéria de facto, invocando a prova testemunhal e documental produzida nos autos e em audiência de discussão e julgamento, pugnando para que, dando-se como provados os factos aludidos em II. 2. b) e c) e como não provada a matéria referida em II. 1. ss) e tt), supra, seja desatendido o pedido em causa formulado na p. i..
            Por conseguinte, antolha-se fundamental saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto àquela factualidade: se, ao procederem como referido em II. 1. n), os 3ºs Réus desconheciam que os 1ºs Réus fossem devedores da A. e que com tal acto prejudicassem os créditos da A., ou, pelo contrário, se ao procederem da forma referida em II. 1. n), os 3ºs Réus sabiam das dificuldades financeiras dos 1ºs Réus, que estes tinham dívidas anteriores e que sobre o prédio incidia um arresto para garantia do pagamento de € 60 394,65, e bem assim, que, ao assim actuarem, tiveram consciência que, pelo menos, dificultavam a satisfação dos créditos dos credores dos 1ºs Réus, incluindo da A., e o pagamento coercivo das quantias em dívida.[2]
b) O tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto, na parte que aqui releva, da seguinte forma:
            «(…) no que diz respeito à factualidade vertida em 45. e 46. [II. 1. ss) e tt)], o tribunal considerou-a provada com base na escritura de compra e venda celebrada em 11 de Maio de 2010 e que se mostra junta de fls. 196 a 200 do apenso A [fls. 192 a 196] e na certidão predial junta de fls. 225 a 229 do mesmo apenso [fls. 715 a 719], em conjugação com as regras da experiência comum e normalidade da vida.
            Com efeito, em face do teor da mencionada escritura pública - onde expressamente se declara a existência de um arresto e de uma penhora anteriormente registados sobre a quota parte pertencente a IA (…) e MS (…) – e da mencionada certidão predial – de onde resulta, efectivamente, a inscrição de um arresto, logo seguido de um registo provisório de aquisição a favor dos ora réus PS (…) e LS (…), seguido de outra penhora – forçoso é de concluir que, pelo menos, desde a data do registo provisório de aquisição a seu favor, tinham conhecimento da existência de dívidas de IA (…) e mulher e que sobre a sua quota parte no prédio incidia já um arresto e uma penhora.
            É certo que, conforme resulta da certidão judicial de fls. 545 a 569, o mencionado arresto foi levantado na sequência da oposição deduzida pelo ora réu PS (…) e, em virtude da não contestação dos embargados.
            Contudo, tal não infirma a circunstância de os réus IA (…) e mulher terem dívidas e de as mesmas serem conhecidas pelos réus P (…) e L (…), tanto mais que, aquando da celebração da escritura pública de compra e venda que constitui o acto impugnado na presente acção, já se mostrava também inscrita uma penhora que nada tinha a ver com o mencionado arresto.
            Por outro lado, tendo em consideração a profissão de advogado do réu P (…), necessariamente o mesmo e a sua mulher tiveram, pelo menos, consciência - ainda que não se tenha logrado provar ser essa a sua real intenção - que com a celebração da escritura impugnada na presente acção, dificultavam a satisfação dos créditos dos credores de IA (…) e mulher, incluindo da autora, face às regras da experiência comum e normalidade da vida, e o pagamento coercivo da quantias em dívida que, como se disse, sabiam existir nessa data e poderiam prever, naturalmente, a existência de outras.
            Os elementos probatórios supra referidos não foram, minimamente, infirmados pelos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, todas elas familiares, clientes, colegas de escritório e empregados do réu P (…).
            Com efeito, a objectividade documental aquando da celebração do acto impugnado é tal que, naturalmente, não cede perante qualquer prova testemunhal, tanto mais que os réus P (…) e L (…), na sua contestação, admitiram ter tido conhecimento do arresto, logo em Novembro de 2009.
            O tribunal teve assim, necessariamente, de dar como não provada a factualidade vertida de a) a c).
            Ainda assim e atendendo à prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, o tribunal teve que dar uma resposta restritiva ao ponto 2º da base instrutória (…).»
            c) O juiz poderá lançar mão do instrumento probatório das presunções judiciais, de facto, hominis ou simples, enquanto meios lógicos ou mentais da descoberta de factos entregues “às luzes e à prudência do magistrado” - valendo-se de certo facto e de regras de experiência, o juiz conclui que aquele denuncia a existência de um outro facto, é consequência típica de outro -, presunções que, condicionadas a uma utilização prudente e sensata, não deixam de constituir um instrumento precioso a empregar, quando necessário e tal for legalmente admitido na formação da convicção que antecede a resposta à matéria de facto (art.ºs 349º e 351º, do CC), o que se torna premente quando se trata de proferir decisão em que os factos se tornam (tornaram) dificilmente atingíveis através de meios de prova directa[3].
Ademais, a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[4], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.
            d) Tendo presentes o aludido entendimento e os elementos disponíveis, afigura-se que nada se poderá objectar ao decidido e à respectiva fundamentação, mormente quando se afirma que o que decorre dos documentos supra referidos não foi infirmado pelos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento.
            Ademais, verifica-se que os 3ºs Réus/recorrentes, tendo deixado de se “insurgir” quanto à forma como a b. i. veio a ficar configurada (fls. 407, 408 e 428), dizem, apenas, que o Tribunal a quo fez “´tábua rasa` do contrato-promessa junto aos autos e considerado como provado (facto provado 43)” [cf. II. 1. qq), supra], quando é certo que a A. centrou a sua perspectiva, e a sua pretensão, no que agora importa, por referência à escritura de compra e venda de 11.5.2010, aludida no item 38º, alínea a), da p. i. [II. 1. n), supra], e foi essa mesma alegação e a realidade que, no desenvolvimento da lide, lhe foi associada que veio a ser transposta para a matéria de facto objecto da presente impugnação, ou seja, para os art.ºs 1º, 2º, 9º e 10º da b. i..
            Por conseguinte, sem prejuízo do que se dirá, infra, a respeito do enquadramento jurídico da questão em análise, a reapreciação do julgamento de facto está assim naturalmente condicionada ou delimitada pela descrita actuação das partes, pelo que, ao contrário do que parece ser a posição agora expressa (na alegação de recurso), eventuais novas “respostas” ou “ilações” baseadas na prova produzida nos autos e em audiência de discussão e julgamento sempre deveriam estar compreendidas no âmbito da materialidade cuja decisão ora se impugna.
            e) Atentos os depoimentos produzidos, verifica-se, nomeadamente:
            (…)
            f) Em face da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e tendo em consideração a prova documental especialmente ligada à matéria factual impugnada [sobretudo, a que foi indicada na fundamentação da decisão de facto], a matéria assente [principalmente, a indicada em II. 1. b), e), f), g), h), i), j), k), l), m) e n), supra] e a que deixou de ser controvertida, afigura-se, pois, que se deverão manter as supra referidas respostas, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova testemunhal[5], a Mm.ª Juíza a quo não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[6]
A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º, do CPC, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC).
Mostra-se evidente que os factos assentes e a prova produzida não conduzem a diferentes respostas.
            Soçobra, pois, a pretensão dos apelantes de verem modificada a decisão de facto.
            4. Sendo os factos a considerar os descritos em II. 1. supra, parece-nos que os recorrentes também não vêem alternativa à solução encontrada pelo Tribunal recorrido.[7]
Não obstante, indicar-se-á sumariamente o direito aplicável à situação dos autos.
Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade (art.º 610º, do CC).
Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (art.º 611º, do CC).
O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (art.º 612º, do CC).
5. Decorre do apontado regime jurídico que o acto a impugnar deverá envolver diminuição da garantia patrimonial, ou seja, diminuição dos valores patrimoniais (diminuição do activo ou aumento do passivo) que, nos termos do art.º 601º, do CC, respondem pelo cumprimento da obrigação; é também necessário que resulte do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade, análise que se deverá reportar à data do acto impugnado [segundo entendimento pacífico, o momento a que deve atender-se, para averiguar se se verifica o requisito da insuficiência do património do devedor - previsto na alínea b) do art.º 610º, do CC -, é o da prática do acto de alienação que pretende impugnar-se[8]]; exige-se, ainda, que o crédito seja anterior ao acto [ou, sendo posterior, tenha sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor]; por último, sendo o acto oneroso [como no caso vertente], a impugnação só procede se devedor e terceiro tiverem agido de má fé, entendendo-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causou ao devedor.[9]
A consciência do prejuízo causado ao credor não exige, para ter verificação, que se queira causar esse prejuízo. Basta, para a procedência da impugnação pauliana, o conhecimento negligente do prejuízo causado à garantia patrimonial do credor.[10]
A má fé a que a lei se reporta envolve a representação pelos respectivos outorgantes de que o acto praticado afectará negativamente a realização do direito de crédito do credor no confronto do devedor, mas sem que exija que os contratantes actuem com intenção de lhe causar prejuízo.[11]
6. Tendo sido celebrado contrato-promessa sem tradição da coisa prometida alienar ou eficácia real (art.º 413º, do CC), o acto impugnável é o contrato definitivo, por ser este que causa prejuízo aos credores, retirando um bem penhorável ao património do devedor.[12]
Será porventura mais controversa a questão de saber se e em que circunstâncias devem verificar-se os requisitos da impugnação pauliana no respectivo contrato-promessa, antolhando-se defensável o entendimento de que, em princípio, na falta de elementos suficientemente elucidativos sobre todo o relacionamento contratual em causa, deverá ser adoptada uma visão de conjunto, atenta ao elo funcional que une os dois actos, que possibilita a utilização da impugnação pauliana pelos credores dos contraentes, perante uma operação jurídica complexa que lesou a garantia patrimonial dos seus créditos.
Não obstante, concluindo-se que no contrato-promessa ficou definido o plano negocial que a outorga do contrato definitivo veio a executar, deve ser no acto da sua celebração que deve ser descoberto o requisito da má fé – é a consciência dos outorgantes nesse momento que determinará a existência deste requisito da impugnabilidade dos actos onerosos (art.º 612º, do CC). E é igualmente a data da celebração do contrato-promessa que deve ser considerada para avaliar a anterioridade do crédito do impugnante.
No que concerne ao prejuízo, o mesmo só ocorre com a outorga do contrato definitivo, pelo que este requisito deve ser verificado atendendo à situação patrimonial do devedor nessa altura.[13]
            7. De acordo com o disposto no art.º 611º, do CC, o devedor fica com o encargo de provar que possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao das dívidas; e igual encargo recai sobre o adquirente (terceiro), interessado na manutenção do acto.
             Por seu lado, ao credor bastará provar a existência das dívidas conhecidas, procedendo a impugnação se o devedor (ou o terceiro interessado) não ripostar com a prova da existência no seu património de bens cujo valor seja igual ou superior ao montante dessas dívidas.[14]
8. Ao contrário do regime legal que vigorava no Código de Seabra em que a acção pauliana era considerada uma “acção rescisória” ou “anulatória” [o art.º 1044º estipulava que “Rescindido o acto ou contrato, revertem os valores alienados ao cúmulo dos bens do devedor, em benefício dos seus credores”], a lei actual estabelece no art.º 616º, n.º 1, do CC:
Julgada procedente a impugnação o credor tem o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
A acção pauliana é dada aos credores para obterem, contra um terceiro, que procedeu de má fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado.
Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional: o autor na acção exerce o crédito de eliminação daquele prejuízo...; o efeito da acção deve ser uma simples consequência da sua razão de ser e, por isso, parece dever limitar-se à eliminação do prejuízo sofrido pelo credor.[15]
            9. Atendendo à factualidade descrita em II. 1., supra, é evidente a existência e a anterioridade do crédito da A., considerada a data da outorga da escritura pública de compra e venda entre os 1ºs e 3ºs Réus [e, até, a data de celebração do correspondente contrato-promessa], objecto de impugnação na presente acção [cf. II. 1. a) a h) e qq), supra e fls. 932].
            Ficou também demonstrada a má fé dos 1ºs e 3ºs Réus e o agravamento da impossibilidade da A. obter a satisfação integral do seu crédito [cf. II. 1. ll), mm), oo), ss) e tt), supra, e art.º 612º, do CC], sendo certo que não se antolha possível “descobrir” o requisito da má fé, apenas ou decisivamente, no contrato-promessa dito em II. 1. qq), supra, quer em razão da configuração que as partes deram à acção [transposta, inclusive, para os art.ºs da b. i. cuja resposta veio a ser impugnada (art.ºs 1º, 2º, 9º e 10º)], quer porque, na falta de melhores elementos sobre o relacionamento contratual descrito em II. 1. n) e qq), supra, e face ao aludido posicionamento das partes, não resta alternativa a uma visão de conjunto de uma operação jurídica claramente lesiva da garantia patrimonial do direito de crédito da A. e na qual o mencionado contrato definitivo acaba por assumir inegável relevância.
            Por conseguinte, dúvidas não restam quanto à verificação de todos os requisitos da impugnação pauliana, também justificada pela existência de uma perda qualitativa quanto à exequibilidade do património dos devedores por parte da A., não obstante a contraprestação de € 16 250 referida em II. 1. ww) [“o dinheiro, porque facilmente dissipável, dificilmente é um bem penhorável e serve de garantia efectiva aos credores” – afirma-se na decisão sob censura; “a exigência postulada na alínea b) do artigo 610º reduz-se à «simples impossibilidade prática», «de facto», «real, efectiva», de satisfação integral do crédito, pelo que, sendo o dinheiro um bem facilmente mobilizável e sonegável à acção dos credores, não é o mero facto do ingresso, no património do devedor, do preço da coisa por este alienada mercê da compra e venda objecto da pauliana que pode excluir a verificação do requisito[16]], a respeito da qual, diga-se, nada mais se apurou [quedando, pois, insubsistente parte significativa do arrazoado da alegação de recurso].
             Ademais, reafirma-se, os recorrentes também acabaram por admitir que a improcedência da impugnação de facto levava à procedência da acção, restando-lhes, apenas, o eventual atendimento da argumentação aduzida a título “complementar” e “subsidiário”.   
            10. A propósito da matéria referida em II. 1. uu) e vv), supra, a Mm.ª Juíza a quo referiu que a circunstância de a A. não ter exigido outras hipotecas para além da hipoteca sobre o prédio da mutuária, não tem a virtualidade de impedir a procedência da acção, porquanto não é um requisito para a utilização da impugnação pauliana que o credor se tenha prevenido com a constituição de garantias, e, por outro lado, a A. exigiu ainda a fiança dos legais representantes da devedora principal, sendo que, não fora os actos de dissipação efectuados pelos 1ºs Réus, poderia executar os prédios existentes no património destes sem necessitar de sobre eles ter constituído, previamente, hipoteca.
            Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se ser esta a leitura que decorre da matéria de facto (assente por acordo das partes).
            De resto, a descrita actuação da A., no ano de 2008, não terá sido desconforme à prática corrente do mercado bancário (pelo menos, de então).
            Perante o último enquadramento dos recorrentes [cf., sobretudo, as “conclusões 42ª, 43ª e 50ª a 57ª”/ponto I., supra], não será assim de concluir que a pretensão deduzida pela A. nos presentes autos excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito em causa (art.º 334º, do CC), sendo que, como refere o prof. Antunes Varela, importa ter sempre presente que “a arma realista do legislador, carregada com as munições extremas do art.º 334º do Código Civil, só aponta, por razões óbvias, para os casos de contradição ´manifesta´”[17].
            A A., no exercício da sua actividade, não adoptou uma conduta ilícita, e, com a presente acção, limitou-se a exercitar o seu direito de impugnação do acto lesivo levado a cabo pelos Réus, respeitando a estrutura e o conteúdo do direito que a lei lhe confere (o fundamento que material-normativamente constitui esse mesmo direito, os seus limites normativo-jurídicos).[18]
            Em derradeira análise, não será correcto afirmar e concluir que “a falta de garantia” do crédito da A. “resultou de uma actuação só a si imputável”, pois, como vimos, foi precisamente a actuação dos 1ºs Réus e, também, do 3º Réu, que veio a determinar o esvaziamento/diminuição ou a perda da garantia constituída pelo património dos devedores/1ºs Réus (art.ºs 601º e 610º, do CC).
            Inexiste, pois, qualquer abuso no exercício do direito da A./apelada.
            11. Por último, os recorrentes pugnam pela produção de “novos meios de prova”, ao abrigo do disposto no art.º 662º, n.º 2, alínea b), do CPC, porquanto, na qualidade de terceiros interessados na manutenção do acto, consideram que importa dissipar a dúvida sobre se os obrigados (1ºs Réus) possuem bens penhoráveis de igual ou maior valor (art.º 611º, do CC), entendendo os recorrentes que deverá ser ordenada “a realização de perícia ao património dos 1ºs RR. melhor descrito nos pontos 9 a 13 Factos Provados [II. 1. I) a m), supra], que determine o seu valor patrimonial à data dos actos de alienação impugnados, de modo a permitir-se aferir da verificação do requisito da impossibilidade prática da satisfação do crédito da A.”.
Sabemos que tal análise (da eventual insuficiência do património do devedor) reportar-se-á à data do acto impugnado e que o encargo probatório nesta matéria recai sobre o devedor ou o terceiro interessado (art.º 611º, do CC).
Todavia, como é óbvio, quem tem o ónus de provar também tem o ónus de alegar a correspondente factualidade (art.º 342º, do CC).
            Ora, compulsados os autos e vista a materialidade provada verifica-se, como se diz na decisão recorrida, que os Réus não provaram, nem sequer alegaram, conforme lhes competia [sublinhado nosso], que os 1ºs Réus possuem outros bens penhoráveis de maior valor, sendo que ficou provado, designadamente, que, com o acto referido em II. 1. N), os 3ºs Réus tiveram consciência que, pelo menos, dificultavam a satisfação dos créditos dos credores dos 1ºs Réus, incluindo da A., e o pagamento coercivo das quantias em dívida [II. 1. Tt), supra].
            Ou seja, os 3ºs Réus/recorrentes fizeram “tábua rasa” do seu ónus de alegação e prova de factos que poderiam afastar ou impedir o direito invocado pela A. (art.º 342º, n.º 2 e 611º, do CC), e sabemos que as partes têm de fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondem, podendo eventualmente suportar uma decisão adversa, caso omitam algum, sendo certo que, em regra, a negligência ou inépcia das partes não poderá ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz.[19]
            O preceituado no art.º 662º, n.º 2, alínea b), do CPC – a Relação deve, mesmo oficiosamente, ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova – tem subjacente a actuação do critério da complementaridade, e não da substituição (da parte), pelo que importa que não se desconsidere também o modo como as partes exerceram os respectivos ónus de prova e de contraprova nos momentos processualmente ajustados, para que não se subvertam, por via de um mecanismo que deve ser excepcional, as boas regras processuais conexas com os princípios do dispositivo ou do contraditório.
            A actuação prevista no referido normativo, o inquisitório que aí se admite, não poderá servir para, por exemplo, suprir preclusões já verificadas ou ultrapassar o incumprimento de ónus probatórios.[20]
            Por conseguinte, face à descrita actuação processual dos recorrentes, a pretensão ora deduzida, em matéria adjectiva, não poderá ser atendida, sob pena de total subversão das normas supra referidas.
12. Resta dizer que soçobram, assim, todas as “conclusões” da alegação de recurso.
*
III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
   Custas pelos 3ºs Réus/apelantes.
*
10.02.2015
Fonte Ramos ( Relator )
Maria João Areias
Fernando Monteiro


[1] Este facto e os seguintes foram dados como provados ao abrigo no disposto no art.º 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
[2] No art.º 2º da b. i., que obteve resposta restritiva, perguntava-se: “que com o acto referido em N), sabiam que impossibilitavam os credores de (…), e o pagamento coercivo das quantias referidas em A) a F), e H)?” (fls. 407).
[3] Cf., de entre vários, o acórdão da RL de 25.3.2003, in CJ, XXVIII, 2, 91 (e dgsi/processo 2155/2003.7) e João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição, Almedina, 2008, págs. 209 e seguintes. 
[4] Vide, nomeadamente, o acórdão do STJ de 14.01.1998, in BMJ 473º, 484, que impressiva e avisadamente refere que se os tribunais estivessem à espera de elementos perfeitos e completos, talvez não se passasse, ainda hoje, do velho ´non liquet´ em praticamente todos os casos
     E, em idêntico sentido, o acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.
     Cf. ainda o mencionado acórdão da RL de 25.3.2003.
[5] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 277.
[6] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[7] Afirmam os recorrentes, na respectiva alegação de recurso, que “no que concerne à matéria de Direito, face ao ´supra` exposto onde se defende diferente resposta à matéria de facto, entendemos que, como sua consequência, a decisão da presente causa deverá ser diferente, absolvendo-se os Apelantes do pedido” [sublinhado nosso; cf. fls. 921].
[8] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.12.1972 e de 11.01.2000, in BMJ, 222º, 386 e 493º, 351; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 595; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, reimpressão da 7ª edição, Almedina, págs. 449 e seguinte e Henrique Mesquita, RLJ, 128º, pág. 252.
[9] Vide, entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, cit., págs. 594 e seguintes.
[10] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 11.01.2000, cit., e de 15.02.2000 e 03.5.2000, in CJ-STJ, VIII, 1, 91/BMJ 494º, 302 e BMJ, 497º, 315, respectivamente.
    Vide, ainda, M. J. Almeida Costa, RLJ, 127º, 277 e J. Cura Mariano, ob. cit, pág. 199.
[11] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 26.5.1994, 11.12.1996 e 26.02.2009-processo 09B0347, in CJ-STJ, II, 2, 114; BMJ, 462º, 421 e “site” da dgsi, respectivamente.
[12] Cf., entre outros, o acórdão da RE de 27.6.1996, in CJ, XXI, 3, 280 e os demais arestos, da Relação e do STJ, citados por J. Cura Mariano, ob. cit., pág. 143/”nota 291”.

[13] Sobre toda a problemática versada em II. 6., vide J. Cura Mariano, ob. cit., págs. 142 a 145.
[14] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, cit., pág. 596 e J. Cura Mariano, ob. cit., págs. 188 e seguinte.
[15] Cf. Vaz Serra, BMJ, 75º, pág. 287.
[16] Cf. o acórdão do STJ de 19.10.2004-processo n.º 04B049, publicado no “site” da dgsi.  

[17] Cf. RLJ, 128º, 241.
[18] Vide Castanheira Neves, Questão de facto-Questão de direito, I, Almedina, 1967, págs. 524 e seguintes.

[19] Vide Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 378.
[20] Vide A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 232 e seguinte.