Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5205/21.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A ADOPÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO1978.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 25.º; 34.º E 38.º-A, DA LEI 147/99, DE 1/9
Sumário: Estando a menor AA com cerca de dois anos e meio de vida e a sua irmã BB com ano e meio, não mostrando os factos provado que se formaram vínculos afetivos entre as filhas e os pais, pela razão de não ter existido convívio contínuo entre pais e filhas, e não permitindo os factos concluir que o futuro virá a ser diferente deste passado, deve ser aplicada a favor das crianças a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, previstas nos artigos 38-A.º da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, e 1978.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,

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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto……… Rui António Correia Moura

2.º Juiz adjunto………. Luís Filipe Dias Cravo


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Recorrente …………………..CC

………………………………….DD

Recorrido……………………...Ministério Público


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(…)

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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto do acórdão proferido no dia 27 de novembro de 2023 pelo Juízo de Família e Menores da Comarca de Coimbra, cujo dispositivo, na parte que aqui interessa, tem o seguinte teor:

«Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal Coletivo Misto em aplicar às meninas AA e BB a medida de promoção e proteção de confiança a família de acolhimento com vista à adoção, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, al. g), e 38.º- A, al. b), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, confiando-se as mesmas à guarda e cuidados da família de acolhimento em que se mostram já acolhidas.»

Os pais ficaram ainda inibidos do exercício das responsabilidades parentais e proibidos de visitar as menores, de acordo com os artigos 1978.º- A do Código Civil e 62.º-A, n.º 6, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

b) Recorrem os pais das crianças com o fim de obterem a revogação desta decisão, para ser substituída por outra que, nos termos pedidos pelo pai, decrete a medida de apoio junto do pai ou, então, como ambos pedem, se confiem as filhas à guarda e cuidados da família de acolhimento onde se encontram acolhidas, pedindo a mãe que, mais tarde, quando estiver em melhores condições, as filhas lhe sejam entregues.

● As conclusões do recurso interposto pela mãe das menores são estas:

«1. A Recorrente exterioriza a sua discordância no que tange à aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção;

2. A progenitora repudia veemente a aplicação às suas filhas, menores, AA e BB, de todas e quaisquer medidas preventiva e sempre manifestou convictamente a sua posição;

3. A retirada de uma criança aos seus pais, para ser confiada, no caso, a uma família de acolhimento, com vista à futura adopção, ser uma questão de fulcral relevância jurídica;

4. A adopção acarreta efeitos incontornáveis e significativos repercussão na vida dos intervenientes;

5. A medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à adopção, deverá perpectivar-se, SEMPRE, como a último ratio de protecção das crianças;

6. A aplicação da medida de confiança com vista à adoção pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação.

7. A progenitora nunca deixou de priorizar as suas filhas -, investiu, ao invés, numa mudança de rumo da sua vida;

8. A progenitora predispõe-se a retomar as consultas de psiquiatria;

9. Não obstante a invocação do Tribunal a quo do disposto no artigo 1978.º, n.º 1 al.) d) do Código Civil, a progenitora assume a sua situação clínica e está receptiva aos tratamentos;

10.º As consequentes perdas/retirada das suas filhas contribui, MUITO, para a manutenção e agravamento do s/quando clínico;

11.º É, inconcebível, inimaginável numa situação destas, de tamanha agressividade, não reagir de forma exasperada, descompensada;

12.º Não podendo por isso ser rotulada como sendo «má mãe»;

13.º Podem e devem ser promovidas todas as instâncias aptas e idóneas a auxiliar a progenitora, na superação das suas dificuldades.

14.º Tais atitudes evidenciam, indubitavelmente, um pedido de socorro;

15.º Não deve ser aplicada a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à adopção;

16.º À progenitora atendo às mudanças que estão a operar na sua vida pessoal e profissional deve ser dada nova oportunidade, mormente a possibilidade de salvaguardar e garantir a necessária estabilidade emocional;

17.º Devendo, para o efeito, ser-lhe concedido prazo razoável dentro do qual lhe deve ser dado e prestado apoio psiquiátrico, psicológico e social;

18.º Durante esse período as crianças devem permanecer em regime de acolhimento familiar, confiando-se as mesmas à guarda e cuidados da família de acolhimento onde actualmente se encontram;

19.º Devendo, em conformidade, manter-se o regime de visitas por forma a estreitar e fortalecer os laços com as menores.

20.º A medida de confiança a instituição com vista à adoção deverá ser a última ratio de proteção das crianças;

21.º Ao decidir-se pela medida de confiança com vista a futura adopção, o Tribunal a quo violou claramente o princípio jurídico de que a adopção sempre devera ser a última ratio;

22.º Concluir pela adopção, comportará uma violência atroz, desnecessária e claramente desproporcional;

23.º As crianças têm o direito, diga-se natural, a que lhe seja dada a possibilidade de viver no seu seio familiar;

24.º Tal decisão marcará negativamente as crianças para toda a vida, atenta a incerteza da s/adopção;

25.º O que é extremadamente cruel;

26.º É de elementar justiça possibilitar a estas crianças a hipótese de serem feliz junto da sua mãe.

27.º Deve, pois, ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

28.º Ademais porque o Tribunal a quo não se pronunciou, como devia, acerca do carácter de última ratio da adopção:

29.º A sentença é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

30.º O douto acórdão proferido enferma de nulidade.

31.º Devendo, o recurso ser recebido e, consequentemente, ser julgado procedente, revogando-se o acórdão ora recorrido;

32.º Ou, em alternativa, o douto acórdão ora recorrido ser declarado nulo, nos termos do disposto na 1ª parte da al.) d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;

Termos em que e nos melhores de Direito, se requer a V.Ex.ª, que promova o recebimento do presente recurso e, consequentemente, seja este julgado procedente, revogando-se o acórdão ora recorrido; 2.) promova a revogação da decisão de aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a adopção e, consequentemente, circunscreva temporalmente por período nunca inferior a 12 (doze) meses a manutenção das menores em regime de acolhimento familiar sem prejuízo do direito de visita por parte da progenitora, e bem assim da aplicação de medida de acolhimento junto da mãe ainda que mediante regime de prova; 3.) caso assim não de entenda, deve o douto acórdão recorrido ser declarado nulo, nos termos do disposto na 1ª parte da al.) d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Decidindo nesta conformidade farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA!»

● As conclusões do recurso interposto pelo pai são estas:

«1. (…)

2. O Recorrente discorda do acórdão proferido no presente processo, não se conformando com tal decisão.

3. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que os factos considerados provados, bem como os fundamentos invocados pelo tribunal “a quo”, não são suficientes para aplicar às menores a medida legal mais radical que é a da adoção, sem antes lhe ser dada uma oportunidade de prestar à AA e à BB os cuidados necessários, ainda que com algumas restrições e através de um regime transitório.

4. O progenitor considera que a medida de proteção preconizada é desproporcional aos riscos/perigos do caso concreto, pondo em causa a ligação afetiva que une as menores ao pai, não se observando o princípio da prevalência de integração da criança na sua família.

5. A lei enumera os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e, entre eles, contam-se, é certo, o princípio da proporcionalidade e atualidade e o princípio da prevalência da família, os quais não subsistem isoladamente e, pelo contrário, articulam-se e projetam-se noutros, designadamente, no princípio da observância do interesse superior da criança e do jovem, que constitui a pedra de toque da intervenção e a legitima.

6. No entender do pai, a decisão proferida colide com tais princípios.

7. Não estão comprometidos os laços afetivos existentes entre o pai e as menores e não estão, ainda e de modo nenhum, esgotadas as possibilidades da sua própria recuperação (com a aplicação coerente dos meios de apoio social que lhe deverão ser prestados) ou, em alternativa, através da prorrogação da medida aplicada por período não superior a um ano, também com o devido acompanhamento.

8. Da matéria dada como provada, não resulta que o Recorrente não tem amor e carinho pelas filhas, tendo, antes sim, resultado provado, em seu entender, precisamente o contrário.

9. No caso concreto, não estão evidenciados factos que demonstrem que o Recorrente, por ação ou omissão, tenha posto em perigo a segurança, saúde, formação moral ou a educação das menores em termos que, pela sua gravidade, comprometam seriamente os laços familiares.

10. Entende o progenitor que não foi devidamente explorada a possibilidade de aplicação da medida de apoio junto do pai (medida prevista na al. a), do artigo 35.º da LPCJ.

11. Dos factos provados, resulta clara a vontade do progenitor ter as filhas à sua guarda e cuidados.

12. A AA nasceu no dia ../../2021 e residiu com ambos os pais até ao dia 17.01.2022, data em que a progenitora apresentou denúncia criminal contra o progenitor por alegadamente ter sido vítima de violência doméstica.

13. Por força da apresentação de tal denúncia, a progenitora e a AA foram encaminhadas nesse mesmo dia (17.01.2022) para a Casa Abrigo da Cruz Vermelha da ....

14. No dia 28.01.2022, foi aplicada à AA a medida de acolhimento residencial.

15. Na sequência da aplicação da referida medida, a AA foi acolhida, em 31.01.2022, no CAT ... de ....

16. Até 17.01.2022, o progenitor assegurou sempre todos os cuidados à AA, tendo, inclusivamente, deixado de trabalhar por ela, de molde a poder prestar o necessário auxílio à filha e à mãe, situação que se veio a revelar inexequível, por haver necessidade de alguém prover para o sustento do agregado.

17. Durante o período em que a menor esteve acolhida na Casa ..., sita em ..., o pai, conjuntamente com a mãe, procurou aferir da possibilidade da AA ir para mais perto de sua casa, telefonou regularmente, viu-a por videochamada, efetuou visitas sempre que tal lhe foi possível, tendo procurado sempre ter notícias da filha.

18. A BB nasceu no dia ../../2022, tendo sido aplicada, em seu benefício, em 18.10.2022, e a título provisório, a medida de acolhimento residencial, a qual foi substituída, em 20.10.2022, pela medida de acolhimento familiar.

19. A medida de acolhimento residencial aplicada à AA foi substituída em 21.06.2023 pela medida de acolhimento familiar, encontrando-se a menor a viver desde 22.08.2023 com a família de acolhimento que recebeu a sua irmã BB e, desde então, o progenitor convive com ambas as filhas na mesma visita.

20. Do teor dos vários relatórios e informações juntos aos autos, resulta que o progenitor visita as menores e que assume uma postura adequada, revelando-se carinhoso e meigo, com um registo calmo e apropriado, prestando os cuidados às meninas convenientemente, sendo interativo no tratamento das bebés, estimulando-as com os brinquedos disponíveis na sala, revelando-se interessado em colmatar as suas falhas.

21. Os laços existentes entre as menores e o pai são reais e fortes.

22. A AA, que tem apenas dois anos e dois meses de idade, reconhece o Recorrente como pai, o que não sucede relativamente à mãe, o que revela bem a vinculação afetiva existente entre ambos, no caso, entre a AA e o pai, sendo que a BB, atendendo à sua idade, ainda não fala.

23. Ficou também claro, que a postura dos progenitores, e para o que ora releva do pai, melhorou significativamente após terem tomado conhecimento do teor do relatório social elaborado nos autos com proposta de aplicação da medida de confiança judicial com vista à adoção das menores.

24. O Recorrente tem capacidade para assumir os cuidados necessários às menores, sendo capaz de ultrapassar todas as fragilidades detetadas.

25. O melhor para a AA e para a BB é estar com o pai que revelou sempre por elas o maior amor e carinho, e que nunca teve comportamentos abusadores ou maltratantes nem as abandonou, tendo estado sempre presente na vida das mesmas.

26. Entende o Recorrente que não se encontram preenchidos os requisitos necessários para concluir tudo o quanto vem vertido na decisão final do tribunal “a quo” e que não se mostram verificados os pressupostos de que depende a aplicação da medida de adoção.

27. No caso dos autos, não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, designadamente o superior interesse das crianças, segundo o artigo 3.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança.

28. A decisão de acolhimento familiar com vista à adoção das menores tem que surgir como recurso único e último, depois de esgotadas todas as hipóteses previstas no artigo 35.º da LPCJ, o que não sucedeu.

29. Considera o progenitor que a decisão prolatada não é proporcional ao risco (tanto mais que o mesmo não se encontra efetivado), nem se encontra demonstrado ser último e único recurso.

30. Para além de que, no que respeita à proporcionalidade da medida, face aos elementos colhidos nos autos, esta é excessiva, desadequada e manifestamente desproporcional.

31. E é, igualmente, violadora de lei, quando não respeita os princípios da prevalência da família, porquanto quer o Recorrente sempre demonstrou ter vontade e condições para acolher as menores e nunca lhe foi dado um voto de confiança.

32. A aplicação da medida de apoio junto do pai permitirá colmatar as deficiências encontradas e, simultaneamente, manter as menores na sua família biológica.

33. Devendo, ainda, promover-se, quanto ao Recorrente, a frequência de programa de educação parental, conforme estatuído no artigo 41.º da LPCJ, ou de qualquer outro que o Tribunal entenda que o mesmo deve frequentar.

34. Mais deve ser estabelecido um regime transitório da família de acolhimento para a residência do aqui Recorrente, que poderá passar pela frequência inicial de pequenos períodos de tempo em cada um dos locais, sendo os mesmos alargados, consoante a adaptação das menores à residência do aqui Recorrente (por forma a proporcionar uma adaptação gradual das menores e a aguardar os efeitos do programa de educação parental supra referido), devendo, de igual modo, ser realizada perícia para avaliação das competências parentais do progenitor.

35. Ao decidir nos moldes em que decidiu, o Tribunal a quo violou, na decisão recorrida, as normas dos artigos 36.º e 67.º a 69.º da Constituição da República Portuguesa, 1915.º, 1974.º e 1978.º do Código Civil, 3.º, 4.º e 38.°-A da LPCJP e 3.º, 9.º e 20.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

36. Devendo ser dado provimento ao recurso de apelação, revogando-se o acórdão recorrido, decidindo-se pela procedência do pedido.

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que:

A) Decrete a medida de apoio junto do Pai, com o devido acompanhamento e apoio social, no desempenho das suas funções parentais, ou se assim se não entender

B) Se decida pela manutenção da medida aplicada de acolhimento familiar pelo período de um ano, com observância de regime de vistas e termos que o douto Tribunal lhe viesse a fixar, fazendo assim V/ Ex.ªs a tão costumada, JUSTIÇA!»

c) O Ministério Público respondeu no sentido da manutenção da decisão sob recurso.

Argumenta que «O enquadramento dado como provado também não permite a entrega das crianças a qualquer membro da família alargada, mediante a aplicação de uma medida de apoio junto de outro familiar.

Aliás, a factualidade assente permite concluir, ao invés, que não há resposta para as duas crianças na família alargada, família que nunca se apresentou como resposta para as duas meninas.

AA e BB têm necessidade de uma família presente, investida, que delas cuide e que com elas estabeleça uma relação segura, que esteja presente no seu dia-a-dia, que se preocupe com o seu bem-estar físico e emocional.

Dar provimento à pretensão dos progenitores, de dar continuidade à intervenção, com as crianças a seu cargo (caso do pai) ou na instituição (caso da mãe), era dizer claramente que tudo o que se passou na vida da AA e da BB e dos pais até agora não tem nem teve importância nenhuma e descurar o superior interesse da criança.

Estando nós perante uma situação em que os progenitores e a família alargada não podem (ou não querem), proporcionar à AA e à BB as condições essenciais ao seu crescimento, não pode deixar de considerar-se adequada e proporcional a medida aplicada.

A decisão proferida respeitou os princípios orientadores enunciados no art. 4º da LPCJP e o direito de toda a criança a um desenvolvimento (físico e psíquico) normal e equilibrado de acordo com as suas condições específicas e os diferentes estádios de desenvolvimento.

A medida prevista na alínea g) do n.º 1 do art. 35º da LPCJP, é a que que melhor se ajusta ao caso dos autos e a que melhor salvaguarda os interesses da AA e da BB, dando-lhes a oportunidade de crescerem, numa família totalmente disponível para as amar e ajudar a crescer de forma sã e equilibrada.

Todos estes aspetos foram ponderados na decisão proferida, que ponderou a integração das crianças em meio natural de vida, designadamente junto dos pais e na família, e que, concluindo estar excluída tal hipótese, ponderou a possibilidade de manter as crianças em acolhimento ou a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção.

A ponderação e aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção surge depois de esgotada a possibilidade de integração das crianças na família nuclear ou alargada.

Não foram, por isso, violados os preceitos nem os princípios invocados pelos Recorrentes.»

II. Objeto do recurso.

O recurso coloca as seguintes questões:

Verificar se a medida adequada aos factos é a de apoio junto do pai;

Se é a de confiança à guarda e cuidados da família de acolhimento onde as menores se encontram acolhidas, com vista a futura entrega das menores à mãe;

Ou, então, se a medida adequada é a da confiança a instituição de acolhimento com vista a futura adoção, como foi decidido.

III. Fundamentação

a) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. AA e BB nasceram, respetivamente, a ../../2021 e ../../2022, sendo filhas de CC e de DD.

2. O acompanhamento das duas crianças ocorre desde o seu nascimento.

3. Logo que AA nasceu foi aberto, na CPCJ ..., processo de promoção e proteção, decorrente de sinalização da Maternidade ..., que deu conta de forte vulnerabilidade familiar.

4. A mãe, à data com 33 anos, não estava empregada, era beneficiária de RSI no valor de € 189,00, tinha antecedentes depressivos, precisava de algum apoio para prestar os cuidados à bebé e não tinha rede de apoio sustentável; os seus três filhos não estavam a seu cargo (encontravam-se confiados ao pai, junto dos avós paternos).

5. O pai, à data com 28 anos, era trabalhador independente em situação precária, apresentando-se pouco colaborador e pouco presente quanto aos seus outros dois filhos menores, que se encontravam aos cuidados dos avós maternos e da mãe.

6. Em 4-10-2021, foi aplicada à AA, pela CPCJ ..., por acordo, medida de apoio junto dos pais, pelo período de 3 meses.

7. No acordo subscrito, os pais comprometeram-se a:

a) Assegurar os cuidados de alimentação, higiene e saúde básicos, adequados à idade da filha abstendo-se de tomar qualquer atitude que coloque em causa o bem-estar da criança;

b) Promover um estilo de vida e horário de sono adequados à idade da criança;

c) Não exporem a filha a situações de conflito, pautando-se por um bom ambiente familiar, com comunicação adequada entre todos os elementos;

d) Zelar pelo cumprimento escrupuloso do calendário das consultas concernentes à filha, quer na Maternidade ..., quer no Centro de Saúde respetivo. No seguimento das consultas, cumprir com as orientações prestadas e, caso se verifique, seguir rigorosamente a terapêutica indicada;

e) A mãe deverá cumprir escrupulosamente o seu calendário das consultas na Maternidade ... de psiquiatria e psicologia, bem como as terapêuticas e orientações;

f) O pai, conforme se comprometeu com a Maternidade, continuará a garantir a supervisão e envolvimento na prestação de cuidados à filha, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento;

g) Garantir a condições de higiene e salubridade da habitação, bem como a sua organização, em particular o espaço destinado à filha recém-nascida;

h) Comunicar previamente à CPCJ qualquer intenção de alterar a morada ou contacto;

i) Colaborar com a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ... e com as restantes entidades envolvidas na execução do presente acordo em tudo no que à criança diz respeito.

8. Os compromissos assumidos em tal acordo foram sendo reiteradamente incumpridos:

a) os pais foram saltando de habitação (entre a ..., ... e ...) o que impossibilitava o acompanhamento;

b) as visitas domiciliárias não foram realizadas pela rede de apoio – ADAV e Cáritas - e o casal não atendia o telefone;

c) a mãe faltou à consulta pós-parto, na Maternidade, bem como de psicologia e serviço social;

d) a AA faltou à consulta de enfermagem e avaliação de peso, em 20-10-2021 e à consulta de Saúde Infantil, de 1 mês, marcadas para 26-10-2021 e 28-10-2021, sendo impossível contactar a mãe para as remarcar;

e) as orientações médicas não eram cumpridas.

9. Aberta a instrução, nos presentes autos de promoção e proteção, foi identificado:

a) um quadro clínico da mãe caracterizado por ansiedade e depressão, com toma de medicação psiquiátrica irregular (autogestão e sobredosagem);

b) instabilidade habitacional e socioecónomica dos pais, com constantes mudanças de residência (na ..., em casa da bisavó materna; em ..., em casa de tio paterno, em ..., na Calçada ...);

c) dependência dos serviços da rede, nomeadamente de subsídios (RSI) e de bens essenciais, de puericultura (leite, fraldas, entre outros) para a bebé, fornecidos pela ADAV;

d) histórico de negligência de CC nos cuidados prestados aos filhos mais velhos, que se encontram confiados ao pai;

e) postura reiterada de evitamento e de não colaboração com os vários serviços da rede Institucional por parte dos pais;

f) não cumprimento das consultas de saúde de CC, bem como de AA.

10. Foi igualmente constatada:

a) a indisponibilidade da família materna – bisavó e tia/avó materna - para prestar apoio à criança e pais (a bisavó tem aos seus cuidados uma filha com grave doença do foro oncológico e em situação de grande dependência; a tia/avó iria substituir a bisavó nos cuidados à irmã, em virtude de cirurgia ao coração da bisavó);

b) a relação distante da mãe com a bebé e da pouca responsividade desta face às necessidades da criança;

c) os antecedentes criminais do pai, que cumpriu pena efetiva de prisão durante o período da gravidez.

11. Em conferência, realizada em 12-01-2021, foi homologado acordo de promoção e proteção no qual foi aplicada medida de apoio junto dos pais, pelo período de seis meses, comprometendo-se os pais, além do mais, a:

a) prestar à AA os cuidados de higiene, saúde e conforto, garantindo-lhe a satisfação as necessidades básicas;

b) garantir a satisfação das necessidades de saúde da filha;

c) garantir a satisfação das necessidades psicoafectivas da criança;

d) promover as condições económicas suficientes e autonomia financeira para assegurar a satisfação das necessidades da criança;

e) manter adequadas condições habitacionais;

f) Seguir as orientações da Segurança Social e aceitar o acompanhamento próximo do CLDS;

g) manter ocupação laboral;

h) fazer comparecer a AA nas consultas marcadas.

12. A mãe comprometeu-se, ainda, a comparecer nas consultas de Psicologia/Psiquiatria marcadas e a seguir as prescrições médicas.

13. Em 27-01-2022, a Técnica Gestora do SATT veio informar que:

“No dia 17 de janeiro, esta Equipa foi contactada telefonicamente pelo pai da AA, dando nota de que CC se encontrava na PSP ..., acompanhada de AA, com o objetivo de apresentar queixa contra si por violência doméstica. DD apresentava-se choroso e desesperado (…), tendo CC formalizado uma queixa de violência doméstica contra DD e tendo sido acionada a LNES.

O pai, que se encontrava na proximidade da Esquadra da PSP ..., declarou (…) que CC realiza serviços de acompanhante, alegadamente em estabelecimentos de massagens e que essa situação era um dos motivos de conflito entre o casal. Refere que tentava controlá-la para que não prestasse esses serviços e que por esse motivo se tinham incompatibilizado. Referiu ainda o pai, a negligência da mãe nos cuidados prestados à filha e que sempre que se encontrava presente era ele que assegurava os cuidados à bebé.”

14. Igualmente foi reportado que a mãe e a AA foram transportadas para Casa Abrigo da Cruz Vermelha, na ... e que, desde a integração de mãe e filha na Casa Abrigo, tem sido realizada uma articulação regular com a técnica da CA, Dra. EE, a qual vem confirmar as situações de grave perigo já sinalizadas.

15. Segundo a Casa Abrigo: “a utente descura a higiene pessoal própria e da bebé; não se alimenta adequadamente, descurando igualmente os horários de refeição da filha; toma medicação psiquiátrica de forma irregular, automedicando-se; não acorda com o choro da bebé, necessitando de supervisão de terceiros; não aceita e não colabora com o que lhe é pedido, relativamente às regras da instituição e cuidados necessários à sua filha; sempre que possível, delega em terceiros a responsabilidade e cuidado da bebé.”

16. Mais foi reportado, que CC deixava a bebé com o biberão sozinha, que não acordava durante a noite e/ou dia, que não tomava banho ou dava banho à bebé, a menos que fosse chamada à atenção, e que se automedicava regularmente e que desde que está uma colaboradora com ela no quarto, a situação de negligência e de distanciamento agravou-se.

17. Perante o circunstancialismo reportado, foi aplicada à AA, em 28-01-2022, a título cautelar, medida de acolhimento residencial e solicitada ao INML a avaliação dos pais, para aferir da presença de psicopatologia ou traços de personalidade pouco adaptativos, que condicionem o exercício da parentalidade.

18. AA foi conduzida à Casa ..., a 31-01-2022.

19. À chegada apresentava poucos cuidados de higiene e um eczema grave no pescoço que lhe causava choro constante.

20. Uma semana depois do acolhimento, prestados todos os cuidados, passou a ser uma bebé calma, sorridente e tranquila.

21. Desde o acolhimento, AA é acompanhada em consultas de saúde infantil, no Centro de Saúde Local, e em consultas de aritmologia, no Hospital Pediátrico, por “desproporção de cavidades cardíacas”.

22. Até maio de 2022, AA recebeu uma visita dos pais, a 4 de Março.

23. Nessa visita, os pais:

a) chegaram atrasados (40 minutos);

b) emocionaram-se (a mãe chorou muito) e foram afetuosos com a filha;

c) tiraram fotografias e fizeram vídeos;

d) verbalizaram tudo fazer para ter a filha o mais rápido possível;

e) questionaram a possibilidade de a AA ir para casa mais próximo da sua residência;

f) prometeram fazer mais visitas.

24. No mesmo período, foram feitos pelos pais, para a Casa ..., contactos telefónicos regulares, e um contacto da avó materna, a 18-02-2022, para saber da neta e como poderia alterar a situação, o que lhe foi explicado.

25. Decorridos 5 meses do acolhimento da AA, mantinha-se:

a) historial de doença mental da mãe (Perturbação da Personalidade) com acompanhamento psiquiátrico irregular no Sobral Cid, e episódios de internamento; quadro clínico caracterizado por ansiedade e depressão, com comportamento desorganizado, desregulação emocional e ingestão excessiva de medicação;

b) negligência nos cuidados básicos prestados à bebé por parte da mãe (higiene alimentação) e vinculação não segura, tendo sido observado que a mesma se apresenta distante na relação com a bebé e pouco responsiva às suas necessidades;

c) instabilidade habitacional e socioecónomica dos pais, com constantes mudanças de residência e sem identificação da morada onde viviam;

d) dependência dos serviços da rede, nomeadamente de subsídios (RSI);

e) histórico de negligência de CC nos cuidados básicos (alimentação, vestuário) prestados aos filhos mais velhos, que se encontram confiados ao pai e presença intermitente nas suas vidas;

f) distanciamento do pai, relativamente aos filhos mais velhos, que se encontram confiados aos avós maternos e com quem não tem contactos há mais de um ano;

g) postura reiterada de evitamento e de não colaboração com os vários serviços da rede Institucional por parte dos pais e incumprimento do APP;

h) indisponibilidade para realizar a avaliação solicitada pelo Tribunal de Família e Menores no INML;

i) situação de conflito e violência entre os progenitores;

j) inexistência de retaguarda familiar capaz de se constituir como alternativa ao projeto de vida de AA;

k) crises sucessivas e acontecimentos stressantes no sistema familiar.

26. Mais deu conta a Técnica Gestora do SATT que:

a) após o acolhimento da AA, a mãe saiu da Casa Abrigo, em 7-02-2022;

b) em contacto telefónico realizado em 9-03-2022, comunicou ter reatado a relação com DD e que estavam a viver num quarto na ...;

c) tinha faltado à consulta de Psiquiatria, agendada para 2-03-2022, por esquecimento;

d) mantinha-se em situação de desemprego;

e) CC e DD faltaram às avaliações psicológicas e das competências parentais, agendadas no INML, alegadamente por não terem recebido a convocatória;

f) em contacto telefónico realizado em 16-05-2022, CC referiu estarem no ..., a prestar apoio à mãe do DD, que havia sofrido dois AVCs e que iam arrendar estúdio em ...;

g) CC ficou de disponibilizar os endereços eletrónicos do casal e não o fez;

h) o casal não atende os contactos telefónicos;

i) foi rececionada informação da Ação Social do Município ..., datada de 15-06-2022, dando conta de sinalização à LNES, por parte de CC, a solicitar apoio para se deslocar para ..., por ser vítima de violência doméstica por parte de DD;

j) AA, acolhida há 148 dias, recebeu 2 visitas dos pais;

k) CC há cerca de dois anos que mantém contactos irregulares com os filhos mais velhos;

l) DD não está presencialmente com os dois filhos mais velhos há cerca de ano e meio.

27. Em contacto estabelecido pela Técnica Gestora com a avó materna, FF, a mesma apresentou narrativa desorganizada, com discurso acelerado e ininterrupto; postura autocentrada, descrevendo os conflitos com a filha e sucessivos afastamentos e aproximações ao longo dos anos; sem demonstração de empatia ou afeto pela neta; não voltou a contactar a Técnica Gestora.

28. Em conferência realizada em 6-10-2022, os progenitores comunicaram que:

a) estavam juntos no momento;

b) a mãe estava novamente grávida (gravidez de risco);

c) a mãe apresentava trabalhos precários (nas limpezas e reposição de supermercados);

d) o pai trabalhava no Restaurante A..., auferindo € 5,00 à hora;

e) residiam num quarto, na Rua ..., há cerca de 3 meses;

f) antes disso viveram numa residencial junto à ...;

g) estiveram cerca de um mês no ..., na casa do pai de DD e na ...;

h) perspetivavam mudar de casa;

i) aceitaram a realização de perícias às capacidades parentais e indicaram moradas para notificação, bem como os contactos telefónicos e endereços de correio eletrónico.

29. No dia ../../2022, a Maternidade ... deu notícia do nascimento da BB, ocorrido naquela instituição em tal data, solicitando tomada de decisão do tribunal quanto à alta hospitalar da recém-nascida, referindo, em suma, que:

a) a mãe efetuou a primeira consulta de Risco Psicossocial, na Unidade de Intervenção Precoce, em 30-06-2022, com 20 semanas de gestação e faltou às consultas subsequentes;

b) efetuou uma consulta de psiquiatria, no dia 4-08-2022;

c) na única consulta de obstetrícia, a mãe demonstrou pouca recetividade à intervenção do Serviço Social;

d) a recém-nascida é a quinta filha da progenitora, sendo que os três primeiros filhos estão a cargo do pai e a filha, AA, está em acolhimento residencial, desde os 4 meses.

30. Em 14-10-2022, a Maternidade ... veio dar conta do resultado das análises efetuadas a CC, respeitantes ao abuso de drogas: Benzodiazepinas 294 ng/ml; Canabinoides – THC 91 ng/ml; Opiáceos 18 nh/ml; Anfetaminas 460 ng/ml.

31. A Técnica Gestora que acompanha a AA, veio ainda informar que:

a) foram realizadas análises bioquímicas à mãe na maternidade BB, tendo sido obtidos resultados positivos nas seguintes drogas de abuso/ psicoativas: benzodiazepinas, canabinóides, opiáceos e anfetaminas;

b) a mãe não se encontra a amamentar a bebé;

c) não existem vagas na resposta social de Centro de Apoio à Vida (Casa de mães e filhos) no distrito ...;

d) a situação psicossocial dos pais mantém-se pautada pela instabilidade e desorganização funcional, atendendo à precariedade social, habitacional, económica e por outro lado, estrutural (personalidade), especificamente a doença mental da mãe e a instabilidade emocional de ambos, bem como as débeis competências parentais, a dinâmica relacional do casal, pautada por situações de conflito e violência, a que se acrescenta no presente o consumo de drogas psicoativas da mãe durante a gravidez, bem como as faltas às consultas de pré-natal;

e) por a família não possuir os recursos necessários, nomeadamente afetivos, emocionais e em matéria de competências parentais, capazes de garantir a segurança e a estabilidade emocional, fundamentais para o desenvolvimento harmonioso e saudável da irmã germana AA, foi-lhe aplicada a medida protetiva de acolhimento residencial em 31-01-2022 na CAR “Casa ..., onde se encontra até à presente data, sem se perspetivar o regresso à família;

f) os fatores de risco identificados aos longo do acompanhamento mantêm-se;

g) os pais não têm competências para cuidar da filha recém-nascida, mesmo em ambiente Institucional protegido, não sendo a mãe competente para prestar os cuidados básicos à bebé, considerando o ocorrido com a irmã AA, que determinou a necessidade do seu acolhimento.

32. Perante tal circunstancialismo, em 18-10-2022, foi aplicada à BB, a título cautelar, medida de colocação residencial, a qual, por haver família disponível, foi substituída por acolhimento familiar, em 20-10-2022.

33. BB foi conduzida da Maternidade até casa da família de acolhimento em 24-10-2022; a mãe já não se encontrava na maternidade, naquele dia.

34. O INML indicou os dias 18-04-2023 e 28-04-2023 para realização dos exames de psicologia forense aos progenitores.

35.  Notificados para as moradas que indicaram, bem como através dos e-mails que indicaram, CC e DD não compareceram aos exames.

36. Em Relatório Social datado de 5 de maio de 2023, o SATT dá conta que:

a) se mantêm os fatores de risco na vida dos pais que colocaram a AA em situação de grande perigo e que determinaram a aplicação da medida provisória de acolhimento residencial, bem como a aplicação da medida de acolhimento familiar à BB;

b) a situação psicossocial dos pais continua pautada pela instabilidade e desorganização, a que crescem as suspeitas dos consumos de substâncias ilícitas;

c) os pais manifestaram um desinvestimento afetivo, tendo visitado a AA poucas vezes: 3 vezes o pai e 4 vezes a mãe; faltaram a vários convívios agendados com a BB;

d) a qualidade dos convívios com a filha BB é descrita como pobre e deficitária, revelando a mãe baixa tolerância à frustração, apesar de em período limitado;

e) não é expectável que, em tempo útil, estes pais reúnam as condições para cuidar da AA e da BB;

f) não têm morada certa, emprego, estabilidade emocional, competências parentais;

g) a relação entre ambos é disruptiva, com situações de conflito e violência, sucessivas separações e reaproximações;

h) não são recetivos aos apoios dos serviços da rede e/ou orientações técnicas;

i) não demonstraram disponibilidade para realizar a avaliação às suas competências parentais;

j) não há retaguarda familiar capaz de se constituir como alternativa.

37. Igualmente referiu que:

a) em 16-09-2022, a técnica de ação social que acompanhava a CC no âmbito do RSI, informou de que a mesma referiu residir num quarto perto da ..., m ..., mas nunca facultou a morada;

b) em 6-10-2022, CC dirigiu-se aos serviços de emergência social, do Centro Distrital, e referiu que estaria na eminência de ficar desalojada;

c) em 14-10-2022, do contacto estabelecido com a ADAV, resultou que CC solicitou apoio para o enxoval da BB, mas que não foi possível contactá-la posteriormente. Nessa data disse que o casal estaria a viver numa casa partilhada na ...;

d) em 17-02-2023, a mãe referiu estarem a ponderar mudar para a ..., por as rendas serem mais baratas;

e) a progenitora disse não estar a ser acompanhada na Psiquiatria, há pelo menos 1 ano nem tomar medicação;

f) em 2-03-2023, DD referiu que o casal estava a residir na ..., num alojamento local e que estava a trabalhar em regime de tempo parcial na prestação de serviços de catering;

g) mais informou o progenitor que o casal esteve separado de outubro a dezembro de 2022, período em que viveu com uns amigos, na ... e trabalhou num circo;

h) disse ainda o progenitor que CC foi a consulta com a médica de família do CS da ..., que a aconselhou a ser internada e que CC fez operação à boca e que há cerca de um mês tinha ingerido quase uma lamela de alprazolan, mas que desde dezembro que não toma a medicação psiquiátrica;

i) a mãe esteve a trabalhar dois dias numa pastelaria e o pai refere que faz trabalhos pontuais;

j) a prestação de RSI atribuída à mãe está suspensa desde 1-02-2023, por incumprimento;

k) os pais faltaram aos convívios com a BB nos dias 15-03-2023 e 22-03-2023 e 13-04-2023 e 19-04-2023;

l) a mãe justificou algumas das faltas por se encontrar a trabalhar numa pastelaria, mas foi confirmado junto da entidade patronal que CC apenas ali trabalhou 2 dias;

m) nos convívios com a BB verificam-se consecutivamente falhas ao nível da atitude, presença e cumprimento dos mesmos, não obstante nenhum dos pais exercer atividade laboral;

n) a interação pais-filha é deficitária, principalmente da parte da mãe. Não obstante o choro violento da criança nos últimos convívios, a mãe parece adotar uma postura pouco colaborante com a equipa técnica e pouco paciente com a filha;

o) nos convívios, os pais apresentam falta de higiene e mau odor.

38. A gravidez da AA manteve-se sem acompanhamento até às 12 semanas e a da BB até às 20 semanas.

39. A progenitora mantém-se sem acompanhamento psiquiátrico desde o nascimento de AA.

40. A progenitora visitou a AA na Casa ... por 4 vezes e o progenitor por 3 (em conjunto com a progenitora), sendo a última visita do pai em 22.07.2022 e da mãe em 7-12-2022.

41. Os progenitores voltaram a conviver com AA apenas após o seu acolhimento familiar, em 22.08.2023.

42. Enquanto a AA se encontrou acolhida na Casa ..., os pais fizeram muitos contactos telefónicos, nos quais pediam notícia da criança e mandavam beijinhos.

43. Em tais contactos, os pais manifestavam que era difícil conciliar horários profissionais entre eles e em relação a transportes, por forma a agendar visitas, tendo-lhe sido transmitidas informações de horários de transportes públicos entre ... e ....

44. As visitas na Casa ... decorriam de 2ª a Sábado e os progenitores nunca questionaram se poderia ser ao Domingo.

45. Nas visitas na Casa ..., a AA estranhou sempre os progenitores e na última não reagiu bem à mãe, que não reconheceu, foi necessária a intervenção de uma técnica para acalmar a menina, tendo sido sempre transmitida aos progenitores a necessidade de realizarem mais visitas para estabelecimento de vínculos com as crianças.

46. Depois do relatório do SATT com proposta de aplicação de medida de confiança com vista a adoção, os progenitores mantiveram maior assiduidade nos convívios com as crianças.

47. Os progenitores não estiveram no convívio de transição da AA para a família de acolhimento, apesar de advertidos para a importância, nem avisaram antecipadamente que não iriam comparecer.

48. Nos convívios, os progenitores não perguntam pela saúde ou bem-estar das crianças e apenas num dos convívios mantidos, o quarto, a progenitora perguntou pelo peso.

49. Nos referidos convívios, desde meados de outubro, a AA chama pai ao progenitor e mãe à cuidadora da família de acolhimento, chamando tias às Técnicas que supervisionam os convívios.

50. Na realização dos mencionados convívios, o progenitor olha repetidamente para o telefone ou relógio para ver quando o convívio acaba e, chegado o fim, verbaliza de imediato que o convívio terminou e têm que ir embora.

51. Os progenitores nunca perguntaram informações sobre a família de acolhimento das crianças.

52. O progenitor não convive com os seus dois filhos mais velhos desde dezembro de 2019, nem contribui para o seu sustento.

53. A progenitora convive de forma muito irregular com os seus três filhos mais velhos, não chagando a estar com os mesmos uma vez por semana e ocorrendo períodos de total ausência.

54. Não é conhecido qualquer emprego ao progenitor, tendo a progenitora começado a trabalhar em meados de outubro na empresa de alojamento local B..., à experiência, por um mês, com horários flexíveis e folga ao sábado e domingo e uma folga semanal, com remuneração por funções de empregada doméstica.

55. Os progenitores não têm morada conhecida, encontrando-se pendente pedido de averiguação de paradeiro no Espaço Schengen relativo ao progenitor, com o nº. ...01.

56. O SATT tem 9 números de telefone e 10 moradas diferentes dos progenitores, sem que nunca lhe tenha sido transmitida por estes qualquer alteração de contactos.

57. As Técnicas que supervisionam os convívios dos progenitores com as crianças apenas têm, atualmente, o contacto da mãe e ela fica de informar o progenitor.

58. Do certificado de registo criminal da progenitora nada consta.

59. Do certificado de registo criminal do progenitor consta:

a) que o mesmo foi condenado, por decisão transitada em julgado em 21.02.2019, proferida no processo sumaríssimo com o nº. 6/18.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 7,00 €, pela prática, em 14.01.2018, de um crime de condução sem habilitação legal, a qual foi convertida em prisão subsidiária;

b) que o mesmo foi condenado, por decisão transitada em julgado em 24.09.2020, proferida no processo comum com o nº. 202/18.... do Juízo Local Criminal ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de 6,50 €, pela prática, em 14.01.2018, de um crime de furto qualificado.

2. Matéria de facto – Factos não provados

Não há.

b) Apreciação da questão objeto do recurso

1 – Como resulta do disposto no artigo 34.º da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, as medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, visam afastar o perigo em que estes se encontram, proporcionando-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvi­mento integral, bem como garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

Tais medidas de promoção e proteção são as que constam do artigo 25.º da mesma lei, a saber: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento em instituição.

No caso dos autos, foi aplicada a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, tendo-se afastado a pretensão dos pais, quer no sentido da sua entrega de imediato ao pai, ou mais tarde à mãe, mantendo-se a medida de acolhimento familiar durante algum tempo de modo a permitir que a mãe reorganize a sua vida.

A decisão recorrida baseou-se na constatação de que os pais das menores não revelam capacidade para cuidar delas, não existindo alternativa viável dentro da família.

A medida aplicada está prevista no artigo 38.º-A da mesma lei, onde se determina que «A medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consiste …»

Por sua vez, o artigo 1978.º (Confiança com vista a futura adoção) do Código Civil, tem a seguinte redação, na parte que interessa a este caso:

«1 - Com vista a futura adoção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a) (…); b) (…);

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;

e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2 - Na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.

3 - Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos dos menores.

4 – (…). 5 – (…). 6 – (…)»

É este o quadro legal que preside à decisão, não sendo necessário invocar os instrumentos internacionais e constitucionais que protegem este tipo de situações, pois dizem fundamentalmente o mesmo.

Vejamos então.

O critério para decidir se se deve ordenar a confiança de uma criança a uma instituição, com vista a futura adoção, consiste em apurar se ocorre uma situação em que se verifica, objetivamente, a inexistência de vínculos afetivos próprios da filiação entre pais e filhos ou uma situação em que tais vínculos estejam «seriamente comprometidos».

O que pretende a lei dizer com isto?

Um «vínculo» significa o mesmo que «ligação entre dois ou mais polos» e tratando-se de um vínculo afetivo, ficamos a saber que a sua natureza pertence à realidade mental, emocional, da pessoa, tratando-se, pois, de um estado mental relativo a sentimentos.

Tratando-se do vínculo afetivo próprio da filiação, estamos então perante um sentimento que nasce e se desenvolve entre os filhos e os pais (avós) e vice-versa, recíproco, resultante do facto dos filhos descenderem biologicamente dos pais e se estabelecer naturalmente uma convivência que se inicia imediatamente a seguir ao seu nascimento, gerando sentimentos mútuos de pertença e união, diferentes de quaisquer outros, reforçados ainda pela própria sociedade que os valoriza e institucionaliza como algo de positivo e de perene, como fazendo parte da «natureza das coisas», exigindo e esperando a sociedade, em qualquer caso, a sua verificação.

Trata-se, pois, de uma zona da realidade pertencente ao mundo da mente o que implica, dada a sua natureza, que não possa ser apreendida diretamente pelos nossos sentidos, mas que reconhecemos quando presenciamos situações onde se manifestam esses vínculos.

Por conseguinte, quando tal vínculo existe (ou quando não existe) só pode ser detetado por terceiros quando se revela na atuação dos pais ou dos filhos, de forma consciente, intencional e livre, no sentido de, tratando-se dos pais, zelarem pelos filhos, disponibilizando-lhes meios de subsistência e segurança enquanto deles necessitarem e na manifestação de um sentimento de amor paternal que tende a perdurar pela vida inteira, colocando os pais os interesses dos filhos em primeiro lugar e os seus, em iguais domínios, em segundo lugar.

E, nos filhos, revela-se no facto de tratarem os progenitores por pais, querendo estar com eles, esperando deles o sustento, a segurança e manifestações de afetividade paternal.

Sentindo uns e outros a falta física ou emocional do outro como algo de negativo e sofrendo ou rejubilando emocional e reciprocamente com as respetivas desventuras ou sucessos.

Dada a natureza imaterial destes vínculos, para aferirmos da sua existência ou da sua não existência ou, ainda, da medida dessa existência, resta-nos, como se disse, a interpretação objetiva das ações dos pais e dos filhos, daquelas ações com capacidade para revelarem a existência de tais vínculos ou para os negarem.

As situações enumeradas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, mostram, precisamente, situações objetivas que indiciam a ausência de tais vínculos ou o seu sério comprometimento.

Sintetizando:

Os «vínculos afetivos próprios da filiação», a que alude o n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito, inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige para se formarem e manterem que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas ações desadequadas e mostrando-lhes por palavras e ações o afeto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre.

As ações dos pais e dos filhos, na sua mútua convivência, são factos que expressam os seus estados mentais, cognitivos e afetivos, e revelam se esses «vínculos próprios da filiação» existem, não existem, estão em processo de construção, de consolidação ou desagregação e permitem, ainda, efetuar um juízo de prognose sobre se no futuro tais vínculos serão ou não algo de existente, de real, de efetivo.

Se os pais não conseguem cumprir os deveres de pais e com isso impedem no presente a formação dos «vínculos próprios da filiação» e idêntico prognóstico é feito para o futuro, o interesse dos filhos indica que o caminho a seguir poderá ser o da adoção.

Nas ações dos pais e outros familiares também se compreende o seu próprio comportamento declarativo, aquilo que eles dizem a propósito desta matéria.

Assim, como os compromissos que eles assumem; aquilo que dizem pretender fazer, cumprindo, no entanto, ter na devida conta que aquilo que os pais dizem pode não corresponder ao que eles têm, na verdade, em mente, seja porque dizem aquilo que sabem dever ser dito, para evitarem a censura social, seja por qualquer outro motivo, como seja o caso de garantirem o acesso a prestações sociais.

E, mesmo quando há correspondência entre o que dizem e o seu genuíno desejo, podem não ter, depois, força de vontade suficiente para, no dia-a-dia, dirigirem a sua ação de acordo com aquilo que sabem ser os seus deveres, não sendo de colocar de parte casos de ausência de capacidade permanente para cumprir os deveres da paternidade.

Daí que, dada a natureza não percecionável de tais vínculos, o artigo 1978.º do Código Civil, aluda no seu n.º 1 à inexistência ou comprometimento sério dos vínculos afetivos próprios da filiação e de seguida enumere situações factuais, suscetíveis de revelarem a inexistência ou o comprometimento desses vínculos.

2 – Vejamos agora o caso concreto.

Como resulta da matéria factual (factos 1 a 8) após o nascimento da menor AA, em ../../2021, os funcionários da maternidade logo verificaram que a mãe não tinha capacidade para cuidar autonomamente da filha e o pai também não se mostrou capaz de desempenhar esta tarefa, razão pela qual, passados poucos dias após o nascimento (4 de outubro de 2021), a CPCJ ... aplicou à criança, com o acordo dos pais, a medida de apoio junto dos pais, pelo período de 3 meses.

Verificou-se que os pais não cumpriram a generalidade dos deveres que assumiram no acordo (facto provado n.º 8), tendo sido homologado, no dia 12 de janeiro do ano seguinte, um acordo de promoção e proteção no qual foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, pelo período de seis meses (facto provado 11).

Neste mês de janeiro de 2022, após uma denúncia por violência doméstica, a mãe da menor foi integrada na Casa Abrigo da Cruz Vermelha, na ..., onde os respetivos funcionários verificaram que mãe não cuidava de si mesma nem da bebé (factos provados 14 a 16) e, por isso, no final do mês a criança foi entregue na Casa ..., em ..., no âmbito de aplicação de medida acolhimento residencial.

Até maio de 2022 os pais telefonaram regularmente para a instituição e visitaram a filha no dia 4 de março (factos provados 22 e 23).

Nos meses seguintes verificou-se que inexistia retaguarda familiar capaz de se constituir como alternativa ao projeto de vida da AA – facto provado 25.º, al. j).

Nos primeiros 148 dias de acolhimento, a AA recebeu duas visitas dos pais – facto provado n.º 26, al. j).

Nesta altura, verificou-se que a mãe não mantinha há cerca de dois anos contactos regulares com os seus filhos mais velhos, fruto de outra relação – facto provado n.º 26, al. k); o mesmo ocorre com o pai da menor, o qual não tinha estado, presencialmente, com os seus dois filhos mais velhos há cerca de ano e meio – facto provado n.º 26, al. l).

Até ../../2022 os pais da menor residiram no ..., na ... e em ... – facto provado 28.

No dia 12 de outubro de 2022 nasceu na Maternidade ... a menor BB, filha dos requeridos – facto provado 29 –, sendo a quinta filha da ora requerida; os seus três primeiros filhos estão a cargo do pai e a filha AA no referido acolhimento residencial, desde os 4 meses – Facto provado 29.º, al. d).

Nesta altura, foram realizadas nesta maternidade análises bioquímicas à mãe as quais resultaram positivas nas seguintes drogas: benzodiazepinas, canabinóides, opiáceos e anfetaminas – facto provado 31.

Verificou-se que os pais não tinham competências para cuidar da filha recém-nascida, mesmo em ambiente Institucional protegido, não sendo a mãe competente para prestar os cuidados básicos à bebé, o que determinou a necessidade do seu acolhimento familiar no dia 24 de outubro – factos provados 31 e 32.

A mãe das menores carece de acompanhamento psiquiátrico, mas mantém-se sem acompanhamento psiquiátrico desde o nascimento de AA – facto provado 39.

Até ao final do ano de 2022, a progenitora visitou a AA na Casa ... por 4 vezes e o progenitor por 3 vezes (em conjunto com a progenitora), sendo a última visita do pai em 22 de julho de 2022 e da mãe em 7 de dezembro do mesmo ano – facto provado 40; voltaram a conviver com a AA apenas após o seu acolhimento familiar, em 22 de agosto de 2023 – facto provado 41 –, mas enquanto esta filha esteve na Casa ..., os pais fizeram muitos contactos telefónicos, nos quais pediam notícia da criança – facto provado 42.

Nas visitas na Casa ..., a AA estranhou sempre os progenitores e na última não reagiu bem à mãe, que não reconheceu. Foi necessária a intervenção de uma técnica para acalmar a menina, tendo sido sempre transmitida aos progenitores a necessidade de realizarem mais visitas para estabelecimento de vínculos com as crianças – facto provado 45.

Depois do relatório do SATT, com proposta de aplicação de medida de confiança com vista a adoção, os progenitores mantiveram maior assiduidade nos convívios com as crianças – facto provado 46.

Nos convívios, desde meados de outubro de 2023, a AA chama pai ao progenitor e mãe à cuidadora da família de acolhimento, chamando tias às técnicas que supervisionam os convívios – facto provado 49.

Não é conhecido qualquer emprego ao progenitor, tendo a progenitora começado a trabalhar em meados de outubro na empresa de alojamento local B..., à experiência, por um mês, com horários flexíveis e folga ao sábado e domingo e uma folga semanal, com remuneração por funções de empregada doméstica – facto provado 54.

Os progenitores não têm morada conhecida. Encontra-se pendente pedido de averiguação de paradeiro no Espaço Schengen relativo ao progenitor – facto provado 55.

À data da decisão recorrida, as técnicas que supervisionam os convívios dos progenitores com as crianças apenas tinham o contacto da mãe, comprometendo-se esta a informar o progenitor – facto provado 57.

3. Face a este quadro factual não se afigura possível atender ao pedido dos recorrentes.

A menor AA está com cerca de dois anos e meio de vida e a BB com quase ano e meio.   

Os factos em análise mostram que não se formaram quaisquer vínculos afetivos entre as filhas e os pais, pela simples razão de não ter existido aquele convívio entre pais e filhos que normalmente acontece.

Ora, sem convívio não se formam esses vínculos e sem vínculos tudo se passa, na vida das crianças como se não tivessem pais.

Resulta dos factos provados que os pais não têm capacidade para ter as filhas consigo, pois além de terem vidas marcadas pela irregularidade laboral e habitacional não colaboram pronta e eficazmente com a segurança social.

Aliás, em relação aos outros filhos, fruto de outras relações, verifica-se que também não são eles que cuidam dos mesmos, não havendo razão, por isso, para supor que neste caso iria ser diferente.

É manifesto que as menores não podem se entregues ao pai, como ele pretende, pois como resulta do facto provado 55 os progenitores não têm morada conhecida e encontra-se pendente pedido de averiguação de paradeiro no Espaço Schengen relativo ao pai.

E também não é viável manter as menores nas famílias de acolhimento na esperança de que os pais consigam melhor as suas condições de vida ao ponto de terem as filhas consigo.

Para além da simples postura de esperança, não há factos que indiciem que essa possibilidade venha a ser real.

A vontade agora manifestada nos recursos, por parte dos progenitores, não se apoia em factos objetivos do passado, capazes e levar o tribunal a concluir que o futuro irá ser oposto ou diferente ao que conhecemos do passado, acima retratado, e, por isso, não permite formar a convicção de que, revogando-se o decidido no acórdão recorrido, ficaria fundadamente afastada a hipótese das menores deixarem a breve trecho a família de acolhimento ou não voltarem a ser institucionalizadas, caso viesse a existir uma entrega aos pais, ou a um deles, num futuro próximo.

Poderá argumentar-se que o passado é passado e que este não se irá repetir.

Não se duvida das boas intenções dos pais e do amor que têm às filhas e que certamente se não fazem melhor é porque não são capazes disso.

Mas, como se disse, em termos de prognose, os autos indicam que não há factos que mostrem, ou façam supor, que o futuro irá ser diferente do passado, caso se revogasse a decisão recorrida.

E já se viu que o passado, sem convívio regular, não permitiu a formação de vínculos afetivos próprios da filiação por parte das filhas em relação aos pais.

Deve, por isso, manter-se a decisão da 1.ª instância no sentido de encaminhar a menor para a adoção, por se verificarem factos que mostram com objetividade não existirem entre as menores e os pais «os vínculos afetivos próprios da filiação» e não ser previsível que o futuro venha a ser diverso do passado de modo a que pudessem vir a estabelecer-se.

Nestas condições, o interesse das menores aponta no sentido de se pôr fim imediato a esta situação e se procure uma alternativa familiar para as crianças que permita inseri-las numa família, quanto antes, dados os prejuízos que a falta de inserção familiar causam na formação da personalidade das crianças, para se construir aí uma relação de paternidade/filiação.

É que, como disse Henry Gleitman, «Os primeiros anos são decisivos, no sentido de certos padrões sociais têm muito mais probabilidades de serem adquiridos nesta altura, como a capacidade de formar vínculos com outras pessoas. Estes primeiros vínculos são um pré-requisito provável para formação de vínculos posteriores. A criança que nunca foi amada pelos pais intimidar-se-á com os seus pares, e o seu desenvolvimento social ulterior ficará obstruído.» - Psicologia. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, pág. 676/677.

Por fim, como se referiu no acórdão do STJ de 30 de junho de 2011, «…o tribunal deve ter sempre em conta, prioritariamente, o superior interesse do menor, pelo que a respectiva aferição deve ser feita objectivamente: a medida em causa não tem como objectivo punir ou censurar os pais, mas garantir a prossecução do interesse do menor» (processo n.º 52/08,5TBCMN, in www.dgsi.pt).

Improcedem, pois, os recursos.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes.


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Coimbra, …