Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
921/12.8S7LSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROCESSO URGENTE
PRAZO
RECURSO
Data do Acordão: 01/18/2017
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 28.º DA LEI 112/2009, DE 16/9; ART. 103.º, N.º 2, E 104, DO CPP
Sumário: I - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais, para todos os sujeitos processuais e intervenientes processuais e para a própria secretaria do tribunal, nomeadamente quanto à interposição de recurso, correm em férias judiciais.

II - Assim é, não obstante o art. 104.º, n.º 2, do CPP, não ter englobado, por lapso, a al. g) do anterior art. 103.º, n.º 2, já que a excepção da al. f) do mesmo preceito decorre da sua diferenciação em termos de actos dos mencionados nas alíneas anteriores e o constante de g) é do mesmo teor destes.

III - A própria coerência do regime aplicável aos processos de natureza urgente, como foi classificado o crime de violência doméstica, implica que lhe sejam aplicáveis as normas especiais, designadamente quanto ao prazo de interposição de recurso.

Decisão Texto Integral:




Decisão sumária

No processo supra identificado, o Ministério Público acusou A... , filho de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , concelho de Miranda do Corvo, nascido a 20/03/1966, divorciado, empresário, titular do BI nº (...) , residente na (...) , Coimbra, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal, pelo qual foi condenado.

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Inconformado com a sentença recorreu o arguido, o qual pugna pela sua absolvição, ou a manter-se a condenação, tendo formulado as respectivas conclusões.
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Cumprido o disposto no do art. 413.º, n.º 1, do CPP responderam a assistente e o Ministério Público na 1.ª instância.

A assistente sustenta que o recurso deve ser rejeitado, por intempestivo ou se assim se não entender deve ser negado provimento ao mesmo por ausência de fundamentação.

O Ministério Público conclui que a sentença não sofre das nulidades apontas e que a prova foi devidamente apreciada, pelo que se deve manter a sentença recorrida.


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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os efeitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer de que revestindo os autos a natureza urgente, os actos processuais, nomeadamente a interposição de recurso, correm em férias judiciais, e, tendo ocorrido o depósito da sentença a 29/6/2016 (fls. 2222), o prazo de 30 dias para a interposição terminaria a 29/7/2016, sendo os 3 dias úteis seguintes 1, 2 e 3, de Agosto de 2016, data em que se extinguiu o direito de praticar fora do prazo, nos termos do art. 107.º-A, do CPP.

Conclui assim que deve ser rejeitado o recurso, interposto em 5/08/2016, por extemporâneo, nos termos dos art. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP.

Sustenta ainda que não existem as nulidades apontadas e que não há fundamento para alterar a matéria de facto e que não se decidir pela extemporaneidade do recurso deve ser mantida a sentença recorrida. 


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Notificados o arguido e assistentes, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP não responderam.

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Apreciando:

Efectuado o exame preliminar consta-se que o recurso foi interposto fora de prazo previsto, pelo que nos termos do art.417.º, n.º 6, al. b), do CPP, nos cabe proferir a seguinte decisão sumária.

Os actos processuais, por princípio praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais, nos termos do art. 103.º, n.º 1, do CPP.  

Excepcionam-se a esta regra os actos previstos no n. 2, do mesmo artigo

Sobre a celeridade processual dos crimes de violência doméstica, dispõe o seguinte o art. 28.°, da Lei 112/2009 de 16/9 :

«1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.

2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal». 

Nesta conformidade os prazos processuais, para todos os sujeitos processuais e intervenientes processuais e para a própria secretaria do tribunal, nomeadamente relativamente à interposição de recurso, correm em férias judiciais, não obstante o art. 104.°, n.º 2 do CPP não ter englobado, por lapso, a al. g) do anterior art. ° 103.º, n.º 2, já que a excepção da al. f) do mesmo preceito decorre da sua diferenciação em termos de actos dos mencionados nas alíneas anteriores e o constante de g) é do mesmo teor destes.

A própria coerência do regime aplicável aos processos de natureza urgente, como foi classificado o crime de violência doméstica, implica que lhe sejam aplicáveis as normas especiais, designadamente  quanto ao prazo de interposição de recurso.

E não faria qualquer sentido que assim não fosse, isto é, que se tivesse declarado a urgência do processo e não tivesse repercussão na sua tramitação.

Aliás, este tem sido o sentido da jurisprudência (cfr, Ac. do TRP de 19/1/2011 e 16/3/2011 e decisão de Reclamação de 7/6/2010; Ac. do TRC de 24/09/2014 - Proc.627/09.5PBCTB.C1, de 27/1/2016- Proc. 234/14.0GBFND.C1, de 11/2/2’15 – Proc. 3/12.2PBCTB.C1).
O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 158/2012, in D.R. n.º 92, Série II de 11/5/2012, não julga inconstitucionais as normas do artigo 28.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que prevê o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas.

Estipula o art. 411.º, n.º 1, al. b), do CPP, que o prazo para interposição de recurso é de 30 dias, e, tratando-se de sentença, conta-se a partir do respectivo depósito na secretaria.

A sentença recorrida de fls. 2137 a 2219, datada de 29/6/2016, foi lida e depositada na secretaria no próprio dia, conforme acta de acta de audiência de fls. 2220, em que estiveram presentes arguido e defensor e declaração de depósito de fls. 2222. 

Ora, tendo a sentença sido notificada e depositada no dia 29/6/2016, o prazo para interposição de recurso de 30 dias iniciou-se no dia 30/6/2016, tendo terminado o decurso dos 30 dias no dia 29/7/2016 (sexta-feira).

O prazo para interposição de recurso é contínuo, e sendo peremptório, o decurso do prazo extingue o direito de praticar o acto, podendo ser praticado, independentemente de justo impedimento dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de multa, conforme o dia em que ocorrer, nos termos dos art. 138.º, n.º 1 e 139.º, n.º 3 e 5, do CPC, aplicáveis ex vi art. 107.º, n.º 5, do CPP, sendo os quantitativos ada multa os fixados no art. 107.º-A, deste mesmo diploma legal .

O acto não foi praticado dentro do prazo de 30 dias (até ao dia 29/7/2016) e nem nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo (1, 2 e 3 de Agosto de 2016), extinguindo-se peremptoriamente o direito para a prática do acto de interposição do recurso no dia 3/8/2016.

É pois extemporânea a interposição de recurso ocorrida a 5/8/2016, conforme consta de fls. 2223.

Apesar de admitido o recurso a fls. 2252, tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos do art. 414.º, n.º 3, do CPP.

Nesta conformidade, deverá ser rejeitado o recurso por extemporâneo, nos termos dos art. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b) e 420.°, n.º 1, al. b), todos do CPP.

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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso interposto, o qual não deveria ter sido admitido por extemporâneo.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs, nos termos do art. 420.º, n.º 3, do CPP
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NB: A decisão foi lavrada e revista pelo seu signatário, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

(Inácio Monteiro)

Coimbra, 18 de Janeiro de 2017