Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PIRES ROBALO | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO OBRIGATORIEDADE DE AUDIÇÃO DO MENOR | ||
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Data do Acordão: | 06/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAINHA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 12.º E 13.º, DA CUDC ARTIGO 84.º, DA LPCJP ARTIGO 5.º, 1, DO RGPTC | ||
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Sumário: | I. Nos processos de protecção, os tribunais devem ouvir obrigatoriamente as crianças, a não ser que a mesma não seja possível, com base na falta de capacidade de discernimento. II. A sua falta afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva e, por isso mesmo, processual, que implica a anulação do actos posteriores ao momento em que a mesma deveria ter tido lugar. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra Proc.º n.º 878/16.6T8CLD-B.C1 1.- Relatório 1.1.- Nos presentes autos de promoção e proteção foi decidido: a) - Aplicar de imediato a medida de acolhimento residencial ao jovem, AA, confiando-se a instituição adequada à sua situação, indicar, com urgência, pela Segurança Social (cfr. artigos 37.º 91.º e 92.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), pelo período de 6 (seis) meses. b)- Determinar a emissão de mandados de condução da criança à residência de acolhimento, a cumprir por OPC com a articulação da Segurança Social. * Sem custas (cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais. * Notifique e comunique pela via mais expedita. * Remeta, oportunamente, à CAR, cópia das seguintes peças, para esclarecimento da situação do AA: promoção de 7/10/2022; despacho de 11/10/2022; participação da CPCJ junta em 24/3/2023; promoção de 27/3/2023; despacho de 29/3/2023; informação social junta em 474/2023; despacho de 1174/2023; acordo de promoção e proteção de 8/5/2023; promoção de 11/03/2024; o presente despacho. Informe a CAR da data e local em que o AA deverá comparecer para a realização da perícia psicológica determinada. Remeta ao gabinete Médico-Legal competente cópia da promoção de 11/03/2024 e do presente despacho, para serem levados em conta na realização da perícia, juntamente com os restantes elementos já enviados. * Dê conhecimento do presente despacho ao processo n.o Processo no 95/24...., conforme pedido de informação de 21/03/2024. *** 1.2.- Inconformada com tal decisão dela recorreu a progenitora - BB -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem: “1- Em 11-03-2024, foi aplicada a título cautelar, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, a favor do AA, considerando que os comportamentos do jovem não são suscetíveis de controlo e supervisão por nenhum dos familiares, não existindo, momentaneamente, qualquer alternativa viável. 2- O AA viveu com a Recorrente entre 2017 e Abril de 2023. 3- Entre 2021 e Abril de 2023, AA beneficiou de uma medida de promoção e proteção de “Apoio junto dos pais”, concretizada na pessoa da mãe. 4- O AA é uma criança especial. Padece défice de atenção, diminuição auditiva, dificuldades de aprendizagem, razão pela qual durante algum tempo, frequentou a Escola Básica ..., onde benficiava terapia da fala, reabilitação psicomotora e educação especial. 5- Em 2021 o AA já apresentava comportamentos agressivos em contexto familiar e escolar ( Processo 878/16....). 6- Na Escola Básica integrada da ..., que frequenta desde 2021, durante um período de tempo, não beneficiou de apoio do ensino especial. 7- As exigências da aprendizagem do ensino regular e confronto com as suas dificuldades, despolotaram no AA, em contexto escolar, recreio e familiar, dificuldades de autocontrolo, cumprimento das regras e orientações veiculadas pelos adultos. 8- Na sequência de queixas crime apresentadas contra a madrasta e desentendimentos entre os progenitores, por razões de ordem económica, os convívios da criança com o pai, quase cessaram, o que o deixou triste. 9- A Recorrente sempre reconheceu dificuldade em lidar com alguns comportamentos do AA, mas demonstrou disponibilidade para o acompanhamento técnico que viesse a ser desencadeado em sede de promoção e proteção ( vd. 11/01/2022- Comunicação S.I.A.T.T.) Refa 8327329 – Proc. 878/16....). 10- No âmbito de execução da medida de p. e p., o AA continuou a revelar dificuldades cognitivas significativas, mas passou a beneficiar de adaptação curricular, terapia da fala, psicomotricidade e uma hora com professora do ensino especial. (Refa 89882419- comunicação do S.I.A.T.T de 12.09.2022. 11- O AA manteve dificuldades significativas a nível emocional, ao nível do autocontrolo emocional e comportamental, que desencadearam dois episódios relevantes em contexto escolar, e por isso, passou a beneficiar de acompanhamento psicológico, com a psicóloga que já o acompanhava anteriormente, conforme judicialmente determinado. 12- Com a aplicação da medida de p. e p., foi ponderada a mudança de psicóloga, mas a mãe e a professora entenderam que em face à evolução positiva estabelecida e às características do menino, tal não devia ocorrer. 13- A psicóloga que então acompanhava o menor, sempre atestou que a mãe fazia o que podia para acompanhar o filho. 14- O AA foi encaminhado para as consultas de pedopsiquiatria e passou a estar medicado. Segundo as informações recolhidas em meio escolar a medicação surtiu efeito, estando a criança mais calma. 15- O parecer técnico de 12.09.2022 (Refa 8982419), foi no sentido de estarem reunidos os pressupostos para manter a medida de promoção e proteção “Apoio junto dos pais” , operacionalizada na pessoa da mãe, não obstante o conflito parental, e as dificuldades apresentadas pela criança (que requeriam o acompanhamento/medidas meio escolar e a nível de saúde). 16- Dada a evolução positiva do AA, a periodicidade das consultas pedopsiquiatria diminuíram(vd. comunicação de 22.12.2022, o S.I.A.T.T). 17- A partir de Setembro 2022, a criança e o seu agregado familiar, passariam a ser acompanhados por uma outra Senhora Técnica, e por indicação desta, deixou de ser acompanhado pela Dra CC, e passou a ser acompanhado exclusivamente pela senhora psicóloga da escola, Dra DD. 18- Em 24.03.2023, a Senhora Psicóloga DD, enviou um email à CPCJ, comunicando a suspeita da prática de situações de violência física, repetida e intensa, por parte da mãe sobre o AA, com base em relatos da criança. 19- Na sequência dessa sinalização, apesar de a progenitora ter referido que, por vezes, a criança se automutilava, foi decidido confiar a criança, à guarda à irmã uterina EE.(vd. comunicação SIATT de 04.04.2023, com a Refa 9628658). 20- A EE conhecia bem as dificuldades diárias que a progenitora enfrentava para cuidar e educar o irmão. que as acusações de maus tratos físicos, repetidos e intensos não correspondiam à verdade e, que, às vezes, era o menino que se magoava. 21- Esta medida de promoção e protecção veio a revelar-se um fracasso. 22- Na ânsia de chamar a si a educação do irmão, EE impedia que o AA passasse tempos de lazer com a progenitora, sem ser na sua presença e qualquer contributo vindo da parte do pia do menino, era visto como uma crítica. 23- As dificuldades da rotina diária, bem como o desejo que tem de emigrar, fizeram com que EE, exausta física e psiquicamente, priorize o seu agregado familiar nuclear, e veja o irmão como um”fardo”. 24- O AA ao aperceber-se que a irmã não satisfazia todos os seus desejos e caprichos, passou a adoptar para com esta, o comportamento que anteriormente mantinha com a progenitora, não acatando regras, castigos ou limites. 25- A EE deixou de levar o AA a todos os cuidados médicos de que este carecia, nem compareceu com a criança nas perícias médico legais. 26- A Recorrente sempre manifestou junto da EE e dos serviços técnicos do I.S.S., a vontade de voltar a receber definitivamente o AA, de ficar com este aos fins de semana, de levar acriança aos médicos. Tudo foi rejeitado! 27- Ambos os progenitores estão disponíveis para receber o AA no seu agregado familiar e a prestar-lhe os cuidados médicos, apoio escolar e psicológico de que este necessita, conforme alegações apresentadas nos autos. 28- Enquanto a criança esteve aos cuidados da Recorrente, as crises eram pontuais. A Recorrente mais do que ninguém ama o filho e está disponível para fazer sacrifícios por ele. 29- O AA manifestou à Recorrente vontade de voltar a viver com ela e satisfação por os pais, finalmente, em nome do seu superior interesse, se terem entendido. 30- O AA não foi ouvido pelo “Tribunal a quo”, tal como dispõe o artigo 12o e 13o da Convenção Universal das Crianças. 31- Salvo o devido respeito por melhor opinião, a aplicação da medida de acolhimento residencial, padece de falta de fundamento de facto e de direito. 32- A matéria de facto elencada como sustentadora da aplicação da medida cautelar, nomeadamente os factos dos pontos 11 e 12, são insuficientes para fundamentar a medida aplicada. 33- Anteriormente aos factos a que se alude no despacho, já ocorreram outros episódios de hétero e auto agressividade, (vd. por exemplo episódios relatados na comunicação do SIATT de 12.09.2022 com a Refa 89882419), sem que tal determinasse a institucionalização da criança.. 34- A aplicação de dois pesos e duas medidas para a graduação da gravidade dos factos que constituem perigo para a criança, violam o princípio da proporcionalidade. 35- A criança tem direito a viver com os pais, a menos que tal seja incompatível com o seu superior interesse (artigo 9o da convenção Universal dos Direitos das Crianças ), o que não se vislumbra no processo. 36- Não se encontra no despacho, qualquer fundamento de facto, em concreto, que justifique que o regresso da criança ao agregado da progenitora ou do pai, no actual contexto, fosse susceptível de colocar a mesma em perigo. 37- O Estado tem o dever de ajudar os pais a exercer a responsabilidade de educar a criança e conceder a ajuda apropriada (artigo 18o da Convenção Universal do Direito das Crianças). 38- O Estado português, através do I.S.S. tinha obrigação de já ter providenciado pela realização das perícias forenses ordenadas pelo “Tribunal a quo” e trabalhar as competências parentais dos progenitores. 39- Só na posse da avaliação dos eventuais problemas de saúde mental da criança (perícias) o Estado estaria em condições de concluir que os pais não têm condições para criar e educa o AA. 40- Não existem elementos objectivos actuais que permitam concluir que os progenitores não dispõem de capacidade e competências para controlar o comportamento do AA. 41- Está demonstrado nos autos que, anteriormente, houve condições para o AA se manter na família natural até Março de 2023. 42- Foi precisamente a mudança de agregado familiar, implementado a partir de Abril de 2023, que fez com que os problemas de comportamento e saúde mental do AA, se tornassem mais agudas e seguidas. 43- Na ausência da realização de perícias, desconhece-se se a casa de acolhimento residencial é amais adequada às necessidades do menor. 44- Desconhece-se, igualmente, quais as repercussões que a decisão de acolhimento residencial pode ter na saúde mental da criança. 45- A douta decisão recorrida, violou os princípios norteadores da intervenção para a promoção e protecção da criança, nomeadamente, a tutela do seu superior interesse, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da actualidade, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e o da prevalência da família (cfr. artigo 4o, alíneas a), c), d) e), f), g), e h) da Lei de Proteção de Crianaças e Jovens em Perigo). 46- Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, a medida cautelar de promoção e protecção aplicada de acolhimento residencial deve ser revogada e substituída por outra mais justa e equitativa, de “apoio junto dos pais”. 47- A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 4o, alíneas a), c), d) e), f), g), e h) artigo 35o da LPCJP; artigos 9o, 12o, 13o e 18o da Convenção Universal dos Direitos da Criança. Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve a douta sentença/despacho, objecto de recurso ser julgado ilegal, revogado, e substituído por outro mais justo e equitativo, que determine a aplicação de uma medida de promoção em proteção de “apoio junto dos pais”. Vossas Excelências, como sempre, farão a costumada Justiça!” *** 1.3. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., respondeu o Ministério Público, terminando a motivação com as conclusões que se transcrevem: “1 - BB, progenitora de AA, interpôs recurso da decisão de 2/4/2024, nos termos da qual foi aplicada ao AA a medida cautelar de promoção e proteção de acolhimento residencial. 2 - Entende que deveria ter sido aplicada ao filho a medida cautelar de apoio junto dos pais, despois de se ter revelado inadequada a medida anterior, de apoio junto de outro familiar, na pessoa da irmã EE. 3 - A factualidade assente para fundamentar a medida não foi impugnada, pelo menos de forma legal. 4 - Com base em tal factualidade, o tribunal aplicou ao AA a única medida adequada, por ora, à proteção que lhe é devida. Na verdade, 5 - O progenitor da criança há anos que se demitira, de facto, de participar na educação e nos cuidados devidos ao filho. 6 - A última intervenção, a pedido da filha, apenas contribuiu para desestabilizar o AA, como resulta designadamente do relatório social do ISS junto em 8/3/2024. 7 - "Esquece", a progenitora, que o AA já esteve sujeito à medida de apoio junto de si, apesar de já então se indiciar que assumia práticas pretensamente educativas que poderiam configurar castigos físicos em relação ao filho. 8 - Da certidão do inq. 273/20...., junta em 6/10/2021 ao apenso A, resultava que ela bateria no filho, inclusivamente com colher de pau, com pretensa intenção "educativa". 9 - Também o AA, à TGP, em entrevista individual, " ... refere o exercício de punição física por parte da mãe, por vezes com recurso à colher de pau ( o que já terá referido também noutros contextos, apresentando algumas marcas no corpo)". 10- A própria recorrente, à mesma técnica, "no que respeita ao exercício da parentalidade, considera mais difícil de gerir "ele ser teimoso, ser 'pica-miolos', sempre 'quero isto, quero aquilo' " (sic). Como práticas educativas e punitivas, refere que lhe tira o que ele gosta, a play-station, a ginástica, não dar o telemóvel da mãe, e não ir ao Rancho, assim como reconhece o recurso a punição física, com a mão, o chinelo e pontualmente também terá recorrido à colher de pau". 11 - Apesar do exposto, o tribunal procurou evitar o acolhimento residencial do AA, face à demissão paterna e ao investimento materno no filho, bem como à promessa, da progenitora, de que as condutas agressivas em relação ao AA se não repetiriam. 12 - Daí ter sido aplicada ao AA a medida de apoio junto da mãe, posteriormente prorrogada, de forma a permitir afastar o perigo em que ele se encontrava, designadamente face ao conflito entre os progenitores, à manutenção da "passividade" paterna e às dificuldades nomeadamente emocionais do AA. 13 - Porém, por psicóloga que acompanhou o AA foi sinalizado que "ao longo do acompanhamento foram relatadas pelo próprio situações em que diz ter sido vítima de violência física por parte da mãe, de forma repetida e intensa. Sendo tal descrito pelo menor, mais se dá conta de uma situação em que são visíveis marcas físicas que diz terem sido causadas pela mãe, que alega agredi-lo com uma colher de pau". 14 - "Em reunião com a mãe, a mesma admite existirem momentos em que lhe bate, admitindo ainda uma situação de agressão em que o menor terá ficado com a marca da sua mão na cara. Não obstante, a mesma alega serem muito raras as situações em que existe violência física". 15 - E a progenitora também perante a então TGP reconheceu, uma vez mais, bater no filho, apesar dos alertas anteriores do tribunal. 16 - "BB, quando confrontada com o teor da sinalização procurou justificar com referências como, não bater todos os dias ao filho e muitas vezes fazê-lo em resposta aos comportamentos daquele, nomeadamente verbais e físicos de desafio para consigo". 17 - A progenitora continua, ainda agora, de forma clara, a desculpar-se pelas suas condutas agressivas para com o filho, continuando a entender que se educa e protege batendo. 18 - Em 26/3/2024, ao tribunal, quando chamada a pronunciar-se, nos termos do art. 85 da LPCJP, sobre a possível aplicação ao filho da medida cautelar de acolhimento residencial de que ora recorre, referiu nomeadamente o seguinte. "Infelizmente para o AA, o tempo veio demonstrar que ao contrário do que é dito nos autos, a mãe não o agredia gratuitamente. Apenas procurava educá-lo. Por vezes, era o AA que se automutilava". 19 - Pelo exposto, não poderia o tribunal ter adotado outra decisão senão a ora impugnada. 20 - Ao fazê-lo, não violou qualquer disposição legal ou convencional, antes deu primazia à proteção do interesse do AA. 21 - Em consequência, o recurso interposto deve ser considerado improcedente. *** 1.4. Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor: “Alegações de 16-02-2024: Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admite-se o recurso interposto pela Requerida BB, por requerimento com a referência n.o 10710700, o qual contém já as alegações, que é de apelação, a subir imediatamente e em separado e com efeito meramente devolutivo – cf. artigos 627.º, n.º 1, 639.º, 641.º, 644.º, n.º 2, alínea g), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 4, a contrario, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 123.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, e artigo 124.º, n.º 2, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). Notifique o Requerido e o Ministério Público para os efeitos do artigo 638.º n.ºs 5 e 6 Código de Processo Civil, sendo o prazo de resposta de 10 dias – cf. artigo 124.º n.º 1 Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo”. * Vindo depois a proferir despacho do seguinte teor: “Subam os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra”. *** 1.5.- Com dispensa de vistos cumpre decidir. *** 2.- Fundamentação De acordo com os elementos que constam dos autos há a considerar a seguinte factualidade indiciária: 1. AA nasceu em ../../2013; 2. É filho de BB e de FF; 3. O AA apresentou episódios com comportamentos auto lesivos (CAL), agredindo-se com alguma violência (murros, bater com a cabeça, etc.); 4. O AA tem sido acompanhado nas especialidades de pedopsiquiatria e de psicologia; 5. A conduta do progenitor apresenta-se um fator de imprevisibilidade na vida do AA, que afeta o seu estado emocional; 6. Por diversos momentos, o progenitor ausentou-se da vida do seu filho, deixando de o contactar ou acompanhar a consultas de psicologia, o que o afetou emocionalmente; 7. AA assumiu, ao longo do tempo, comportamentos disruptivos e, quando repreendido, entra em crise, perante a frustração; 8. A progenitora do menor, BB, atuou, por diversas vezes, com agressividade, perante o comportamento do mesmo; 9. A irmã do menor, EE, foi sempre uma figura presente na vida do seu irmão; 10. Em 08-05-2023, foi aplicada ao AA a medida de apoio junto de outro familiar, na pessoa da irmã uterina, EE; 11. Nos últimos tempos tem ocorrido um agravamento dos momentos de crise de AA, nomeadamente, ao nível da hétero agressividade; 12. AA arremessa, por vezes, objetos, dirigindo-se à sua irmã, quando, por vezes, a mesma está com a sua filha, de cerca de um ano, ao colo; 13. Foram designados os dias 19/12/2023 e 26/12/2023 para a realização da perícia psicológica ao AA, a realizar no Gabinete Médico-Legal e Forense de ..., nas quais não veio a comparecer; 14. A irmã do AA não revela disponibilidade para continuar a assumir os seus cuidados. * Factos aditados por este Tribunal nos termos do art.º 662.º, do C.P.C. 15- Nos presentes autos aplicada a medida de “apoio juntos dos pais”. 16- Em 11/10/2022 foi determinada a prorrogação, por um ano, da medida de apoio do AA junto da progenitora, nos termos do disposto no art. 62.1 e 3 al. c) da LPCJP, determinando-se a atribuição à progenitora do AA de apoio económico correspondente ao custo das consultas de pedopsiquiatria do AA, com a pedopsiquiatra que já o segue, nos termos do disposto nos arts. 39 da LPCJP e 13 do do DL 12/2008, de 17/1 e enquanto durar a medida de promoção e proteção, a ser suportado pelo ISS. 17- Em 11/4/2023 foi determinada a alteração/aplicação cautelar da medida de promoção e proteção de confiança do jovem AA, de apoio junto de outro familiar, concretizada na pessoa da sua irmã EE, pelo período de 6 meses. 18- Em 8/5/2023 foi aplicada em benefício do menor AA, nascido em ../../2013, a medida de “apoio junto de outro familiar”, a concretizar na irmã uterina, EE. 19 – Em 11/3/2024 o M.P. promoveu, face à indisponibilidade manifestada pela irmã do AA, à falta de competências parentais dos progenitores e aos recentes comportamentos do jovem, justifica-se a aplicação imediata, ao mesmo, da medida cautelar de acolhimento residencial, tal como sugerido pela TGP. 20 – Em 11/3/2024 foi proferido despacho a ordenar o cumprimento do disposto no art.º 85.º da LPCJP. 21 – Após a progenitora do menor apresentou requerimento, referindo entre o mais que: “A medica de promoção vigente deve ser alterada, reingressando o AA à guarda e cuidados da progenitora, até pelo menos, que lhe seja realizada a perícia psicológica já determinada, requerendo que sejam tomadas declarações ao menor AA, devendo este esclarecer se correspondem à verdade os factos que são imputados à irmã EE na informação, bem como com quem, em sua opinião, deve passar a residir no imediato”. 22 – Face ao requerimento aludido em 21, o M.P. promoveu, que fosse de imediato aplicada ao menor, medida de acolhimento residencial, confiando-se a instituição adequada à sua situação, indicar, com urgência, pela Segurança Social (cfr. artigos 37.º 91.º e 92.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), pelo período de 6 (seis) meses. 23- Foi proferida a decisão recorrida. 24- Da qual a mãe do menor recorreu. 25- Dos autos não resulta que o menor tenha sido ouvido. 26- Dos autos não resulta que o mesmo tenha falta de capacidade de discernimento ou que tenha sido proferido despacho a dispensar a sua audição. *** 3.- Motivação É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC). Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.” Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir consiste em saber: A)- Saber se houve violação ao preceituado nos art.ºs 12 e 13.º, da Convenção Universal das Crianças, por falta de audição do menor. B)- Saber se a decisão recorrida padece de falta de fundamento de facto e de direito. C)- Saber se deve ser revogada a decisão recorrida, que aplicou a medida de acolhimento residencial e proferido acórdão aplicar a medida de promoção em proteção de “apoio junto dos pais”. Tendo presente que são três as questões a resolver por uma questão de método, iremos analisar cada uma de per si. * Porém, antes de entrarmos na analise das questões supra, enteu este Tribunal, nos termos do art.º 662.º, do C.P.C., oficiosamente, aditar os factos colocados a negrito, no local respetivo, por dos autos resultarem tais elementos, para melhor se aquilatar das várias soluções plausíveis de direito. Dito isto, passemos analisar as questões levantadas no recurso. Assim, * A)- Saber se houve violação ao preceituado nos art.ºs 12 e 13.º, da Convenção Universal das Crianças, por falta de audição do menor. Segundo a recorrente o Tribunal “a quo” violou o preceituado nos art.ºs 12.º e 13.º da Convenção Universal das Crianças, por falta de audição de menor. Por sua vez o recorrido Ministério Público, pugna pela manutenção da decisão recorrida. Apreciando Dos n.ºs 1 e 2 do art.º 12, do diploma referido, resulta: 1-Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade. 2. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional. Por sua vez refere referem os n.ºs 1 e 2 do art.º 13.º, do mesmo diploma: “1. A criança tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à escolha da criança. 2. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições previstas na lei e que sejam necessárias: a) Ao respeito dos direitos e da reputação de outrem; b) À salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da moral públicas”. Da leitura dos preceitos supra resulta, desde logo, que os menores devem ser ouvidos. Também resulta do art.º 84.º, do Lei de protecção de crianças e jovens em perigo (LPCJP) e do n.º 1, do art.º 5, Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), que a criança deve ser ouvida. Cabe perguntar o que implica a não audição do menor. Da conjugação destas normas resulta que, neste tipo de processos de protecção, os tribunais devem ouvir obrigatoriamente as crianças. Da matéria factual provada resulta que o menor não foi ouvido, como devia ter sido. Aliás, dos autos, também nem sequer equacionam a falta de audição com base na falta de capacidade de discernimento. Temos para nós, na esteira da jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, o Supremo Tribunal de Justiça, que os mesmos devem ser ouvidos (cfr. Ac. do S.T.J., de 14 de dezembro de 2016, proc.º n.º 268/12.0TBMGL.C1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Beleza) Acresce que, a audição da criança num processo que lhe diz respeito não pode ser encarada apenas como um meio de prova, com o qual se pretende fazer prova de um facto relevante no processo. É muito mais vasta a finalidade da audição. Trata-se antes de mais de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta (cfr. Ac. do S.T.J. citado e Ac.s Rel. de Lisboa de 8/7/2021, e de 5/12/2023, proc.ºs n.ºs 8812/14.1T8LSB-B.L2-6 e 28159/17.0T8LSB.L1-7, respetivamente, relatados, respetivamente, por Nuno Lopes Ribeiro e por Cristina Silva Maximiano). Podemos dizer, como se refere no Ac. do STJ, citado que “O exercício do direito de audição, enquanto meio privilegiado de prossecução do superior interesse da criança, que consabidamente norteia processos como o presente, está naturalmente dependente e relacionado com a maturidade da criança em causa. A lei portuguesa actual – cfr. artigos 4º, i) e 84º da Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, na anterior e na actual redacção, que lhes foi dada pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro de 2015, e artigos 4º e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, e que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (artigo 5º da Lei nº 141/2015) –, seguindo os diversos instrumentos internacionais vinculativos (ou não) do Estado Português, alterou a forma de determinar a obrigatoriedade de audição da criança. Onde dantes se estabelecia como obrigatória a audição da criança com mais de 12 anos “ou com idade inferior quando a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção o aconselhe” (nº 1 do artigo 84º da Lei nº 147/99), diz-se agora que a criança deve ser ouvida quando tiver “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em conta a sua idade e maturidade” art.4º, c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível)”. Assim, sendo, não é adequado aplicar o regime das nulidades processuais à falta de audição. Entende-se antes que essa falta afecta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva e, por isso mesmo, processual (cfr. Ac. do STJ, citado, Ac. Rel. de Lisboa de 7/3/2024, proc.º n.º 8079/18.2T8LRS-B.L1-2, relatado por Arlindo Crua e Ac. Rel. do Porto, de 4/11/2019, proc.º n.º 1474/17.GT8PRD.P1, relatado por Miguel Baldaia Morais). Assim, pelo exposto, anula-se a decisão recorrida e determina-se que o processo baixe à 1.ª instância, a fim de, ou ser ouvido o menor, se a sua capacidade de compreensão assim o determinar, ou ser justificada a sua não audição (cfr. neste sentido Ac. do STJ de 14 de dezembro de 2016, proc.º n.º 268/12.0TBMGL.C1.S1, relatado por Maria dos Prazeres Beleza e Ac. Rel. do Porto, de 4/11/2019, proc.º n.º 1474/17.GT8PRD.P1, relatado por Miguel Baldaia Morais). Aqui chegados, passemos ao ponto seguinte. * B)- Saber se a decisão recorrida padece de falta de fundamento de facto e de direito. Face ao decidido em A), esta questão ficou precludida. * C)- Saber se deve ser revogada a decisão recorrida, que aplicou a medida de acolhimento residencial e proferido acórdão aplicar a medida de promoção em proteção de “apoio junto dos pais”. Face ao decidido em A), esta questão ficou precludida. *** 4. Decisão Pelo exposto, decide-se por acórdão: i)- Anular a sentença recorrida e determina-se que o processo baixe à 1.ª instância, a fim de, ou ser ouvido o menor, se a sua capacidade de compreensão assim o determinar, ou ser justificada a sua não audição ii) – Não tomar posição quanto aos pontoa A) e B), por precludidos Sem custas Coimbra, 4/6/2024 Pires Robalo (relator) Luís Manuel Carvalho Ricardo (adjunto) Cristina Neves (adjunta)
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