Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
254/13.2TBSRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
NOMEAÇÃO
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º/1, 36º/D) E 52º DO CIRE
Sumário: 1 - O juiz, como regra, não tem que fundamentar a nomeação do administrador da insolvência; que, todavia, tem que recair em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência e processar-se por meio de sistema informático que assegure a sua aleatoriedade e a igualdade no número de processos distribuídos aos administradores.

2 – Porém, quando seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência e o requerente invoque tal situação e proponha/requeira a nomeação do administrador por si indicado, o juiz, caso não acolha tal indicação, para que a decisão não padeça do vício de falta de fundamentação, tem que fundamentar porque não nomeia como administrador o que foi proposto.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – Relatório

Na apresentação à insolvência, logo foi pela requerente A..., Lda., com os sinais dos autos, requerido que fosse nomeado administrador de insolvência o Sr. Dr. B..., considerando a sua experiência, competência e os vários actos de gestão a praticar.

Tendo a requerente sido declarada insolvente por sentença proferida em 30 de Julho de 2013, foi, porém, nomeada, como administradora da insolvência, a Sr.ª Dr.ª C....

Inconformada com tal decisão, interpôs a requerente/insolvente recurso visando a sua revogação e a sua substituição por outra que nomeie administrador de insolvência o Sr. Dr. B....

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. A Recorrente apresentou-se à insolvência mediante requerimento dirigido ao tribunal a quo em 08.07.2013, tendo indicado o administrador de insolvência, por ter do mesmo excelentes referências profissionais;

2. Contudo, o Tribunal a quo ao proferir a sentença que decretou a insolvência da recorrente fez a nomeação de um administrador de insolvência diferente daquele que foi proposto pela mesma na sua petição inicial, não apresentando qualquer fundamento que justificasse essa decisão;

3. Ora, não pode a recorrente conformar-se com tal decisão sem ter qualquer esclarecimento que a fundamente;

4. Pois, o tribunal tem o dever constitucionalmente previsto de fundamentar todas as suas decisões art. 205.º/1 CRP.

5. Desta feita, a decisão do Tribunal é ilegal e inconstitucional, ilegalidade e inconstitucionalidade que desde já se invoca, pois toma uma decisão de suma importância para todo o processo de insolvência — contrária à proposta pela recorrente — sem proferir qualquer fundamento para a justificar.

6. Nos termos do n. 1 do art. 205 da Constituição da República Portuguesa (CRP), as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente têm de ser fundamentadas;

7. Acresce ainda que o art. 158° do CPC estatui um dever de fundamentação para todas as decisões que versem sobre pedidos controvertidos;

8. A fundamentação dos actos judiciais é essencial para o seu destinatário, pois só por esta via pode analisar a decisão e, dessa forma, saber se concorda ou não com a mesma;

9. Em consonância, sanciona-se com nulidade as decisões que não contenham os fundamentos de facto e de direito art. 668° n. 1 al. b) do CPC;

10. O Tribunal a quo nomeou para exercer funções de Administrador da Insolvência pessoa diversa da indicada pela recorrente na sua petição inicial, sem explicitar ou referir qualquer razão ou argumento para a sua não-aceitação o que consubstancia, portanto, uma decisão ilegal e inconstitucional;

12. A omissão da apresentação dos motivos que levaram o Tribunal a quo a nomear outro administrador de insolvência tem como consequência a nulidade parcial da sentença, nos termos do art. 668.° n. 1 al. b) do CPC;

13. Refira-se ainda que, tendo em conta a multiplicidade e complexidade das situações concretas de cada insolvência, deve ser dada especial relevância à indicação de determinado administrador de insolvência pelo devedor, pois esta escolha já terá em conta os especiais conhecimentos técnicos do administrador de insolvência, sendo portanto uma escolha consciente e certamente a mais adequada para a insolvência em causa.

Não foi apresentada qualquer contra-alegação.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

Os elementos com relevo para a apreciação do recurso são os seguintes:

A) Na PI de apresentação à insolvência, a requerente alegou, a propósito da nomeação do Administrador de Insolvência, o seguinte:

“ (…)

51. É fundamental que os melhores interesses dos credores sejam salvaguardados, nomeadamente por profissional habilitado e com experiência efetiva e de sucesso em recuperações de empresas e liquidações, que no seu todo e/ou por unidades de negócio, possam traduzir-se em mais-valias para a apresentante, e consequentemente, para os respetivos credores.

52. É fundamental assegurar que os vários actos de gestão, cobrança de dívidas e/ou liquidação seja efectuada por alguém independente mas com conhecimento efectivo do mercado em que a apresentante se insere, obtendo ganhos e maior facilidade nas várias negociações que naturalmente terá de encetar no interesse dos credores.

53. A apresentante propõe a nomeação do Dr. B..., com atual domicílio profissional na Av. (...) Vila Nova de Gaia, como Administrador de Insolvência.

54. O Dr. B... é Licenciado em Gestão de Empresas pelo Instituto de Administração e Gestão do Porto e possui no seu Curriculum Vitae, para além de outras, uma pós-graduação em “Falências e Recuperação de Empresas”, ministrado pela Universidade Portucalense,

55. Está inscrito na antiga listagem oficial de gestores e liquidatários judiciais do Distrito Judicial do Porto, publicada no Aviso 799/2001 (2 série) D.R. de z de Agosto de 2003, bem como na Lista de Administradores da Insolvência do Distrito Judicial do Porto, exercendo a sua atividade em todo o País, nos termos do n.° 5 do artigo 280 da Lei n.° 32/2004 de 22 de Julho, estando especialmente habilitado para a prática de actos de gestão,

56. Ao longo dos últimos anos foi nomeado em vários processos de insolvência sendo responsável pela elaboração de diversos Planos de Insolvência, destacando-se a (...), os (...), Lda., a (...), a (...),SGPS, (...), Lda., entre muitos outros.

57.Desempenha funções em processos complexos como a (...), indicado pela Segurança Social, (...), S.A., entre outros.

58. No decorrer destes processos, o Dr. B..., de forma reconhecida publicamente, logrou encontrar as mais diversas soluções de viabilização, quer através de Planos de Insolvência, quer de vendas de Estabelecimento Industriais, em sede de Plano e de Liquidação, quer de reconstituições Empresariais, em sede de Acordos Extraordinários, ou, em casos extremos a liquidação, como foi o caso da (...) e (...) II e da (...), sendo que todas as medidas foram devidamente negociadas com os credores públicos;

59. Por último, o Administrador proposto tem perfeito conhecimento da actual situação da apresentante, uma vez que foi ele quem recentemente analisou a sua situação, tendo, inclusivamente, concluído pela situação de insolvência e aconselhado a sua apresentação.

B) Da sentença, tão-somente consta:

 “Nomeia-se administrador da insolvência: C..., com escritório em Anadia”


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III – Fundamentação de Direito

A questão suscitada – nulidade da decisão recorrida do art. 668.º/1/b) do CPC) – reconduz-se e circunscreve-se, em termos “fundamentais”, ao “modo” como se deve proceder à nomeação dum administrador de insolvência; ou seja e mais exactamente, se e em que termos deve ser fundamentada a decisão que procede à nomeação dum administrador de insolvência.

Vejamos, então, começando pelo que diz a lei:

Estabelece, no art. 36 º/d) do CIRE, que, na sentença que declara a insolvência, o juiz nomeia o administrador da insolvência, com indicação do seu domicílio profissional; dispõe, no art. 52º do CIRE, que “a nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz”, e que se “aplica à nomeação do administrador da insolvência o disposto no n.º1 do art. 32º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência”; e prescreve por sua vez, no art. 32º/1 do CIRE, que “a escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”.

Devendo ainda ser convocado o art. 13.º do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013, de 26-02), que prevê a nomeação do administrador por sorteio informático, “que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores judiciais nos processos”; acrescentando-se ainda que “não sendo possível ao juiz recorrer ao sistema informático a que alude o número anterior, este deve pugnar por nomear os administradores judiciais de acordo com os princípios vertidos no presente artigo [o referido art. 13.º], socorrendo-se para o efeito das listas a que se refere a presente lei”.

Sendo este o quadro legal em que nos movemos, pode afirmar-se que a lei não exige, como regra, qualquer fundamentação (do juiz) no acto de nomear um administrador de uma insolvência; aliás, até prevê que a nomeação do administrador seja efectuada por sorteio informático (como resulta do referido art. 13.º/2 do Estatuto do Administrador de Insolvência), portanto, por processo aleatório, que produz, por natureza, uma escolha não fundamentada (no sentido de justificar porque é que se nomeia este e não aquele); enfim, é a própria lei que implicitamente estabelece, como regra, uma nomeação não fundamentada/justificada do juiz.

O que, a nosso ver, não vai contra o princípio proclamado no art. 205.º/1 da CRP, segundo o qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», uma vez que, como é evidente, as exigências constitucionais relativas à fundamentação – a sua maior ou menor densidade ou lassidão – não são as mesmas para todos os casos, dependendo da natureza dos interesses que estão em jogo e dos direitos que são afectados por cada decisão; ou seja, pode/deve entender-se que a prévia organização de uma lista de pessoas habilitadas e idóneas à nomeação como Administrador de Insolvência – e de ser dentro destas que se faz a nomeação aleatória – satisfaz aos referidas exigências constitucionais de fundamentação ao caso atinentes.

Mas, sendo esta a regra – não exigir a lei qualquer fundamentação (do juiz) no acto de nomear um administrador de uma insolvência – não se pode dizer que a mesma seja uma regra absoluta e que não comporte algum desvio ou ressalva.

Efectivamente, também se diz, nos referidos 52.º/2 e 32.º/1 do CIRE, que o juiz, na nomeação do administrador da insolvência, pode ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos[1].

O que significa – nos casos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos – que, podendo ser feita uma proposta/requerimento de nomeação de administrador judicial e sendo feita tal proposta/requerimento, o tribunal, caso não a acolha (caso não a tome em conta), deve justificar, na medida do possível, a não escolha.

Com o que não se pretende/exige uma fundamentação esgotante e exaustiva, mas tão só uma fundamentação que seja razoável; que revele/externe ter existido uma reflexão/ponderação sobre a proposta/requerimento (constante da PI) e que indique as razões, os critérios, as linhas de orientação, as regras comuns da experiência, que determinaram a decisão de não escolha.

Não é assim claramente suficiente, em termos de fundamentação, uma decisão de não escolha que nem sequer é expressa, mas cuja concludência da “não escolha” apenas resulta, implicitamente, da nomeação, para exercer as funções de administrador judicial, de pessoa diferente da proposta/requerida.

É exactamente este o caso dos autos/recurso.

A decisão sob recurso nem sequer indeferiu expressamente a proposta/requerimento da requerente/recorrente[2]; limitando-se, como se vê do facto B), a nomear outro administrador da insolvência.

Padece pois, no que concerne a implicitamente não ter tomado em conta a proposta efectuada, de falta de fundamentação; ocorrendo assim, como se invoca, o vício de nulidade de sentença prevista no art. 668.º/1/b) do CPC.

Procede pois, nesta media, o recurso.

Porém, apenas nesta estrita medida, isto é, não nos iremos substituir à decisão recorrida e nomear o Sr. Dr. B...; uma vez que a regra da substituição ao tribunal recorrido, quando o tribunal de recurso declare nula a decisão recorrida, vale apenas quando a decisão que é declarada nula é a que põe termo ao processo.

É o que o resulta do disposto no artigo 715º/1 do CPC, segundo o qual, quando a decisão que é declarada nula não é a que põe termo ao processo, o tribunal de recurso, funcionando como tribunal de cassação, se limita a declará-la nula e a devolver o processo ao tribunal recorrido para que profira nova decisão (cfr. Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, afirmando que nele “se consagrava plenamente o sistema de substituição no recurso de apelação, quando interposto de decisão final”- CPC Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ªEdição, Coimbra Editora, página 131).


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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se anular, por falta de fundamentação, a decisão recorrida, na parte em que procedeu à nomeação do administrador de insolvência, devolvendo-se o processo ao tribunal recorrido para que profira nova decisão; nesta medida se julgando procedente a apelação.

Sem custas.


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Coimbra, 29/10/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Preceitos cujas actuais redacções, introduzidas pelo DL n.º 282/2007, vieram alargar o poder decisório do juiz nesta matéria, uma vez que, antes, nas redacções originárias, se mandava o juiz “ter em conta” e “atender” e não, como agora se diz, “poder ter em conta”.

[2] Proposta que vinha justificada com o ser previsível a prática no processo de actos de gestão que requeriam conhecimentos especiais – como se pode ver do art. 52.º transcrito em A).