Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4157/17.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB ROGAÇÃO
PLURALIDADE DE DEMANDADOS
Data do Acordão: 03/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.62 CPC, REGULAMENTO (UE) 1215/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 12/12/2012
Sumário: 1. - A competência internacional deve ser aferida perante o pedido e a causa de pedir apresentados pelo autor.

2. - Em ação para exercício do direito de sub-rogação do FGA (autor), por via de alegado acidente de viação ocorrido em França, com veículo automóvel de matrícula portuguesa, pertencente a proprietário português e residente em Portugal (o 1.º réu) e conduzido por pessoa (o 2.º réu) emigrada em França, onde tem domicílio, mas de nacionalidade portuguesa e ao serviço, aquando do acidente, de entidade patronal portuguesa, sendo aplicável, para determinação da competência internacional, o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/2012, prevalece o critério estabelecido no respetivo art.º 8.º, n.º 1, segundo o qual, havendo pluralidade de demandados, residentes em diversos Estados-Membros, podem eles ser acionados conjuntamente perante o tribunal do domicílio de qualquer deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse num julgamento conjunto, para evitar o risco de decisões inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.
3. - À luz deste critério, revestem-se de competência internacional os Tribunais portugueses, onde foi intentada a ação sub-rogatória, posto haver risco de decisões inconciliáveis em caso de julgamento em separado.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

O “Fundo de Garantia Automóvel”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa comum condenatória, contra

1.º - R (…)  e

2.º - A (…), estes ([1]) também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR., solidariamente, a pagar ao A. a quantia de € 4.067,56, acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, bem como no reembolso ao A. de despesas com a presente lide, a liquidar em execução de sentença.

Para tanto, alegou, em síntese:

- a ocorrência em França, no dia 29/05/2013, de um acidente de viação, em que foi interveniente um veículo automóvel com matrícula portuguesa, pertença do 1.º R. e conduzido pelo 2.º R., tendo este condutor dado causa, de forma culposa, a danos num outro veículo, este com matrícula francesa, os quais ascendem a € 3.927,97, sendo que o veículo de matrícula portuguesa não dispunha de válido seguro obrigatório automóvel;

- por isso, o aqui A. suportou, a final, o custo de reparação do veículo lesado, ficando sub-rogado, por determinação legal, nos direitos da pessoa lesada, face aos causadores do acidente (responsáveis civis);

- apesar de interpelados pelo A., os RR. nada pagaram.

Contestou o 1.º R. – residente em Portugal –, excecionando a prescrição do direito invocado e impugnando diversa factualidade alegada pelo A., assim afirmando que, se o seu veículo circulou, tal ocorreu à sua revelia, posto que se encontrava guardado numa garagem em França, enquanto o contestante se encontrava em Portugal, sem que tenha autorizado alguém a utilizá-lo, termos em que concluiu pela sua consequente absolvição do pedido.

Contestou também o 2.º R. (residente em França ao tempo da citação):

- excecionando igualmente a prescrição do direito invocado, bem como a incompetência territorial do Tribunal português, invocando, para tanto, o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 27/12/2000, assim considerando que a ação devia ter sido intentada no tribunal do local do acidente, isto é, perante a Justiça francesa, e ainda a sua ilegitimidade processual, por ao tempo, desconhecendo a inexistência seguro obrigatório automóvel, conduzir sob as ordens e fiscalização de C (…), seu empregador, que mantinha uma parceria de trabalho com o 1.º R.;

- impugnando diversa factualidade alegada, designadamente referente ao modo de ocorrência do acidente e à culpa na sua produção, e concluindo pela sua absolvição, da instância ou do pedido.

Replicou o A., concluindo pela improcedência da matéria de exceção – quanto à invocada incompetência, referiu que ambos os RR. têm nacionalidade portuguesa, sendo que à data da propositura da ação ambos tinham residência em Portugal, o que justifica a competência territorial do Tribunal onde os autos foram intentados – e terminando como na sua petição.

Em despacho saneador, datado de 14/11/2019, foi conhecida a aludida exceção de incompetência, âmbito em que se considerou verificada “a existência de excepção dilatória de incompetência absoluta (incompetência internacional)”, com absolvição “da presente instância intentada pelo Fundo Garantia Automóvel, [d]os RR. (…)” (cfr. fls. 88 do processo físico).

Inconformado, recorre o A., apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões:

«1. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC.

2. A douta decisão de fls. absolveu os Réus da instância, por declaração da incompetência internacional do Tribunal para o julgamento da presente causa.

3. O 1.º Réu reside em Portugal e o 2.º em França, pelo que o Mº Juiz a quo entendeu que o 2.º Réu teria de ser demandado em França.

4. O direito do A. resulta da inexistência de seguro para o veículo causador do acidente, de que decorreu o pagamento de indemnização e despesas pelo A., cujo reembolso se vem exercer.

5. Entendemos que por força da alínea c) do art.º 62.º do CPC, a acção pode ser interposta em Portugal.

6. O A. pode escolher o Tribunal do domicílio de qualquer dos Réus – pode interpor a ação no tribunal português da área do domicílio do 1.º Réu, conforme o preceituado na parte final do n.º 1 do art.º 82.º do CPC e no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012.

7. Citemos o douto acórdão de 14-02-2013 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido na Apelação n.º 3082/11.6TBCLD.1, em que se discutia a competência internacional do tribunal português para julgar causa decorrente de acidente de viação ocorrido em Espanha, decidindo-se pela competência territorial do tribunal português.

8. Menciona tal douto acórdão que, no caso de ação baseada em responsabilidade civil extracontratual, a pessoa responsável pode ser demandada noutro Estado-Membro, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso. Tratando-se assim de uma opção livre do autor/requerente perante a alternativa regulamentar.

9. Contudo, no caso apreciado pelo TRL o acidente ocorrera em Espanha e o Réu residia em Portugal, enquanto na presente acção, o acidente ocorreu em França e um dos Réus reside em Portugal, enquanto o outro reside actualmente em França.

10. Entendeu o Mº Juiz a quo não ser de aplicar o n.º 1 do art.º 8.º do Reg. 1215/2012, do que nos permitimos discordar.

11. De facto, tal preceito aplica-se a situações em que haja vários requeridos, sejam elas de coligação ou de litisconsórcio.

12. Quanto mais estreito for o nexo que liga os pedidos, mais se justifica a possibilidade de demanda de uma pessoa domiciliada num Estado-Membro em tribunal de outro território, sendo claro o interesse do Legislador em evitar soluções diferentes e/ou inconciliáveis, que poderiam resultar do julgamento separado das causas.

13. Havendo pluralidade de Réus, admite-se que o Autor escolha o Tribunal do domicílio de um ou do outro, porque os pedidos dirigidos contra um e contra outro estão ligados por um nexo estreito, que “impede” o seu julgamento em separado.

14. Por todo o exposto, o Tribunal a quo é internacionalmente competente para julgar a presente ação.

15. A douta decisão de fls. violou os seguintes preceitos:

a) Art.º 62.º, alínea c) do CPC

b) Art.º 82.º, n.º 1 do CPC, in fine

c) Art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012

d) Art.º 8.º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012

Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso.

Com o que se fará Justiça!».

Contra-alegou apenas o 1.º R., concluindo pela improcedência do recurso.

O recurso sido admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, pelo que os autos foram remetidos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos tal regime e efeito recursivos.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes, está em causa na presente apelação saber, apenas, se cabe ao Tribunal recorrido a competência para a tramitação e decisão da ação – direcionada ao exercício do direito de sub-rogação do FGA perante os alegados responsáveis civis pelo acidente de viação ocorrido em França (os RR.) –, implicando a revogação da decisão de absolvição da instância.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Ante os elementos documentais dos autos, os pressupostos fácticos, a considerar, são os que já antes se deixaram explicitados (cfr. relatório supra), aqui dados por reproduzidos, sendo o seguinte o teor da fundamentação da decisão recorrida:

«(…)

A questão da competência invocada pelo R. não tem que ver com o território mas sim com a nacionalidade.

Vale por dizer que primeiramente há que apreciar se os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para a presente demanda.

Dispõe o artigo 4º do Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento de decisões em matéria civil e comercial que:

1- Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.

E de acordo com o nº1 do artigo 5º do mesmo diploma “as pessoas domiciliadas num Estado Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo

Em relação às competências especiais o artigo 7º indica que:

As pessoas domiciliadas num Estado Membro podem ser demandadas noutro Estado Membro:

2- Em matéria extracontratual, perante o Tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso

No caso dos autos o Fundo de Garantia Automóvel intenta a presente acção contra A (…) e R (…), alegando a ocorrência de um acidente de viação em França, o qual foi provocado por veículo conduzido pelo 1º, sendo proprietário do veículo o 2º, veículo esse que não possuía seguro de responsabilidade civil.

Nessa sequência à A. foi apresentado um pedido de reembolso pelo Gabinete Português de Carta Verde, entidade esta que indemnizou o proprietário do outro veículo que interveio no acidente.

O R. R (…) foi citado em Leiria e o R. A (…) foi citado através do consulado português em Paris (vide fls. 39º do processo físico) indicado como seu domicilio, localidade em território francês.

Volvendo ao caso dos autos dúvidas inexistem que o R. R (…) podia ser demandado neste Tribunal, atento o disposto no artigo 4º, mas igualmente poderia ser demandado em França, de acordo com o artigo 7º nº 2.

Já o R. A (…) que reside em França, teria que ser demandado nesse país, pela conjugação das mesmas disposições acima aludidas, tanto mais que o evento danoso ocorreu nesse país.

Neste caso portanto, temos que os Tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para julgar a presente demanda.

E não é caso para aplicação do disposto no artigo 8º nº1 do regulamento que se vem citando, tanto mais que tal norma será de aplicação a casos de coligação de autores ou réus, já não para casos como o presente de litisconsórcio passivo, visto in casu a relação material controvertida ser uma e a mesma, e o pedido ser efectuado contra os dois RR.

Em suma, os Tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para julgar a presente demanda o que tem por consequência a absolvição dos RR. da instância por verificação de excepção dilatória de incompetência absoluta (artigos 96º alínea a) 97º, 99º nº1, 100º, 278º nº1 alínea a), 279º, 577º todos do CPC).

Decisão:

Ao abrigo das disposições supra aludidas, e por se verificar a existência de excepção dilatória de incompetência absoluta (incompetência internacional), absolvo da presente instância intentada pelo Fundo Garantia Automóvel, os RR. R (…) e A (…)

Custas a cargo da A. sem embargo da isenção com que litiga (artigo 527º nº1 do CPC).

Registe e Notifique.» (cfr. fls. 87 v.º e seg. do processo físico).

          B) O Direito

Da competência para a preparação e decisão da ação

O Apelante defende a revogação da decisão de absolvição da instância, por considerar não se verificar a incompetência, em razão da nacionalidade, do Tribunal recorrido, ao contrário do entendimento adotado por este nos autos.

Considera, assim, o Apelante, contra o expendido pela 1.ª instância, que é de aplicar ao caso o disposto no n.º 1 do art.º 8.º do Regulamento (UE) 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, por este comportar aplicação a situações em que haja vários requeridos, sejam de coligação ou de litisconsórcio, podendo uma pessoa domiciliada num Estado-Membro ser demandada em tribunal de outro território, sendo de evitar um julgamento separado (em caso de pluralidade de requeridos), ante o risco de soluções diversas ou inconciliáveis.

Assim, pugna, no caso, pela possibilidade de escolha do Tribunal do domicílio de um ou de outro dos aqui RR., ante a ligação estreita entre os pedidos contra aqueles, a prejudicar/inviabilizar um julgamento em separado.

Diversamente, o Tribunal a quo considerou aplicáveis os art.ºs 4.º, 5.º, n.º 1, e 7.º, todos daquele Regulamento (UE) 1215/2012, mas não o respetivo art.º 8.º, n.º 1, precisamente a norma em que se funda o Recorrente.

Vejamos, sendo que não há controvérsia quanto à aplicação ao caso daquele Regulamento (UE) 1215/2012 ([2]).

Pode ler-se no respetivo Considerando 15: “As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente” (itálico aditado).

E prossegue o Considerando 16: “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele” (itálico aditado).

no respeitante aos contratos de seguro é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral (Considerando 18).

Sem esquecer que o “funcionamento harmonioso da justiça obriga a minimizar a possibilidade de intentar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em Estados-Membros diferentes” (Considerando 21).

Por sua vez, o art.º 4.º, n.º 1, daquele Regulamento estabelece assim: “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.

E o art.º 5.º, n.º 1, é claro no sentido de “as pessoas domiciliadas num Estado-Membro” só poderem “ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo”.

No quadro da secção 2, dispõe o art.º 7.º que “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:

1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

(…)

2) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

(…)” (itálico aditado).

Por sua vez, o art.º 8.º é claro no sentido de uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro poder também ser demandada:

“1) Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente” (destaques aditados).

E, por fim, estabelece o art.º 14.º, n.º 1, que, sem prejuízo do disposto no art.º 13.º, n.º 3, o segurador só pode intentar uma ação nos tribunais do Estado-Membro em que estiver domiciliado o requerido, quer este seja tomador do seguro, segurado ou beneficiário.

Devendo atender-se, para efeitos de determinação da competência jurisdicional (também a competência internacional, a que aludem, no plano da lei portuguesa, os art.ºs 62.º e segs. do NCPCiv.), à causa de pedir e ao pedido, tal como configurados pelo demandante, certo é que, in casu, é pedida a condenação solidária de dois RR., ambos portugueses, um deles residente em Portugal e o outro emigrante em França, onde reside, no âmbito da pretensão de reembolso do A., o FGA.

Na realidade, este pede, com base em invocado direito de sub-rogação, reportado a um acidente de viação ocorrido em França, em que foi interveniente um veículo automóvel, com matrícula portuguesa mas sem seguro válido, pertença do 1.º R. e conduzido pelo 2.º R., a condenação de tais RR., solidariamente, no pagamento de quantia pecuniária e seus juros moratórios.

Ora, é sabido que, no domínio da responsabilidade extracontratual, à pluralidade de sujeitos responsáveis corresponde a solidariedade de responsabilidade civil (art.º 497.º, n.º 1, do CCiv.).

No caso de a obrigação ser solidária, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (art.º 512.º, n.º 1, do CCiv.), não sendo lícito ao devedor solidário demandado opor o benefício da divisão, razão pela qual, ainda que chame os outros devedores à demanda, não se libera da obrigação de efetuar a prestação por inteiro (art.º 518.º do CCiv.).

Já pelo lado do credor, é seguro poder este exigir de qualquer dos devedores solidários toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; porém, quanto ao que exigir de um dos devedores solidários, já não poderá, em regra, exigir de outros desses devedores (cfr. art.º 519.º, n.º 1, do CCiv.).

De notar ainda que o devedor solidário que satisfaça o direito do credor além do que lhe competir tem direito de regresso contra os seus condevedores, na parte que a estes compete (art.º 524.º do mesmo CCiv.).

Como esclarece M. J. Almeida Costa ([3]), caraterizam-se “as obrigações solidárias por corresponder à pluralidade de sujeitos um cumprimento unitário da prestação”, ocorrendo solidariedade passiva quando, “havendo vários sujeitos passivos, qualquer destes responde perante o credor comum pela prestação integral, cujo cumprimento a todos exonera”, muito embora o credor não esteja impedido de demandar conjuntamente os devedores solidários (como no caso dos autos), situação esta em que o “litisconsórcio aqui admitido traduz-se numa renúncia à solidariedade”.

Considerou o Tribunal recorrido que o 1.º R., residente em Portugal, poderia ser demandado nesse Tribunal, como o foi.

Porém, atendendo ao critério do art.º 7.º, n.º 2, do aludido Regulamento da UE, entendeu que o 2.º R., residente em França, onde, ademais, ocorreu o acidente (evento danoso), só poderia ser demandado perante os Tribunais franceses.

Todavia, haverá ainda que contar com o aludido art.º 8.º, n.º 1, permitindo, em caso de pluralidade de requeridos, que uma pessoa residente num Estado-Membro seja demandada perante o tribunal do domicílio de qualquer desses requeridos, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente, para evitar decisões contraditórias ou inconciliáveis (em caso de julgamento em separado).

No caso dos autos, em que está em causa um invocado direito de sub-rogação contra dois requeridos, ambos portugueses, mas um residente em Portugal e outro em França (onde está emigrado), sendo pedida a condenação solidária no reembolso pretendido, com referência ao prestado ao(s) lesado(s) em acidente de viação ocorrido em França, é seguro, salvo o devido respeito, que o peticionado de ambos os RR. se mostra ligado por um nexo tal que faz prevalecer o interesse num julgamento simultâneo e conjunto, sem o que se correria sério risco de decisões contraditórias/inconciliáveis.

Na verdade, um julgamento em separado (quanto ao 1.º R., em Portugal, e quanto ao 2.º R., em França) abriria o flanco a (possíveis) decisões contraditórias, sendo de perspetivar, em abstrato, a possibilidade de reconhecimento do direito invocado relativamente a um dos demandados e decisão oposta quanto ao outro. O que deve, obviamente, ser evitado.

É sabido, por outro lado, que o 2.º R., de nacionalidade portuguesa, embora residente em França (onde está emigrado), tem forte ligação a Portugal, seu país natal, desde logo a da língua de que é falante (o português), não sendo de estranhar que se desloque, como é comum entre os emigrantes em França, com alguma regularidade ao seu país natal, admitindo o mesmo até trabalhar para entidade patronal portuguesa (cfr. art.ºs 24.º a 28.º da sua contestação, onde refere que conduzia veículo automóvel de matrícula portuguesa, no âmbito da sua prestação laboral para C (…), seu empregador, que manteria uma parceria de trabalho com o aqui 1.º R.).

Assim sendo, pode dizer-se, salvo o devido respeito, que, havendo – como há, in casu – pluralidade de requeridos, um deles (o 2.º R.), residente num Estado-Membro (França), pode ser demandado perante o tribunal do domicílio de outro (o do 1.º R., residente em Portugal), por o que vem pedido quanto a ambos estar ligado por um nexo de tal modo estreito que faz prevalecer o interesse num julgamento simultâneo/conjunto, evitando o perigo de decisões contraditórias/inconciliáveis, resultante de julgamentos em separado.

A solução do caso deve, pois, ser encontrada na norma do citado art.º 8.º, n.º 1, do Regulamento sob aplicação, por se tratar de um caso de pluralidade de requeridos, com residência em diferentes Estados-Membros, surgindo como natural, ante os elementos de conexão existentes, o deferimento da competência internacional aos Tribunais de Portugal ([4]).

Termos em que, na procedência da argumentação do Apelante, deve revogar-se a decisão recorrida, posto não poder colher a invocada exceção de incompetência absoluta (reportada às normas reguladoras da competência internacional), o que obriga ao prosseguimento dos autos, se a tal nada obstar, em vez da decretada absolvição dos RR. da instância.

Procede, pois, a apelação.

IV – Sumariando (art.º 713.º, n.º 7, do CPC):

1. - A competência internacional deve ser aferida perante o pedido e a causa de pedir apresentados pelo autor.

2. - Em ação para exercício do direito de sub-rogação do FGA (autor), por via de alegado acidente de viação ocorrido em França, com veículo automóvel de matrícula portuguesa, pertencente a proprietário português e residente em Portugal (o 1.º réu) e conduzido por pessoa (o 2.º réu) emigrada em França, onde tem domicílio, mas de nacionalidade portuguesa e ao serviço, aquando do acidente, de entidade patronal portuguesa, sendo aplicável, para determinação da competência internacional, o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/2012, prevalece o critério estabelecido no respetivo art.º 8.º, n.º 1, segundo o qual, havendo pluralidade de demandados, residentes em diversos Estados-Membros, podem eles ser acionados conjuntamente perante o tribunal do domicílio de qualquer deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse num julgamento conjunto, para evitar o risco de decisões inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.

3. - À luz deste critério, revestem-se de competência internacional os Tribunais portugueses, onde foi intentada a ação sub-rogatória, posto haver risco de decisões inconciliáveis em caso de julgamento em separado.

                                                 ***
V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a Apelação e, em consequência:

a) Revogam a decisão recorrida, por ser competente, no âmbito da competência internacional, para preparar e julgar a ação o Tribunal recorrido, a que os autos foram distribuídos;

b) Determinando, se a tal nada mais obstar, que a ação aí prossiga os seus legais trâmites.

Custas do recurso pelo R./Apelado R (…), sem prejuízo do concedido benefício do apoio judiciário.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 03/03/2020

         

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Ambos identificados na petição como residentes em Portugal (cfr. fls. 2 do processo físico).
([2]) É pacífico que, vista a primazia do direito da UE relativamente ao direito interno dos respetivos Estados-Membros, as normas respeitantes à competência judiciária estabelecidas no referido Regulamento prevalecem sobre as normas de idêntica natureza que estejam fixadas no direito interno – sobre tal primazia e prevalência, cfr., inter alia, o Ac. TRC de 16/10/2012, Proc. 555/10.1TBFND-A.C1 (Rel. Catarina Gonçalves), em www.dgsi.pt.
([3]) Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 666 e seg. e 671.
([4]) Embora na origem do direito de sub-rogação invocado esteja um acidente de viação ocorrido em França, todas as partes na ação têm nacionalidade portuguesa, apenas um dos RR. não tendo o seu domicílio em Portugal (por se encontrar emigrado em França), todas falam a língua portuguesa, o veículo sinistrante tinha matrícula portuguesa, sendo conduzido por pessoa, em funções laborais, que trabalhava para entidade patronal portuguesa, tendo o dano sido reparado a expensas de entidade jurídica portuguesa, parecendo lógico que o A., demandando ambos os RR., tenha optado, como lhe era permitido, pelos Tribunais portugueses (tal como poderia ter optado pelos Tribunais de França).