Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1323/20.8T8CLD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
OBRIGAÇÕES DO CABEÇA DE CASAL
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2079.º; 2086.º, 1; 2987.º, 1 E 2088.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 1082.º; 1097.º; 1098.º; 1111, 1; 1113, 1; 1114.º E 1120.º, DO CPC
Sumário:
O cabeça de casal deverá praticar os atos que sejam indispensáveis à conservação do património em partilha (v. g., obras indispensáveis à segurança e conservação dos bens inventariados) e exercer aquele conjunto de direitos que a lei lhe outorga especificamente com vista a essa conservação e cumprir as tarefas que diplomas vários lhe impõem (v. g., pagar as contribuições ou impostos a cargo da herança; requerer o registo dos atos necessários na Conservatória do Registo Predial, de que constitui exemplo o registo hipotecário dos créditos da herança enquanto indivisa), mas em que não se inclui a obrigação de legalização de obras não licenciadas/não autorizadas, efectuadas em imóvel pertencente à herança.
Decisão Texto Integral:

Adjuntos: Fernando Monteiro
                 Moreira do Carmo
                

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            (…)

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Nos autos de inventário em que são interessados AA e BB, e outros, sendo cabeça de casal CC, notificado o despacho que deu forma à partilha, aqueles interessados, por requerimento de 01.3.2023, invocaram a existência de um lapso de escrita (no art.º 8º da proposta à forma da partilha apresentada pela cabeça de casal) e requereram que se “obrigue” a cabeça de casal a legalizar as obras realizadas no imóvel da verba n.º 14 da relação de bens, referentes à criação de um sótão com um quarto, uma casa de banho, uma sala de estar e uma lavandaria com vista à realização de segunda avaliação do imóvel com consideração das mesmas e consequente incremento do valor comercial do imóvel.

            A cabeça de casal respondeu admitindo o dito lapso de escrita e alegando, designadamente: as obras em causa foram efetuadas pelo casal dela com o inventariado; consistiram num melhor aproveitamento do sótão e que não necessitava de licenciamento; se os reclamantes entendem que o imóvel se encontra subavaliado deviam ter reclamado na altura própria; mas ainda têm maneira de colocar o imóvel no valor que consideram justo, recorrendo à licitação; o processo de inventário não é o meio próprio para o Tribunal se pronunciar sobre a legalidade ou ilegalidade de quaisquer obras.

            De seguida, os mesmos interessados vieram dizer que não pretendem reclamar da avaliação efetuada nos autos, mas sim contra as “obras ilegais”, ou a falta de descrição das mesmas no registo predial, e cujo custo ela veio trazer ao passivo da herança - a nova avaliação deverá ser precedida pela atualização da matriz e do registo predial relativamente às obras não descritas do sótão do imóvel, de modo que tenha em conta estas obras e fique atualizada face à subida dos preços no mercado imobiliário desde a última avaliação.

            Em novo requerimento, afirmaram que, para além do sótão, existem duas divisões do imóvel descrito como verba 14 que não constam da matriz e do registo predial, um atelier com a área de 20 m2 e um terraço semicoberto com a área de 30 m2 (existindo ainda um pequeno jardim com 8 a 10 m2), pelo que a cabeça de casal deverá tratar de licenciar (todas) as alterações efetuadas na moradia e, concomitantemente, atualizar a matriz e o registo predial em conformidade, dever que decorre dos poderes/deveres de administração previstos no art.º 2079º do Código Civil (CC), após o que deverá ser realizada a requerida nova avaliação.

            Em resposta, a cabeça de casal referiu, em síntese: a avaliação realizada nos autos tinha, à data do requerimento (de 01.3.2023), 1 ano, 2 meses e 3 dias; reafirma o que alegou no anterior requerimento/resposta; como é patente nas fotografias juntas pelos reclamantes, o sótão sempre existiu; as obras feitas pelo casal no imóvel foram de melhoria sem interferir na sua estrutura externa e interna, tornando-o mais útil e confortável; o imóvel encontra-se no mesmo estado em que se encontrava aquando da abertura da sucessão; os reclamantes, quando requereram o inventário, descreveram o imóvel em causa como entenderam, o que não mereceu a oposição da cabeça de casal, que o fez da mesma forma; não sendo tais obras supervenientes, não lhe compete, na qualidade de cabeça de casal, requerer a respetiva legalização. Concluiu pugnando pelo total indeferimento das pretensões formuladas pelos reclamantes.

            Por despacho de 14.4.2023, o Tribunal a quo indeferiu totalmente ao requerido.

            Inconformados, os interessados/reclamantes AA, e outros, apelaram formulando as seguintes conclusões:  

            1ª - O despacho recorrido não se pronunciou acerca do requerimento de realização de nova avaliação, como, aliás, lhe incumbia fazer, desse modo incorrendo na nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil (CPC).

            2ª - Para além da necessidade de legalizar obras que foram realizadas sem licenciamento ou autorização camarária, e, desse modo, atualizar a matriz e o registo predial em conformidade, a avaliação justifica-se pelo valor desatualizado que apresenta, atento o lapso de tempo decorrido desde a última avaliação e também face à galopante subida dos preços do mercado imobiliário.

            3ª - Não podia o despacho deixar de se pronunciar acerca do requerimento de nova avaliação, fundamentando a sua concordância ou discordância.

            4ª - O processo de inventário não se reduz à partilha; cabe igualmente na jurisdição do Tribunal sindicar a administração do cabeça de casal, devendo entender-se que a legalização de obras não licenciadas ou autorizadas integra o núcleo de deveres do cabeça de casal enquanto administrador da herança.

            5ª - O despacho recorrido violou o art.º 1114º do CPC, o qual prevê que que até à abertura das licitações “qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído.”

            6ª - O requerimento dos Habilitantes não só estava fundamentado como ainda era tempestivo, não se percebendo por que motivo o despacho recorrido não se pronunciou acerca do mesmo, apenas se pronunciando sobre a obrigação da cabeça de casal legalizar as obras não autorizadas.

            7ª - O despacho recorrido violou ainda o art.º 2079º do CC ao indeferir a obrigação da cabeça de casal vir a legalizar as obras não autorizadas no imóvel constante da verba n.º 14 da Relação de Bens.

            8ª - Cabe no âmbito do processo de inventário sindicar a boa administração dos bens do casal e a legalização dessas obras, bem como a atualização da matriz e do registo predial em conformidade - integram o núcleo de deveres do cabeça de casal.

            9ª - Deste modo, deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que determine a obrigação da cabeça de casal proceder à legalização de todas as obras não licenciadas ou autorizadas no referido imóvel, atualizando a matriz e o registo predial em conformidade, e do mesmo modo defira a realização de nova avaliação, pelo facto de esta ser tempestiva e fundada.

            A cabeça de casal não respondeu.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso[1], importa decidir, principalmente, se a pretensão em causa contende com o encargo do cabeça de casal.


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            II. 1. Para o recurso releva o que se descreve no antecedente relatório, louvando-se a decisão recorrida na seguinte fundamentação:

            «(...) No que concerne às segunda e terceiras questões suscitadas pelos Interessados nos requerimentos de 01.3.2023 e 22.3.2023, não podemos deixar de acompanhar a posição manifestada pela Cabeça de casal.

            De facto, não compete a este Tribunal, na pendência do processo de inventário, averiguar da existência de obras ilegais, nem, tão-pouco, “obrigar” ou “condenar” a Cabeça de casal à sua legalização. Apenas nos cumpre prosseguir com a partilha dos bens relacionados no processo, no estado, físico e jurídico, em que os mesmos se apresentam. Se as alegadas obras carecem ou são (in)susceptíveis de legalização é matéria alheia ao processo de inventário e, aliás, também à competência material deste Tribunal.»

            2. Cumpre apreciar e decidir.

            A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal (art.º 2079º do CC).

            O cabeça de casal pode ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem: a) Se dolosamente ocultou a existência de bens pertencentes à herança ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes; b) Se não administrar o património hereditário com prudência e zelo; c) Se não cumpriu no inventário os deveres que a lei lhe impuser; d) Se revelar incompetência para o exercício do cargo (art.º 2086º, n.º 1).

            O cabeça de casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal (art.º 2087º, n.º 1).

            O cabeça de casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de ações possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído (art.º 2088º, n.º 1).

            3. O processo de inventário cumpre, entre outras, as seguintes funções: a) Fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens; b) Relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e servir de base à eventual liquidação da herança, sempre que não haja que realizar a partilha da herança (art.º 1082º do CPC, na redação conferida pela Lei n.º 117/2019, de 13.9).

            O processo destinado a fazer cessar a comunhão hereditária inicia-se com a entrada em juízo do requerimento inicial (art.º 1097º, n.º 1). O requerente deve juntar ao requerimento inicial a relação de todos os bens sujeitos a inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, acompanhada dos documentos comprovativos da sua situação no registo respetivo e, se for o caso, da matriz (n.º 3, alínea c)).

            Na relação de bens referida na alínea c) do n.º 2 do artigo anterior, o cabeça de casal indica o valor que atribui a cada um dos bens, observando-se as seguintes regras: o valor dos bens imóveis é o respetivo valor tributável (art.º 1098º, n.º 1, alínea a)). A menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica (n.º 4). As benfeitorias pertencentes à herança são descritas em espécie, quando possam separar-se, sem detrimento, do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário (n.º 6). As benfeitorias efetuadas por terceiros em prédio da herança são descritas como dívidas, quando não possam, sem detrimento, ser levantadas por quem as realizou (n.º 7).

            Na conferência, o juiz deve incentivar os interessados a procurar uma solução amigável para a partilha, ainda que parcial, dos bens, sensibilizando-os para as vantagens de uma autocomposição dos seus interesses (art.º 1111º, n.º 1).

            Na falta de acordo entre os interessados nos termos dos artigos anteriores, procede-se, na própria conferência de interessados, à abertura de licitação entre eles (art.º 1113º, n.º 1).

            Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído (art.º 1114º, n.º 1). O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens (n.º 2).

            Concluídas as diligências reguladas nas secções anteriores, procede-se à notificação dos interessados e do Ministério Público, quando este tenha intervenção principal, para, no prazo de 20 dias, apresentarem proposta de mapa da partilha, da qual constem os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões, de acordo com o despacho determinativo da partilha e os elementos resultantes da conferência de interessados (art.º 1120º, n.º 1). Decorridos os prazos para a apresentação das propostas de mapa de partilha, o juiz profere despacho a solucionar as divergências que existam entre as várias propostas de mapa de partilha e determina a elaboração do mapa de partilha pela secretaria, em conformidade com o decidido (n.º 2). Para a formação do mapa determina-se, em primeiro lugar, a importância total do ativo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efetuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos, após o que se determina o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, e por fim faz-se o preenchimento de cada quota com referência às verbas ou lotes dos bens relacionados (n.º 3). Os interessados são notificados do mapa de partilha elaborado, podendo apresentar reclamações contra o mesmo (n.º 5).

            4. Cabe ao cabeça de casal a gestão económica dos bens que integram a massa hereditária - a administração de todos os bens hereditários (como responsável pelo fenómeno sucessório até o termo da liquidação e partilha da herança), com os poderes que decorrem da concentração desse património, embora a título instrumental ou funcional.

            É o órgão principal da administração da herança (art.ºs 2079º e 2087º do CC), de grande relevo no processamento real ou efetivo da sucessão mortis causa, mas com uma função puramente transitória.[2]

            Colocado numa situação temporária de administrador de bens em que, por regra, terá mera parte ideal, o cabeça de casal deverá praticar os atos que sejam indispensáveis à conservação do património em partilha (v. g., obras indispensáveis à segurança e conservação dos bens inventariados), exercer aquele conjunto de direitos que a lei lhe outorga especificamente com vista a essa conservação e cumprir as tarefas que diplomas vários lhe impõem (v. g., pagar as contribuições ou impostos a cargo da herança; requerer o registo dos atos necessários na Conservatória do Registo Predial, de que constitui exemplo o registo hipotecário dos créditos da herança enquanto indivisa).

            É o conjunto de bens que constituem o dito património que lhe pertence conservar e defender, pois esses bens avaliam-se em atenção ao estado em que se encontravam a certa data, são objeto de licitação e não podem os licitantes sofrer prejuízo ou alcançar proveito mercê da incúria ou excesso de zelo por parte do cabeça de casal.[3]

            5. As funções do cabeça de casal hão de ser desempenhadas com seriedade, bom senso e diligência.

            Na apreciação da prudência e zelo mencionados no art.º 2086º, n.º 1, alínea b), do CC, releva, sobretudo, a própria natureza e constituição dos bens que se compreendem no acervo da herança em administração.

            Em geral, pode dizer-se que não administra bem aquele que, por exemplo, vota ao abandono as propriedades ou nelas não realiza simples obras de conservação; quem não faz, a tempo e horas, as culturas dos campos; o que deixa de fazer pontualmente o pagamento das contribuições, sujeitando a herança ao gravame dos juros de mora ou às consequências do relaxe.

            Dispondo a herança de meios ou numerário suficientes, nada justificará o não cumprimento da indispensável vigilância, conservação e administração dos bens da herança.[4]

            6. O cabeça de casal deverá relacionar todos os bens da herança que hão de figurar no inventário – os bens que se encontravam na posse do inventariado ao tempo da sua morte.

            Relativamente aos prédios rústicos e urbanos deverá fazer menção expressa da respetiva localização, confrontações, nomes, números de polícia (urbanos), pertenças e servidões, tais como existentes na herança.[5]

            7. Consideram os recorrentes que é obrigação da cabeça de casal proceder à legalização de todas as obras não licenciadas ou autorizadas no imóvel que integra a “verba n.º 14” da relação de bens, e atualizar a matriz e o registo predial em conformidade, após o que se deverá efetuar nova avaliação do referido prédio urbano.

            Salvo o devido respeito por entendimento contrário e ainda que subsista porventura alguma dúvida sobre a concreta tramitação destes autos face ao regime normativo dito em II. 3., supra, afigura-se que será de acolher a resposta ou consequência decorrente da decisão sob censura.

            8. Parece-nos assente que a recorrida/cabeça de casal relacionou o dito imóvel de harmonia com os elementos constantes da respetiva inscrição matricial[6] e da descrição predial (quiçá, também mencionados em requerimento previamente apresentado pelos apelantes – cf. ponto I., supra).[7]

            Aquela verba da relação de bens foi avaliada em finais do ano de 2021[8] e não se questionou o resultado dessa avaliação.  

            Desconhece-se se as benfeitorias executadas no mesmo imóvel careciam de prévio licenciamento/autorização por parte das entidades competentes ou, pelo contrário, se constituíam modificação (melhoramento) dispensada de tais exigências.

            De igual modo, ante os elementos disponíveis (e o que nos parece possível enxergar/divisar nas fotografias juntas aos autos), dificilmente se poderá concluir pela existência de efetiva alteração da estrutura (pelo menos, externa) do imóvel em causa e que a mesma determine uma qualquer retificação matricial e registral (máxime, alteração da fisionomia do prédio implicando alteração na matriz predial).[9]

            Neste contexto, porque o bem veio a ser relacionado de harmonia com o que consta da matriz e do registo predial e não se suscitam dúvidas sobre a sua identificação e composição, quer à luz daqueles elementos quer atenta a sua pretensa atual (e porventura diferente) configuração (interna), não existirá fundamento para uma nova e diferente relacionação.

            9. Assim, não se poderá concluir que recaísse sobre a cabeça de casal a obrigação de encetar diligências no sentido da aventada “legalização de obras não licenciadas ou autorizadas”, tal como não se vislumbra quais as normas/regras ou procedimentos que devesse observar; menos ainda, que tais procedimentos pudessem ter natureza imperativa, mormente, no âmbito do encargo (do cabeça de casal) de gestão económica do património hereditário.[10]

            10. Por conseguinte, faltando o principal pressuposto indicado pelos recorrentes para uma segunda avaliação (não se afigurando suficientes a mera erosão monetária verificada nos últimos dois anos[11] e o conhecido aumento do preço da habitação ocorrido no mesmo período) e dada a posição das partes na sequência da avalização oportunamente efetuada, não vemos motivo para a pretendida segunda avaliação.[12]

            Ademais, conhecendo os interessados do inventário a realidade dos bens da herança, inclusive daquele objeto da presente impugnação, também se dirá que o processo de inventário contem os meios, de índole consensual ou litigiosa (v. g., através do mecanismo das licitações[13]), que permitem uma partilha que salvaguarde o interesse de todos.

            11. Realizada a partilha e existindo porventura alguma incorreção ou discrepância suscetível de eliminação no tocante à matriz ou ao registo predial, o quadro legal não obstará a que o interessado, novo proprietário, utilize o procedimento adequado a tal finalidade (cf., nomeadamente, art.º 31º do Código do Registo Predial).

            12. Conclui-se, desta forma, pela insubsistência das “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.  


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.      

            Custas pelos apelantes.


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25.10.2023




[1] Admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo (“na medida em que a questão a ser apreciada pode prejudicar a utilidade prática dos atos a praticar na Conferência de Interessados” – art.º 1123º, n.º 3, do CPC).
[2] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, págs. 136, 146 e seguinte e 150.
[3] Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I., 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 323 e 334.
[4] Vide ob. e edição cit., Vol. III, 1991, págs. 11 e 18 e seguintes.
[5] Ibidem, Vol. I., págs. 425, 464 e 475.

[6] Segundo o n.º 1 do art.º 12º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis/CIMI (aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12.11), «As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários».

[7] E nada nos diz que não exista a harmonização prevista nos n.ºs 1 e 2 do art.º 28º do Código do Registo Predial (aprovado pelo DL n.º 224/84, de 06.7), que estipula: «Sem prejuízo do disposto no número seguinte, deve haver harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de retificação ou alteração desta (n.º 1). Na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos ainda não submetidos ao cadastro geométrico a exigência de harmonização é limitada aos artigos matriciais e à área dos prédios (n.º 2).»

   De resto, por força do disposto nos artigos 12º, n.º 1, 13º, n.º 1, 78º, n.º 1 e 124º do CIMI, quando os imóveis são relacionados no inventário, a sua descrição deve coincidir com a descrição que consta da matriz predial, sob pena do processo não poder prosseguir sem estar harmonizada a descrição no inventário com o teor da matriz predial – cf., neste sentido, o acórdão da RC de 03.7.2012-processo 1876/08.9TBFIG.C1, publicado no “site” da dgsi.
[8] Recorrente e recorrida situam a (primeira) avaliação em 28.12.2021.

[9] Cf., por exemplo, o cit. acórdão da RC de 03.7.2012-processo 1876/08.9TBFIG.C1.

[10] E pese embora o que decorre do art.º 13º, n.º 1, alínea d), do CIMI - a atualização da matriz é efetuada com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio -, antolha-se evidente, por um lado, que o indicado “prazo” já transcorreu, e, por outro, que as “alterações” em causa foram certamente feitas ao longo dos anos e sem ressaltar os correlativos e potenciais incrementos patrimoniais.
[11] Cf. “nota 8”, supra.

[12] Relativamente ao processo de inventário e sublinhando o ónus impendente sobre o requerente da segunda perícia de fundamentar a necessidade desta, alegando elementos concretos que, ultrapassando a mera divergência quanto ao valor anteriormente fixado, sugiram a existência de algum erro ou de alguma deficiência nos critérios adotados na primeira avaliação ou na aplicação destes ao caso concreto, cf. o acórdão da RC de 31.01.2012-processo 64/05.0TBSAT.C1, publicado no “site” da dgsi.

[13] De resto, na situação em análise, não se poderá considerar que a base de partida das licitações possa estar gravemente falseada, permitindo aos interessados mais abonados apropriarem-se, com base num valor não real, dos bens da herança”, sabendo-se que a justa determinação do valor constitui regra de imperativa aceitação, pois é mercê dela que vai “atribuir-se a cada um aquilo a que tem legítimo direito” - cf. o acórdão da RC de 20.9.2016-processo 748/06.6TBLMG.C1, publicado no “site” da dgsi.