Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
965/15.8T8PTM.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: COMPRA E VENDA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
NULIDADE
REGISTO
FALSIFICAÇÃO
TERCEIRO ADQUIRENTE
BOA FÉ
BENFEITORIAS
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 289, 291, 409, 789, 1294, 1298 CC, 17 CRP
Sumário: 1.- O art.291 do Código Civil constitui uma norma inovadora do Código Civil de 1966 e visa proteger os terceiros adquirentes de boa fé contra os efeitos retroactivos da nulidade e da anulação do negócio jurídico, ou seja, procura resolver um problema de conflito de direitos entre os primeiro alienante ( o verdadeiro proprietário) e o terceiro adquirente de boa fé.
2.-A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada.
3.-Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido.
4.- Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º do Código Civil a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.
5.- O registo automóvel não tem natureza constitutiva, destinando-se apenas a dar publicidade ao acto registado, e, portanto, sendo meramente declarativo.
6.- O art.291 do Código Civil e o art.17 do Código de Registo Predial conciliam-se na medida em que fica para o primeiro a invalidade substantiva e para o segundo a nulidade registal.
7.- As benfeitorias visam como que a própria coisa, a sua utilidade (melhoria permanente), não abrangendo as despesas tidas como de manutenção, visando a aptidão funcional dessa coisa, na perspectiva do seu uso, pelo seu detentor circunstancial, destinam-se, tão só, a assegurar um resultado transeunte.
Decisão Texto Integral:


43
Procº nº 965.15.8T8PTM.C1
2ª Secção - (Cível)
Apelação -




Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - A Causa:



B (…), S.A. com sede (…), Lisboa, veio propor a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra V (…)com residência em (…) Figueira da Foz, C (…) com residência (…)Barcelos, V (…), com residência (…), Faro e J (…) com residência em (…), Albufeira, pedindo que seja: reconhecido e declarado o incumprimento e resolução do contrato de mútuo celebrado entre a Autora e o primeiro Réu; reconhecida e declarada a propriedade da Autora sobre a viatura de marca “BMW”, modelo “Série 7”, de matrícula “XX” e determinado o registo de propriedade exclusivamente a seu favor, junto da Conservatória do Registo de Automóveis, com eliminação das demais inscrições existentes. Caso o Tribunal entenda que não pode declarar, desde já, a plena propriedade da Autora sobre a viatura referida nos autos, deve ser ordenada a reposição da situação registral que existia em momento anterior ao da “falsificação” (cancelamento da reserva de propriedade) de modo a permitir à Autora o accionamento daquela reserva de propriedade junto da Conservatória, transformando-a, por força do incumprimento contratual, em propriedade plena. Mais peticiona que se ordene a apreensão da viatura pelas autoridades policiais competentes e que a mesma seja entregue à Autora.
Como fundamento para a sua pretensão alegou, em súmula, que:
- em Março de 2007 recebeu, através do fornecedor C (…) Lda, uma proposta para celebração de um contrato de mútuo, no qual seria mutuário V (…) e avalista D (…);
- a proposta previa o financiamento à aquisição, pelo mutuário, de um veículo automóvel, de marca “BMW”, modelo “Série 7”, com a matrícula “XX” e o crédito concedido seria no valor de € 32.000, a reembolsar nos termos e condições do contrato de mútuo, cuja cópia se junta;
- com vista à instrução de tal proposta, o referido fornecedor enviou à A. documentos relativos quer à viatura, quer ao mutuário; após análise dos documentos recebidos, a proposta veio a ser aprovada e, em consequência, o contrato de mútuo que se junta foi formalizado;
- a A. adquiriu a referida viatura e procedeu ao pagamento ao fornecedor, da quantia de € 31.508,00, correspondente ao valor financiado (€ 32.000) deduzido do montante recebido directamente pelo vendedor/fornecedor do cliente/mutuário;
- foi ainda feita a inscrição da propriedade da viatura em nome do mutuário, tendo sido efectuado o competente registo de reserva de propriedade a favor da Autora (como garantia de pagamento);
- na vigência do contrato apenas foram pagas trinta prestações até Setembro de 2009; em face do incumprimento (e da insolvência dos Mutuário e Avalista – Processo 2610/11.1 TBFIG, (extinto) 3º Juízo da Figueira da Foz), a Autora procurou averiguar a situação registral da viatura, sobre a qual detinha uma reserva de propriedade, no sentido de, resolvendo o contrato por incumprimento, accionar tal reserva, fazendo sua a viatura para dela poder dispor;
- ao verificar a situação registral da viatura de matrícula XX, sobre a qual detinha uma reserva de propriedade, a A. constatou que, sem que nunca tivesse cancelado a reserva de propriedade ou autorizado ou mandatado fosse quem fosse para que o fizesse, foi cancelada a reserva de propriedade de que era beneficiária sobre a viatura de matrícula XX, passando a ser, assim, propriedade plena do “mutuário” (AP YY);
- as assinaturas constantes no documento de extinção de registo, não foram efectuadas por qualquer representante da A., ou por alguém que a vinculasse na qualidade de seu procurador, nomeadamente, o (…) nunca foi procurador da A. e a (…) informou tratar-se de (mais uma) falsificação da sua assinatura;
- através da ap. 7260, do mesmo dia, a viatura foi “vendida” a C (…); 20 dias depois, através da ap. 4819, a viatura foi “vendida” a V (…) e em 12 de Maio de 2014, através da ap. 6946, a viatura foi “vendida” a J (…)
- a Autora foi vítima de procedimentos fraudulentos, logrando os agentes do crime transferir para terceiros a propriedade da viatura de que a Autora é a única proprietária – por força da existência de uma reserva de propriedade e por força do incumprimento e resolução contratuais;
- tendo a Autora suportado o preço integral do financiamento, e nunca a tendo “vendido”, esta é sua plena e exclusiva propriedade, tanto mais que o contrato foi, nos termos contratuais, resolvido, e a Autora era a detentora de uma reserva de propriedade sobre a viatura (que se vê agora impedida de accionar).
2. Regularmente citado para o efeito o réu C (…) alegou, em síntese, que adquiriu de boa-fé ao primeiro réu a viatura em questão dando em troca outro veículo de marca Jaguar.
Mais alegou que o primeiro réu entregou-lhe a declaração de venda e a declaração de extinção de reserva de propriedade toda preenchida e com a assinatura devidamente reconhecida. Não sabe, nem tem forma de saber quem representa a autora, pelo que, tendo actuado de boa-fé, devem improceder os pedidos formulados pela autora, sob pena de se colocar em causa todo o sistema de comércio.
3. Regularmente citado para o efeito o réu J (…)apresentou contestação e deduziu reconvenção.
Alegou, em síntese, que viu um anúncio na internet onde era publicitada a venda do veículo matrícula XX, e chegou a acordo pelo valor de 13.000,00€ com o (…), que era a pessoa que apareceu a negociar o veículo e que tinha na sua posse uma declaração de venda assinada pelo V (…), tendo o R. pago aquele valor em dinheiro por exigência do vendedor; a verificação da documentação e a transferência de propriedade foram efectuadas por intermédio do Automóvel Clube de Portugal, na agência de Faro, tendo estado presente o referido (…); o R. adquiriu legitimamente o veículo em causa a V (…), verificando os registos automóveis que estavam todos regulares, não existindo na altura da compra pelo R. qualquer reserva de propriedade registada, desconhecendo e não tendo obrigação ou sequer possibilidade de conhecer se no passado ocorreu alguma irregularidade ao nível dos registos automóveis ou das respectivas transacções; sem conceder, importa considerar todas as despesas com a conservação e melhoria das condições da viatura adquirida pelo R. e ser este ressarcido pelas mesmas, a título de benfeitorias, dos custos de legalização da propriedade da viatura no valor global de 334,00€ (trezentos e trinta e quatro euros) e dos custos de manutenção com a viatura no valor global de 10.221,56€ (dez mil e duzentos e vinte e um euros e cinquenta e seis cêntimos).
4. A Autora apresentou réplica pugnando pela improcedência da reconvenção, argumentando, em síntese, que nada do requerido são benfeitorias e que é o Réu/reconvinte quem beneficia e frui a viatura, sendo contrário ao direito e à justiça a procedência do peticionado.
5. Regularmente citado para o efeito o Réu V (…)não apresentou contestação.
6. Não foi possível concretizar a citação pessoal do Réu V (…), tendo-se procedido à sua citação edital. Citado o Ministério Público e o Administrador de Insolvência não foi apresentada qualquer contestação.
7. Foi dispensada a realização da audiência prévia.
Foi admitida a reconvenção e proferido despacho saneador. Foi identificado o objecto do litígio, sendo dispensada a enunciação dos temas de prova.
8. Procedeu-se à realização da audiência final com respeito pelo legal formalismo.

*

Mantêm-se os pressupostos que presidiram à prolação do despacho saneador.
*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Pelo exposto, o Tribunal julga procedente a presente acção e totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência:
a) Reconhece e declara a resolução do contrato de mútuo celebrado entre a Autora e o primeiro Réu V (…)
b) Reconhece e declara a propriedade da Autora sobre a viatura de marca “BMW”, modelo “Série 7”, de matrícula “XX” e determina o registo de propriedade a seu favor, junto da Conservatória do Registo Automóvel, com a eliminação/cancelamento das inscrições existentes a favor dos aqui Réus.
c) Determina, após trânsito, a apreensão do veículo matrícula “XX” pelas autoridades policiais para a sua entrega/restituição à Autora.
d) Absolve a Autora do pedido formulado pelo Réu/reconvinte J (…)
Custas da acção a cargo dos Réus e custas da reconvenção a cargo do Réu J (…) – artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Após trânsito, comunique a presente decisão à Conservatória do Registo Automóvel».

J (…), R. nos autos à margem identificados, não se conformando com a sentença final, veio dela interpor recurso de Apelação, com reapreciação da prova gravada, alegando e concluindo que:
(…)

Legal e tempestivamente notificado, B (…) S.A, , veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo, que:
(…)

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:
Com interesse para a decisão encontram-se provados os seguintes factos:

1. A Autora B (…), S.A. é uma sociedade comercial sob a forma anónima, cujo objecto social compreende, designadamente, a celebração de contratos de mútuo (financiamentos para aquisições a crédito), financiando a pedido e no interesse dos particulares ou empresas que assumem a posição de mutuários, a aquisição, junto de determinados fornecedores, de bens de consumo/equipamentos, nomeadamente, veículos automóveis e motociclos.
2. Em Março de 2007 recebeu, através do fornecedor C (…)Lda, uma proposta para celebração de um contrato de mútuo, no qual figuraria como mutuário V (…) e avalista D (…).
3. A proposta previa o financiamento à aquisição pelo mutuário de um veículo automóvel, de marca “BMW”, modelo “Série 7”, com a matrícula “XX” e o crédito concedido seria no valor de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), a reembolsar em 84 (oitenta e quatro) prestações mensais, no valor de €559,77 (quinhentos e cinquenta e nove euros e setenta e sete cêntimos) cada, com início em 05.04.2007 e as restantes nos dias 5 dos meses subsequentes – cfr. documento de fls. 94 a 96 e 97 verso, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
4. Com vista à instrução de tal proposta, o referido fornecedor enviou à A. documentos relativos quer à viatura, quer ao mutuário. Após análise dos documentos recebidos, a proposta veio a ser aprovada e, em consequência, o contrato de mútuo cuja cópia consta a fls. 94 a 96 e 97 verso foi formalizado em 7 de Março de 2007.
5. A A. adquiriu a referida viatura e procedeu ao pagamento ao fornecedor da quantia de € 31.508,00 (trinta e um mil quinhentos e oito euros), correspondentes ao valor financiado (€32.000) deduzido do montante recebido directamente pelo vendedor/fornecedor do cliente/mutuário.
6. Foi ainda feita a inscrição da propriedade da viatura em nome do mutuário V (…) em 15.03.2007, tendo sido efectuado na mesma data o competente registo de reserva de propriedade a favor da Autora, como garantia de pagamento do financiamento.
7. Na vigência do contrato de mútuo apenas foram pagas trinta prestações até Setembro de 2009, tendo a Autora enviado ao primeiro Réu carta registada com aviso de recepção, datada de 1 de Setembro de 2010, dirigida para a morada constante do contrato de mútuo celebrado, onde informa que “se encontra vencida e não liquidada a quantia de 7316.82€”, concedendo “um prazo suplementar de 8 dias” para que o Réu procedesse ao pagamento e que, findo o prazo, sem que fosse pago o referido valor, consideraria o “contrato em incumprimento definitivo” – cfr. documento de fls. 11 cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
8. Em face do incumprimento do mutuário V (…) e da sua insolvência (e da avalista), declarada no âmbito do processo 2610/11.1TBFIG, do (extinto) 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, a Autora procurou averiguar a situação registral da viatura de matrícula XX, tendo constatado que sem a sua autorização e sem o seu conhecimento, foi cancelada a reserva de propriedade de que era beneficiária sobre a viatura, através da ap. YY.
9. As assinaturas constantes no documento de extinção de registo da reserva de propriedade (cuja cópia consta de fls. 18 e 20 e novamente de fls. 105 verso, 106, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido), não foram efectuadas por qualquer representante da A. ou por alguém que a vinculasse na qualidade de seu procurador. L (…)nunca foi procurador da A. e a advogada S (…) nunca representou a Autora, nem apôs a sua assinatura no documento junto a fls. 20.
10. Através da ap. …, em 06 de Fevereiro de 2014, a viatura foi registada em nome do Réu C (…). Em 20 de Fevereiro de 2014, através da ap. …, o veículo foi registado em nome do Réu V (…). E, em 12 de Maio de 2014, através da ap. …., a viatura foi registada em nome do Réu J (…).
11. O Réu J (…) viu um anúncio na internet onde era publicitada a venda do veículo matrícula XX, e acordou adquiri-la com uma pessoa que apareceu a negociar o veículo e se apresentou como “(…)”. Esta mesma pessoa estava munida de uma declaração de venda onde constava a assinatura de V (…), tendo o Réu J (…) pago parte do valor acordado pela aquisição em dinheiro, por exigência do referido (…)” e entregou um veículo seu, da marca Alfa Romeo.
12. A verificação da documentação para a transferência da propriedade do veículo foi efectuada por intermédio do Automóvel Clube de Portugal, na agência de Faro, na presença da pessoa que se apresentou ao Réu J (…) como “(…)”.
13. O Réu J (…) desconhecia em 12 de Maio de 2014 a existência de qualquer reserva de propriedade sobre o veículo.
14. O Réu J (…) despendeu em 7 de Maio de 2014 o valor de €268,00 (duzentos e sessenta e oito euros), junto do Automóvel Clube de Portugal, para iniciar o processo de transferência da propriedade do veículo e, no dia 12 de Maio de 2014, despendeu o valor de €65,00 (sessenta e cinco euros), junto do Registo Automóvel, relativo a emolumentos e pagamento do Documento Único Automóvel.
15. Em 2 de Junho de 2014 o R. despendeu o valor de €622,63 (seiscentos e vinte e dois euros e sessenta e três cêntimos), junto da oficina A (…)Lda, para desactivação do sistema (GLP) e noutras reparações.
16. No dia 24 de Outubro de 2014 o R. despendeu o valor de €2.927,09 (dois mil novecentos e vinte e sete euros e nove cêntimos), junto da oficina B (…), relativo aos seguintes trabalhos/reparações:

Óleo dos travões, Serviço SAV
BM83,13,0,443,024 OLEO TRAVÕES DOT 4
Substituir quarto pneus do tipo auto-portante
BM85,45,2,536,742 MICHELlN PILOT PRIMACY
Eficiência Energética: F
Aderência Piso Molhado: C
Classe Ruído Rolamento: 3
Valor Ruído Rolamento dB: 72
BM85.45,2,536,750 MICHELlN PILOT PRIMACY
Eficiência Energética: F
Aderência Piso Molhado: C
Classe Ruído Rolamento: 2
Valor Ruído Rolamento dB: 72
ZZ9000000005E PESOS DE COLAR 5GR
BM36, 12, 1,116,326
VALVULA
ZZSGPUAUTO D.L.N°111/01,6ABRIL
Mudança de óleo na caixa de velocidades automática
incl. remoção de óleo usado
ZZECOLUB TAXA AMBIENTAL
ZZ83220142516 Óleo CX. automática-litro
Substituir unidade de travão electrico
BM34.43.2.338.067 Uni. regul. rec. c/ unida
BM34.43.2.338.067AT Uni. regul. rec. c/ unida
Desmontar e montar/substituir ambos os cabos Bowde
n para o travão de estacionamento
BM34.43.6.780.016 Bowden cabl
BM34.43.6.780.017 Bowden cabl
BM51.48.1.905.599 Rebite de expansão
BM51.75.7.153.783 Blindagem compartimento m
BM51.75.7.153.790 Blindagem compartimento m
BM51.71.7.153.788 Cobertura i
BM51.75.7.153.787 Cobertura i
BM51.75.7.153.789 Aba de resg
MN66202241245 Conversor de ultra-sons
BM07.12.9.904.150 Porca de ch
BM07.14.7.129.160 Parafuso se
ZZCONSUM Tratamento de Resíduos
Programar/codificar unidade(s)Softawe ISTA P 2.53.

17. No dia 3 de Novembro de 2014, o R. despendeu o valor de €180,64 (cento e oitenta euros e sessenta e quatro cêntimos), junto da oficina B (…) relativo aos seguintes trabalhos/reparações:

Desmontar e montar/substituir todas as maxila do travão de mão
BM51.23, 7 .186.508 Gancho de segurança do ca
BM34,41.6.761.293 Kit reparaç.

18. No dia 23 de Dezembro de 2014, o R. despendeu o valor de €6.084,96 (seis mil e oitenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos), junto da oficina BMW Service – Caetano Baviera, relativo aos seguintes trabalhos/reparações:
Programar/codificar unidade(s) de comando (com CAS)
Montar uma caixa de velocidades recondicionada
Substituir ambas as escovas do limpa pára-brisas
Trabalho adicional após a 1.ª interrupção ao Programar/Codificar
BM24.00.7.521.146 Caixa automática Eh AT
BM24.00.7.521.146AT Caixa automática Eh AT/So
ZZCONSUM Tratamento de Resíduos
BM61.61.0.442.837 Jogo de esc

19. No dia 24 de Abril de 2015, o R. despendeu o valor de €406,24 (quatrocentos e seis euros e vinte e quatro cêntimos), junto da oficina B (…), relativo aos seguintes trabalhos/reparações:
Inspecção Periodica
Inspecção Extraordinária
ZZADIANTAMENTOfEFERE-SE ENCOMENDA
A BM66.12.6.959.046,
ZZADIANTAMENTO ADIANTAMENTO.

20. A Autora procedeu ao registo da acção em 22.09.2016 – cfr. documento de fls. 100 verso, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.

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Factos não provados:

Não se provaram os restantes factos alegados, nomeadamente com relevo para a decisão não se provou que:
a) O Réu C (…) adquiriu ao primeiro réu V (…) a viatura de matrícula XX dando como troca outro veículo de marca Jaguar; o primeiro réu entregou-lhe a declaração de venda e a declaração de extinção de reserva de propriedade toda preenchida.
b) O Réu J (…) pagou pela aquisição do veículo o valor acordado de €13.000,00 (treze mil euros) em dinheiro.
c) O Réu J (…) logo que adquiriu o veículo, e após parecer técnico, verificou que dadas as características do motor, nomeadamente, a potência e cilindrada, o sistema que se encontrava instalado no automóvel de gás de petróleo liquefeito (GPL), também chamado de gás liquefeito de petróleo (GLP), era nocivo ao funcionamento do veículo.

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Todas as demais alegações vertidas nos articulados que não se encontrem directa ou indirectamente compreendidas na presente decisão são irrelevantes para as questões a decidir, conclusivas ou constituem matéria de direito e, por isso, não foram relevadas.


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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.
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Das conclusões de Recurso, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:
A
A sentença recorrida violou a cláusula 6ª do contrato de mútuo e o art. 436º do CC ao considerar que “…operou-se a resolução do contrato de mútuo …”,
B
Devendo nesta parte ser substituída por outra decisão que considere que a A. não procedeu à resolução do contrato de mútuo.

Apreciando, diga-se - em função do disposto no art. 436º Código Civil (como e quando se efectiva a resolução) -, que uma relação contratual se pode extinguir por resolução, que consiste no acto de um dos contraentes, dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado. Essa faculdade pode resultar da lei ou de convenção dos contraentes (Cf. Ac. RC. 19.1.2010:Proc. nº3888/07.0TVLSB.C1.dgsi.Net).

Tal significa que a lei não adoptou o nomen juris de rescisão, mas sim de resolução, que extingue o vínculo contratual mediante a exptressão de uma declaração negocial unilateral, receptícia e reportada a uma causa. A resolução coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, produzindo, em princípio, os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (Cf. Ac. STJ, de 23.1.2007:CJ, 2007, 1º-39).
Operando a resolução do contrato por mero efeito da declaração unilateral à outra parte, como é próprio das declarações de vontade receptícias - art.ºs 436º-1 e 224º-1, Código Civil -, ao controlo judiciário da existência de fundamento ou da regularidade do respectivo exercício, só interessa o desenvolvimento das relações negociais até ao momento da produção dos efeitos da declaração resolutiva. Destruído o contrato, há incumprimento definitivo e só poderá interessar saber a qual dos contraentes é imputável esse incumprimento, o que depende da existência ou não de fundamento para a resolução. O direito de resolução, enquanto destruição da relação contratual, até quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432º - 1 Código Civil (Cf. Ac. STJ, 4.4.2006:Proc. 06ª205.dgsi.Net).

Circunstancialmente, configura-se como incontroverso e incontrovertível emergir dos Autos, por, assim, se haver provado, que:

«(…) na vigência do contrato de mútuo apenas foram pagas trinta prestações até Setembro de 2009, tendo a Autora enviado ao primeiro Réu carta registada com aviso de recepção, datada de 1 de Setembro de 2010, onde informa que “se encontra vencida e não liquidada a quantia de 7316.82€”, concedendo “um prazo suplementar de 8 dias” para que o Réu procedesse ao pagamento e que, findo o prazo, sem que fosse pago o referido valor, consideraria o “contrato em incumprimento definitivo”.
Mais se provou que em face do incumprimento do mutuário V (…)e da sua insolvência, declarada no âmbito do processo 2610/11.1TBFIG, do (extinto) 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, a Autora procurou averiguar a situação registral, e descobriu que o veículo já não se encontrava registado em nome do Réu e a sua reserva de propriedade havia sido cancelada sem a sua autorização.
Ora, em caso de incumprimento das obrigações contratualmente estabelecidas, pode o mutuante resolver o contrato, nos termos gerais (artigos 432º e segs., do Código Civil).
-
Como se verifica da factualidade provada, resulta que o Réu V (…) deixou de pagar as prestações mensais devidas.
Este comportamento é, pois, configurável, como um incumprimento da obrigação contratual de pagamento, capaz de sustentar a resolução do contrato (vide a cláusula 6.ª do contrato junto aos autos).
Acresce que a resolução opera por mera declaração à outra parte (artigo 436º, n.º 1, do Código Civil), não carecendo de intervenção judicial, tornando-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida – declaração receptícia (artigo 224º, n.º 1, do Código Civil), sendo igualmente considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (n.º 2 do mesmo artigo).
E neste caso assim o podemos considerar, na medida em que a carta foi enviada para a morada do réu constante do contrato, ou seja, foi validamente efectuada. Pelo que em face ao incumprimento do réu operou-se a resolução do contrato de mútuo celebrado».
O que - também na sua específica literalidade -, não pode deixar de se entender, no enquadramento judiciário que se encontra definido, através de consagração em probatório, como expressão adrede de o considerar, também, por esse meio de comunicação, definitivamente incumprido, que o mesmo é dizer, nessa significância, resolvido.

Não sem olvidar, acrescida e efectivamente, que se concebe como procedimento processualmente incluso no objectivo, recte, pedido de “reconstituição da situação registal sobre a viatura que é alvo dos Autos, e que foi ilegal e abusivamente (através da falsificação de assinaturas se supostos procuradores da Autora)”, como sai acentuado no discurso de contraditório expresso nos Autos, que, igualmente, sai confirmado.
Acresce que o critério da distinção entre declaração tácita e declaração expressa consagrada pelo art. 217.º Código Civil é o proposto pela teoria subjectiva. Resulta claramente da formulação legal que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade. Em conformidade com o critério de interpretação dos negócios jurídicos consagrado no art. 236. Código Civil, deve entender-se que a concludência dum comportamento, no sentido de permitir concluir - até, mesmo - a latere, um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante. A possibilidade de um negócio formal ser realizado através de declaração tácita está expressamente reconhecida pelo n.º 2 do artigo. Basta, mas toma-se necessário, que os factos concludentes estejam revestidos de forma legal (Cf. Mota Pinto, Teoria Geral, 3.ª ed., 425 e ss.). Tal como nos Autos acontece.
Ademais, a declaração tácita resulta de um comportamento concludente - aquele que, considerando todas as circunstâncias, não deixa fundamento razoável para dúvidas. Este comportamento concludente deve ser avaliado pela perspectiva interpretativa de um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real. A impressão do declaratário, obtida a partir de uma inferência, segundo uma lógica de interacção, de acordo com as regras ou usos da vida, é, assim, manifestamente, matéria de direito (Cf. Ac. STJ, de 24-10-2000: CJ/STJ, 2000,3º-93), como tal havendo de ser resolvida. Não podendo, no caso, conduzir a outra inferência senão a, assim, estabelecida.

O que determina responder negativamente às questões em A e B.

C

Não existe efetivamente qualquer registo de ação judicial contra o ora Recorrente.
D
Pelo que o registo efetuado pela A. não é oponível ao Recorrente,
E
Verificando-se aqui um erro de julgamento na apreciação e valoração da prova documental junta aos autos em violação, nomeadamente, do art. 371º do CC.


Em função do disposto no ponto 20º dos factos considerados provados, alumbra, sem qualquer dúvida, que:

“20. A Autora procedeu ao registo da acção em 22.09.2016 – cfr. documento de fls. 100 verso, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido”.

Deixando claro pretender o reconhecimento e declaração da sua propriedade «sobre a viatura de marca “BMW”, modelo “Série 7”, de matrícula “XX”, determinando-se o registo de propriedade exclusivamente a seu favor, junto da Conservatória do Registo Automóvel, com eliminação das demais inscrições existentes». Assim, necessariamente, precavendo qualquer outro tipo de alteridade registal, que os Autos também evidenciam.
Emerge, por sua vez, do disposto no art. 409º Código Civil (reserva de propriedade), que a reserva de propriedade, em si, tem, justamente, a natureza de venda sujeita a condição suspensiva: trata-se de uma cláusula pela qual o efeito translativo fica sujeito a uma condição suspensiva (normalmente o pagamento integral do preço). Perante o incumprimento, pode o mutuante lançar mão da acção de cumprimento, exigindo o pagamento das quantias ainda em dívida e o demais necessário para lhe assegurar o acréscimo patrimonial que deveria conseguir com o cumprimento pontual do contrato ou resolver o contrato. Os efeitos da resolução são, em princípio, os mesmos, da declaração de nulidade ou anulação, previstos no art. 289º: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (Cf. Ac. STJ de 11.1.2007: CJ, 2007, 1º-161).
De resto, até, quando o vendedor do bem em prestações (alienante) é simultaneamente o financiador da sua aquisição por outrem faz sentido que no respectivo contrato de crédito ou de mútuo se inclua e mencione a cláusula da reserva de propriedade, se acordada pelos contraentes. De contrário - e consequentemente, também no que respeita aos demais intervenientes na cadeia de transmissões da viatura em causa -, se não é o proprietário do bem que vende, nada poderá transmitir (“nemo plus juris tranferre potest, quam ipse habet”), e, do mesmo modo, por nada ter e nada poder transmitir, nada poderá reservar sob condição (Cf. Ac. STJ, de 31.3.2011:Proc. 4849/05.0TBVSB.L1.S1.dgsi.Net. Qualidade e atributo que, ao invés dos restantes transmitentes, a Autora, circunstancialmente, possui e, com legitimidade, exercita (o que, igualmente, encontra respaldo nas respostas desenvolvidas, atribuídas às questões sequentes).

Nenhuma violação aconteceu, pois, ao art. 371º Código Civil (força probatória), pois que a força probatória dos documentos autênticos se mede pelos limites da competência ou da actividade legal em que são exarados (Cf. Ac. STJ, 17.1.1978:BMJ, 273º-195). Relevando que o art. 659º, nº3, do CPC (607º NCPC), quando manda atender aos documentos juntos ao processo está, naturalmente, a reportar-se àqueles que fazem prova plena, nos termos do art. 371º Código Civil - cf. Art. 347º do mesmo Código (modo de contrariar a prova legal plena). Fora dessas hipóteses, os documentos são apenas parte ou meio de prova a apreciar livremente pelo Tribunal, de acordo com a livre convicção do Juiz.
O que acarreta responder negativamente às questões em C, D e E.


F
A decisão a quo violou o art. 291º do CC ao não considerar que o Recorrente adquiriu de boa-fé a propriedade da viatura em questão,

Neste particular, referencie-se que, na emergência do que se consigna no art. 291º Código Civil (inoponibilidade da nulidade e da anulação), de modo inultrapassável, um dos aspectos do regime geral da nulidade ou da anulabilidade, é o de que a declaração da nulidade ou a anulação, têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art. 289º, nº1), efeito que, em regra se não limita às partes, estendendo-se a todos os que entretanto hajam adquirido na sequência do negócio invalidado. O art. 291º não corresponde a uma norma “aquisitiva”: a sua função não é a de permitir a aquisição de direitos, mas a de preservar direitos já anteriormente adquiridos contra os efeitos de outra forma destrutivos da aplicação incontida do ar. 289º, nº1 - deste modo resolvendo um conflito entre o direito de quem poderia aproveitar do regime regra do art.º 289º, nº1 (efeito retroactivo) e o direito do terceiro adquirente (manutenção do negócio).
Por sua vez, a exigência da boa fé, constante do art.º 291º, nº3 (desconhecimento, sem culpa, do vício do negócio), não têm como fundamento a fé pública resultante do registo, uma vez que as presunções resultantes do registo não podem funcionar aqui (ou só provisoriamente podem funcionar), vista a nulidade do negócio (Cf. Parecer do Prof. Heinrich Ewald Horster, de 31.12.2003: CJ/STJ, 2004, 3º,437).
Tanto assim, que a aquisição pelo registo (aquisição tabular) apenas se dá quando reunidos os seguintes requisitos: a) Preexistência de um registo desconforme com a realidade substantiva; b) Actuação do terceiro com base no registo preexistente; c) Aquisição a título oneroso; d) Boa Fé do Adquirente; e) Registo da aquisição antes de corrigido o registo desconforme ou de registada a acção destinada a corrigi-lo (Cf. Ac. STJ, de 4.3.1982: BMJ 315º-244 com comentários críticos de Antunes Varela, RLJ, 118º-285º, de Heinrich Horster, RDE, 8º/1-411 e ss; Penha Gonçalves, Direitos Reais, 2ª Edição, 1993, p. 95).
Sendo que, por sua vez, terceiros para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um Autor comum, direitos total ou parcialmente incompatíveis (Cf. Ac. RC, de 14.07.2010, 3º-32).
A solução adoptada no art. 291º, nº2, do Código Civil, corresponde a uma opção do legislador ordinário, visando proteger o beneficiário da declaração de nulidade ou de anulação do negócio, durante um período de tempo. Tal solução não contende, assim, de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva com os mínimos de certeza e segurança que os princípios em causa envolvem, não padecendo, sequer, de inconstitucionalidade (Cf. Ac. STJ, de 26.10.2010:Proc. 1268/03.6TBSCR.L1.dgsi.Net).
-
Com tal tessitura institucional de vinculação, releva decorrer dos Autos - tal como, de forma adequada, aí se consigna -, que:

«No caso em apreço, provou-se que a Autora adquiriu a referida viatura. Mais se provou que foi feita a inscrição da propriedade da viatura em nome do mutuário V (…)em 15.03.2007, tendo sido efectuado na mesma data o competente registo de reserva de propriedade a favor da Autora, como garantia de pagamento.
Provou-se ainda que a reserva de propriedade foi cancelada sem a autorização e sem o conhecimento da Autora, sendo que as assinaturas constantes no documento de extinção de registo da reserva de propriedade não foram efectuadas por qualquer representante da Autora ou por alguém que a vinculasse na qualidade de seu procurador.
A prova da falsidade da declaração constante do pedido de extinção da reserva de propriedade consubstancia uma causa de nulidade da mesma, mais precisamente, do cancelamento da reserva de propriedade.
Mas, mais. As “vendas” subsequentes de coisa alheia, que apenas foram possíveis após o cancelamento da reserva de propriedade com recurso a documentos falsificados, são ineficazes perante a Autora, que assume a posição de legítima proprietária, em face da reserva de propriedade registada a seu favor, operando a ineficácia ipso iure.
E os aqui Réus não podem ser considerados terceiros para efeitos de registo, uma vez que não adquiriram de um autor comum (mesmo alienante) direitos incompatíveis entre si (artigo 5.º n.º 4 do C.Reg.Predial).

Ora - como se refere no Ac. STJ de 19-04-2016, com o nº 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR -,
«a disposição do art. 291.º do Código Civil constitui uma norma inovadora do Código Civil de 1966, inserida na Parte Geral, na Secção III, do Capítulo I – Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico. Trata-se de uma norma de influência germânica, inspirada no § 892 do BGB (Rui de Alarcão, «Invalidade dos negócios jurídicos. Anteprojecto para o novo Código Civil», BMJ, n.º 89, 1959, p. 245), mas que introduzida num país de registo declarativo e que até há pouco tempo era facultativo, não pode assumir o mesmo significado que assume na ordem jurídica alemã, em que o registo é constitutivo.
O facto de o art. 291.º se enquadrar num sistema de registo declarativo, de mera condição de oponibilidade em face de terceiros, nos termos do art. 5.º do CRPred. (aplicável ao registo automóvel), limita o seu âmbito de aplicabilidade, o qual não pode ser semelhante ao princípio da fé pública do registo no direito alemão.
O registo automóvel, à semelhança do registo predial (as lacunas do regime jurídico do registo automóvel são integradas pelas regras do registro predial, segundo o art. 29.º do DL n.º 54/75, de 12-02 alterado pela última vez pela Lei n.º 39/2008, de 11-08), não supre os vícios do título, ou seja, não supre outros vícios para além da falta de legitimidade do alienante, resultante de uma alienação ou oneração anterior não registada. Neste sentido, o registo não garante ao adquirente que o prédio pertence ao transmitente e não a outrem nem assegura a bondade dos títulos inscritos ou do ato de inscrição. A ser de outro modo, qualquer pessoa, mesmo que tivesse registado o respetivo facto constitutivo, poderia vir a ser expropriada dos seus bens, se alguém conseguisse registar um título falso e posteriormente alienasse o «pseudo-direito» a terceiro de boa fé que registasse a aquisição, o que representaria uma insegurança demasiado grande nas posições jurídicas estáticas (cf. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, A protecção do terceiro adquirente de boa fé, Almedina, Coimbra, 2010, p. 332).
Na dupla alienação do mesmo bem, os chamados efeitos centrais do registo (Orlando de Carvalho, «Terceiros para efeitos de registo», BFD, Vol. LXX,1994, p. 101), a prioridade da inscrição registal não protege o terceiro adquirente, se este adquirir de um sujeito que nunca foi proprietário do bem. O registo visa assegurar, não a titularidade efetiva do alienante, mas apenas que o direito a ter existido, ainda se conserva (Vaz Serra, «Hipoteca», BMJ, n.º 62, Jan. 1957, p.7)».
Daí que, circunstancialmente, também se não possa ultrapassar a consagração atribuída aos elementos de facto. A reter, do mesmo modo, que:

«O veículo aqui em causa foi registado a favor do Réu J (…) em 12 de Maio de 2014 e a autora intentou a acção em 8 de Abril de 2015, logo, menos de três anos depois, sendo a acção registada em 22.09.2016, nos termos constantes de fls. 100.
-
In casu, a Autora não transmitiu o direito de propriedade sobre o automóvel ao primeiro Réu (pois tinha-a reservado para si), pelo que este direito de propriedade nunca saiu da sua esfera de disponibilidade.
O primeiro Réu não era proprietário do automóvel, pelo que nada transmitiu ao segundo réu.
Tampouco, se verificou entre a autora e os réus C (…), V (…) e J (…) a celebração de qualquer negócio jurídico, não sendo possível sobrepor nem o artigo 291.º do Código Civil, nem o artigo 17.º n.º 2 do Código de Registo Predial».

Consequentemente, perante tal realidade, resulta, do mesmo modo, incontroverso o se haver consagrado em decisório que:
«Assim, no caso sub judice, a autora, na qualidade de proprietária, pode reivindicar o seu direito de propriedade, de que é titular em face da reserva de propriedade validamente constituída, embora os Réus possam ter adquirido o veículo com base num registo desconforme e estarem de boa-fé, por terem confiado na aparência do registo.
Na verdade, constitui um princípio geral dos negócios que ninguém pode transferir para outro um direito que o não tenha como seu. O que significa a impossibilidade do adquirente obter qualquer direito se nenhum direito pertence ao transmitente, nem obter mais direitos do que ele tinha.
Acresce que o registo automóvel não tem eficácia constitutiva, pois tem essencialmente por fim individualizar os respectivos proprietários, destinando-se a dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis – artigo 1º do DecretoLei nº 54/75, de 12 de Fevereiro - funcionando apenas como mera presunção, ilidível, da existência do direito (artºs 1°, nº 1 e 7°, do Cód. Reg. Predial) bem como da respectiva titularidade.
No caso vertente está provado que a Autora não teve qualquer intervenção na venda do veículo efectuada aos réus, dado que as vendas a favor dos mesmos foram registadas tendo por base documentação falsa.
E em relação ao verdadeiro proprietário, estes actos de disposição não produzem efeitos, assumindo um cariz de res inter alios acta, pelo que só entre os contraentes (vendedor e o comprador de coisa alheia) é que a venda poderá ser nula ou anulável.
Em face do explanado, perante a factualidade apurada, dúvidas inexistem que a Autora é a legítima proprietária da viatura, razão pela qual deverá também proceder o pedido de reconhecimento da propriedade formulado.
Por fim, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei (artigo 1311.º n.º 2 do Código Civil). Assim sendo, será de igual modo procedente o pedido de entrega do bem à Autora a efectivar, conforme peticionado, com o auxílio das autoridades policiais».
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Isto, também, uma vez que, para o efeito, se não pode deixar de levar em consideração vinculadora que «historicamente, o registo foi introduzido em Portugal para constituir um instrumento de pressão à inscrição dos negócios aquisitivos ou constitutivos de direitos reais, acompanhado da consequente sanção para quem não registasse – a inoponibilidade do ato perante terceiros – sanção que criava, nos casos da dupla alienação ou oneração do mesmo bem, o risco da perda do direito a favor de um terceiro de boa fé que registasse em primeiro lugar. Contudo, está ao alcance do titular do direito evitar a perda do seu direito, procedendo ao registo da sua aquisição.
O registo nunca teve por objetivo, nas ordens jurídicas em que assume natureza declarativa, constituir um instrumento de proteção perante os vícios do ato inscrito, decorrentes de uma invalidade substancial do próprio ato ou de outro ato anterior da cadeia de negócios.
A função de proteção do terceiro contra os efeitos da invalidade e contra a declaração de nulidade do registo surgiu mais tarde no Código Civil de 1966 e foi importada dos países de origem germânica, onde vigora o sistema do registo constitutivo. Trata-se da proteção do adquirente a non domino prevista e regulada no art. 291.º do Código Civil, e que pressupõe requisitos diferentes dos exigidos para a proteção do terceiro no caso da dupla alienação.
Na invalidade sequencial ou derivada, verifica-se a conclusão de um negócio nulo ou anulável pelo qual aparentemente se alienam direitos, e a seguir, o sujeito que ocupa a posição de adquirente celebra um segundo negócio, que é afetado pela invalidade do primeiro, de modo que também os seus próprios efeitos são prejudicados pelo princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido (art 289.º do Código Civil). Há uma cadeia de negócios e uma cadeia de terceiros, que são todos os sub-adquirentes, depois da celebração do primeiro negócio inválido (Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito, Almedina, Coimbra, 1992, p. 605, n.º 1003).
O art. 291.º protege os terceiros adquirentes de boa fé contra os efeitos retroativos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico (Hörster, «Efeitos do registo – terceiros – aquisição a “non domino”», RDE,1982, p.139), operando como uma exceção ao princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio de uma cadeia de negócios inválidos, por força do princípio da conservação dos negócios jurídicos (Cf. Hörster, A Parte Geral…ob. cit., pp. 601 e ss, pp. 604 ss).
Os requisitos desta norma são os seguintes:
1. Declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo
2. Aquisição onerosa
3. Por um terceiro de boa fé
4. Registo da aquisição do terceiro
5. Anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação.

Esta norma jurídica visa resolver um problema de conflito de direitos entre o primeiro alienante, o verdadeiro proprietário, e o terceiro sub-adquirente de boa fé, que desconhecia, sem culpa, o vício do negócio, atuou de forma honesta e com a diligência exigível no tráfico jurídico e registou a sua aquisição.

O contrato entre o alienante não legitimado (que celebrou o primeiro negócio inválido com o verdadeiro titular do direito) e o terceiro de boa fé não pode padecer de outra causa de invalidade para além da falta de titularidade do alienante. Por exemplo, em caso de incapacidade do alienante, o terceiro não está protegido. O artigo 291.º também não protege um terceiro adquirente que, mesmo de boa fé em relação à falta de titularidade do transmitente, tenha usado coação moral ou dolo para concluir o negócio.
O momento relevante para aferir da boa fé é o da data da conclusão do negócio de que o terceiro adquirente é parte, mas a boa fé exigida pela lei (art. 291.º, n.º 3) é uma boa fé em sentido ético, que equipara a ignorância culposa à má fé.
Mesmo mediante a verificação destes requisitos, a proteção do terceiro não funcionará se a ação for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2), entendendo-se que este prazo de caducidade se começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia (Cf. Hörster, A Parte Geral…ob. cit., pp. 140 e 143; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 151; Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, ob. cit., p. 611).
A intenção da lei foi a de não levar demasiado longe a protecção de terceiros, pois tal significaria um sacrifício grave dos interessados na nulidade ou na anulabilidade, para além de ter sido considerado que o nosso sistema registal não oferece as garantias de exactidão que oferecem outros sistemas, como o alemão (cf. Rui de Alarcão, «Invalidade dos Negócios Jurídicos, Anteprojecto para o Novo Código Civil», 1959, p. 247). Por isso, a lei usou um conceito ético de boa fé, excluiu a protecção dos terceiros adquirentes a título gratuito e consagrou um período de carência de três anos (art. 291.º, n.º 2).
«O método que fundamentou a decisão legislativa, relativamente a esta questão, terá sido o da ponderação conjunta dos interesses do proprietário na reivindicação do bem, do interesse do terceiro e do interesse colectivo da segurança do tráfico jurídico, que é também, indirectamente, o interesse do proprietário na facilidade de circulação dos seus direitos. A tutela do interesse do proprietário está limitada a um período de três anos decorridos após a conclusão do negócio inválido. A lei pretende, com este prazo, dar uma oportunidade ao verdadeiro proprietário para repor a verdade jurídica material, considerando que, após o decurso do prazo, o seu interesse deixa de merecer protecção. O centro do raciocínio do legislador é o comportamento do verdadeiro titular, justificando-se o sacrifício do direito deste, na sua própria negligência ou inércia em impugnar o negócio inválido, durante um período de três anos, após a sua conclusão» (cf. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo. A protecção do terceiro adquirente de boa fé, ob. cit., p. 336).
Assim, pois que «(…) o fundamento do art. 291.º é a estabilidade dos negócios jurídicos, sofrendo o alienante que deu origem à cadeia de negócios inválidos as consequências de não ter actuado, dentro do prazo de três anos, interpondo a acção de nulidade ou de anulação. A lei faz uma conciliação entre os interesses do verdadeiro proprietário, que pode impor a realidade jurídico-material ao terceiro, durante um prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido, e os do terceiro sub-adquirente, interessado em salvaguardar a sua aquisição dos efeitos retroactivos da invalidade» (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, ob. cit., p. 338).
Contudo, esta proteção opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé.
A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481).
Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido.
Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro» (Cf., de novo, o Ac. STJ de 19-04-2016, com o nº 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR).

Consequentemente, é negativa a resposta à questão em F.


G
A A. atuou de forma leviana e descuidada na concessão do mútuo ao primeiro R. e na reação ao seu incumprimento,
H
A decisão recorrida violou os princípios gerais de Direito e a noção de Justiça ao julgar procedentes os pedidos formulados pela A.

Reconhece-se que “a problematicidade actual do direito vai ao ponto de atingir inclusivamente a sua subsistência, o qua tale do direito, ao pôr justamente em causa não só o seu verdadeiro sentido, mas a possibilidade mesma do seu sentido” (Cf. António Castanheira Neves, “O Direito Hoje e com que Sentido? O Problema Actual da Autonomia do Direito, Instituto Piaget, 2002, pp. 9-10). Em todo o caso, o modelo de actuação da Autora, na sua essência e malgré tout, não viola qualquer normativo legal que, em termos de direito público ou privado, perante tal contextura, o proscreva. Se é certo que sempre se impõe (até) ao “titular de um direito subjectivo o respeito pelo respectivo fundamento material, aquando do seu exercício”, e “se exerce um direito subjectivo que titule, motivado por uma emulação puramente negativa, violará o sentido com que aquele lhe foi concedido e incorrerá em abuso de direito. Donde, poder dizer-se aquela intenção material elemento constitutivo do próprio direito subjectivo. Ou ainda: os direitos subjectivos, que cada pessoa titula, têm um fundamento material, que remete à respectiva inserção comunitária, e esta sua dimensão constitutiva (por vezes designada “interesse geral”, há-de manifestar-se no momento em que eles são exercidos. Se isso não acontecer - isto é, em caso de abuso -, o autor do acto jurídico-normativamente censurável expõe-se às sanções cominadas pelo direito (Cf. Fernando José Bronze, Lições de Introdução ao Direito, 2ª Edição, 2006, pp. 429-430). Em todo o caso, só nesse, ou em equiparado circunstancialismo, e, por isso, ausente na presente situação.
Além disso - como emergência do próprio art. 20º da CRP (acesso ao direito e tutela judicial efectiva) -, “descontado o direito de recurso, quando exista, o direito à protecção judicial efectiva não existe perante as próprias decisões judiciais que sejam eventualmente lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos, visto que o nosso sistema de justiça constitucional não reconhece o «recurso de amparo» ou «queixa constitucional» perante o Tribunal Constitucional contra tais decisões judiciais, salvo na medida em que elas tenham aplicado norma inconstitucional, ou desaplicado norma com fundamento na sua não inconstitucionalidade” (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, p. 409). O que salvaguarda a intangibilidade dos invocados “princípios gerais de Direito e a noção de Justiça”.
Por último, importa referir que, tão pouco, se pode considerar que a interpretação efectuada na sentença recorrida - e aqui confirmada - seja materialmente inconstitucional, violadora do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. A posição aqui assumida decorre inequivocamente da opção de política legislativa, através do indispensável balanceamento entre a justiça e a segurança jurídica.

Assim se configurando como negativa a resposta às questões em G e H.
I
Ao abrigo da al. a) do art. 1298º do CC, verifica-se a aquisição por usucapião da viatura a favor do Recorrente, pelo que também este artigo mostra-se violado.


A invocação legal convocada para acobertamento institucional do enunciado, nem sequer como possibilidade apofântica se projecta. Do elemento redactorial e conceitual do normativo em causa deriva, e só deriva, que “os direitos reais sobre coisas móveis sujeitas a registo adquirem-se por usucapião, nos termos seguintes: a) havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado dois anos, estando o possuidor de boa fé, ou quatro anos, se estiver de má fé”.
O critério seguido pelo legislador, quanto a móveis sujeitos a registo, é paralelo ao seguido no artigo 1294.°, quanto aos imóveis. Somente o prazo varia. Havendo título de aquisição e registo, o prazo é de dois ou de quatro anos, conforme o possuidor esteja de boa ou de má fé (…).
Não são numerosos os casos legais de móveis sujeitos a registo, o que se compreende, dada a quase impossibilidade duma rigorosa identificação. Todavia, existem registos para certos móveis, sujeitos a uma matrícula através da qual a sua individualização se torna praticável.
Têm especial interesse prático, para efeitos de aplicação deste artigo, os direitos reais sobre automóveis, cujo registo está regulado (…) (Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 1972, pp. 69-70).

Em todo o caso, aqui, mantém validade o que já anteriormente se apreciou, em tal dimensão se projectando:
«(…) esta proteção opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé.
A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481).
Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido.
Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro» (Cf., mais uma vez, o Ac. STJ de 19-04-2016, com o nº 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR).
Com efeito, convergindo com o que se enuncia, «como salienta ANTUNES VARELA, Rev. de Leg. e Jur., ano 118º, 310 e segs..., (…) o aludido preceito legal (291º CC) estabelece um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou da anulabilidade do negócio, previsto no artigo 289º do C.C., quando estão em causa bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, “na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente o imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou anulação.
Igualmente, defende OLIVEIRA ASCENÇÃO, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. III, 1992, 470 a 474, que o artigo 291º. do C.C. “regula uma situação importante, que é a do terceiro subadquirente do bem proveniente do acto inválido estar protegido por um registo público… art. 291º permite que a aquisição de imóveis, ou de móveis sujeitos a registo, fique consolidada, desde que se verifique uma lista densa de requisitos. É necessário que tenha havido uma aquisição: a título oneroso, de boa-fé, registada antes de o ser a acção de nulidade ou de anulação, ou o registo de acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio, já tenham decorrido três anos após a conclusão do negócio…. Qual o fundamento desta aquisição de direitos por parte de quem era apenas titular aparente? Não é a boa fé, pois como vimos esta não é fundamento autónomo de protecção de terceiros contra a juridicidade substantiva. Surge apenas como elemento complementar, tal como a onerosidade do negócio, Não é o facto de se ter registado, pois o registo não tem em geral efeitos atributivos entre nós. O registo que for contrário à legalidade substantiva pode ser destruído. Só pode ser a circunstância de o adquirente beneficiar da fé pública de um registo preexistente e ter feito essa sua aquisição confiando nesse registo. (…) Isto nos leva a concluir que no art. 291º está implícito ainda outro pressuposto, pois só ele explica esta actuação anómala: é necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo – ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então. Mas mesmo assim, só se concorrerem todos os outros requisitos indicados por lei. Apenas acrescentaremos que a referência à confiança no registo é abstracta e não concreta. Funciona como justificação da lei, mas não se exige em concreto a prova de uma situação subjectiva de confiança. Portanto, o fundamento está verdadeiramente na aparência registral ou, mais simplesmente, na fé pública do registo”.
Tal significa que o terceiro “subadquirente”, do bem proveniente do acto inválido, fica nos termos da aludida disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então.
Porém, de harmonia com o nº 2 do citado normativo, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação.
Desta disposição resulta, portanto, que o terceiro só poderá prevalecer-se da protecção concedida pelo dispositivo se tiver registado a sua aquisição e se estiver de boa fé. Mas o registo só será relevante se a acção de nulidade ou anulação não for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio.
A respeito deste dispositivo refere GABRIEL ÓRFÃO GONÇALVES, Aquisição Tabular, 2ª ed. 26 e 27: “(…) justamente para que a protecção dada ao terceiro não se transforme em absoluta desprotecção para a(s) parte(s) interessada(s) na arguição do(s) vício(s) do negócio, vem a lei, no nº 2 do art. 291º, estabelecer que os direitos adquiridos pelo terceiro não são reconhecidos, se a acção destinada a declarar a nulidade ou anular o negócio for proposta e registada no prazo de 3 anos a contar da celebração deste”. (…) “A norma visa, claro está, dar um prazo aos contraentes para descobrir e actuar sobre qualquer malformação contratual. Se o fizerem dentro de três anos, o negócio será «com êxito» anulado ou declarado nulo: haverá total efeito retroactivo, com prejuízo para os terceiros que sobre a coisa tenham adquirido algum direito. Por outro lado, findo os três anos, os terceiros saberão que não poderão ser importunados por vícios de negócio antes celebrados”.

Concluindo, mais à frente, que: “O prazo do art. 291/2 deve ser encarado como uma dupla salvaguarda – para as partes e para os terceiros.

Estabelece, por seu turno, o artigo 17º do C.R.Predial que:
1. A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.
2. A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade.

Tal significa que, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro, sendo certo que terceiros para efeito de registo são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si (art. 5º nº 4 do C.R.Predial e Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 3/99, publicado no D.R.-I-A de 10/7/1999).

Estas normas aplicam-se ao registo de veículos automóveis ex-vi do artigo 29º do C.R.Automóvel, introduzido pelo DL 54/75, de 24/2, o qual estatui "serem aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e no respectivo regulamento (...)".
E, na realidade, as normas que estabelecem os efeitos do registo não encontram regulamentação no Código do Registo Automóvel, sendo certo que a identidade de situações reclama o mesmo tratamento jurídico, ou seja, a aplicação supletiva das normas do CRP.
São, todavia, diversos os pontos de incidência dos invocados preceitos do Código Civil e do C.R.Predial. O artigo 291º do C.C. trata de nulidade substantiva (nulidade e anulabilidade do negócio jurídico), enquanto o artigo 17º do CRPred. trata de nulidade registal, nos casos previstos no artigo 16º do CRPr., podendo, evidentemente, na base de uma nulidade registal se encontrar uma nulidade substantiva.

Salienta-se no Ac. do STJ de 21.04.2009 (Pº 5/09.6FLSB) que: Não nos suscitam grandes dúvidas ao considerar que o conceito constante no artigo 291.º n.º 2 da lei civil se reporta à invalidade substantiva, enquanto o n.º 2 do artigo 17.º do Código do Registo Predial se limita à nulidade registral (cf. Dr. Henrich Ewald Horster, in Regesta, 52, 160; no sentido de serem disposições com igual âmbito de aplicação, a Dr.ª Isabel Pereira Mendes, in “Código do Registo Predial – Anotado e Comentado” 15.ª ed., 169).
É possível conciliar os dois preceitos naqueles precisos termos.
Já quanto ao conceito de terceiros, teremos de o precisar, deixando dito – como é óbvio – que não há “terceiro”, sem “segundo” ou “primeiro”.
No caso de alienação de um bem, o alienante é o primeiro na cadeia negocial, sendo que o transmissário é “segundo”, só sendo “terceiro” o adquirente do bem transmitido por este.
Se o “primeiro” aliena o mesmo bem duas vezes a duas diferentes pessoas estes são segundos adquirentes, só sendo “terceiros” nas suas relações entre si, aqui com a conceptualização registal.
Por isso no n.º 1 do artigo 291.º do Código Civil o “terceiro de boa fé” é o adquirente de um “segundo” na cadeia de transmissões.
para o direito registal o conceito de terceiro é o que consta do n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial, que, como se disse, no direito substantivo, corresponde, ao adquirente (“segundo”) após a aquisição do mesmo bem por outro (também “segundo”). – cfr. Em idêntico sentido Ac. STJ de 16.11.2010 (Pº 42/2001.C1.S1).
Pode, pois, sintetizar-se, como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica, ROA, Ano 34 (1974), Vol.I/IV, 18, que há invalidade substantiva quando o acto registado não corresponde à realidade substantiva, e invalidade registal, nos casos em que o acto está afectado de uma das regras principais que comandam a actividade registal.
(…)
Igualmente se entendeu no Ac. STJ de 19.04.2016 (Pº 5800/12.6TBOER-L1-A.S1) que: (…) dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido. Para funcionar a protecção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.
No mesmo sentido se propugnou no Ac. STJ de 25.03.2004 (Pº 04B3891), ao afirmar que o artigo 291º do C.C. é uma norma de carácter excepcional (na esteira do defendido por Heinrich Ewald Hörster, RDE, VIII, 1, 139), sendo apenas aplicável à nulidade ou anulabilidade, que não aos casos de ineficácia.
(…)
Ora, não pode deixar de se considerar que o princípio da fé pública do registo tem necessariamente, nos sistemas de registo declarativo, um âmbito de aplicação mais limitado, e não representa um caso de tutela da aparência registal – v. neste sentido, MARIA CLARA SOTTOMAYOR, ob. cit., 718.
De resto, seria, ao invés, legítimo afirmar que permitir a aquisição a non domino prevista no artigo 291.º, n.º 1 do Código Civil, através da intervenção de um terceiro que obteve um registo falso ou baseado em títulos falsos, sanando desta forma a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, equivaleria a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não teria meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos - v. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, ob. cit., 718, CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 143 e citado Ac. STJ de 19.04.2016 (Pº 5800/12.6TBOER-L1-A.S1) (Cf. Ac. RL., de 18-05-2017, Proc. nº 1374/13.9TVLSB.L1-2, Relatora: ONDINA CARMO ALVES).
--
Vale, ainda, por acrescentar - tal como se faz destaque no Ac. RL, de 30.04.2015, Proc. nº 904.09.5TJLSB.L1.8, Relator: António Valente (válido, igualmente para a própria problemática no caso particular da locação financeira) -, que:

(…) a Autora não é vendedora do veículo em nenhuma das transacções efectuadas. Logo, as restrições mencionadas no art. 892º do Código Civil, ou seja, a proibição de oposição de nulidade por parte do vendedor ao comprador de boa fé ou do comprador doloso ao vendedor de boa fé, não se lhe podem aplicar.
Como se observa no Acórdão do STJ de 13/02/1979 - in BMJ nº 284, pág. 176 - “é nula a venda de coisa alheia sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar. Tal nulidade não se estabelece, porém, em relação ao dono da coisa, pois aplica-se apenas nas relações entre alienante e adquirente. Perante o verdadeiro proprietário aquele contrato não tem qualquer valor, assumindo o cariz de inter alios acta, operando-se a ineficácia ipso jure, razão por que não lhe é aplicável o artigo 291º”.
Não tendo o proprietário do veículo - a Autora - vendido o mesmo, todas as transacções operadas posteriormente são ineficazes em relação à mesma Autora. A protecção da boa fé do terceiro adquirente, prevista no art. 291º do Código Civil, pode aplicar-se entre compradores e vendedores posteriores ao registo da aquisição do veículo pela Autora, mas não é invocável perante esta.
(…)
Ainda em relação com o focado art. 291º, cite-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/02/2015 – in www.dgsi.pt:
“É entendimento aceite que o disposto no art. 291º do CC, ao regular as consequências decorrentes da nulidade ou anulação de negócio jurídico sobre imóveis, se aplica apenas e tão-só nas relações entre o alienante e o adquirente, sendo que o conceito de “terceiro” aludido neste preceito, não se confunde com o conceito restrito de “terceiro” para efeitos do registo predial.
Como se sumaria no Acórdão do STJ de 21/06/2007, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa: “O conceito de terceiro a que se refere o art. 291º do Código Civil, motivado pela ideia de estabilidade nas relações jurídicas, pressupõe a sequência de nulidades e o conflito entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente e é diverso do conceito de terceiro para efeitos de registo a que se reporta o art. 5º nº 1 do Código do Registo Predial.”
O terceiro adquirente de boa fé, plasmado no art. 291º, apenas fica protegido da eficácia retroactiva da nulidade ou anulabilidade de um negócio anterior àquele em que ele, terceiro, interveio.(...)
Esta protecção do art. 291º não se estende, assim, ao direito invocado pelos AA, não lhes sendo oponível, porque os AA são alheios a toda esta cadeia de transmissões, feridas de nulidade”.
(…)
Quanto à aplicação do art. 17º, nº2 do CRP, quando aqui se refere que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, haverá de se levar em conta que, exactamente, quanto ao conceito de terceiro, nesta sede, vigora o disposto no art. 5º, que define “terceiros” como aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
(…)
Tal significa, que o ora recorrente não se pode considerar terceiro relativamente à Autora, mesmo no conceito de “terceiro” do CRP porque não houve qualquer aquisição de direitos. Quem não detém quaisquer direitos sobre uma coisa não pode, como é óbvio, transmiti-los a outra pessoa, e, do mesmo modo, esta não pode adquirir o que não existia na esfera jurídica do vendedor».

Daí ser - tudo conjugando -, do mesmo modo, negativa a resposta à questão em I.

J
Carece em absoluto de fundamento a decisão de declarar improcedente a reconvenção,
L
Neste aspeto, verificou-se um erro na apreciação e valoração da prova documental, testemunhal e da resultante das declarações parte, produzidas nos autos, em violação, nomeadamente, dos arts. 373º e ss. e 392º e ss. do CC. e 466º do CPC., quando se considerou na sentença a quo que “… nada foi (alegado e) provado sobre a necessidade de executar as reparações/trabalhos de que o automóvel foi sujeito para, nomeadamente, evitar a sua perda, destruição ou deterioração …”

Volte a insistir-se, como recordativo, a funcionar, sempre, como elemento referencial de sustentação que:
“a nulidade resultante de uma venda de coisa alheia apenas se aplica entre o alienante e o adquirente e não se reporta ao verdadeiro proprietário perante o qual a venda é ineficaz, insusceptível de poder produzir efeitos sobre o seu património.
Pedindo o autor, proprietário de um veículo, a declaração de nulidade do contrato em resultado da venda de coisa alheia, não configura condenação ultra petitum a declaração, pelo Tribunal, da ineficácia desse contrato.
O artigo 291.º do Código Civil e o artigo 17.º do Código do Registo Predial conciliam-se na medida em que fica para o primeiro a invalidade substantiva e para o segundo a nulidade registal.
O registo automóvel não tem natureza constitutiva, destinando-se apenas a dar publicidade ao acto registado.
À venda de um veículo automóvel, ineficaz em relação ao seu proprietário, por se tratar de uma venda de coisa alheia, não tem aplicação o disposto nos artigos 291.º do Código Civil e 17.º do Código do Registo Predial.
Sendo, como é, o sistema de registo automóvel meramente declarativo, o artigo 291.º do C.C. não protege o adquirente, sempre que, não obstante este beneficie dos requisitos constantes do nº 1 do citado normativo, não haja sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como é o caso de ter sido um sujeito que obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro” (Cf. Ac. RL., de 18-05-2017, Proc. nº 1374/13.9TVLSB.L1-2, Relatora: ONDINA CARMO ALVES).
Daí decorrendo, desde logo, a própria impossibilidade da reconvenção.

Entendimento que, do mesmo modo, se estriba no facto de o pedido reconvencional não dispensar uma conexão com a acção, razão pela qual o art. 274.°, n.º 2, do CPC (266º NCPC), impõe que o pedido do réu tenha de emergir do facto que serve de fundamento à acção ou à defesa. Tais limites à admissibilidade do pedido reconvencional são uma consequência do princípio da estabilidade da instância, que ocorre com a citação do réu. Se dentro de uma teia, mais ou menos complexa, de relações jurídicas, que envolvem as partes (…), ainda que existam relações jurídicas conexas, ou susceptíveis de ser condicionadas por aquela que constitui causa de pedir, o réu não pode «aproveitar» o pedido do autor para resolver o “litígio global”, ampliando deste modo o âmbito dos autos e violando, por tal forma, o princípio de estabilidade da instância. Não quer isto dizer que o contexto geral em que o negócio se insere não releve e não possa ser invocado, para uma melhor apreensão da realidade em discussão; o que não procede é a pretensão do réu de, por via reconvencional, obter nestes autos, a satisfação de outras pretensões que não precisam de ser aqui decididas para se obter uma decisão nos autos (Cf. Ac. STJ, de 9.2.2012, Rev. 1386/09: Sumários, 2012, p. 136).
-
Não obstante, ainda assim, sempre se continuaria a considerar, no presente circunstancialismo, tal pedido reconvencional como um verdadeiro impossível categórico, pois que, com efeito - o que decisão não deixou de fazer relevar, considerando que:
«O réu J (…) peticionou, a título de benfeitorias, o valor global de €10.555,56, caso fosse invalidado o contrato que esteve na base da aquisição do veículo.
Provou-se que o Réu teve gastos referentes à legalização do veículo e ainda de reparações/trabalhos de que o automóvel foi alvo.
Contudo, será a factualidade provada suficiente para a procedência do peticionado?
Cremos firmemente que não.
Em primeiro lugar, nada foi (alegado e) provado sobre a necessidade de executar as reparações/trabalhos de que o automóvel foi sujeito para, nomeadamente, evitar a sua perda, destruição ou deterioração (artigo 216.º n.º 1 e 1273.º do C.Civil), sendo certo que a inspecção periódica, a mudança de pneus ou de óleo, a manutenção de travões, a substituição de escovas pára-brisas (etc…) são operações que se impõe a quem usufrua de uma qualquer viatura automóvel.
Também as quantias despendidas com o registo (transferência da propriedade) e impostos não podem ser configuradas como “benfeitorias”, ou seja, despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
Em conformidade, e sem necessidade de outras considerações, a pretensão do Réu/reconvinte terá forçosamente de soçobrar integralmente».
Na revelação dos Autos, nem de outra forma poderia ser! Desde logo, a levar em consideração que as benfeitorias visam como que a própria coisa - a sua utilidade (melhoria permanente). As despesas tidas como de manutenção, visando a aptidão funcional dessa coisa, na perspectiva do seu uso, pelo seu detentor circunstancial, destinam-se, tão só, a assegurar um resultado transeunte (Cf. Mário de Brito, Código Civil Anotado,1º, 238). Sendo que, nem as benfeitorias necessárias abrangem as despesas jurídicas ou civis (vg, impostos ou despesas de legalização), que são encargos (Cf. Pires de Lima /Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1º, 138).
Acresce, como fundamento da indemnização por benfeitorias necessárias e benfeitorias úteis, é sempre indispensável alegar quais as obras correspondentes a cada uma das espécies e, ainda, quanto às necessárias, que elas se destinavam a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa e, quanto às úteis, que a valorizaram, que o levantamento as deterioraria e quais os respectivos custos e valor actual (Cf. Ac. RC, 1-10-1996: BMJ, 460.°- 820).

Nesta perspectiva, a circunstância de se invocar que:
(…)

Com efeito, desde logo se não pode arredar da impropriedade traslativa assinalada, nem da singularidade da “coisa” em causa, viatura automóvel de uso próprio. De resto, adquirida com determinada caracterização e desgaste prévio, que o recorrente não salvaguardou como consumidor avisado. Daí que, também, aqui, tais gastos inerentes, não possuam virtualidade para ultrapassar - do ponto de vista tipológico e conceitual - as assinaladas despesas “como de manutenção, visando a aptidão funcional dessa coisa, na perspectiva do seu uso, pelo seu detentor circunstancial, destinam-se, tão só, a assegurar um resultado transeunte”, na óptica do utilizador.
-
Conclusão em que se persiste a pretexto de se não haver verificado qualquer “erro na apreciação e valoração da prova documental, testemunhal e da resultante das declarações parte, produzidas nos autos, em violação, nomeadamente, dos arts. 373º e ss. e 392º e ss. do CC. e 466º do CPC., quando se considerou na sentença a quo que “… nada foi (alegado e) provado sobre a necessidade de executar as reparações/trabalhos de que o automóvel foi sujeito para, nomeadamente, evitar a sua perda, destruição ou deterioração …”. Pois que disso – e na inerência à matéria temática vinculadora nos Autos, se não trata.
Com efeito, em tais termos, pois, e no enquadramento referido, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da verdade material dos factos, o art. 662.° do CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto, dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos, valorá-las e ponderá-Ias, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua autónoma convicção (Ac. RG. de 23.4.2015. Proc. 372/10: dgsi.Net).
Deste modo, em função do que se aprecia, pode-se concluir que, fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada por naipe específico de circunstantes e testemunhas (Ac. RE, de 14.5.2015: Proc. 1246/1I.TBLGS.E1.dgsi.Net), por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à completa motivação/fundamentação exarada, como se verifica e destaca, no caso.
Razões determinantes de os factos identificados, acima descritos, permanecerem na redacção que em decisório lhes foi atribuída, com inteira sustentação na prova produzida e destacada.
A este respeito, não pode deixar de se apreciar que a resposta atribuída e validada, no condicionalismo das anteriores questões, através dos seus elementos de sustentação intraprocessuais, se revelam, necessariamente, excludentes de qualquer outro sentido, agora, que não o efectivamente atribuído nas respostas, e particular consideração.

Consequentemente, se configurando, também, como negativa a resposta às questões em J. e L. formuladas.

*

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº 7, NCPC), que:

1.
A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481).
2.
Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido.
3.
Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.
-
4.
Permitir a aquisição a non domino prevista no artigo 291.º, n.º 1 do Código Civil, através da intervenção de um terceiro que obteve um registo falso ou baseado em títulos falsos, sanando desta forma a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, equivaleria a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não teria meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos.
5.
O ora recorrente não se pode considerar terceiro relativamente à Autora, mesmo no conceito de “terceiro” do CRP porque não houve qualquer aquisição de direitos. Quem não detém quaisquer direitos sobre uma coisa não pode, como é óbvio, transmiti-los a outra pessoa, e, do mesmo modo, esta não pode adquirir o que não existia na esfera jurídica do vendedor.
6.
O sistema de registo automóvel meramente declarativo, o artigo 291.º do C.C. não protege o adquirente, sempre que, não obstante este beneficie dos requisitos constantes do nº 1 do citado normativo, não haja sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como é o caso de ter sido um sujeito que obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro”. Daí decorrendo, desde logo, a própria impossibilidade da reconvenção.
7.
Entendimento que, do mesmo modo, se estriba no facto de o pedido reconvencional não dispensar uma conexão com a acção, razão pela qual o art. 274.°, n.º 2, do CPC (266º NCPC), impõe que o pedido do réu tenha de emergir do facto que serve de fundamento à acção ou à defesa.
8.
As benfeitorias visam como que a própria coisa - a sua utilidade (melhoria permanente). As despesas tidas como de manutenção, visando a aptidão funcional dessa coisa, na perspectiva do seu uso, pelo seu detentor circunstancial, destinam-se, tão só, a assegurar um resultado transeunte. Sendo que, nem as benfeitorias necessárias abrangem as despesas jurídicas ou civis (vg, impostos ou despesas de legalização), que são encargos.
9.
Não pode arredar da impropriedade traslativa assinalada, nem da singularidade da “coisa” em causa, viatura automóvel de uso próprio. De resto, adquirida com determinada caracterização e desgaste prévio, que o recorrente não salvaguardou como consumidor avisado. Daí que, também, aqui, tais gastos inerentes, não possuam virtualidade para ultrapassar - do ponto de vista tipológico e conceitual - as assinaladas despesas “como de manutenção, visando a aptidão funcional dessa coisa, na perspectiva do seu uso, pelo seu detentor circunstancial, destinam-se, tão só, a assegurar tal resultado transeunte”, na óptica do utilizador.
10.
O juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada por naipe específico de circunstantes e testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à completa motivação/fundamentação exarada, como se verifica e destaca, no caso. Razões determinantes de os factos identificados, acima descritos, permanecerem na redacção que em decisório lhes foi atribuída, com inteira sustentação na prova produzida e destacada.
-
10.1.
Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e d) do art. 615° NCPC).

*

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

*

Coimbra, 18 , de Setembro, de 2018.

António Carvalho Martins ( Relator )
Carlos Moreira
Moreira do Carmo