Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
373/14.8TBFND. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE FACTO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
JUROS
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.933, 935 CPC, 804, 806, 828, 829-A CC
Sumário: 1. Se o credor, em execução para prestação de facto fungível, optar pela prestação por outrem, nos termos do art. 933º, nº 1, do anterior CPC, não pode reclamar sanção pecuniária compulsória, pois a mesma, ao abrigo do art. 829º-A, do CC, destina-se apenas a cobrir a hipótese de prestação de facto infungível.

2. Nem o pode fazer, nos termos daquele mesmo artigo do CPC, se não foi fixada nenhuma sanção pecuniária compulsória na sentença proferida na acção declarativa que serviu de título executivo à respectiva execução, nem também foi a mesma peticionada no requerimento inicial dessa acção executiva.

3. Servindo a execução para prestação de facto para cumprimento de uma obrigação de “facere” não pode o exequente reclamar juros moratórios (vencidos e vincendos) pois estes apenas são devidos na obrigação pecuniária.

4. Nem o podendo fazer, também, porque não foram peticionados no requerimento inicial executivo; porque o R./executado não foi condenado na sentença da acção declarativa, que serviu de título executivo, numa obrigação pecuniária; e muito menos em recurso.

Decisão Texto Integral:




I – Relatório

 

1. N (…) e S (…), residentes no Fundão, instauraram a acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra J (…) e ex-mulher M (…, ambos residentes no Fundão, pedindo que, pela sua procedência, seja decretada a ineficácia em relação a si do acto de partilha referido no artigo 7º da petição inicial, devendo ainda ser ordenado aos RR a restituição dos identificados bens imóveis de modo a que os AA se possam pagar à custa desses bens e ordenar-se o cancelamento dos registos de propriedade efectuados a favor da 2ª R.

Para tanto, em síntese, alegaram que, na acção que correu termos sob o nº 148/05.5TBFND, no Tribunal Judicial do Fundão, ambas as partes transigiram em que o R. se obrigava a reparar os defeitos discriminados na cláusula segunda do termo de transacção, tendo o R., em cumprimento da transacção, efectuado algumas obras e reparações na casa dos autores, sem que as mesmas tivessem eliminado os defeitos constantes da transacção. Então intentaram acção executiva para prestação de facto, por outrem, em Setembro de 2006, contra o R., na qual requereram a eliminação dos defeitos constantes da transacção. No âmbito deste processo executivo foi estipulado pelo tribunal a quantia de 22.000 € para correcção e reparação dos defeitos do imóvel. Porém, nestes autos de execução foram os AA, exequentes, informados pela agente de execução da inexistência de bens propriedade do R./executado susceptíveis de serem penhorados. Em Janeiro de 2012, o R. efectuou partilha consequente a divórcio, tendo em tal acto sido adjudicados dois imóveis da relação de bens a partilhar, e únicos bens comuns, à cônjuge mulher, tendo declarado o partilhante, ora R., ter recebido as tornas devidas pela partilha na quantia de 79.598,61€, o que consistiu numa farsa, pois a R. não pagou as tornas ao R., nem nunca pretenderam partilhar os bens comuns do casal. A R. tinha perfeito conhecimento de todo o processo declarativo, bem como do executivo, atrás referidos, e dos montantes em que o marido foi condenado a pagar para correcção e reparação dos defeitos do imóvel. Ao realizarem a partilha dos prédios, e ao passá-los para o nome da sua ex-mulher, os RR pretenderam, unicamente, evitar a satisfação dos créditos dos AA.

Os RR contestaram, afirmando que a ré sempre foi desconhecedora do litígio judicial que o seu então marido mantinha com os AA, e que não se mancomunaram para prejudicarem aqueles, nem sequer tiveram consciência dessa possibilidade, mormente a ré.

*

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente, decretando a ineficácia em relação aos AA do acto de partilha referido nos pontos 6) 7) e 8), dos factos provados, na estrita medida em que seja necessário à satisfaça da quantia exequenda devida em sede de acção executiva com o nº 148/05.5TBFND-A, do extinto 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, até ao montante de 22.000 €, fixado pelo Tribunal para correcção e reparação dos defeitos do imóvel a que alude a transacção referida no ponto 1) dos factos provados.

*

2. Os AA interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. Os RR contra-alegaram, concluindo que:

(…)

 

II - Factos Provados

1.A – Factos assentes:

1) Na acção principal que correu termos sob o nº 148/05.5TBFND, no 1º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, AA. e o R. transigiram o seguinte: O R. obrigava-se a reparar os defeitos discriminados na cláusula segunda do termo de transacção, patenteado nos autos a fls.10 a fls.11, cujo teor se dá como reproduzido.

2) O Réu em cumprimento da transacção efectuou algumas obras e reparações na casa dos AA.

3) Tais reparações porém não eliminaram os defeitos constantes da cláusula segunda da transacção a que se alude em 1).

4) Na sequência, os AA. intentaram contra o R. acção executiva, em 06 de Setembro de 2006, a qual correu por apenso aos autos referidos em 1), na qual requereram a eliminação dos defeitos constantes da transacção, por outrem.

5) No âmbito deste processo executivo foi estipulado pelo tribunal da Relação de Coimbra a quantia de 22 000€ (vinte dois mil euros) para correcção e reparação dos defeitos do imóvel.

6) Em 19 de Janeiro de 2012, o R. efectuou partilha consequente de divórcio por mútuo consentimento, na Conservatória do Registo Civil do Fundão, nos termos patenteados a fls.28 a fls.29, cujo teor se dá como reproduzido.

7) Por tal acto foram adjudicadas as verbas 1 e 2 da relação de bens a partilhar, e únicos bens comuns, à cônjuge mulher, tendo declarado o partilhante, ora R., J (…), ter recebido as tornas devidas pela partilha na quantia de 79.598,61€.

8) Tais verbas consistiam no seguinte:

a. Verba nº 1: Prédio misto, sito em Casais, freguesia de (...) , concelho de Fundão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fundão sob o nº 177 da freguesia de (...) , e lá registada a sua aquisição a favor casal dos partilhantes pela Apresentação nº 11 de 1999-05-17, inscrito na matriz urbana sob o artigo 1129, com o valor patrimonial de €669,71 e o atribuído de €714,79.

Valor total patrimonial: €158.624,01

Valor total atribuído: € 158.669,09

b. Verba nº 2: Prédio rústico, sito em Casais, freguesia de (...) , concelho de Fundão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fundão sob o nº 800 da freguesia de (...) , e lá registada a sua aquisição a favor casal dos partilhantes pela Apresentação nº 4 de 2003-05-20, inscrito na matriz sob o artigo 885, com o Valor patrimonial: €528,13.

Valor atribuído: €528,13

9) Tais verbas consistiam nos únicos imóveis propriedade do R., que os transmitiu para a sua ex-mulher por partilha resultante de divórcio.

10) Os prédios supra identificados consistiam, na data do incumprimento do acordo e na data da instauração da acção executiva referida em 4º e 5.º supra, nos únicos bens do R., pelo qual podia satisfazer o requerido pelos AA.

B Factos controvertidos que se consideram provados:

i. Da Petição inicial.

11) [relativamente ao artigo 6.º] – Provado que: Nos autos de execução a que se alude em 4) e 5), os AA., aí exequentes, foram informados pela agente de execução da inexistência de bens propriedade do executado (ora réu) susceptíveis de serem penhorados.

12) [relativamente ao artigo 12.º] – Provado apenas que: No contexto da tal partilha de bens a que se alude em 6), 7) e 8), a R. não pagou as tornas ao R. no valor de 79.598,61€, tal como consta da escritura de partilha, sendo que a 2ª ré tinha perfeito conhecimento da pendência do processo executivo referido em 4) e 5).

13) [relativamente ao artigo 16.º] – Provado que: Ao realizarem a partilha dos prédios, e ao passá-los para o nome da sua ex-mulher, os Réus pretenderam, unicamente, evitar a satisfação dos créditos dos AA.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Inclusão de juros de mora vencidos e vincendos e dos juros compulsórios devidos ao Estado no segmento decisório.

2. Pretendem os recorrentes que a sentença recorrida deve ser alterada no sentido de dela passar a constar, no segmento decisório, que o aí decretado ressalve ainda ”tudo sem prejuízo dos juros de mora vencidos e vincendos e dos compulsórios.” (vide conclusões de recurso 2ª, 5ª e 6ª e pedido “in fine” de tais alegações).

Pois a não ser assim, afirmam, os recorrentes ficam colocados numa posição claramente desfavorável, pois com a imposição do limite de 22.000 € para satisfação da quantia exequenda devida em sede de acção executiva com o nº 148/05.5TBFND-A, do extinto 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, não podem ser penhorados bens para garantir quantia superior (conclusão 4ª).

A pretensão dos apelantes não tem fundamento legal. Recordemos os factos provados.  

Na acção declarativa que correu termos sob o nº 148/05.5TBFND, do Tribunal Judicial do Fundão, os AA/ora recorrentes e o R. transigiram no sentido de que o R. se obrigava a reparar os defeitos discriminados na cláusula segunda do termo de transacção, patenteado nos autos a fls.10 a fls.11, cujo teor se dá como reproduzido. O Réu em cumprimento da transacção efectuou algumas obras e reparações na casa dos AA. Tais reparações porém não eliminaram os defeitos constantes da cláusula segunda da transacção a que se alude em 1). Na sequência, os AA intentaram contra o R. acção executiva para prestação de facto, em Setembro de 2006 - a qual correu por apenso aos autos referidos em 1) -, na qual requereram a eliminação dos defeitos constantes da transacção, por outrem, e requereram, também, a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação, nos termos do arts. 933º e 935º do anterior CPC.

No primeiro dos normativos indicados, dispõe-se no seu nº 1, que:

Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo”.

Os ora apelantes por naturalmente entenderem que a prestação de facto devida era fungível (como efectivamente aparenta ser), optaram, dentro das duas vias abertas pela lei, pela primeira delas, pela prestação do facto devido, através de outrem, não tendo requerido qualquer indemnização moratória pelo atraso no cumprimento da obrigação a que o R./executado estava obrigado.

Assim, postergando a segunda via, a da indemnização compensatória, correspondente a dano sofrido com a não realização da prestação.

Ao optarem por aquela primeira via, que lhes é permitida pelo art. 828º do CC, prosseguem uma execução específica, em sentido lato, com vista a obterem a final a reconstituição natural do dano. Na verdade, visto que a obrigação de “facere” do aludido R./executado não foi cumprida, os recorrentes/exequentes almejam a dita restauração natural por efeito de prestação por outrem.

Ora, só é possível peticionar juros moratórios (vencidos e vincendos), como os recorrentes desejam, caso estivéssemos perante uma obrigação pecuniária, como resulta claramente dos arts. 804º e 806º, nº 1, do CC, o que não é o nosso caso como acabámos de constatar.

Sendo assim, não podem os recorrentes reclamar juros de mora, que não foram peticionados no requerimento inicial executivo, nem sequer tendo o R./executado sido condenado na sentença da acção declarativa, que serviu de título executivo, numa obrigação pecuniária. E muito menos em recurso.

Também quanto aos denominados “juros compulsórios” não é possível reclamá-los.

Primeiro, porque a sanção pecuniária compulsória só está prevista no art. 829º-A, nº 1, do CC, para obrigações de prestação de facto infungível, e a obrigação do R./executado é fungível como os próprios recorrentes/exequentes reconhecem e aceitam ao requerer a prestação de facto por outrem.

Segundo, porque não foi fixada nenhuma sanção pecuniária compulsória na sentença proferida na acção declarativa 148/05.5TBFND, que homologou a transacção entre as partes, não tendo estas, aliás, incluído qualquer sanção pecuniária no seu acordo, sentença essa que serviu de título executivo à respectiva execução apensa (vide fls. 10/11).

Terceiro, porque também não foi peticionada no requerimento inicial na mencionada acção executiva, como devia ter acontecido, se fosse o caso, nos termos do indicado art. 933º, nº 1, do anterior CPC (vide fls. 12/14).

Não procede, pois, a apelação.  

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Se o credor, em execução para prestação de facto fungível, optar pela prestação por outrem, nos termos do art. 933º, nº 1, do anterior CPC, não pode reclamar sanção pecuniária compulsória, pois a mesma, ao abrigo do art. 829º-A, do CC, destina-se apenas a cobrir a hipótese de prestação de facto infungível;

ii) Nem o pode fazer, nos termos daquele mesmo artigo do CPC, se não foi fixada nenhuma sanção pecuniária compulsória na sentença proferida na acção declarativa que serviu de título executivo à respectiva execução, nem também foi a mesma peticionada no requerimento inicial dessa acção executiva;

iii) Servindo a execução para prestação de facto para cumprimento de uma obrigação de “facere” não pode o exequente reclamar juros moratórios (vencidos e vincendos) pois estes apenas são devidos na obrigação pecuniária. 

iv) Nem o podendo fazer, também, porque não foram peticionados no requerimento inicial executivo; porque o R./executado não foi condenado na sentença da acção declarativa, que serviu de título executivo, numa obrigação pecuniária; e muito menos em recurso.

 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se mantendo a sentença recorrida.

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Custas pelos AA/recorrentes.

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    Coimbra, 11.10.2016

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias