Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
54/12.7PACVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 04/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA COVILHÃ.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGO 60º CP
Sumário: 1.-Para aplicação de uma pena de substituição tem sempre de ser encontrada em concreto a pena principal que ao caso deva ser aplicada.

2.- Os pressupostos de que o artº 60º CP faz depender a possibilidade (e obrigatoriedade) da aplicação ao arguido da pena de admoestação, são os seguintes:

- um pressuposto formal, ou seja, que a pena concreta aplicada seja de multa não superior a 240 dias;

- que haja reparação do dano;

- que decorrente de um favorável juízo de prognose, com a admoestação seja razoável concluir pela realização bastante das finalidades punitivas.

-inexistência, em princípio, de anterior condenação em qualquer pena.

Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:

A..., solteiro, estudante do 3.º ano do curso de ..., nascido em 18.12.1991, natural do concelho de ..., distrito de Lisboa, filho de B... e de C..., residente na ... Sabugal.

Sendo decidido:

a) Condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. art.s 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1 al. a), ambos do Código Penal na medida de admoestação, nos termos do disposto no art.º 5.º do Regime Especial para Jovens Dec- Lei n.º 401/82 de 23-09, em conjugação com o artº 9.º da Lei 166/99, de 14 de Setembro.

b) Condenar o arguido, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 (três) meses, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a) do CP.

c) Ordenar a não transcrição da presente sentença nos certificados de registo criminal a que se referem os artigos 11.º e 12.º da da lei 57/98 de 18/08.


***

Desta sentença interpôs recurso o Magistrado do Mº Pº, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objeto:

1.Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 403, n.º 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o recurso é circunscrito à questão da determinação da sanção;

2.Submetido a julgamento em audiência de processo Sumário foi, a final, o arguido A..., condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292 e 69, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na medida de admoestação, nos termos do disposto no art. 5 do Regime Especial para Jovens Dec-Lei n.º 401/82 de 23.09 em conjugação com o art. 9 da Lei 166/99 de 14 de Setembro, e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de três meses, nos termos do art. 69, n.º 1, al. a) do C. penal (cfr. fls. 22), conforme consta da ata de audiência de julgamento;

3.Com relevância para o presente recurso, consta ainda que o arguido nasceu em 18 de Dezembro de 1991, sendo que os factos foram praticados em 30 de Novembro de 2012, ou seja, uns dias antes de o arguido completar os 21 anos de idade, e que apresentava uma taxa de álcool no sangue pelo ar expirado, medida no aparelho devidamente aprovado para o efeito, de 2,09 g/l.

4.Como é sabido, a pena de admoestação encontra-se prevista no art. 60 do C. Penal, e, conforme é aceite pela Doutrina e Jurisprudência, trata-se de uma pena de substituição, em que a pena principal (necessariamente uma pena de multa) é substituída pela pena de admoestação, caso se verifiquem os pressupostos legais;

5.Ora, no que concerne à aplicação da medida de admoestação, conforme consta da gravação da sentença recorrida em suporte digital, e da ata de audiência de julgamento, consta que o Meritíssimo Juiz, na sentença recorrida, não aplicou, previamente, qualquer pena de multa ao arguido, não tendo, por isso, e após, procedido à substituição dessa pena de multa pela pena de admoestação, conforme resulta do mecanismo legal ínsito ao citado art. 60 do C. Penal.

 6.Nada disso ocorreu, conforme se pode ver da ata da audiência de julgamento, e da gravação em suporte digital.

7.Ao invés de aplicar uma pena de multa e depois proceder à sua substituição por uma (simples) admoestação, o Meritíssimo Juiz, na sentença recorrida, lançou mão do art. 50 Regime Especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Dec-lei 401/82 de 23 de Setembro, em conjugação com o art. 9 da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99 de 14 de Setembro.

8.Ou seja, o Meritíssimo Juiz, na sentença recorrida, aplicou uma norma legal que consta da Lei Tutelar Educativa, a qual como é sabido, e consta do seu art. 1, apenas é aplicável a menores com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos de idade, sendo que dá lugar a aplicação de medidas tutelares educativas e não a penas com natureza penal.

9.Ora, consta dos autos, e foi dado como provado, que os factos foram praticados em 30 de Novembro de 2012, ou seja, uns dias antes de o arguido completar os 21 anos de idade, pelo que o mesmo tinha, à data dos factos 20 anos completos, sendo, portanto, ilegal por violadora do art. 1 da Lei Tutelar Educativa, o recurso ao referido art. 9 da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei nº 166/99 de 14 de Setembro.

10.Por outro lado, o Meritíssimo Juiz, na sentença recorrida, aplicou uma norma legal que consta do Regime especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Dec-lei 401/82 de 23 de Setembro, nomeadamente o seu art. 5 e aqui incorre a sentença recorrida, noutra violação clara da legalidade.

11.Isto porque, e como é sabido, o citado art. 18 do Decreto-Lei n.º 314/78 de 27 de Outubro, mais conhecido por O.T.M., foi expressamente revogado pelo art. 4, n.º 1 da Lei n.º 166/99 de 14 de Setembro, pelo que a sentença, ao lançar mão do art. 5 do Regime especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Dec-lei 401/82 de 23 de Setembro, em conjugação com o art. 9 da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99 de 14 de Setembro, voltou a aplicar erradamente as normas jurídicas, uma vez que o citado art. 5 do Regime Especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Dec-lei 401/82 de 23 de Setembro não faz nenhuma remissão expressa para o art. 9 da Lei Tutelar Educativa, artigo esse que apenas se aplica a jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos, mas sim a artigos da OTM que se encontram expressamente revogados.

12.Por outro lado, o citado art. 5 do Regime especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Dec-lei 401/82 de 23 de Setembro, nunca poderia ter sido aplicado ao caso dos presentes autos, uma vez que o mesmo refere, taxativamente, que apenas tem aplicação a jovens com menos de dezoito anos de idade, quando o arguido tinha, à data dos factos, vinte anos de idade.

13.Por fim, existe a questão da medida da pena, e das finalidades da mesma. Ficou provado que o arguido, no exercício da condução estradal, apresentava uma taxa de álcool no sangue pelo ar expirado, medido no aparelho devidamente aprovado para o efeito, de 2,09 g/l.

14.Ora, o crime de condução em estado de embriaguez é um crime que, de per si, já apresenta uma elevada danosidade social, assim como, atendendo à sua elevadíssima verificação prática, necessita, em nosso entender, de uma especial punição por parte dos Tribunais, na medida em que as necessidades de prevenção geral são, de forma proporcional, igualmente elevadíssimas.

15.Por outro lado, tal crime nunca poderia ser substituído, caso tivesse o Meritíssimo Juiz, na sentença recorrida, optado pela aplicação de uma pena de multa, e, posteriormente, substituído a mesma por uma admoestação, o que não ocorreu nos presentes autos, conforme supra se referiu, por uma pena de admoestação, atento o disposto no n.º 2 do citado art. 60 do C. Penal, na medida em que o Tribunal nunca pode concluir, que um arguido que conduz alcoolizado, com uma taxa de álcool no sangue pelo ar expirado, medido no aparelho devidamente aprovado para o efeito, de 2,09 g/l, que por aquele meio (aplicação da pena de admoestação), se realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

16.Assim, atendendo ao grau de ilicitude dos factos (elevado), a forma e intensidade do dolo (na sua modalidade de dolo direto), o modo de execução (que foi considerado censurável) a confissão espontânea, integral e sem reservas dos factos (muito embora tal confissão não se revista, em nosso entender, de especial importância para o apuramento da verdade), a ausência de antecedentes criminais no que toca a delitos de natureza similar ao praticado e a inserção social e profissional do arguido, assim como o teor alcoólico de que era portador (e, uma vez que a douta sentença considerou provada a taxa de 2,09 g/l), sem perder de vista as exigências de prevenção reclamadas pelo elevado grau de sinistralidade que se verifica em consequência da condução sob a influência do álcool, afigura-se-nos justa e adequada, de acordo com os critérios estabelecidos nas disposições conjugadas nos artigos 47, n.º 1, 71 e 40, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de uma pena de multa, situada próxima do patamar médio da moldura penal. Já no que respeita ao correspondente montante diário, tendo em conta que é estudante, deveria ser fixado entre os cinco e os sete euros.

17.No caso vertente o arguido conduzia com uma T.A.S. de 2,09 g/l sangue, foi sujeito a reação criminal e sancionado com uma medida de admoestação, sem que essa medida seja minimamente adequada à gravidade dos factos e suficiente para reafirmar a validade da norma violada.

18.Ora, não sendo minimamente aceitável nem razoável que ao legislador tivesse assistido o propósito de atribuir um prémio aos condutores que mais bebem, só pode tomar-se por inaceitável e atentatória da unidade do sistema, uma tal situação.

19.     Com efeito, e porque a sentença ora recorrida viola o disposto nos arts. 40, 47, 60, 69 e 292, n.º 1 do C. Penal, assim como o art. 9 da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99 de 14 de Setembro, e o art. 5 do Regime Especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Dec-lei 401/82 de 23 de Setembro, entendemos que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que aplique ao arguido uma pena de multa, em quantitativos adequados à gravidade da sua conduta, em cumulação com a pena acessória de três meses de inibição de conduzir.

Deve revogar-se a sentença recorrida na parte considerada e substituindo-a por outra que condene o arguido em conformidade com o exposto.

Não foi apresentada resposta.

Nesta Relação, a Ex.mª PGA emitiu parecer no mesmo sentido da procedência do recurso.

Cumprido o art. 417 do CPP, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:


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Factos apurados, com relevância para a decisão do recurso:

1-O arguido nasceu em 18.12.1991.

2-No dia 30 de Novembro de 2012, conduzia na via pública, Rua em Castelo Branco, veículo com motor, automóvel ligeiro de passageiros, matrícula X... e, submetido ao teste de deteção de álcool no sangue, apresentou uma taxa de 2,09 g/l.

3-O arguido é estudante, não tem rendimentos próprios, vivendo a expensas dos seus pais.

4-O arguido não tem antecedentes criminais.


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O direito:

As conclusões formuladas pela recorrente delimitam o objeto do recurso.

As questões suscitadas prendem-se com:

- Aplicação da pena de admoestação a título de pena principal;

- Não justificação da aplicação da pena de admoestação como pena de substituição;

- Inaplicabilidade do art. 5 do Dl. Nº 401/82, em conjugação com o art. 9 da l. nº 166/99;

- Deve aplicar-se pena de multa, situada próximo do patamar médio da moldura penal.


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         Pena de admoestação:

         À data da prática dos factos o arguido tinha 20 anos, 11 meses e 12 dias, era maior de idade – art. 130 do Cód. Civil-, pelo que não lhe era aplicável ainda que subsidiariamente a legislação relativa a menores, por força do disposto no art. 5 nº 1 do Dl. 401/82 de 23-09.

         A antiga OTM (Lei Tutelar de Menores), bem como a vigente Lei Tutelar Educativa (tinha) tem âmbito de aplicação a menores que tenham completado 12 anos e ainda não tenham feito 16 anos de idade.

O art. 1 da LTE reporta-se à “prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos” e só a jovens com estas idades se aplica, no caso de cometerem “facto qualificado pela lei como crime”, podendo prolongar-se a execução de medidas aplicadas até aos 21 anos – art. 5.

E a OTM aplicava-se a menores “sujeitos à jurisdição dos tribunais de menores”, menores que “tendo completado 12 anos e antes de perfazerem 16” – arts. 12 e 13, podendo haver alargamento de competência a menores de 12 e menores até aos 18 - arts. 14 e 15.

Com a revogação da OTM, a remissão que o art. 5 do Dl. 401/82 fazia para o art. 18 da OTM, deve ter-se como feita para o preceito correspondente da LTE.

Assim que entendamos que preenchidos os requisitos do nº 1 do art. 5 do Dl. 401/82, relativamente à pena abstrata aplicável e idade do agente (menos de 18 anos) podem ser-lhe aplicadas “isolada ou cumulativamente” as medidas previstas no  art. 4 da LTE.

No entanto, temos que face à idade do arguido ao tempo dos factos, não tem aplicação subsidiária a legislação relativa a menores, por não se enquadrar nos requisitos exigidos pelo art. 5 do Dl. 401/82.

Também concordamos com o entendimento expresso no recurso, de que a medida de admoestação não pode ser aplicada diretamente mas necessariamente como pena de substituição.

Existem três espécies de penas, as principais, as acessórias e as de substituição, que como refere a prof. Maria João Antunes in As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2007/2008, pág. 9, “são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal. A esta caraterização correspondem as penas previstas nos arts. 43 nº 1, 43 nº 3, 44 nº 1, al. a), 45, 46, 50, 58 e 60 do CP”.

No caso concreto, e escolhendo-se pena não detentiva, necessariamente teria de ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pois que o art. 292 apenas estatui pena de multa até 120 dias.

No entanto temos que para aplicação de uma pena de substituição tem sempre de ser encontrada em concreto a pena principal que ao caso deva ser aplicada.

Nos termos do art. 60 do Código Penal são os seguintes os pressupostos (a verificar no momento da decisão) de que a lei faz depender a possibilidade (e obrigatoriedade) da aplicação ao arguido da pena de admoestação.

- um pressuposto formal, ou seja, que a pena concreta aplicada seja de multa não superior a 240 dias;

- que haja reparação do dano;

- que decorrente de um favorável juízo de prognose, com a admoestação seja razoável concluir pela realização bastante das finalidades punitivas.

-inexistência, em princípio, de anterior condenação em qualquer pena.

Ouvida a gravação da sentença que foi efetuada nos termos do art. 389-A do CPP, verifica-se (assim como do dispositivo constante da ata) que a pena de admoestação foi aplicada como pena principal e por aplicação do regime penal dos jovens – Dl. 401/82 e L. 166/99.

Como supra se referiu, o regime aplicável a jovens não abrangia o arguido porque à data dos factos tinha mais de 18 anos de idade.

Assim que a aplicação da pena de admoestação só o poderia ser por via do art. 60 do CP e como pena de substituição, o que não aconteceu.

E, para poder ser aplicada esta pena de substituição havia necessidade de verificar a ocorrência dos requisitos no preceito exigidos, nomeadamente o requisito formal da pena principal em concreto aplicada e, o requisito material que justificasse um favorável juízo de prognose de que com a admoestação era razoável concluir pela realização bastante (adequada e suficiente) das finalidades punitivas.

Não tendo ocorrido, e a simplificação da sentença nos processos sob a forma sumária tal não dispensa, temos que faltam os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, o que acarreta a nulidade da mesma, tendo em conta o disposto nos arts. 374, 389-A e 379 do CPP, melhor explicitado após as alterações operadas pela L. nº 26/2010, “a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão” e, “em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada”.

Assim que há que declarar nula a sentença e consequentemente procedente o recurso.

         Decisão:

         Face ao que ficou exposto, acordam na secção criminal desta Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência:

-Anula-se a sentença determinando-se a sua substituição por outra que, se necessário com recurso a repetição de prova, colmate as lacunas apontadas, decidindo em conformidade..

         Sem custas.

        

Jorge Dias (Relator)

Brizida Martins