Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1366/16.6T8CTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
OBRIGAÇÃO RESULTANTE DO INCUMPRIMENTO DE CONTRATO PROMESSA ANTERIOR
ACTUALIZAÇÃO DO VALOR
EQUIDADE
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional:
Sumário: I – Se a Ré foi condenada a pagar uma indemnização ao Autor, pelo prejuízo gerado pela omissão da obrigação que ficou assinalada em contrato promessa celebrado com este no ano de 1999, e o incumprimento culposo da obrigação a que a Ré estava adstrita – a reserva de uma parcela de terreno de 1.000 m2 – se iniciou no ano de 2001, a fixação da indemnização na presente data, em função do valor de € 30.000,00 encontrado para essa parcela de terreno reportado ao ano de 2001, tem de ter em conta o valor atualizado dessa parcela, mais não seja por um critério de atualização do dito valor, à luz do “Índice de preços no consumidor (Média anual)” .
II – Sendo que estando em causa a indemnização pelo interesse contratual positivo, é admissível a ponderação do incremento económico que teria resultado para os AA. caso tivessem tido a titularidade da dita parcela de terreno infraestruturada logo no ano de 2001 (ainda que restrita à efetiva vantagem patrimonial para os AA. neste particular), o que é tarefa dificultada quando não resulta alegada nem provada factualidade que seria relevante para o efeito.

III – O que tudo determina que o cálculo do valor indemnizatório seja feito à luz de um juízo final de equidade.

Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)

                                                           *

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

Por apenso à ação de processo comum nº 1366/16...., e nos termos do disposto no artigo 358º, nº 2, do Código de Processo Civil, vieram os Autores AA e BB deduzir incidente de liquidação de sentença proferida nesses autos contra CC, peticionando que se liquide o valor a ser pago pela Ré a título de indemnização, no montante de € 238.637,25, pela omissão da obrigação decorrente do contrato promessa, conforme determinado nos Acórdãos em liquidação.

Alegou, em síntese, que a Ré foi condenada a pagar uma indemnização ao Autor, pelo prejuízo gerado pela omissão da obrigação que ficou assinalada no contrato promessa celebrado com o Autor em 18 de Outubro de 1999, e que o contrato promessa foi celebrado no ano de 1999, pelo valor global de 68.000.000$00 (sessenta e oito milhões de escudos), atualmente € 339.182,57.

Alegou ainda que a Ré transmitiu posteriormente o prédio com omissão da reserva da parcela do Autor e que a Ré está obrigada a indemnizar o Autor pelo prejuízo que lhe causou, pela omissão de não transmissão ao adquirente seguinte do prédio, in casu a Sociedade A..., Lda. - da obrigação que ficou assinalada e que consta do contrato promessa, celebrado com o Autor em 18 de Outubro de 1999, e que o destaque da parcela objecto de reserva no contrato promessa, atualmente, já não é exequível, face ao lapso de tempo entretanto decorrido e às modificações que o loteamento de todo o terreno sofreu.

Alegou que decorre do Alvará de loteamento n.º ...08 (documento junto aos autos principais) que o lote objeto de reserva – lote 1 - contém os seguintes elementos: - Área bruta do lote 630,00 m2; Área de implantação 160 m2; Área bruta de construção 387,50 m2, volume máximo de construção 975,00m3, número de pisos 3 (2 acima da cota de soleira+1 abaixo da cota de soleira).

Mais referiu que foi efetuada a avaliação do lote, cujo relatório de avaliação juntou como documento nº 1, e que, tendo em conta o preço por metro quadrado de construção, o valor de mercado local bem como o tipo de edificação, foi o lote avaliado em € 238.637,25 e que o prejuízo do Autor pelo incumprimento do contrato promessa corresponderá, pelo menos, ao valor do lote, que, atualmente, vale € 238.637,25.

Julgada renovada a instância, nos termos do artigo 358º, nº 2, do Código de Processo Civil, foi cumprido o disposto nos artigos 293º e 360º, nº 3, do Código de Processo Civil.

                                                           *

Notificada nos termos anteriormente referidos, a Ré CC veio deduzir contestação, suscitando a exceção de caso julgado, por inexistir substrato para alicerçar um pedido de liquidação, impugnando a demais factualidade aduzida.

Determinou-se o prosseguimento dos autos nos termos do disposto no artigo 360º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Realizou-se audiência prévia, e, frustrada a conciliação, fixou-se o valor da ação, e foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedente a invocada exceção dilatória de caso julgado, tendo sido proferido despacho onde se identificou o objeto do litígio e se enumeraram os temas da prova, dos quais não houve reclamação – referência n.º 31921342.

Foi determinada a realização de prova pericial com o objeto melhor definido no despacho de 10-11-2021.

Foi declarada suspensa a ação em virtude da admissão liminar do processo especial para acordo de pagamento respeitante à Requerida CC (como decorre do teor do anúncio e despacho junto - Processo: 213/22.... - Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Comércio ... - Juiz ...) - cf. o artigo 222.º-C, n.º 4, do CIRE, aditado pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho), por despacho datado de 19-04-2022, tendo sido declarada a cessação da suspensão da instância por despacho datado de 28-01-2023.

Realizou-se audiência final, e na mesma foram observadas todas as formalidades, conforme resulta da ata respectiva, tendo sido determinada a incorporação do incidente nos autos principais – referência n.º 35835656.

                                                           *

Na sentença, considerou-se, em suma, que resultando já reconhecida a existência da obrigação de indemnizar, e correspondendo como corresponde a indemnização a atribuir ao interesse contratual positivo, a conclusão era que «(…) a indemnização a fixar será em dinheiro e corresponderá ao valor de uma parcela de 1000 m2, sita na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13, à data de 06-07-2001, devidamente infra-estruturada, que é, como vimos, de € 30.000,00, (vide facto 29)), montante no qual se condenará a Ré CC a pagar ao Autor, o que se decidirá nos termos dos artigos 562.º, 564.º, e 566.º do Código Civil e 358.º a 360.º do Código de Processo Civil, sem que haja qualquer necessidade de recorrer à equidade nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil», termos em que se finalizou com o seguinte concreto “dispositivo”:

« VII. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em consequência, decide-se:

1) Condenar a Ré CC a pagar ao Autor AA a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);

2) Absolver a Ré CC do demais peticionado.

3) Condenar os Autores e a Ré CC no pagamento das custas do incidente, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 87% e 13%, respectivamente.»  

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            Inconformada com essa sentença, apresentou a Ré CC recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«I. A Apelante foi condenada no pagamento da quantia de 30.000,00 €, por tal corresponder ao valor da parcela de 1.000,00 m2, caso estivesse devidamente infraestruturada, à data da escritura pública de compra e venda do prédio do Autor a 06-07-2001.

II. Não nos conformamos com o montante resultante de tal liquidação, tratando-se de decisão materialmente injusta, motivo pelo qual segue a mesma impugnada.

Contemplemos,

Das normas jurídicas violadas:

• Do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil):

III. O valor fixado em sede de decisão corresponde ao valor de uma parcela de terreno de 1.000,00 m2, à data de 06-07-2001, devidamente infraestruturada, pois que a obrigação da Apelante contenderia com a sua entrega nesses moldes, o que esta não logrou cumprir.

IV. O clausulado do contrato promessa celebrado estipula, nas suas cláusulas 9.ª e 10.ª, a reserva de uma parcela de 1.000,00 m2 devidamente infraestruturada a favor dos Autores, a ser entregue pela aqui Apelante ou por um futuro adquirente.

V. Tendo existido alienações posteriores, não seria de presumir sem mais que a Ré tivesse de proceder à entrega da parcela naquela data e, consequentemente, que o valor a indemnizar fosse o valor da parcela por referência àquele dado momento, mas somente que existiria a obrigação de comunicação dessa reserva.

VI. Tal como resulta dos factos provados 9) e 10) da sentença proferida, o contrato prometido, isto é, a escritura pública de compra e venda do imóvel celebrada na data de 6 de Julho de 2001, não continha qualquer menção à sobredita reserva de propriedade da parcela, facto que era do conhecimento obrigatório dos Apelados.

VII. Os Apelados conformaram-se com o teor de tal contrato de compra e venda, tendo procedido à assinatura em conformidade perante notário e em documento dotado de fé pública, fazendo crer a Autora, de forma legítima e expectável, que nenhuma questão relativa à reserva seria suscitada posteriormente a tal contrato.

VIII. Somente após quinze anos da celebração do contrato prometido, resolveram os Autores propor a referida ação, quando se haviam conformado plenamente com os efeitos do contrato definitivo celebrado.

IX. Celebraram o contrato prometido, onde alienaram a propriedade do terreno à Apelante, sem qualquer reserva de propriedade e sem propugnar pela efetiva fixação da obrigação de entrega de qualquer parcela, (nomeadamente dos 1.000,00 m2), obrigação da qual eram os principais beneficiários.

X. Tal conduta, no nosso modesto entendimento, fará necessariamente soçobrar a pretensão indemnizatória dos Autores, em virtude da verificação de abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.

XI. Verificam-se, in casu, os pressupostos do instituto do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (veja-se, a este propósito, o entendimento do douto Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 24-04-2012, processo n.º 2725/08.3TBLRA.C1): O comportamento dos Apelados, vinculando-se na escritura pública de compra e venda do imóvel e permanecendo inertes durante cerca de quinze anos, suscitando a situação objetiva de confiança perante a Apelante, de boa-fé, de que a questão da reserva de propriedade da parcela não seria suscitada, condutas a si imputáveis.

XII. Pelo que, salvo melhor entendimento, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto na norma jurídica constante do artigo 334.º do Código Civil, devendo ter interpretado e aplicado tal norma no sentido de se verificar, in casu, um exercício abusivo do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que obsta desde logo à pretensão indemnizatória dos Autores, devendo ser excluída tal indemnização ou, pelo menos, reduzida em proporção.

Para além disso, e mesmo que assim não se entendesse,

• Do concurso de culpa dos lesados, nos termos do artigo 570.º do CC:

XIII. No caso sub judice, a conduta dos Autores concorreu quer para a produção dos danos, quer para o agravamento dos mesmos, sendo manifesta a concorrência de culpa do lesado, nos termos do artigo 570.º do CC.

XIV. Os Apelados, desde logo, aquando da celebração do contrato-promessa, não fizeram qualquer reserva de propriedade, prevendo, inclusivamente, a possibilidade de a aqui Apelante alienar o imóvel a terceiros.

XV. Posteriormente, celebraram com a Sociedade B..., Lda. o contrato promessa de compra e venda por via do qual se colocaram na posição de adquirir a parcela de terreno, bem percebendo a gratuitidade da aquisição, pois que, não obstante naquele contrato mencionarem o preço de € 75.000,00 já pagos, sabiam que não entregaram qualquer quantia àquela Sociedade (facto provado 21) da sentença proferida).

XVI. Factos que não podiam ignorar, bem sabendo que a finalidade dos mesmos seria então a entrega dos 1.000 m2 de terreno.

XVII. Ainda, ao aceitarem celebrar a escritura pública nos moldes em que o fizeram e ao conformarem-se com o ali estipulado, os Autores/Apelados contribuíram diretamente para a produção dos danos.

XVIII. Contribuíram, também, para o agravamento dos danos ao proporem a ação declarativa decorridos quinze anos da celebração da primeira escritura, determinando que já não fosse possível o destaque da parcela e a sua restituição, algo que não poderá ser imputável à aqui Apelante.

XIX. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas jurídicas constantes do artigo 570.º n.º 1 e n.º 2 do CC, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da exclusão da indemnização em virtude da culpa dos lesados quer para a produção quer para o agravamento dos danos, ou, pelo menos, pela redução da indemnização para valor justo e equitativo não superior a 10.000,00 €.

Ademais, e ainda que divirja o entendimento,

• Dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da equidade (artigo 566.º n.º 3 do CC):

XX. Ainda que se perscrute pela não verificação, in casu, da exclusão de indemnização, sempre se diz que o valor da condenação não obedece aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, e da equidade plasmados no artigo 566.º n.º 3 do CC.

XXI. Devidamente apurados os factos, não se nos afigura que existam elementos suficientes que permitam fixar o quantum indemnizatório na quantia de 30.000,00 €, desde logo porque esse é o valor correspondente à entrega da parcela no ano da celebração do contrato, entrega que sempre não se verificaria em virtude da alienação que veio a suceder posteriormente.

XXII. Não existem pontos de sustentação fáctica que permitam uma fixação indemnizatória exata e que representem o empobrecimento patrimonial dos lesados.

XXIII. Considerando os elementares critérios de justiça, razoabilidade e equidade, imbuídos na factualidade supra descrita, parece-nos que deveria o Tribunal a quo ter interpretado e aplicado a norma jurídica constante do artigo 566.º n.º 3 do CC, no sentido de, quando muito, e ponderando as variáveis equitativas, condenar em indemnização de valor nunca superior a 10.000,00 € (valor referencial atribuído à parcela de terreno não infraestruturada).

XXIV. Alfim, revogando a douta decisão proferida, e substituindo-a por uma outra que determine pela exclusão da indemnização, ou, pelo menos, pela sua redução atendendo a princípios de proporcionalidade e equidade, farão Vossas Excelências inteira e sã Justiça.

TERMOS EM QUE

e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a decisão revidenda, substituindo-se por outra que determine a exclusão da indemnização ou, pelo menos, a sua redução, far-se-á inteira e sã

JUSTIÇA.»                                                      

                                                                       *

            Não foram apresentadas contra-alegações a este recurso.

                                                                       *

Por sua vez, também deduziram os AA. recurso de apelação, do qual extraíram as seguintes conclusões:

«1. Prende-se o presente recurso com a douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, na qual foi fixada uma indemnização a pagar aos AA. no valor de 30.000,00€ - valor com o qual não se podem conformar

2. Uma vez que o Tribunal a quo encontra o valor da indemnização (apenas) no valor atribuído ao prédio no relatório de peritagem – relatório que louva as suas conclusões de valor do prédio à data de celebração do contrato promessa – 06/07/2001

3. O Tribunal a quo não teve em consideração, num juízo de equidade, o decurso do tempo que entretanto passou, até à fixação da indemnização.

4. O Tribunal a quo não teve em consideração esse decurso de tempo, mais de 20 anos, que deveria ter sido contabilizado, num juízo de equidade, pois traduz-se num prejuízo, perda de rendimento e perda de vantagem patrimonial, para ser encontrada a indemnização justa aos ora AA.

5. Foi esse o espirito do Acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso interposto dos autos principais (aos quais este incidente foi apensado), Acórdão confirmado pelo douto Supremo Tribunal de Justiça.

6. A R. CC foi condenada a pagar uma indemnização ao Autor, pelo prejuízo gerado pela omissão da obrigação que ficou assinalada no contrato promessa celebrado com o Autor em 18 de Outubro de 1999.

7. Entendem os ora recorrentes que a indemnização fixada pela douta sentença não espelha o incumprimento culposo da obrigação a que a Ré estava adstrita – a reserva de uma parcela de terreno de 1.000m2 – nem teve em conta o valor actualizado dessa parcela, como se impõe.

8. Para além do decurso do tempo, que agravou o prejuízo dos AA., o Tribunal a quo não levou em consideração os valores estipulados no contrato promessa de compra e venda e que constam no n 4) da matéria de facto provada.

9. Nem tão pouco os valores da venda identificados no ponto 13 dos factos provados

10. Ambos espelham valores bem mais elevados do que o quantum indemnizatório fixado aos AA.

11. Os AA. não colocam em causa as conclusões dos senhores peritos, entendem é que o valor apurado deveria ser o ponto de partida para apurar a indemnização devida.

12. O valor quantificável deveria ser o ponto de partida do Tribunal (e não o de chegada) para aferir o real prejuízo dos AA., que só volvidos 22 anos da celebração do contrato promessa obtém um valor indemnizatório do prejuízo culposo da actuação da R.

13. A indemnização traduz uma dívida de valor que tem de ser actualizada em relação à data mais recente que puder ser atendida, por forma a que possa ocorrer uma efectiva restituição do lesado ao estado anterior à lesão, conforme o disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil

14.

No caso dos autos , a diferença é que, se tivesse sido cumprido o contrato promessa os AA. teriam obtido uma vantagem patrimonial – uma parcela de terreno de 1.000,00€ devidamente infra-estruturada - que não obtiveram por facto culposo já provado da Ré.

15. E essa perda de vantagem patrimonial deveria ter sido atendida pelo Tribunal a quo, na quantificação da indemnização

16.

Não pode deixar de sopesar a rentabilidade que os AA. retirariam se tivessem a propriedade do terreno, rentabilidade que, perante a factualidade provada, terá de ser equacionada (na avaliação do dano concretamente suportado com o incumprimento) em termos de perda da vantagem adicional decorrente da actualização do valor do imóvel

17. Não se indemnizar a perda dessa vantagem patrimonial (entre o valor atribuído ao terreno quando da celebração do contrato promessa, o valor actual e o valor que os AA. poderiam ter obtido com uma venda posterior do terreno, que tinha licença de construção) causaria, como causa, desequilíbrio no quadro negocial estabelecido entre as partes em que a parcela de terreno reservado se destinava à edificação, pelo que tal valor não pode deixar de ser entendido como o quantum do prejuízo que o incumprimento da Ré acarretou aos AA.

18. Os peritos concluem que, actualmente, uma moradia unifamiliar no terreno em questão, vale actualmente 238.637,25€.

19. Deverá ser assim fixada indemnização que efectivamente possa ressarcir os AA do acto culposo de incumprimento da R.

20. Tendo como ponto de partida o valor apurado pelos peritos, e num juízo de equidade, tendo em conta a perda de vantagem patrimonial e perda de rendimento pela não celebração do negócio e o valor actual do prédio, fixar a indemnização por esse valor actual.

Termos em que, sempre com o douto suprimento do V. Ex,as., deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, tudo como é de inteira e liminar

JUSTIÇA»

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            Não foram também apresentadas quaisquer contra-alegações a este recurso.

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.

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            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelas partes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            Apelação da Ré CC

            - incorreto julgamento de direito [aspeto do abuso do direito por parte dos AA.; que era de ponderar o concurso de culpa dos lesados (os AA.); e que, no limite, à luz dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da equidade, quando muito o Tribunal a quo deveria ter condenado em indemnização de valor nunca superior a € 10.000,00].

Apelação dos Autores

- incorreto julgamento de direito [porquanto estava em causa uma dívida de valor que tem de ser atualizada, donde, devia ter sido fixada a indemnização pelo valor atual].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste na enumeração dos factos dados como “provados” na sentença sob recurso, sendo certo que não foi apresentada impugnação à decisão sobre a matéria de facto em qualquer dos recursos deduzidos.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de Factos Provados:

«1) A 18 de Outubro do ano de 1999 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda entre o Autor e a 1.ª Ré de um prédio rústico sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13.

2) O prédio prometido vender era propriedade, na proporção de 1/3 (um terço), do Autor.

3) Os restantes 2/3 (dois terços), também prometidos vender, eram propriedade do irmão do Autor, DD, também outorgante no contrato promessa.

4) O preço global da prometida venda foi de 68.000.000$, actualmente 339.182,57€, que seria liquidado por três vezes nas seguintes datas:

- 8.000.000,00$, atualmente 39.993,83€ pagos a título de sinal aquando da assinatura do contrato promessa de compra e venda;

- 30.000.000,00$, atualmente 149.639.37€ a pagar até ao dia 15 de Agosto de 2000 como reforço do sinal;

- 30.000.000,00$, actualmente149.639.37€ a pagar até ao dia 15 de Agosto de 2001.

5) Ficou ainda estipulado que a escritura notarial respeitante ao contrato de compra e venda teria de ser celebrada até ao dia 15 de Agosto do ano de 2001 e que estaria, a promitente compradora, por via do contrato, obrigada a efectuar todas as diligências necessárias para a outorga da referida escritura pública.

6) Foi convencionado na cláusula 9.ª do referido contrato que: «O promitente vendedor AA, reservará igualmente para si, uma parcela de terreno, com a área aproximada de mil metros quadrados - que ficará também destacada do terreno pertencente à mesma mencionada propriedade objecto deste contrato, a qual lhe será oportunamente entregue pela Segunda outorgante, devidamente infra-estruturada».

7) E na cláusula 10.ª do contrato promessa que: «as reservas das parcelas de terrenos destinados aos primeiros outorgantes, em conformidade com o estipulado nas cláusulas oitava e nona do presente contrato, serão objeto de expressa menção na escritura notarial de compra e venda prevista na cláusula quarta, com a indicação de tal obrigação, perante os primeiros outorgantes, será transmitida, pela aqui promitente compradora e segunda outorgante, a eventuais terceiros adquirentes, seja a que título for, da propriedade identificada na cláusula primeira».

8) Sem a aposição da cláusula relativa à parcela de 1000 m2 o referido contrato promessa não teria sido realizado pelo Autor.

9) A escritura pública de venda do prédio propriedade do Autor foi outorgada a 6 de Julho do ano de 2001, no Cartório Notarial ... pelo Notário EE.

10) A dita escritura pública não contém qualquer cláusula de reserva e destaque de terreno de 1000 m2 para o ora Autor.

11) A 18 de Maio de 2004, a 1.ª Ré e o 2.º Réu venderam, pelo preço de € 3.700,00, o prédio objecto do contrato promessa, à ora 3.ª Ré, sociedade A..., Lda.

12) A sociedade A... Lda., tem como legal representante a ora 1.ª Ré.

13) A 18 de Janeiro no ano de 2006, a sociedade 3.ª Ré, representada na escritura pela 1.ª R., alienou o imóvel objeto do primitivo contrato promessa, à ora 4.ª Ré, Sociedade B..., Lda., representada por FF e GG, pelo preço € de 698.317,06.

14) A 1.ª Ré CC não procedeu ao destaque do terreno e posterior entrega do mesmo ao Autor.

15) O legal representante da Sociedade B..., o Senhor GG, celebrou um contrato-promessa de compra e venda com o Autor, o qual se encontra junto a fls. 17 verso, o qual se dá por inteiramente reproduzido.

16) A Sociedade B... procedeu ao loteamento do terreno que adquiriu à 3.ª Ré.

17) A Sociedade B... efectuou um pedido para loteamento na Câmara Municipal ..., ao qual foi atribuído o Alvará de loteamento n.º ...8.

18) Actualmente o prédio objecto do primitivo contrato-promessa celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré, encontra-se registado em nome da Sociedade 4.ª Ré.

19) A escritura pública mencionada na clausula 4.ª do contrato-promessa celebrado entre o Autor e a Sociedade 4.ª Ré nunca se realizou.

20) A sociedade B... não entregou, até à data, o lote 1 ao Autor.

21) O Autor não pagou a quantia de € 75.000,00 à co-Ré “B..., Lda.”, estipulada no dito contrato-promessa aludido em 15).

22) A 4.ª Ré “B..., Lda.” subscreveu a declaração junta a fls. 78, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, onde declarou comprometer-se a cumprir o contrato celebrado entre CC e os Srs. AA e DD.

23) No âmbito da acção declarativa a que se reporta o presente incidente de liquidação, os Autores pediram a condenação dos Réus a restituir àqueles a parcela de 1000 m2 do prédio rústico sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13, em conformidade com o estipulado nos contratos promessas nos termos do art. 830.º do Código Civil, ou em alternativa, caso a restituição não fosse possível, serem os Réus condenados a pagar indemnização aos Autores a liquidar em execução de sentença.

24) Por sentença proferida a 01-03-2018, julgou-se totalmente improcedente a acção, tendo sido interposto recurso pelos Autores, e, em consequência, sido proferido Acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a 16-10-2018, o qual julgou parcialmente procedente o recurso interposto, condenando a Ré CC a pagar uma indemnização ao Autor, limitada pelo pedido formulado na petição, pelo prejuízo gerado pela omissão da Ré que consistiu em não ter transmitido ao adquirente seguinte do prédio a obrigação que ficou assinalada e consta do contrato-promessa celebrado com o Autor em 18 de Outubro de 1999.

25) O Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra referido em 24) foi confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21-03-2019, o qual transitou em julgado em 04-04-2019.

26) Na fundamentação do Acórdão a que se alude em 24) foi consignado, para além do mais, o seguinte:

«3 – Não sendo possível entregar a parcela, como não é, cumpre verificar se é viável atribuir uma indemnização ao Autor.

A resposta é afirmativa.

Verifica-se que o Autor contratou com a Ré CC no pressuposto que receberia uma parcela com 1000 m2 devidamente infraestruturada, entregue por esta Ré ou por um futuro adquirente do prédio prometido vender e depois efetivamente vendido pelo Autor à ré CC.

Não tendo obtido este bem, esta parcela, tem direito a indemnização.

Resta saber quem será o responsável, se todos ou apenas algum ou alguns dos Réus.

Quem inicialmente assumiu o dever de entregar a parcela de 1000 m2 foi a Ré CC.

Assumiu essa obrigação do contrato-promessa e assumiu a obrigação de transmitir essa obrigação a terceiros a quem ela vendesse o prédio.

Sucede que a Ré CC não fez constar tal obrigação da escritura de compra e venda do prédio, isto é, não transmitiu esta obrigação ao comprador do prédio que interveio na escritura celebrada em 18 de maio de 2004, através da qual a ré CC transferiu o prédio para sociedade A..., Lda., da qual a Ré CC era legal representante.

Verifica-se, por conseguinte, que esta sociedade A..., Lda., não assumiu qualquer responsabilidade perante o Autor.

O mesmo sucedendo com a sociedade B..., Lda., a qual também não assumiu qualquer responsabilidade para com o Autor na escritura pública celebrada em 18 de janeiro de 2006 e através da qual adquiriu o prédio à sociedade A..., Lda.

O contrato-promessa que a sociedade B..., Lda., celebrou, mais tarde, com o Autor, não isenta a ré CC da sua responsabilidade, pois trata-se de um contrato em que ela não interveio, nem resulta do mesmo que as partes tenham pretendido libertar a ré CC da responsabilidade que assumiu com a celebração do contrato-promessa em 18 de outubro de 1999, para com o Autor.

Verifica-se, por conseguinte, que só pode ser responsabilizada a Ré CC.

Esta é responsável pelo cumprimento das obrigações que assumiu no contrato-promessa que celebrou com o Autor em 18 de outubro de 1999.

Recorda-se que foi convencionado na cláusula 9.ª do contrato-promessa que «O promitente vendedor AA, reservará igualmente para si, uma parcela de terreno, com a área aproximada de mil metros quadrados - que ficará também destacada do terreno pertencente à mesma mencionada propriedade objecto deste contrato, a qual lhe será oportunamente entregue pela Segunda outorgante, devidamente infra-estruturada» e acrescentou-se na cláusula 10.ª que «as reservas das parcelas de terrenos destinados aos primeiros outorgantes, em conformidade com o estipulado nas cláusulas oitava e nona do presente contrato, serão objeto de expressa menção na escritura notarial de compra e venda prevista na cláusula quarta, com a indicação de tal obrigação, perante os primeiros outorgantes, será transmitida, pela aqui promitente compradora e segunda outorgante, a eventuais terceiros adquirentes, seja a que título for, da propriedade identificada na cláusula primeira».

O facto de nada ter ficado a constar da escritura de compra e venda celebrada entre o Autor e a Ré CC, em 6 de Julho de 2001, quanto ao futuro destaque e entrega da parcela de 1000 m2 ao Autor, não extinguiu a obrigação da Ré CC de em futura venda do prédio, se ocorresse, transmitir aos futuros adquirentes a obrigação de entregarem ao Autor a mencionada parcela de 1000 m2.

Como se disse, a Ré não cumpriu esta cláusula contratual.

Nos termos do n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, «Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver»

E o n.º 1 do artigo 406.º, do mesmo código acrescenta que «O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei».

O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está obrigado – artigo 762.º, n.º 1 do Código Civil.

Se não a realizar, culposamente, deve indemnizar o credor do prejuízo que lhe haja causado – artigo 798.º do Código Civil.

A culpa nesta sede é apreciável pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso, ou seja, em abstrato e se presume quando se verifica que há incumprimento - artigos 487º, n.º 2, e 799º, n.º 1 e 2, do Código Civil).

Face a estas normas a ré CC deve indemnizar o credor (o Autor) do prejuízo que lhe haja causado (artigo 798.º do Código Civil); do prejuízo gerado pela omissão da Ré que consistiu em não ter transmitido ao adquirente seguinte do prédio, à sociedade A..., Lda., a obrigação que ficou assinalada e consta do contrato-promessa celebrado com o Autor em 18 de Outubro de 1999.

Como esses danos existem, mas não estão determinados, cumpre condenar a Ré CC nos termos pedidos, isto é, em indemnização a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º e n.º 2 do artigo 358.º, ambos do Código de Processo Civil.»

27) Da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21-03-2019 a que se alude em 25) consta:

«Verificada a omissão da menção da reserva da parcela de terreno a favor do Recorrido, designadamente na escritura pública de 18 de maio de 2004, respeitante à compra e venda do prédio da Recorrente para a R. A..., Lda., e a impossibilidade da Recorrente poder concretizar a respetiva atribuição, nomeadamente depois da alienação do prédio a terceiros (sendo irrelevante a sua qualidade de representante legal da R. A..., Lda., pois a sociedade não se confunde com os sócios), estamos em presença de um facto ilícito, por incumprimento do convencionado pelos contraentes.

Por outro lado, não tendo a culpa sido ilidida, a Recorrente agiu com culpa (art. 799.º, n.° 1, do CC).

Além disso, o Recorrido sofreu efetivamente um dano, ao acabar por ficar privado da parcela de terreno infraestruturado, resultando esse dano, em termos de causalidade adequada, do facto ilícito anteriormente imputado à Recorrente.

Nesta perspetiva, encontram-se devidamente preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, sendo certo que a Recorrente, ao faltar culposamente ao cumprimento da obrigação ou à sua impossibilidade culposa, tornou-se responsável pelo prejuízo causado ao Recorrido (arts. 798.° e 801.º, ambos do CC).

Deste modo, o acórdão recorrido, concluindo no sentido ora expresso, decidiu em conformidade com o direito aplicável, não se admitindo, por outro lado, que tal possa corresponder a uma "situação verdadeiramente perniciosa", como se alega a concluir o recurso, quando o Recorrido se encontra, há tantos anos, sem a parcela de terreno e sem o ressarcimento do prejuízo sofrido.»

28) Por escritura pública a que se alude em 9), os Autores e DD e HH declararam vender à 1.ª Ré, a qual declarou comprar àqueles, o prédio referido em 1) pelo preço de trinta milhões de escudos, estando àquela data inscrito 1/3 daquele prédio a favor dos Autores e 2/3 a favor de DD e HH.

29) À data de 06-07-2001, o valor de um prédio rústico com a área de 1.000 m2, sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13, com possibilidade de utilização com culturas de regadio e sequeiro, tendo por base as potencialidades construtivas, na condição de se encontrar devidamente infraestruturado (dotado de infra-estruturas), era de cerca de € 30.000,00.

30) À data de 06-07-2001, o valor de um prédio com a área de 1.000 m2, sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13, com possibilidade de utilização com culturas de regadio e sequeiro, na condição de não se encontrar infraestruturado, era de cerca de € 10.000,00.

31) À data de 06-07-2001, o prédio rústico sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13 não tinha autorização de construção, mas tinha as mesmas características e potencialidades construtivas ínsitas à emissão do Alvará de Loteamento com Obras de Urbanização ..., ..., de 19-10-2008, emitido pela Câmara Municipal ..., junto aos autos a fls. 20-26, v.

32) Em 06-07-2001, o prédio rústico sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13 não tinha sido objecto de qualquer operação urbanística.

33) A 11-09-2019, uma morada unifamiliar sita na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13, com os valores máximos permitidos pelo Alvará de Loteamento com Obras de Urbanização ..., ..., de 19-10-2008, emitido pela Câmara Municipal ..., junto aos autos a fls. 20-26, v., para o Lote 1, teria um valor aproximado de € 238.637,25.»

                                                                       *

           

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Entremos então sem mais na apreciação das questões neste particular supra enunciadas, diretamente reportadas ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma.

Começando pelo sustentado em sede de apelação pela Ré/recorrente CC, a saber que teria havido incorreto julgamento de direito .

Vejamos.

Salvo o devido respeito, a alegação de abuso do direito por parte dos AA. não tem qualquer sentido nesta fase processual.

É que a R. CC foi condenada em 1ª instância a pagar uma indemnização aos Autores, pelo prejuízo gerado pela omissão da obrigação que ficou assinalada no contrato promessa celebrado com o Autor em 18 de Outubro de 1999, condenação essa que foi confirmada pelas duas instâncias de recurso (Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça).

Ora se assim é, apresenta-se como completamente insubsistente a invocação de um “abuso de direito” por parte dos AA. em deduzir incidente de liquidação de uma sentença proferida que já foi plenamente confirmada!

Idem se diga quanto à invocação de que existia concurso de culpa dos lesados (os AA.) que não podia deixar de ser ponderado.

É que essa via de argumentação só teria sentido, e razão de ser, em ser suscitada na ação declarativa, pelo que estando agora a sentença condenatória proferida e plenamente confirmada, é questão inapelavelmente prejudicada.

Assim sendo, resta-nos com sentido útil e pertinente a apreciação do invocado pela Ré/recorrente no sentido de que “no limite, à luz dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da equidade, quando muito o Tribunal a quo deveria ter condenado em indemnização de valor nunca superior a € 10.000,00”.

Isto é, que o valor de € 30.000,00 objeto da condenação, como correspondente a uma parcela de 1000 m2, devidamente infra-estruturada, sita no local ajuizado [Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz ...98 e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...13], à data de 06-07-2001, era um valor demasiado elevado.

Recorde-se que, em contraponto, sustentam o AA./recorrentes no respetivo recurso que esse valor é demasiado baixo, mormente por não estar atualizado.

Os dados de facto da situação são que o valor de € 30.000,00 é o valor correspondente à entrega da parcela de terreno no ano da celebração do contrato que se traduziu no incumprimento da Ré CC face aos Autores [ano de 2001], sendo que o valor duma parcela, nas mesmas condições de tempo e lugar, mas na condição de não se encontrar infraestruturada, era de cerca de € 10.000,00 – valores esses que resultaram da avaliação feita pelos Srs. Peritos, conforme plasmado nos factos “provados” sob “29.” e “30.”

Vai-se então proceder à apreciação conjunta destas duas pretensões recursivas, contrapostas como vimos, dada a sua natural conexão e interdependência.

Que dizer?

Quanto a nós, importa não olvidar preliminarmente que já resulta definitivamente assente e adquirido que os Autores sofreram efetivamente um dano, ao acabarem por ficar privados da parcela de terreno, sendo que o direito conferido aos mesmos era de uma parcela de terreno “infraestruturado”, pelo que o valor de € 30.000,00 apurado na instrução deste processo, e como tal consignado nos factos “provados”, constitui o limite mínimo do valor a que os Autores terão direito.

Na verdade, não vislumbramos como dar tutela e acolhimento à invocação da Ré/Recorrente CC no sentido da condenação ser reduzida para um valor no máximo de € 10.000,00.

Temos presente que a mesma funda uma tal pretensão nos princípios da igualdade, proporcionalidade e da equidade, mas, salvo o devido respeito, não se consegue retirar nenhum argumento concludente de tais princípios em abono dessa pretensão.

Com efeito, estando como está em causa uma frustrada vantagem patrimonial dos AA., a saber, os Autores terem ficado privados da parcela de terreno prometida[2], o valor a que terão direito nunca poderá ser inferior ao valor que foi encontrado na peritagem para uma parcela de terreno infraestruturada, naquelas circunstâncias de tempo e lugar.

Está, assim, encontrada a resposta para o recurso da Ré/recorrente CC, qual seja, a de que improcede inapelavelmente o recurso pela mesma interposto.

E que dizer do recurso dos AA., isto é, será que assiste razão a estes em reivindicar um valor superior aos € 30.000,00 que lhes foi atribuído na sentença recorrida.

Ainda que os AA. não sejam muito claros e precisos qual seja esse valor atualizado, não deixam de aludir a que «os peritos concluem que, actualmente, uma moradia unifamiliar no terreno em questão, vale actualmente 238.637,25€»…

Qual então o valor a que os AA. têm direito?

Quanto a nós, importa efetivamente não olvidar no caso juizado que o contrato promessa foi celebrado no ano de 1999, e que incumprimento se consolidou na escritura celebrada no ano de 2004, sendo que o valor de € 30.000,00 encontrado foi concretamente reportado ao ano de 2001.

Sucede que, à data da prolação desta decisão, estão volvidos quase 25 anos da celebração do contrato promessa e mais de 22 anos desde o início do incumprimento pela Ré CC [a considerar-se a escritura celebrada logo no ano de 2001].

Ora, apenas fazendo uma simples operação matemática de atualização do dito valor, tendo em conta os dados do INE[3], entre os anos de 2001 e 2023 (último ano disponível), à luz do “Índice de preços no consumidor (Média anual)”, obtém-se um “fator de atualização” de 1,53723713705012 e um valor atualizado de € 46.117,11.

Por outro lado, também não é de postergar a consideração de que estando em causa a indemnização pelo interesse contratual positivo, como sublinhado em douto aresto, «(…) a vantagem patrimonial de investimento construtivo propiciada à promitente-compradora por via do seu direito à conclusão do contrato prometido não pode deixar de estar incluída no interesse positivo do cumprimento do próprio contrato-promessa»[4].

Recorde-se que no nosso caso está em causa o valor de uma parcela/lote de terreno com potencialidades construtivas (e devidamente infraestruturado).

 Dito de outra forma: é efetivamente de ponderar o incremento económico que teria resultado para os AA. caso tivessem tido a titularidade da dita parcela de terreno infraestruturada logo no ano de 2001: teria seguramente sido possível nela edificar uma construção correspondente a uma moradia unifamiliar, a qual, segundo também resulta dos factos “provados”, para o Lote de terreno que veio a corresponder ao que havia sido objeto do contrato promessa, “teria um valor aproximado de € 238.637,25” [cf. ponto “33.” do correspondente elenco, isto reportado ao ano de 2019 e tendo em conta o Alvará de Loteamento do ano de 2008].

Naturalmente que este último valor compreende tanto o respeitante ao valor de investimento imobiliário do terreno como o respeitante ao da construção possível para o local, sendo que se desconhece [desde logo por não ter sido alegado, nem provado!], qual seja a proporção de um e outra na circunstância.

Não obstante, tem-se presente, por ser facto notório, que os encargos de construção têm um peso muito relevante no incremento económico que se obteria com a construção.

Porém, há sempre fatores de imponderabilidade e risco no mercado imobiliário, e que qualquer cálculo neste particular não pode olvidar!

Sendo certo que a indemnização a que os AA. têm direito terá que atentar na efetiva vantagem patrimonial para os AA. mais diretamente correspondente à parcela de terreno, que não ao incremento económico global…

O que tudo serve para dizer que será à luz de um juízo final de equidade[5] que importará fixar o valor indemnizatório a que os AA. têm direito.

Assim, ponderando todos os dados da situação, mormente o decurso do tempo já aludido, a vantagem patrimonial de investimento construtivo potencial, mas também que há fatores de imponderabilidade e risco que não podem ser olvidados, entende-se fixar no valor final de € 47.000,00 (quarenta e sete mil euros) a indemnização a que os AA. têm direito, valor que se tem por atualizado com referência à data da prolação deste acórdão.[6]

Nestes termos e limites procedendo o recurso dos AA. e, consequentemente, improcedendo o recurso deduzido pela Ré CC.

(…)

                                               *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, na parcial revogação da sentença da 1ª instância, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação deduzido pela Ré CC, mas em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pelos AA. AA e BB, em consequência do que a Ré vai agora condenada a pagar aos AA. a quantia de € 47.000,00 (quarenta e sete mil euros), ficando do demais peticionado por estes últimos absolvida.

 Custas na 1ª instância e pela apelação dos AA., na proporção de 70% para os AA. e 30% para a Ré; já as custas da apelação da Ré serão integralmente suportadas pela mesma.

                                                Coimbra, 23 de Janeiro de 2024


 Luís Filipe Cravo

Moreira do Carmo

 Rui Moura



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Moreira do Carmo
  2º Adjunto: Des. Rui Moura

[2] Sublinhou-se na Revista do STJ sobre esta situação [cf. facto “provado” sob “27.”] que «(…) o Recorrido sofreu efetivamente um dano, ao acabar por ficar privado da parcela de terreno infraestruturado, resultando esse dano, em termos de causalidade adequada, do facto ilícito anteriormente imputado à Recorrente».
[3] “serviço” disponível no portal do INE – cf. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc

[4] Trata-se do acórdão do STJ de 15.02.2018, proferido no proc. nº 7461/11.0TBCSC.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Isto tendo presente que “a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto… A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da jurisdicidade… A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto… não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação… é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal” (Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª ed., págs. 103/105)» – cfr. acórdão do TRL de 29/06/2006, proferido no proc. nº 4860/2006-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[6] Do que decorre que eventuais juros de mora só serão devidos a partir desta decisão atualizadora.