Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1049/04.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: NORMA DE CONFLITOS
SUB-ROGAÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL ESTRANGEIRA
SUBSÍDIOS
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 5.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 15.º; 495.º; 592.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 16.º DA LEI 28/84 DE 14 DE AGOSTO
Sumário: 1. A Segurança Social Alemã tem o direito a reaver as pensões de viuvez e de sobrevivência que pagou aos herdeiros de um beneficiário português, trabalhador na Alemanha, falecido em consequência de acidente de viação ocorrido em território português, através de um direito de sub-rogação, que, na legislação nacional portuguesa, também é conferida à Segurança Social.

2. Direito de sub-rogação que o Estado Português lhe tem de reconhecer, nos termos do artigo 93.º, n.º 1 do Regulamento (CEE) 1408/71, de 14 de Junho de 1971 e que incide sobre a seguradora do responsável pela produção do evento danoso que originou o direito indemnizatório.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

"A...”, com sede em .... Würzburg, na Alemanha instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “COMPANHIA DE SEGUROS B..., S.A.”, com filial no ..., Leiria.

Alegou para o efeito ser a caixa de previdência de Unterfranken, na Alemanha, instituição de segurança social da qual C...era beneficiário.

Sendo que este veio a falecer, em 20 de Outubro de 2000, em consequência de acidente de viação de que foi vítima, ocorrido em Leiria.

Mais alegou que C...era casado com D..., sendo que o casal tinha dois filhos, E..., nascido em 29.12.1976 e F..., nascido em 13.05.1980, que residiam com os pais, eram estudantes e encontravam-se, à data do acidente, na dependência económica daqueles.

A autora alegou ainda que, em consequência da morte do aludido beneficiário, ficou obrigada a pagar à mulher deste uma pensão de viuvez vitalícia, cujo direito apenas cessará se esta voltar a contrair matrimónio, num montante que, à data da instauração da acção, ascendia a um total de € 15.515,19.

E obrigada a pagar aos filhos do casal, pensões de sobrevivência por orfandade de harmonia com as leis de segurança social alemãs, tendo pago a E... um montante total de € 984,50 e a F... um montante total de € 4.627,44.

Tendo o primeiro pagamento aos aludidos herdeiros de C...ocorrido em 18.09.2001.

Por outro lado, a autora alegou que a ré é responsável pelo pagamento de tais quantias, dado que o acidente de viação de que resultou a morte de C..., ocorreu por culpa, única e exclusiva de G..., condutor de um veículo propriedade de “H... , Lda.”, no interesse da qual e sob as ordens e direcção efectiva conduzia, tendo a referida sociedade transferido para a ré a respectiva responsabilidade pelos danos causados a terceiros com o veiculo.

De harmonia com o peticionado, a autora peticionou a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 21.127,13, correspondente à soma dos montantes que pagou aos herdeiros do seu beneficiário C..., acrescida dos juros legais vencidos desde a citação até efectivo e integral pagamento e ainda nas verbas que a mesma venha a pagar a título de pensão de viuvez a D..., a partir de 1.1.2004 e a F..., a título de pensão de sobrevivência, a partir de 1.1.2004 até 31.07.2005, por morte de C..., sendo as primeiras de € 391,60 e as segundas de € 123,48, ambas actualizáveis, de harmonia com a lei alemã, quantias essas a liquidar de harmonia com o disposto nos artigos 378º e/ou 661º nº 2 do Código de Processo Civil.

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A ré contestou, alegando, em síntese, que efectivamente, à data do sinistro dos autos, a responsabilidade civil por acidentes automóveis do veículo identificado pela autora encontrava-se por si segura e não pretender discutir a matéria da responsabilidade do seu segurado pela produção do acidente dos autos.

No entanto, pugnou pela improcedência liminar da acção, porque, desde logo, a autora reclama um crédito que para si decorre da lei alemã, não existindo dúvida, tanto no que respeita à conformação dos direitos, como à regulação das relações jurídicas que se formem na sua decorrência, é a lei portuguesa a competente para regular a situação, considerando o disposto no artigo 45º do Código de Processo Civil e os direitos que aquela vem exercer não se encontram protegidos ao abrigo do disposto no art. 495º do Código Civil.

Sendo que a autora veio reclamar o exercício de um direito próprio, autónomo e independente e não qualquer direito sub-rogatório, como sucede no caso dos pedidos de reembolso formulados pelo sistema da Segurança Social portuguesa ao abrigo de legislação especial e própria.

Mas ainda que a acção tivesse sido conformada como uma acção sub-rogatória, também deveria decair, dado que, como a própria autora reconhece, a ré liquidou já aos herdeiros do falecido C...os danos decorrentes do acidente dos autos, tendo aqueles passado a competente quitação global e exonerativa.

Sendo que, com esse recebimento, extinguiu-se o direito de reclamar qualquer outra compensação ou verba.

Por outro lado, a ré alegou ainda que a pensão de sobrevivência e subsídios conexos se baseiam nos descontos efectuados pela própria vítima para a segurança social ou no sistema de protecção social organizado pelo Estado, sendo paga independentemente da causa do dano.

Sendo claro que, para existir sub-rogação legal, é necessário o cumprimento da obrigação de outrem e não de uma obrigação própria sem qualquer nexo de causalidade com o dever de indemnizar da seguradora.

Para concluir que mesmo que a autora pretendesse enquadrar o seu direito no sistema contributivo português, também se chegaria à conclusão de que o mesmo seria manifestamente inexistente face à ré.

*

A autora replicou, alegando que, de harmonia com o § 116, n°.1, do Código de Segurança Social Alemã – “Sozialgesetzbuch” – enquanto instituição de segurança social, fica subrogada nos direitos dos seus beneficiários contra terceiros, na medida das prestações de segurança social que está legalmente obrigada a pagar àqueles e, neste caso, aos seus herdeiros.

Sendo que o Regulamento nº 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996, que altera e actualiza o Regulamento nº 1408/71 do mesmo Conselho, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados dentro da Comunidade Europeia será aplicável porquanto o beneficiário da autora tinha nacionalidade portuguesa e era trabalhador assalariado na Alemanha, na data em que ocorreu o acidente em apreço.

Mais alegou que a entender-se que a lei portuguesa seria a única a regular a situação em apreço, então haveria que atender-se ao disposto no artigo 16° da Lei 28/84 de 14 de Agosto.

Por outro lado, no que concerne à alegação de que os herdeiros do beneficiário já haviam renunciado ao direito, a autora replicou alegando que, na presente acção, exerce a um direito que não está na esfera jurídica dos herdeiros do aludido C...mas antes que lhe pertence, sendo assim inócua a referida quitação.

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A autora requereu ainda a intervenção principal provocada dos supra identificados D..., E... e F..., para o caso de vir a improceder a acção contra a ré B... por via da prova do alegado recebimento das quantias em causa por parte daqueles.

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Admitida tal intervenção e citados os intervenientes, os mesmos contestaram, alegando, em síntese, que C..., durante os 19 anos que trabalhou na Alemanha, procedeu pontualmente aos correspondentes descontos.

Sendo por via de tais descontos laborais que emergem para a sua família os correspondentes direitos, os quais seriam devidos ainda que o dito C...tivesse falecido por morte natural.

Mais alegaram que, já a indemnização paga extrajudicialmente pela Seguradora B...emerge do acidente de viação, não tendo formulado as pretensões pecuniárias peticionadas nesta acção e a B...também não as pagou, tendo apenas pago os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do referido acidente de viação.

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A ré, na sequência do articulado dos intervenientes, alegou que, ao celebrarem o acordo de regularização do sinistro dos autos, os intervenientes não limitaram o conteúdo da indemnização, pelo que, ao passar a quitação com o conteúdo que consta dos autos, os intervenientes renunciaram na totalidade aos direitos que lhes pudessem assistir por força do acidente dos autos, incluindo prestações por morte do sistema de segurança social.

Foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, de que não houve reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento a qual se realizou de acordo com o formalismo legal, com gravação dos depoimentos prestados, tendo o Tribunal respondido à base instrutória sem que houvesse reclamações, cf. fl.s 491 a 494.

No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 505 a 533, na qual se decidiu o seguinte:

“1 – Julgar procedente a presente acção e em consequência condenar a ré Companhia de Seguros B..., S.A. a pagar à autora A... a quantia de vinte e um mil cento e vinte e sete euros e treze cêntimos (€ 21.127,13), correspondente à soma dos montantes que pagou aos herdeiros do seu beneficiário C..., acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento, e ainda nas quantias que a autora tenha pago a partir de 1 de Janeiro de 2004 e venha a pagar a D... a título de pensão de viuvez, e ainda nas quantias que a autora tenha pago a F..., a título de pensão de sobrevivência, desde 1 de Janeiro de 2004 até 31 de Julho de 2005, por morte de C..., absolvendo do pedido os intervenientes D..., E... e F....

2 – Condenar a ré Companhia de Seguros B..., S.A. no pagamento das custas da acção.”.

           

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré “ B...”, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 543), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões):

a) Através da audição dos depoimentos dos Intervenientes D..., E... e F..., referenciados na acta da sessão de julgamento de 3 de Novembro de 2010 e também disponíveis no H@bilus Media Studio e no CD n.º423, como se encontra assinalado na acta da sessão de julgamento do dia 3 de Novembro de 2010,...;

b) ... pode e deve o Tribunal ad quem considerar, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 264º do Código de Processo Civil, que os documentos referentes ao requerimento de pensões foram enviados para “a Alemanha” logo a seguir à morte do marido e pai dos Intervenientes e que estes nunca informaram a Apelante de que tinham direito a receber pensões “da Alemanha”;

c) E por isso pode e deve o Tribunal de Recurso concluir que a Apelante negociou as indemnizações e efectuou o respectivo pagamento na ignorância de que os Intervenientes podiam e, aliás, tinham já requerido as pensões que aqui se discutem;

d) Pelo que se deve proteger a posição de boa fé da Apelante;

e) Considerando todos os factos dados como provados nos autos, deve-se concluir que o direito de sub-rogação que a Autora pretende exercer só existe enquanto existir o direito sobre o qual se exerce essa sub-rogação, o que significa que esta só pode existir se aquele direito também existir ainda,

 f) Contudo, o que se prova é que, antes de a Autora ter começado a pagar qualquer das pensões dos autos, já os Intervenientes lesados haviam recebido todas as indemnizações a que se arrogaram, já haviam passado declaração de quitação, exonerando a Apelante de toda e qualquer obrigação e, com o pagamento respectivo, já tinham feito extinguir o direito de indemnização dos autos;

g) De acordo com o disposto no art. 592º do Código Civil, só pode haver direito de sub-rogação desde que exista um direito sobre o qual esta venha a incidir, pelo que, extinto o direito, desapareceu definitivamente a base sobre a qual o direito de sub-rogação legal da Autora pudesse actuar;

h) Por outro lado, concorda-se com a asserção da sentença em recurso: não pode haver cumulação do “pagamento das pensões sociais de sobrevivência com a indemnização atribuída a título de reparação de danos patrimoniais, no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito”;

i) Se assim é – como deve ser – não se pode então permitir essa cumulação, de uma forma enviesada, através da condenação da Apelante a pagar algo que já antes tinha pago;

j) Porque, na verdade, é este resultado distorcido aquele que a sentença em recurso potencia, de uma forma iníqua e desequilibrada para a Apelante;

k) Assim sendo, na necessária improcedência do pedido principal, devem os Intervenientes ser condenados no pedido subsidiário formulado pela Autora;

l) A sentença em recurso, interpretou e aplicou de forma defeituosa o disposto nos arts. 592º e 762º e seguintes do Código Civil, assim como as disposições do artigo § 116 n.º 7 do SGB;

m) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que, absolvendo a Apelante e condenando os Intervenientes, fará a mais nobre e elevada

JUSTIÇA !!!

           

           

            Contra-alegando, a autora “ A...”, pugna pela manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:

I – A douta decisão recorrida deve manter-se, pois aplicou correcta e rigorosamente, ao caso em apreço as normas legais e os princípios jurídicos competentes;

II – A Recorrente não põe em causa a matéria dada como provada, não pretendendo seja a mesma sindicada pelo Tribunal “ad quem”;

III – Os factos que a Recorrente pretende sejam tidos em conta, jamais poderão ser conhecidos para efeitos do Acórdão a proferir, porquanto os mesmos não são instrumentais, nem tão pouco complementares aos por si alegados, em sede de contestação;

IV - Bem pelo contrário, os factos em causa configuram factos essenciais, pois que a Recorrente funda o seu recurso nos mesmos, ancorando neles a sua pretensão - improcedência da acção;

V - Mesmo admitindo-se, apenas por mera hipótese de raciocínio, tais factos serem instrumentais, a consideração dos mesmos sempre seria oficiosa e não por impulso das partes, sem prejuízo da necessidade da sua alegação, sujeição a contraditório e demonstração;

VI - Cotejando a contestação, verifica-se que a Recorrente jamais, em momento algum, alegou a Recorrente desconhecimento de que “os lesados poderiam vir a receber qualquer prestação social de pensão ou outras congéneres por parte” da Recorrida e que em virtude desse desconhecimento, lhes pagou as indemnizações;

VII - O eventual desconhecimento só podia e devia ter sido invocado na contestação;

VIII - Em sede de recurso, a Recorrente vem agora invocar novos factos para fazer vingar a sua pretensão, pelo que, estamos perante uma realidade nova, aduzida aos autos pela Ré , depois da primeira tese não ter vingado, o que é inadmissível!

IX - Pese embora a Recorrente alicerce o seu recurso na aplicação das normas portuguesas, verdade é que a mesma não questiona, em sede de recurso, a aplicação das leis alemã e comunitária ao caso “sub judice”, pelo que é à luz das referidas normas – como exaustiva e irrepreensivelmente explicado na douta sentença – que devemos analisar o direito da Recorrida ao recebimento das quantias peticionadas;

X - Uma vez que o artigo 93º. do referido Regulamento (CEE) nº. 1408/71 obriga a que os Estados-Membros reconheçam os direitos consagrados nos outros, impõe-se indagar o estabelecido pela Lei de Segurança Social Alemã (“Sozialgesetzbuch”), mormente o regime do §116 (1), sendo crucial na resolução do caso “sub judice” o preceituado no nº. 7 do mesmo §116 do SGB;

XI - Resulta inequívoco que, à luz da Lei alemã, estamos perante um direito de sub-rogação, porquanto, em virtude do falecimento do seu beneficiário, a Recorrida pagou e continua a pagar prestações sociais aos Intervenientes, estabelecendo o “SGB” ( Lei de Segurança Social alemã) que nessa circunstância, o direito de indemnização por danos transita para a instituição dos Serviços Sociais;

XII - A Recorrida, enquanto instituição de segurança social, tem a obrigação legal de assegurar a protecção do beneficiário e efectuar os pagamentos, adiantando-os, sem prejuízo de reaver do terceiro, civilmente responsável, os montantes pagos, nisto consistindo a sub-rogação legal;

XIII - O facto da Recorrente ter procedido, em data anterior à propositura da acção ao pagamento de indemnização aos Intervenientes, herdeiros do beneficiário da Recorrida, não a exime do pagamento das quantias pagas e que venham a ser pagas pela Recorrida aos mesmos;

XIV - pois que o direito de sub-rogação “in casu” é o que resulta da Lei de Segurança Social Alemã (com a obrigação dos Estados Membros reconhecerem este direito, nos termos em que o mesmo está estabelecido) e não o da aplicação do regime do art. 592º. do Cód. Civil, disposição na qual a Recorrente, erradamente, suporta a sua alegação;

XV - Nessa conformidade, há que ter em atenção a especialidade do nº. 7 do § 116 do SGB e, concluir que os Intervenientes, herdeiros do beneficiário da Recorrida, ao receberem a indemnização da Recorrente, não o fizeram com efeitos liberatórios para aquela;

XVI - Os Intervenientes receberam a indemnização da Recorrente em 18/05/2001, sendo que os pagamentos das pensões sociais, por parte da Recorrida, se iniciaram quatro meses mais tarde, em 18/09/2001;

XVII - A declaração de quitação foi redigida pela Recorrente, “tipo chapa”, da qual a palavra “renunciar” faz parte, sendo que a Recorrida não teve qualquer intervenção ou sequer é mencionada nessa declaração;

XVIII - Se é certo que os Intervenientes receberam da Recorrente quantia indemnizatória, a título de danos patrimoniais futuros e que os mesmos concorrem, parcialmente, com a natureza das prestações sociais pagas pela Recorrida, cumulação que não se admite, tal não implica a desoneração da Recorrente na obrigação de reembolso à Recorrida, na medida em que, insiste-se, se aplica o disposto do nº. 7 do § 116 do SGB;

XIX - Resultou provado que os “lesados”- Intervenientes pretendiam a cumulação das prestações pagas pela Recorrida com a indemnização paga pela Recorrente a título de danos patrimoniais futuros!

XX - Basta analisar a contestação dos Intervenientes, para se perceber que a presente acção foi inusitada, estando os mesmos convictos que poderiam cumular a indemnização paga pela Recorrente com as prestações pagas pela Recorrida, a título de pensões de viuvez e de sobrevivência por orfandade;

XXI - Estes desconheciam a proibição de cumulação das referidas quantias, pelo que ao receberem da Recorrente a indemnização por danos patrimoniais futuros jamais o fizeram com efeitos liberatórios para a Recorrida!

XXII - De sublinhar que o nº. 7 do §116 do SGB qualifica a obrigação de restituição como solidária, pelo que a condenação da Recorrente mostra-se consentânea com a lei e com o pedido formulado;

XXIII- Em face de tudo quanto ficou exposto, a douta sentença recorrida tem necessariamente de manter-se, pelo que a Recorrida nela se louva inteiramente.

Termos em que o presente recurso não deve merecer provimento, mantendo-se a douta decisão recorrida, com todas as consequências legais.

            Igualmente, contra-alegaram os intervenientes, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, defendendo que a recorrente pretende introduzir matéria nova, antes não alegada, no que concerne à possibilidade de os intervenientes poderem e quererem solicitar o pagamento de indemnizações à segurança social alemã, bem como que não resulta dos recibos que assinaram terem renunciado a este eventual direito.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

            A. Se se deve considerar como provado, nos termos do artigo 264.º, n.º 2 do CPC que “os documentos referentes ao requerimento de pensões foram enviados para a Alemanha logo a seguir à morte do marido e pai dos intervenientes e que estes nunca informaram a ré de que tinham direito a receber pensões da Alemanha”;

            B. Se inexiste o direito de sub-rogação invocado pela a autora, em virtude de a ora ré já ter pago aos ora intervenientes as indemnizações por estes formuladas em consequência da morte de seu marido e pai, antes de a autora lhes ter começado a pagar as pensões, disso dando quitação, pelo que qualquer direito de sub-rogação que assistisse à autora, já se teria extinguido e;

            C. Se os intervenientes devem ser condenados no pedido subsidiário formulado pela autora.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1) A autora é a “Caixa de Previdência da Baixa Francónia”, instituição de segurança social alemã.

2) No dia 20.10.2000 ocorreu um embate entre o veículo de matrícula “52-78-LZ” com o semi reboque “L-128810”, conduzido por G..., seguro na Ré e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “72-55-LL” propriedade de C...e por este então conduzido.

3) No dia 20.10.2000, C...tripulava o seu veículo de matrícula “LL”, pelo IC2, em Leiria, no sentido Norte - Sul.

4) Transportava no mesmo veículo consigo D....

5) Ao chegar ao km 123,9, dentro de Leiria, por motivos desconhecidos e não apurados, o veículo do dito C..., de matrícula “LL”, embateu frontalmente no separador central em betão e, em consequência,

 6) Tombou sobre o seu lado direito e ficou imobilizado dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido em que seguia.

7) No mesmo sentido em que circulava o “LL” e à retaguarda deste, circulava outro veículo, conduzido por I....

8) Ao aperceber-se do sucedido ao veículo “LL” de C..., I... parou a sua viatura fora da faixa de rodagem e foi prestar assistência aos ocupantes C...e D..., do veículo “LL”, os quais, entretanto, saíram deste veículo pelos seus próprios meios.

9) Passados poucos minutos – cerca de 5 minutos – surgiu o tractor de matrícula “52-78- LZ” com o semi-reboque “L-128810” conduzido pelo referido G..., pela via de tráfego do lado esquerdo ou de aceleração, atento o sentido Norte – Sul, atrás de uma fila de trânsito que se havia entretanto formado.

10) Ao verificar que a referida fila de trânsito se encontrava parada, o aludido G... também tentou imobilizar o seu veículo e semi-reboque, travando.

11) Apercebendo-se, porém, que não conseguia imobilizar o veículo “LZ” e seu “semireboque” sem embater nos veículos que se encontravam à sua frente,

12) O condutor do “LZ” desviou o mesmo para o seu lado esquerdo e invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária àquela em que seguia, ao mesmo tempo que buzinava.

13) Prosseguindo por aí, e dentro dessa faixa de sentido contrário, foi embater frontalmente no veículo de matrícula “LL”.

14) Em consequência do referido embate, D... que, entretanto, havia entrado de novo no “LL” e se encontrava no respectivo banco traseiro, foi projectada para fora deste.

15) Acto contínuo, o veículo de matrícula “LZ” embateu em C...e em I..., os quais se encontravam na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido Norte – Sul, sendo que, o aludido C...foi arrastado pelo aludido veículo estrada fora.

16) Em consequência de tal embate, o veículo de C..., de matrícula “LL”, foi abalroado e colidiu com um veículo que seguia pela mesma via, mas em sentido contrário.

17) Após o embate com o “LL”, o veículo de matrícula “LZ” percorreu desgovernadamente dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido Norte – Sul, mais de 83 metros, enquanto C... foi arrastado pelo mesmo cerca de 40 metros.

18) O limite de velocidade máxima instantânea no local do acidente era, então, de 70Km/h.

19) Os embates dos veículos “LZ” e “LL” e o atropelamento de C.. e de I... ocorreram sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido Norte - Sul, em local onde a via, com faixa de rodagem dupla em ambos os sentidos, cada uma com cerca de 7,40m de largura, divididas por um separador em betão, apresenta um traçado recto.

20) Na altura do acidente chovia e o piso estava escorregadio, sendo ainda noite.

21) No momento do embate entre do veículo “LZ” no veículo “LL” e bem assim dos atropelamentos, o veículo “LZ” circulava a velocidade não inferior a 80Km/h, não tendo a velocidade ficado registada no respectivo tacógrafo que se encontrava desligado.

22) Em consequência do acidente descrito supra, resultaram, para C... lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e toráxicas, as quais foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida em 20.10.2000.

23) À data do acidente, E... e F... viviam com C... e D..., eram estudantes e encontravam-se, na dependência económica destes.

24) Por sentença transitada em julgado proferida no processo n.º 1079/00.o TALRA do 3º. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, com base nos factos descritos de 2) a 22), em cúmulo jurídico, G... foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada e em concurso real, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º n.º1 do Cód. Penal, e de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, ps. e ps. pelo art. 148.º n.º1 do Cód. Penal.

25) G..., conduzia o veículo tractor “52-78- LZ” com o semi reboque de matrícula “L-128810”, no interesse e sob as ordens e direcção efectiva da proprietária do mesmo, “ H..., Lda.”, a qual havia transferido para a Ré a respectiva responsabilidade pelos danos causados a terceiros com o mesmo, através da apólice de seguro 6.673.624, ramo 6.

26) A Ré pagou a D..., E... e F..., em 18.05.2001, a verba de

74.819,68€.

27) Do documento particular datado de 18.05.2001, assinado por D..., E... e F..., com assinaturas reconhecidas no Cartório Notarial de Tondela, consta que:

«Declaro(amos) ter recebido da Companhia de Seguros B...e, S.A., a quantia acima indicada, como indemnização por prejuízos causados pelo sinistro ocorrido na data mencionada referente a:

Danos não patrimoniais 8.500.000$00

Danos patrimoniais futuros 6.316.000$00

Danos patrimoniais emergentes (despesas funeral) 184.000$00

Consequentemente, declara que tanto a Companhia de Seguros B..., S.A, como o seu segurado e condutor, ficam relevados de toda a obrigação relativa ao dito acidente, passando o presente recibo definitivo e sem reserva por renunciar expressamente a quantos direitos de acção judicial e indemnizações lhes possam corresponder em virtude do mesmo ficando aquela subrogada em todos os direitos, acções e recursos contra quem for havido como responsável pelo acidente.»

28) A Ré pagou a D..., em 28.01.2002, a verba de 19.951,92€.

29) Do documento particular datado de 17.01.2002, assinado por D..., consta que:

«Declaro(amos) ter recebido da Companhia de Seguros B..., S.A., a quantia acima indicada, como indemnização por prejuízos causados pelo sinistro ocorrido na data mencionada referente a:

Danos patrimoniais e não patrimoniais 19.951,92€

Consequentemente, declara que tanto a Companhia de Seguros B..., S.A, como o seu segurado e condutor, ficam relevados de toda a obrigação relativa ao dito acidente, passando o presente recibo definitivo e sem reserva por renunciar expressamente a quantos direitos de acção judicial e indemnizações lhes possam corresponder em virtude do mesmo ficando aquela subrogada em todos os direitos, acções e recursos contra quem for havido como responsável pelo acidente.

Mais se declara que neste valor se encontra a percentagem referente a perda-total veículo 72-55-LL cujos salvados ficaram na posse da proprietária.»

30) D..., E... e F... formularam à ré os seguintes pedidos para efeitos de indemnização:

a. Pela falta do falecido para o sustento do casal e dos filhos que frequentavam as Universidades de Coimbra e Aveiro;

b. Pelo choque emocional e profundo desgosto causado à mulher e filhos;

c. Pela perda do direito à vida do C...;

d. Pela perda da carrinha 72-55-LL;

e. Pelo depósito da viatura;

f. Pelo funeral;

g. Pelas dores e incómodos sofridos pela interveniente D...;

h. Pela incapacidade permanente parcial sofrida pela interveniente D...;

i. Pela assistência médica e medicamentosa prestada à interveniente D....

31) Após negociações com a ré, esta acordou em pagar, em relação ao falecido Antero, as quantias referidas em 27).

32) Pela viatura e os danos sofridos pela interveniente D..., a ré pagou a esta a quantia referida em 29).

33) À data do acidente, C...era o beneficiário nº. 11 171 149 R 155 da autora.

34) Em consequência da morte de C..., a Autora pagou a D..., a título de pensão de viuvez, as seguintes quantias e relativamente aos seguintes períodos:

a. Entre 20.10.2000 - 31.10.2000 - 469,70DM= 240,15€

b. Entre 01.11.2000 - 31.01.2001 - 3.640,20DM =1.861,20€

c. Entre 01.02.01 - 30.06.01 - 3.640,20DM=.1.861,20€

d. Entre 01.07.01 – 31.12.01 – 4.451,88 DM = 2.276,21€

e. Entre 01.01.02 – 30.06.02 – 2.276, 21€

f. Entre 01.07.02 – 30.06.03 – 4.650,60€

g. Entre 01.07.03 – 31.12.03 – 2.349, 60€.

35) Ainda em consequência da morte de C..., a Autora pagou, a título de pensão de sobrevivência por orfandade, a E..., desde 20.10.2000 até 30.06.2001, do montante de 117,36€ cada uma, num total de 984,50€.

36) Ao filho F..., a Autora pagou as mesmas pensões de sobrevivência por orfandade, do montante de 117,36€ cada uma, desde 20.10.2000 até 31.12.2003, num total de 4.627,44€.

37) O primeiro pagamento da autora a D..., E... e F... ocorreu em 18.09.2001.

38) D..., E... e F..., em 18.05.2001, receberam da ré a verba de € 74.819,68.

39) A palavra renunciar referida pela ré faz parte dos recibos “chapa” emitidos pela mesma.

Considerando a factualidade alegada pelas partes, as certidões juntas a fls. 302, 303 e 344 e o disposto no artigo 659º nº 3 do Código de Processo Civil, resultou ainda provado que:

40) C...faleceu no dia 20.10.2000, no estado de casado com D....

41) E... nasceu no dia 29 de Dezembro de 1976 e está registado como filho de C...e de D....

42) F... nasceu no dia 13 de Maio de 1980 e está registado como filho de C...e de D....

            A. Se se deve considerar como provado, nos termos do artigo 264.º, n.º 2, do CPC, que “os documentos referentes ao requerimento de pensões foram enviados para a Alemanha logo a seguir à morte do marido e pai dos intervenientes e que estes nunca informaram a ré de que tinham direito a receber pensões da Alemanha”.

            Defende a recorrente que assim deve ser por isso resultar dos depoimentos prestados pelos próprios intervenientes, pelo que tal matéria, nos termos do artigo 264.º, n.º 2, CPC, se deve ter por provada.

            A recorrida e intervenientes pugnam por que assim não seja, dado tratar-se de matéria nova e essencial à sua pretensão, a de que inexiste o direito de sub-rogação invocado pela autora, por os intervenientes já terem declarado estarem ressarcidos dos direitos indemnizatórios decorrentes do acidente que originou os presentes autos.

            Nos termos do artigo 264.º, n.º 2, do CPC:

            “O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.”.

            O que a ora ré pretende com a inclusão de tais factos é exonerar-se da sua responsabilidade para com a autora, com o fundamento em que, como já referido na contestação, nos termos do artigo 592.º do CC, não pode existir o direito de sub-rogação invocado pela autora, porque quando esta o exerceu já a sua responsabilidade se havia extinguido por ter liquidado aos herdeiros do beneficiário da autora as indemnizações a que estes se julgavam com direito, dando quitação nesse sentido.

            Trata-se, pois, de matéria de excepção invocada contra o direito exercido pela autora.

            Só que, compulsando a contestação deduzida pela ré, ora recorrente, verifica-se que quanto à questão que ora pretende ver incluída: envio de documentação para a Alemanha com vista à obtenção do pagamento de pensões da segurança social alemã, do que não a terão informado, nada é alegado.

            Ao receber a citação para contestar a acção que lhe é movida pela ora autora, logo na contestação, devia a ré deduzir toda a sua defesa, nos termos previstos nos artigos 487.º a 490.º do CPC, reiterando-se que, quanto a esta matéria, nada foi alegado, podendo, desde logo, fazê-lo.

            O artigo 264.º, n.º 2 do CPC veda ao juiz a consideração de factos principais diversos dos alegados pelas partes, aí se incluindo os que fundamentam as excepções deduzidas, apenas valendo quanto aos factos instrumentais – neste sentido, Lebre de Freitas, CPC, Anotado, Vol. 1.º, Coimbra Editora, 1999, pág.s 465 e 466.

            Seguindo Lopes do Rego, in Comentários ao CPC, Vol. I, 2.ª Edição, 2004, Almedina, 2004, a pág.s 252 e 253:

            “O regime baseia-se numa fundamental distinção entre factos essenciais e factos instrumentais.

            Os factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes.

            Os factos instrumentais destinam-se a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, á demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.”.

            Aplicando tais asserções à situação sub judice, parece-nos, com o devido respeito, que os factos que a recorrente pretende ver demonstrados, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 264.º, CPC, não podem ser vistos como instrumentais relativamente à defesa por excepção que deduziu.

            Trata-se, efectivamente, de factos que corporizam a existência de uma excepção e como tal, deveriam ser alegados em momento próprio, na contestação, não, podendo, agora, a ré, deles aproveitar nos alegados termos.

            Assim, quanto a esta questão, tem de improceder o presente recurso.   

            B. Se inexiste o direito de sub-rogação invocado pela autora, em virtude de a ora ré já ter pago aos intervenientes as indemnizações por estes formuladas em consequência da morte de seu marido e pai, disso dando quitação, pelo que qualquer direito de sub-rogação que assistisse à autora, já se teria extinguido.

            Alega a ré que assim tem de se considerar porque tendo liquidado todas as quantias que os intervenientes reclamaram, do que estes deram quitação, já se extinguiu o direito a que se arroga a autora, por força do disposto no artigo 592.º CC.

           

            Pensamos que assim não é, sendo de sufragar a sentença recorrida.

            Efectivamente, como nesta se decidiu, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do CC, se é a lei portuguesa que regula a matéria da fixação da responsabilização pela produção do evento danoso (aqui não posta em causa, pelo que já definitivamente decidida), já quanto à fixação do direito invocado terá de ter-se em conta a lei alemã, por força do que se acha estabelecido no artigo 15.º do mesmo Código e atento a que a autora é uma instituição de segurança social alemã, que se rege pelo direito nacional alemão.

            A zona de conflito entre normas limita-se à questão da fixação da responsabilização pela ocorrência do evento danoso, remetendo este artigo 15.º, depois de fixada a lei previamente competente, para os critérios com base nos quais se há-de fazer, dentro da lex causae, a selecção das normas aplicáveis – neste sentido, P. de Lima e A. Varela, CC, Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1982, a pág. 63.

            Assim e desde logo há que ter em conta o fixado no Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho de 04 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, que abrange os trabalhadores assalariados ou não assalariados e os estudantes que estejam ou tenham estado sujeitos à legislação de um ou vários Estados-membros e sejam nacionais de um dos Estados-membros, bem como aos membros e membros sobrevivos da sua família e tendo em vista a atribuição, entre outras, de prestações de sobrevivência, subsídios por morte prestações familiares – cf. artigos 2.º e 4.º do citado Regulamento.

            No caso em apreço verificou-se o decesso, em Portugal, de um cidadão português que era beneficiário da autora, a qual, por via disso, pagou aos seus herdeiros as pensões descritas em 34 a 38 dos factos dados como provados na sentença recorrida, quantias que agora veio reclamar da ré.

            Pagamentos estes a que os herdeiros do falecido C... tinham direito por virtude das disposições já citadas do Regulamento acima referido, como decorre directamente do seu artigo 65.º, n.os 1 e 2, não obstante o óbito se ter verificado em Portugal, de acordo com os quais quando um trabalhador falecer no território de um Estado-membro que não seja o estado competente, considera-se que a morte ocorreu no território deste último Estado e a instituição competente deve conceder os subsídios por morte devidos ao abrigo da legislação por ela aplicada, ainda que o beneficiário resida no território de um Estado-membro que não seja o Estado competente.

            Relevante é, ainda, o teor do artigo 93.º do mesmo Regulamento, de acordo com o qual:

            n.º 1. Se, por força da legislação de um Estado-membro, uma pessoa beneficiar de prestações, em resultado de dano sofrido por factos ocorridos no território de outro Estado-membro, os eventuais direitos da entidade devedora contra o terceiro responsável pela reparação do dano são regulados do seguinte modo:

            a) Quando a instituição devedora estiver sub-rogada, por força da legislação por ela aplicada, nos direitos que o beneficiário detém contra o terceiro, essa sub-rogação é reconhecida por cada um dos Estados-membros;

            b) Quando a instituição devedora tiver um direito directo contra o terceiro, cada um dos Estados-membros reconhece esse direito.

            A legislação alemã que rege o pagamento de tais subsídios e pensões é o SGB (Sozialgesetzbuch), o qual no seu Parágrafo 116 (1) estipula que:

            “Qualquer outro direito de indemnização por danos regido por outras disposições legais transita para o órgão segurador ou instituição dos serviços sociais, desde que esse direito dê origem a prestações sociais, por força de um acontecimento originador do dano, que visem a reparação de um dano de tipo idêntico, e que incidam num período de tempo idêntico ao do autor do prejuízo que tenha de pagar a indemnização por perdas e danos.”.

            Acrescentando-se no seu n.º 7:

            “Caso a parte lesada ou um sucessor do lesado obtenha prestações da entidade devedora da indemnização por perdas e danos no âmbito de um direito cedido, com efeitos liberatórios para o órgão segurador ou à instituição de Serviços Sociais, deverão restituir ao órgão segurador ou à instituição de Serviços Sociais as prestações pagas. Caso as prestações não tenham quaisquer efeitos liberatórios para o órgão segurador ou a instituição de Serviços Sociais, a entidade devedora da indemnização por perdas e danos e a parte lesada ou os seus sucessores terão o órgão segurador ou a instituição de Serviços Sociais por solidariamente responsáveis.”.

            Daqui resulta, pois, que transitou para a autora o direito a reaver as prestações que pagou em virtude do acidente dos autos, aos herdeiros do falecido C..., através de um direito de sub-rogação, que, na legislação nacional portuguesa também é conferida à Segurança Social – cf., a título de exemplo, o Acórdão do STJ, de 02/10/2007, Processo 07A2763, in http://www.dgsi.pt/jstj.

            Direito de sub-rogação da autora que o Estado Português lhe tem de reconhecer, nos termos do já citado artigo 93.º, n.º 1 do Regulamento (CEE) 1408/71, de 14 de Junho de 1971 e que incide sobre a ora ré, na qualidade de seguradora do responsável pela produção do evento danoso que originou o direito indemnizatório em causa.

            Como, igualmente, nos termos da alínea b), deste preceito, lhe terá de reconhecer qualquer direito directo que a instituição de Segurança Social tenha contra o terceiro responsável pela reparação do dano.

            E assim sendo, torna-se despiciendo o facto de a ora ré ter pago aos herdeiros do falecido C... as indemnizações, do que estes deram quitação, indemnização essa que, é indiscutível, abrange, ao menos, em parte, os danos que, também originaram o recebimento das prestações por parte da autora.

            Consequentemente, não se pode apelar ao disposto no artigo 592.º do CC uma vez que é aplicável ao caso em apreço o Regulamento CEE a que acima já se aludiu e por via deste a legislação alemã aplicável e de que resulta ter a autora direito a haver da ré a quantia pedida, correspondente às pensões de viuvez e de sobrevivência que pagou aos ora intervenientes.

            E nem a procedência de tal pretensão fica inviabilizada pelo facto de os intervenientes terem dado quitação das quantias quer receberam da ré a título de indemnização pelos prejuízos que lhes advieram do acidente que deu causa aos presentes autos.

            Efectivamente, não se trata de um direito que esteja a ser exercido pelos intervenientes, para além do acordado.

            Ao invés, na presente acção, está a ser exercido um direito por parte de um terceiro não interveniente no acordo celebrado com a ora ré com vista à fixação de tal indemnização, pelo que a autora não está vinculada àquele acordo.

            Nem de igual modo a tal obsta o facto de os intervenientes terem recebido da ré e da autora indemnizações e pensões que abrangem o mesmo círculo de direitos, sendo certo que os mesmos não podem cumular as pensões que receberam da autora com a indemnização recebida da ré, na parte em que têm por base os mesmos danos, tal como já referido na sentença recorrida, com diversas citações jurisprudenciais e a que se acrescenta, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ, de 02/10/2007, já acima mencionado.

            Mas, tal, reitera-se, não afasta o direito a que se arroga a autora, à custa da ré, tendo esta, se o entender, que demandar os intervenientes para haver deles o que lhes pagou e que estes vieram, mais tarde, a obter da autora, sendo que o direito desta resulta, como já explicitado, do citado Regulamento e parágrafo 116, n.os 1 e 7 do SGB, em termos que qualquer dos Estados-membros tem de reconhecer, cf. artigo 93.º do referido Regulamento 1408/71.

Assim, igualmente, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.        

C. Se devem os intervenientes ser condenados no pedido formulado pela autora.

Defende a ré que na improcedência do pedido principal, devem os intervenientes ser condenados no pedido subsidiário formulado pela autora.

A procedência desta questão do recurso, desde logo como a configura a própria recorrente, dependia da improcedência do pedido principal, o que não se verificou.

Assim, desde logo, e sem necessidade de outras considerações, não pode tomar-se em conta o pedido subsidiário formulado pela autora, que apenas o foi para a hipótese de improcedência do principal, o que acarreta a improcedência desta questão do recurso em apreço.

Pelo que, também, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco dos Santos

António Beça Pereira