Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1363/09.8TBMGR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
EXECUÇÃO
DESPEJO
CADUCIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
FALTA DE CITAÇÃO
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1038º, AL. A), 1048º, Nº 2 E 1084º, Nº 3 DO C. CIVIL
Sumário: I – O objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente.

II - O pagamento da renda é, naturalmente, uma obrigação característica do contrato de arrendamento. É a remuneração do gozo que o contrato faculta ao arrendatário e que aparece como elemento essencial dele (artº 1038º, al. a) do Código Civil).

III - O arrendatário constitui-se em mora no tocante à obrigação de pagamento da renda sempre que, por motivo que lhe seja imputável, não fizer esse pagamento (artº 804º, nº 2 do Código Civil).

IV - A mora do arrendatário no tocante à realização daquela prestação pecuniária está, porém, sujeita a um regime marcadamente especial, que se explica pela importância jurídica e social do contrato de arrendamento.

V - A lei reconhece ao arrendatário a possibilidade de fazer caducar o direito de resolução se, até ao termo do prazo da contestação, na acção declarativa, ou da oposição, na acção executiva, pague ou deposite as rendas a indemnização devidas (artº 1048 nº 1 do Código Civil).

VI - Efectivamente, nos casos em que a declaração de resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento da renda, opere por comunicação, o arrendatário pode provocar a sua ineficácia, pondo fim à mora no prazo de três meses (artº 1084º, nº 3 do Código Civil).

VII - A superveniência do NRAU trouxe um favor debitoris inovador, dado que além de se continuar a permitir ao arrendatário que obste à resolução do contrato, através do pagamento ou depósito das rendas em dívida e da indemnização moratória até ao termo do prazo da contestação da acção declarativa, se lhe concedeu a faculdade de, na acção executiva, através do pagamento das rendas em mora e da respectiva indemnização, até ao termo do prazo de dedução da oposição, provocar a ineficácia da declaração de resolução do contrato de arrendamento, que, assim, renasce ope legis.

VIII - Dito doutro modo: o trânsito em julgado da sentença não preclude a faculdade do executado de provocar, já não evidentemente a extinção do direito de resolução do contrato, mas a ineficácia mesmo da sentença que decretou essa resolução, fazendo renascer o contrato de arrendamento que, por força daquele trânsito se tinha irrecusavelmente por extinto.

IX - Inversamente, a única causa de preclusão daquela faculdade e que, portanto, veda o seu exercício na acção executiva é a sua actuação na acção declarativa, dado o carácter irrepetível do seu exercício no contexto judicial (artº 1048º, nº 2 do Código Civil).

X - Há falta de citação do executado para a acção declarativa, se este, por facto que lhe não é imputável, não chegou a ter conhecimento do acto; aquele acto de citação é nulo se a carta registada destinada a dar-lhe notícia da realização, na pessoa de terceiro, do acto de citação é expedida depois da extinção do prazo peremptório de oferecimento da contestação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

O executado, A…, apelou da sentença da Sra. Juíza de Direito do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande que julgou improcedente a oposição que deduziu contra a execução para entrega de coisa imóvel arrendada, com processo especial, que contra ele e o seu cônjuge, M…, foi promovida por P… e R...

O recorrente extraiu da sua alegação as conclusões seguintes:

Não foi oferecida resposta.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. O executado alegou nos artºs 54º e 55º da petição inicial da oposição, respectivamente, que:

a) Em 2010/06/11, pela executada foi depositado, na conta bancária indicada no contrato de arrendamento para tal efeito, o valor de 175 €, relativos a renda de Junho de 2010.

b) Mostrando-se pagas, até à presente data todas as rendas vencidas, que procedeu hoje, ao depósito, na mesma conta bancária indicada no contrato de arrendamento para depósito das rendas, do montante de 1 575,00 €, respeitante à indemnização igual a 50% das rendas referidas que não foram atempadamente pagas, ou seja sobre todas as rendas excluindo a do mês de Março de 2010, paga atempadamente em 03/05/2010, relativamente à qual não é devida qualquer indemnização.

2.2. Os exequentes não impugnaram a alegação referida em 2.1., tendo-se limitado a afirmar que a problemática expressa nos artºs 44º a 57º do requerimento inicial – que contém a alegação dos factos relativos depósitos das rendas em dívida e da indemnização - é alheia à natureza da questão que se discute neste apenso.

2.2. O executado ofereceu, logo com o articulado de petição inicial da oposição, sob os nºs 11 e 12, cópia dos depósitos referidos em a) e b), que os exequentes não impugnaram.

2.3. O Tribunal de que provém o recurso decidiu, na sentença final, a matéria de facto, nestes exactos termos:

(dos FACTOS ASSENTES)

A) Foi dada à execução instaurada em 5-5-2010 pelos Exequentes a sentença judicial que faz fls. 32 e segs. da acção declarativa a que estes também se mostram apensos.

B) Nessa mesma acção declarativa foi junta com data de 6-10-2009 nota de citação efectuada ao R. na terceira pessoa, de M…, mulher do aqui Oponente, em 1-10-2009, tendo sido deixado aviso com indicação para a sua citação com dia e hora certa, tendo ficado consignado que ao acto se realizaria às 19 h do dia 1-10-2009. Nessa mesma nota a M… declarou estar em condições de receber a citação e que ficou ciente de quer (sic), nos termos do art. 240/4 do Código de Processo Civil constituía crime de desobediência a conduta de quem, tendo recebido a citação, não entregue logo que possível ao citando os elementos deixados pelo funcionário que a realizou, de que foi advertida.

C) Com data de 14-1-2010 foi expedida nota de citação nos termos do art. 241 do Código de Processo Civil, conforme cópia de fls. 15.

D) Em 24-5-2010 foram recebidas por E… as cartas registadas com aviso de recepção expedidas para citação dos Executados nos autos de execução e a estes foram entregues.

E) Foram efectuados, até hoje, pela executada M…, os depósitos de rendas na conta bancária indicada no contrato de arrendamento para tal efeito, discriminados nos subsequentes assim discriminados (sic).

F) Em 2009/09/04, o valor total de 1.562,10 €, destinado ao pagamento das seguintes rendas:

a) 162,10 €, relativos ao pagamento do remanescente em dívida da renda respeitante a Dezembro de 2008;

b) 1.400 €, relativos ao pagamento integral das rendas relativas aos meses de Janeiro a Agosto de 2009, inclusive (175 € x 8 meses). (Doc. n.º 2).

G) Em 2009/09/10, o valor de 175 €, relativos à renda de Setembro de 2009 (Doc. n.º 3).

H) Em 2009/10/12, o valor de 175 €, relativos à renda de Outubro de 2009 (Doc. n.º 4).

I) Em 2009/11/12, o valor de 175 €, relativos à renda de Novembro de 2009 (Doc.n.º 5).

J) Em 2009/12/14, o valor de 175 €, relativos à renda de Dezembro de 2009 (Doc. n.º 6).

L) Em 2010/02/11, o valor de 175 €, relativos à renda de Janeiro de 2010 (Doc. n.º 7).

M) Em 2010/03/05, o valor de 350 €, relativos à renda de Fevereiro e Março de 2010 (Doc.n.º 8).

N) Em 2010/04/12, o valor de 175 €, relativos à renda de Abril de 2010 (Doc. n.º 9).             

O) Em 2010/05/10, o valor de 175 €, relativos à renda de Maio de 2010 (Doc. n.º 10).

(Da BASE INSTRUTÓRIA)

P) A Executada M… não entregou ao aqui Oponente a carta que se alude em B) supra.

Q) Nem a que se refere em C) supra.

R) Nem a carta para notificação da sentença a que se alude em A) supra.

S) A Executada M… coabitava à data de 1-10-2009 com o Executado A… aqui Oponente.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

                Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

                Tendo em conta a vinculação temática desta Relação à alegação do recorrente e ao conteúdo da decisão recorrida as questões concretas controversas que importa resolver são a de saber se:

a) O tribunal de que provém o recurso incorreu, na decisão da matéria de facto num error in iudicando, e, correspondentemente, se esse julgamento deve ser modificado;

b) A sentença judicial em que se baseia a execução é intrinsecamente inexequível pela verificação de um facto extintivo da obrigação exequenda;

                c) A sentença que serve de título executivo é extrinsecamente inexequível por um vício da acção declarativa em que se formou esse mesmo título - a falta ou nulidade da citação, para aquela acção, do executado.

                A resolução destas questões concretas controversas vincula, naturalmente, ao exame, ainda que pouco detido, dos poderes de controlo desta Relação sobre a decisão da matéria de facto, da caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento da renda, pelo pagamento, depósito ou consignação em depósito das rendas devidas e da indemnização moratória, e do regime da falta e da nulidade da citação.

                3.2. Parâmetros de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância e reponderação do julgamento correspondente.
      A apelação, dado o seu carácter de recurso global, destina-se também a facultar o controlo da decisão do tribunal de 1ª instância relativamente à matéria de facto e, pode, de resto, ter por único fundamento, um error in judicando dessa matéria.

                Um tal error in iudicando da matéria de facto pode, todavia, radicar em duas causas diversas: pode tratar-se de um erro na apreciação dessa prova ou mais simplesmente de um erro na selecção do objecto da prova.

                Um primeiro caso em que a Relação pode ser chamada a censurar o julgamento da matéria de facto realizado na 1ª instância não respeita à violação dos critérios de apreciação da prova – mas à infracção das regras relativas à selecção da matéria de facto. Não se trata, portanto, de controlar a correcção do procedimento de apreciação da prova da matéria de facto – mas a exactidão da operação de selecção dessa matéria.

                Sempre que considere deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre determinados pontos de facto ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto – por se ter omitido o julgamento de um facto relevante – a Relação anula a decisão da 1ª instância e reenvia-lhe o processo para que proceda a novo julgamento (artº 712 nº 4, 1ª parte, do CPC)[2].

                A decisão da matéria de facto é deficiente sempre que o julgamento, não cubra a matéria de facto alegada pelas partes, relevante segundo a única solução plausível da questão de direito, i.e., segundo o único enquadramento jurídico possível do objecto da causa.

Por outras palavras: a decisão da matéria de facto é deficiente quando determinado ponto da matéria de facto ou algum segmento dela não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa[3].

                O julgamento do recurso de harmonia com o modelo de cassação justifica-se pelo facto de a decisão da matéria de facto se encontrar ferida de um erro de julgamento, mas de este erro não resultar de um erro na apreciação da prova - mas de um erro sobre o objecto dessa prova.

                Um dos fundamentos do recurso consiste na incorrecção, por omissão, do julgamento, de dois pontos de facto alegados pelo recorrente na petição inicial da oposição.

                O recorrente alegou, na verdade, na petição inicial da oposição que a co-executada havia procedido, no dia 11 de Junho de 2010, ao depósito, na conta bancária indicada no contrato para esse efeito, da renda relativa ao mês de Junho de 2010 e que, mostrando-se pagas até à data do oferecimento do articulado da oposição, todas as rendas vencidas, procedeu ele mesmo, ao depósito, na mesma data e na mesma conta, da indemnização correspondente a 50% do valor das rendas vencidas que não foram tempestivamente pagas. O recorrente apresentou, para prova destes factos, os documentos comprovativos dos depósitos. Os exequentes não impugnaram nem aqueles factos nem estes documentos.

                Todavia, os factos contidos naquelas alegações do recorrente -notoriamente relevantes segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da oposição – não foram seleccionados, nem para a factualidade assente nem para a base instrutória, nem foram utilizados, na fundamentação de facto, pela sentença impugnada.

                Omissão tanto mais inexplicável quanto é certo que todos os demais factos contidos em alegações homótropas do recorrente, relativas aos demais depósitos rendas efectuados, para demonstração dos quais foi oferecida uma prova documental em tudo idêntica, foram, logo no momento da selecção da matéria de facto, consideradas não controvertidos e, como tal, não carecidos de prova.

                É, portanto, patente um erro sobre matéria de facto. Mas trata-se de erro, não na apreciação da prova, i.e., de um equívoco valoração das provas produzidas – mas de um erro sobre o objecto dessa prova.

                O que sucedeu foi que o decisor da 1ª instância, não decidiu nenhum dos indicados pontos da matéria de facto alegados pelo executado, não os tendo julgado provados ou não provados.

                Portanto, verdadeiramente, o tribunal a quo não incorreu num error in judicando daqueles pontos de facto, por erro na valoração da prova produzida para convencer da sua realidade - antes omitiu, por inteiro, qualquer decisão sobre eles. O erro na decisão da matéria de facto pressupõe, logicamente, o julgamento dessa matéria: no caso, esse julgamento não se realizou. A patologia do julgamento da questão de facto radica, portanto, não no erro na apreciação da prova – mas na deficiência daquele julgamento.      

                Mas esta patologia não autoriza, no caso, o uso por esta Relação dos poderes de cassação indicados.

                É que esses poderes de cassação são nitidamente subsidiários dos poderes de substituição, dado que só podem ser actuados se do processo não constarem todos os elementos de prova que permitam, no caso de deficiência da decisão da matéria de facto, o seu suprimento (artº 712 nº 4 do CPC). Não é, seguramente, o caso do recurso, dado que o processo disponibiliza todos os elementos de prova – designadamente, documental – produzida na instância recorrida.

                Como se notou, os exequentes não impugnaram aqueles factos articulados pelo recorrente, tendo-se limitado a apontar a exterioridade, no seu ver, da sua alegação relativamente ao objecto do processo. A consequência dessa omissão de impugnação é esta: aqueles factos consideram-se admitidos por acordo, admissão que dispensa a sua prova, porque eles deixam, por essa razão, de ser controvertidos (artº 490 nº 2, 1ª parte, 505 e 817 nº 3 do CPC).

                 Importa, portanto, modificar, nestes termos, a decisão da matéria de facto – e da sentença impugnada, na qual essa matéria foi julgada – declarando provados os factos articulados pelo recorrente nos artºs 54º e 55º da petição inicial da oposição, i.e., que em 11 de Junho de 2010, a co-executada procedeu ao depósito, na conta bancária indicada no contrato de arrendamento para o efeito, da quantia de € 175,00 relativa à renda do mês de Junho de 2009, e que até à data da dedução da oposição estavam pagas todas as rendas vencidas e que o recorrente procedeu ao depósito, na mesma data e naquela conta, da quantia de € 1 575,00 respeitante à indemnização de 50% as rendas que não foram tempestivamente pagas.

                3.3. Inexequibilidade intrínseca da pretensão de realização coactiva da prestação.

                O objecto da acção executiva é necessariamente, e apenas, um direito a uma prestação, visto que só este direito impõe um dever de prestar e só este dever de prestar pode ser imposto coactivamente.

Sendo o objecto da acção executiva uma pretensão – i.e., uma faculdade de exigência da prestação que é correlativo de um poder de aquisição dessa prestação – tal pretensão mantém, na execução, todas as características do seu regime substantivo. É, por isso, que são oponíveis à pretensão todas as excepções peremptórias como, por exemplo, o cumprimento, a prescrição ou a caducidade (artº 493 nºs 1 e 2 e 814 nº 1 g) do CPC).

A exequibilidade intrínseca da pretensão respeita à inexistência de qualquer vício material ou excepção peremptória que impeça a realização coactiva da prestação. Essa exequibilidade é, na realidade uma condição processual de procedência, ou seja, uma condição da qual depende a concessão de tutela jurisdicional que, no caso concreto, é a execução da prestação.

Uma das situações típicas de não accionabilidade da pretensão é a caducidade, que constitui uma excepção peremptória.

Esta excepção, dado o seu carácter extintivo, atinge tanto a faculdade de exigência da prestação como o poder de aquisição da prestação, e, portanto, a sua exequibilidade intrínseca.

Na espécie do recurso, de harmonia com a alegação do recorrente essa inexequibilidade intrínseca assenta no depósito liberatório das rendas em dívida e da indemnização devida.

O pagamento da renda é, naturalmente, uma obrigação característica do contrato de arrendamento. É a remuneração do gozo que o contrato faculta ao arrendatário e que aparece como elemento essencial dele (artº 1038 a) do Código Civil).

A renda - que constitui uma prestação pecuniária periódica - na falta de convenção contrária, e se estiver em correspondência com os meses o calendário gregoriano, vence-se, a primeira, no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes, no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito (artº 1075 nºs 1 e 2 do Código Civil). Esta regra - que é nitidamente excepcional – só se aplica se as rendas estiverem em correspondência certa com o calendário organizado segundo as instruções do Papa Gregório XIII; não se verificando essa correspondência, como, no caso de se convencionar, por exemplo, que o arrendamento se inicia no dia 14 de Junho, rege a regra geral, por força da qual, não havendo convenção ou uso contrário, o pagamento da renda deve ser efectuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que a renda diz respeito (artº 1039 nº 1 do Código Civil).

O arrendatário constitui-se em mora no tocante à obrigação de pagamento da renda sempre que, por motivo que lhe seja imputável, não fizer esse pagamento (artº 804 nº 2 do Código Civil).

A mora do arrendatário no tocante à realização daquela prestação pecuniária está, porém, sujeita a um regime marcadamente especial, que se explica pela importância jurídica e social do contrato de arrendamento.

De um aspecto, a mora, apesar da existência de um prazo certo para o cumprimento, só se verifica, tanto para o efeito da indemnização como para o efeito da resolução do contrato de arrendamento, se o arrendatário não cumprir a obrigação de pagamento da renda no prazo de oito dias a contar do seu começo – purgatio morae (artº 1041 nº do Código Civil); de outro, findo aquele prazo, o arrendatário pode ainda por termo à mora – e, por esse modo obstar à resolução do contrato de arrendamento - oferecendo ao senhorio o pagamento da rendas em atraso, acrescidas de indemnização igual a 50% do valor devido daquelas rendas, assistindo-lhe o direito, em caso de recusa do seu recebimento, pelo senhorio, desses valores, proceder à consignação em depósito (artº 1042 nºs 1 e 2 e 1048 nº 1 do Código Civil). Neste último caso, a mora só se considera purgada, para o efeito de excluir a resolução do contrato, se a indemnização, paga ou depositada, compreender 50% do que for devido – e devidas são todas as rendas ainda não pagas, que não se mostrem prescritas ou que não se mostrem extintas por qualquer causa extintiva da obrigação correspondente.

No plano dogmático, são figuras distintas, mas compatíveis entre si, a purgatio morae, traduzida na eliminação dos efeitos decorrentes do atraso culposo no cumprimento da obrigação – e a caducidade do direito à resolução do contrato, que é, de certo modo, um dos corolários possíveis da purgação da mora, mas que abrange, num outro aspecto, algumas outras causas possíveis de resolução do contrato, além da purgação da mora[4].

Mas é claro que termo caducidade não está aqui empregue em sentido rigoroso, mas sim na acepção ampla de extinção, dado que o real fenómeno não é da extinção por caducidade, mas de satisfação pelo cumprimento, através da purgatio morae[5]: com a preocupação de preservar o contrato, admite-se o cumprimento retardado, desde que acompanhado do pagamento da indemnização, computada a forfait, destinada a reparar o dano resultante do atraso nesse cumprimento.

O texto da lei, ao falar na caducidade de um direito eficazmente exercido e, por isso, na caducidade de direito consumido ou esgotado, não faz, realmente, muito sentido[6]. O caso não é, portanto, de caducidade, até porque a lei, noutro passo, identifica a situação como sendo uma hipótese de ineficácia (artº 1084 do Código Civil)[7].

A lei, contra a regra geral, dá ao senhorio em alternativa o direito de pedir a indemnização e o de resolver o contrato: se optar pela resolução, o senhorio só pode exigir as rendas em dívida; nesse caso não tem direito a qualquer indemnização pela mora do arrendatário (artº 801 nº 2 do Código Civil)[8].

Dada a relevância que a obrigação de pagamento da renda assume na economia do contrato de arrendamento, não surpreende que a falta do seu pagamento constitua, desde sempre, fundamento de resolução daquele contrato (artºs 1607 nº 1 do Código Civil de 1867, 21 nº 1 do Decreto nº 5 411, de 17 de Abril de 1919, artº 5 § 1º da Lei nº 1662, 1093 nº 1 do Código Civil de 1966, 64 nº 1 a) do RAU e 1983 nºs 1 e 2 a) do Código Civil de 1966, aditado pelo artº 3 da Lei nº 6/2006).

É claro que o direito – potestativo extintivo – do senhorio à resolução do contrato, com fundamento na falta de pagamento da renda no momento em que ela se vence, cessa se o arrendatário puser termo à mora no prazo de oito dias a contar do seu começo e, mesmo que não faça cessar a mora nestes termos, aquele direito caduca se o arrendatário, até à contestação da acção declarativa ou à oposição da acção executiva, pagar ou depositar as rendas em dívida, acrescidas de metade do seu valor, a título de indemnização (artºs 1041 e 1048 do Código Civil).

Repete-se, muito justamente, este ponto, dado que não falta doutrina que entenda que, considerando a lei inexigível a manutenção do arrendamento no caso de mora do arrendatário superior a três meses no pagamento da renda, não lhe seria lícito purgar a mora ou provocar a caducidade, nos termos indicados, do direito de resolução[9].

Mas este entendimento das coisas, dado que não relaciona devidamente este fundamento de resolução com as disposições relativas à mora na realização da prestação de pagamento da renda e à caducidade do direito de resolução, não deve ter-se por exacto[10].

No tocante aos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento, o esquema do numerus clausus das causas de resolução, por iniciativa do senhorio adoptado no RAU – e antes dele no Código Civil de 1966 – foi substituído, no NRAU por uma cláusula geral: o factor nuclear de resolução do contrato de arrendamento é o incumprimento de qualquer obrigação que, pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (artº 1083 nº 2 do Código Civil).

                Deixou, portanto, de existir um princípio de tipicidade, por força do qual nem todas as obrigações do inquilino estavam juridicamente sancionadas em termos da respectiva violação facultar ao senhorio a extinção do contrato.

                Em segundo lugar, no tocante à resolução por iniciativa do senhorio, o NRAU seguiu a técnica de referenciar em geral, o seu fundamento e de complementar, de seguida, essa definição através duma enumeração.

                Assim, após um número em que se insere a noção, seguem-se, em cinco alíneas, uma lista de comportamentos tipificados como fundamento de resolução. A sua leitura mostra que a lei seleccionou, por assim dizer, as violações contratuais mais graves e reconheceu-as como fundamento da resolução. É pacífico, em face do uso do advérbio designadamente que tal enumeração é meramente exemplificativa e que, por isso, outras violações, ainda que menos graves permitirão, ao senhorio resolver o contrato.

                Numa primeira leitura, o fundamento de resolução do contrato de arrendamento apresenta-se como indeterminado: ele não faculta uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo. Os conceitos indeterminados são incompatíveis com o método da subsunção: a sua aplicação nunca pode ser automática, requerendo decisões dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações. Os conceitos indeterminados apontam para modelos de decisão elaborados em concreto, remetendo o intérprete-aplicador para casuísmos; porém, num curioso efeito de retorno, estes vinculam à reponderação da fórmula originariamente indeterminada, e ao seu confronto com esta fórmula.

                Os conceitos indeterminados viabilizam métodos os fórmulas concretizadoras que, depois, devem ser confrontados com o conceito básico.

                A fórmula genérica dá, em moldes necessariamente vagos, o conteúdo do fundamento da resolução do contrato. A sua concretização deverá operar, caso a caso, numa tipologia exemplificativa: os termos daí resultantes devem ainda que em diversa medida, ser reponderados à luz daquela fórmula. Ou seja: há que considerar se, uma vez operada uma concreta causa de resolução, ela torna inexigível, a subsistência da relação de arrendamento.

                Tudo isto deve ser particularmente confrontado com as dimensões finalistas ou fundamentos finais do instituto. Na verdade qualquer conceito, por mais indeterminado que se apresente, deixa sempre transparecer o objectivo que levou o legislador a consagrá-lo. A resolução do contrato de arrendamento visa, com clareza, sancionar situações relativas à relação jurídica de arrendamento que, por razões imputáveis, ao arrendatário, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter.

                Da noção contida na lei é possível apontar vários elementos, implícitos ou explícitos. Assim, há que considerar: um comportamento ilícito; censurável em termos de culpa; com certas consequências na relação jurídica de arrendamento.

                A ilicitude resulta da violação, por acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais; sobre tal actuação deve recair um juízo de censura: a culpa. A actuação do arrendatário deve ser-lhe censurável, seja a título de dolo como a título de negligência. Nos termos gerais, essa culpa presume-se (artº 799 nº 1 do Código Civil).

                No caso de negligência ou mera culpa, opera a bitola do bonus pater familias, ou cidadão comum normal (artº 487 nº 2 do Código Civil). Assim, age com culpa aquele que não adopta o esforço exigível ao bonus pater familias: a apreciação da culpa é, portanto, feita objectivamente.

                Além da ilicitude e da culpa, a violação de qualquer dever exige certas consequências gravosas na relação jurídica de arrendamento. Nas palavras da lei, a atitude do arrendatário, além de ilícita deve tornar inexigível ao senhorio normal a subsistência do contrato de arrendamento.

                Uma concreta causa de resolução deve, por isso, ser sempre submetida à ideia básica do corpo do artigo[11].

                Na verdade, a violação de um dever – legal ou contratual – qualquer que ele seja, só constitui causa de resolução do contrato de arrendamento se essa violação, pela sua gravidade ou ofensa, tornar inexigível a manutenção daquele contrato. Nesta perspectiva, nem toda a violação do contrato fundamenta o decretamento da resolução: para que o contrato possa ser resolvido é ainda necessário que dessa violação resulte a comprometida a subsistência do contrato de arrendamento. Dito doutro modo: o incumprimento do contrato não representa uma causa peremptória de resolução, pois que esse incumprimento só fundamenta a resolução se dele resultar a inexigibilidade, para o contraente fiel, da manutenção da relação jurídica de arrendamento[12].

                Assim, a inexigibilidade da manutenção do contrato representa um controlo suplementar, além do que incide sobre a violação de deveres, contratuais ou legais, que vinculam as partes, relativo à justificação da extinção da relação jurídica que dele emerge e à função dessa violação com causa de resolução no caso concreto. O tribunal realiza esse controlo através do uso de regras de experiência e critérios sociais, dos factos provados sobre a violação daqueles deveres, os condicionalismos em que se verificou essa violação e a sua repercussão na relação jurídica de arrendamento. De modo geral, pode dizer-se que a manutenção do arrendamento é inexigível quando o comportamento de uma das partes se mostre especialmente lesivo da relação jurídica de arrendamento e a permanência desta relação representa para a outra, um sacrifício, desrazoável.

Isto só não é assim no tocante à resolução do contrato com base na mora superior a três meses[13] na obrigação de pagamento da renda, encargos ou despesas ou na oposição do arrendatário à realização de obra ordenada por entidade pública: quanto a estes fundamentos de resolução do contrato o juízo de inexigibilidade é feito pela própria lei, ou dito de outro modo, verifica-se uma situação ex lege de inexigibilidade para o senhorio na manutenção do contrato de arrendamento (artº 1083 nº 3 do Código Civil)[14].

Seja como for, certo é que a lei reconhece ao arrendatário a possibilidade de fazer caducar o direito de resolução se, até ao termo do prazo da contestação, na acção declarativa, ou da oposição, na acção executiva, pague ou deposite as rendas a indemnização devidas (artº 1048 nº 1 do Código Civil).

Para alguma doutrina, desta previsão decorre que o contrato de arrendamento renasce ope legis, apesar de já ter sido extinto por resolução extrajudicial[15] (artº 1084 nº 1 do Código Civil). Quer dizer: para este entendimento do problema, a faculdade do arrendatário de provocar a caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda só seria aplicável à resolução actuada extrajudicialmente.

Todavia, doutrina maioritária, sustenta que aquela faculdade do arrendatário não pode ser exercida quando a resolução do contrato de arrendamento tiver sido actuada extrajudicialmente, e, portanto, necessariamente – sob pena de se retirar àquela disposição legal qualquer sentido útil - que só pode ser exercida quando o contrato tiver sido resolvido por decisão judicial.

Efectivamente, nos casos em que a declaração de resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento da renda opere por comunicação, o arrendatário pode provocar a sua ineficácia, pondo fim à mora no prazo de três meses (artº 1084 nº 3 do Código Civil). Se o arrendatário não tiver exercido esta faculdade, não lhe será lícito beneficiar duas vezes da mesma prerrogativa, dado que – sublinha-se – a finalidade conspícua da lei é a de agilizar este mecanismo, sendo uma incoerência legal absolutamente inadmissível se tal fosse viável[16].

Caso se deva aceitar isto como exacto, então, a expressão até ao termo do prazo para a oposição à execução, deve ser entendida – de modo a evitar a duplicação de benefícios estranhos à lógica da resolução extrajudicial – como referida à oposição baseada em título executivo de natureza judicial, representado pela sentença proferida na acção de despejo, na qual o arrendatário não tenha usado da faculdade apontada. Note-se que ainda assim, a resolução extrajudicial continua a ser mais favorável ao arrendatário em termos de oposição. É que enquanto a faculdade contida no nº 1 do artº 1048 é de exercício único ou irrepetível, a do nº 3 do artº 1084 não sofre qualquer limitação semelhante.

A superveniência do NRAU trouxe, portanto, um favor debitoris inovador, dado que além de se continuar a permitir ao arrendatário que obste à resolução do contrato, através do pagamento ou depósito das rendas em dívida e da indemnização moratória até ao termo do prazo da contestação da acção declarativa, se lhe concedeu a faculdade de, na acção executiva, através do pagamento das rendas em mora e da respectiva indemnização, até ao termo do prazo de dedução da oposição, provocar a ineficácia da declaração de resolução do contrato de arrendamento, que, assim, renasce ope legis[17].

Apesar de os exequentes terem, na contestação, sustentado que a faculdade do arrendatário proceder ao depósito das rendas em dívida e da indemnização até ao termo do prazo de dedução oposição na acção executiva só vale para o caso de a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda ter sido actuada extrajudicialmente, a sentença impugnada teve por apodíctico que aquela faculdade pode também ser exercida no caso de a resolução ter sido declarada judicialmente e, portanto, na hipótese de o título que serve de suporte à execução ser a sentença que, constitutivamente, declarou aquela resolução.

Simplesmente, no ver da sentença apelada, dado que o título executivo é uma sentença, só relevaria a excepção peremptória superveniente, quer dizer, os actos de pagamento da renda posteriores ao encerramento da discussão no processo declarativo, o que não sucede com os depósitos realizados nos dias 4 e 10 de Setembro e 12 de Outubro de 2009, que seriam anteriores à data daquele encerramento.

Como se notou já, constitui fundamento de oposição à execução baseada em sentença judicial qualquer excepção peremptória superveniente, i.e., qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda – desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (artº 813 g), 1ª parte, ex-vi artº 466 nº 2 o CPC) do CPC)[18].

                Dado que o título é uma sentença judicial, é indispensável que o facto extintivo ou modificativo seja posterior ao encerramento da discussão na anterior acção declarativa – ou ao correspondente momento do processo especial - porque é até ele que, nessa acção, podem, em regra, ser alegados os factos supervenientes (artº 506 nº 1 do CPC)[19].

                Na oposição a uma decisão judicial está necessariamente precludida, em regra, a invocação de factos que foram ou podiam ter sido alegados no anterior processo declarativo[20].

                Se o executado podia ter provocado o efeito extintivo ou modificativo na acção declarativa, funciona a regra da preclusão decorrente dos limites do caso julgado e ele não pode ser invocado na acção executiva[21]. Todavia, se a possibilidade de produzir aquele efeito for posterior ao encerramento da discussão na acção declarativa, não há qualquer preclusão e ele bem pode ser realizado através da oposição à execução.

                O encerramento da discussão corresponde, em regra, ao fim dos debates sobre a matéria de facto em 1ª instância (artº 652 nº 3 al. c) do CPC).

                Estes debates – nos quais os advogados procuram fixar os factos que devem considerar-se provados e aqueles que, em sua opinião, não se podem ter por demonstrados – definem um momento extraordinariamente relevante da tramitação da acção (artº 652 nº 5, 1ª parte do CPC).     

                São os debates que marcam o termo de encerramento da discussão que, por sua vez determina o limite temporal de alteração do pedido, de apresentação dos articulados supervenientes, de junção de documentos, da ampliação da base instrutória pelo presidente do tribunal colectivo e da consideração pelo tribunal dos factos constitutivos, modificativos e extintivos (artºs 523 nº 2, 650 nº 2 f) e 663 nº 1 do CPC).

                No caso de o julgamento da causa ter sido antecipado para o despacho saneador e de não se ter realizado a audiência preliminar, ou de, por força de revelia operante absoluta ou relativa do réu, for logo proferida a sentença final, a discussão considera-se encerrada, naturalmente, no terminus ad quem da fase dos articulados.

O encerramento da discussão determina também, por regra, a superveniência dos factos extintivos ou modificativos da obrigação para efeito da sua invocação na oposição à execução (artº 813 al. g), 1ª parte do CPC).

Já se adquiriu à certeza que o arrendatário pode provocar a caducidade do direito potestativo extintivo de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento da renda no âmbito da acção declarativa, através do pagamento ou do depósito, até ao termo do prazo de oferecimento da contestação, das rendas em dívida e da indemnização moratória, assim como pode, no âmbito da acção executiva, fundada na sentença que constitutivamente tenha declarado aquela resolução, provocar, através daquele pagamento ou depósito até ao terminus ad quem do prazo de contestação da execução, a ineficácia desta resolução, fazendo renascer o contrato de arrendamento extinto.

Decorre, irrecusavelmente deste regime, que se o executado não tiver provocado ou alegado aquele efeito extintivo na acção declarativa, não funciona a regra da preclusão decorrente do caso julgado e que, por isso, ele pode ainda ser provocado ou alegado na acção executiva.

A única coisa que se exige ao executado é que, até ao terminus ad quem do prazo de oferecimento da oposição à execução alegue e demonstre o pagamento das rendas e da indemnização devida. Pode mesmo suceder que o executado, tendo já procedido ao depósito das rendas em dívida e da indemnização até ao termo do prazo de oferecimento do articulado de contestação na acção declarativa, não alegue, nesse momento, a excepção peremptória correspondente deixando para a oposição à execução a sua alegação. E isto é assim, dado que o não exercício daquela faculdade no contexto da acção declarativa e o trânsito em julgado da sentença que decrete a resolução do contrato de arrendamento, não preclude a actuação daquela mesma faculdade no contexto da acção executiva, fundada justamente naquela sentença.

Dito doutro modo: o trânsito em julgado da sentença não preclude a faculdade do executado de provocar, já não evidentemente a extinção do direito de resolução do contrato, mas a ineficácia mesmo da sentença que decretou essa resolução, fazendo renascer o contrato de arrendamento que, por força daquele trânsito se tinha irrecusavelmente por extinto.

                Inversamente, a única causa de preclusão daquela faculdade e que, portanto, veda o seu exercício na acção executiva é a sua actuação na acção declarativa, dado o carácter irrepetível do seu exercício no contexto judicial (artº 1048 nº 2 do Código Civil).

                Em todo o caso, não deixa de fazer-se notar que o fenómeno da preclusão só ocorre no tocante à excepção peremptória que ao executado seria lícito alegar até ao encerramento da discussão no processo declarativo.

No caso, a excepção peremptória consiste não apenas no pagamento ou no depósito das rendas em dívida - mas do valor rendas em débito e da indemnização moratória correspondente a 50% desse valor. E, na espécie sujeita, é patente, que só já na pendência da oposição é que se verificaram o conjunto dos factos integrantes da excepção – maxime o pagamento da indemnização moratória devida - e apenas nesse momento o executado estava em condições de alegar aquela excepção, sendo indiferente que algumas das rendas tivessem sido pagas em momento anterior.

Sendo isto exacto, então a conclusão de que pretensão executiva de entrega do imóvel arrendado se deve ter por intrinsecamente exequível em razão da actuação, pelo executado, daquela excepção peremptória, deve ter-se por irrecusável. E em face dessa inexequibilidade intrínseca a improcedência da acção executiva e a procedência da oposição deduzida pelo executado são meramente consequenciais.

Mas vamos que uma tal conclusão não é exacta e que, por isso, a pretensão material do exequente, por ausência da apontada excepção peremptória extintiva da prestação, é intrinsecamente exequível. Nesse caso, aquela pretensão sempre se deveria ter por extrinsecamente inexequível, por força de um vício da acção declarativa em que se formou o título executivo que serve de fundamento à execução: a falta ou nulidade da citação do executado para o processo de declaração.

3.4. Inexequibilidade extrínseca da pretensão de realização coactiva da prestação.

                A possibilidade de exercício do direito de defesa na acção declarativa em que se formou o título executivo constitui uma garantia do – agora – executado. Por isso sempre que essa parte tenha permanecido em situação de revelia absoluta nessa acção, ela pode opor-se à execução na sentença nela proferida com fundamento na falta ou nulidade da sua citação (artº 814 d) do CPC).

                A sentença impugnada não vislumbrou na citação do executado para a acção declarativa na qual foi proferida a sentença que serve de fundamento à execução, irregularidade alguma, conclusão deveras singular, dado que, segundo a sentença recorrida, o cônjuge do executado, na pessoa do qual este foi citado, não lhe entregou as cartas dando-lhe conhecimento dos actos de citação e notificação e que a última daquelas cartas foi remetida depois de largamente excedido o prazo de dois dias que a lei assina para a sua expedição.

                A verdade é que, como sustenta o executado na sua alegação cometeu-se realmente, senão a nulidade da falta da sua citação para a acção declarativa, ao menos a nulidade desse mesmo acto de citação.

                A lei assinala ao acto de citação esta função: chamar o réu, requerido ou executado a juízo para se defender; por semelhança serve ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa (artº 228 nº 1 do CPC)[22].

                O acto de citação comporta, naturalmente, várias modalidades. Assim, a citação pode ser pessoal ou edital; a citação pessoal é a feita, designadamente, através de carta registada com aviso de recepção, nos casos de citação postal, ou a realizada através de contacto directo, do funcionário judicial, com o demandado, ou em pessoa diversa do citando, que fica encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, caso em que se presume, salvo prova do contrário, que citando dele teve oportuno conhecimento (artºs 233 nºs 1 e 2, b) e c), e 3 do CPC); a citação edital é utilizada quando o citando se encontre em parte incerta – citação edital por incerteza do lugar – ou quando sejam incertas as pessoas a citar – citação edital por incerteza das pessoas (artºs 233 nº 6 e 248 nºs 1 a 3 do CPC).

                Em regra, a citação é pessoal e, em regra também, é realizada por via postal (artºs 233 nº 6, 236 nº 1, 239 nº 1 e 245 nº 2 do CPC).

                A citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficiosamente aprovado, dirigida ao citando e endereçada, se este for uma pessoa meramente física, para a sua residência ou local de trabalho (artº 236 nº 1 do CPC).

No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após a assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente (artº 236 nº 2 do CPC).

A citação por via postal considera-se feita no dia em que for assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo que esse aviso haja sido assinado por terceiro. E isto é assim porque se presume, salvo prova em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (artº 238 nº 2 do CPC)[23].

Todavia, a presunção só se constitui se o terceiro a quem a carta for entregue for encontrada na morada ou no local de trabalho do citando.

A carta considera-se oportunamente entregue ao citando quando o seu recebimento por este, do terceiro a quem foi originariamente entregue, tenha ocorrido no prazo, de cinco dias, da dilação (artº 252-A nº 1 a) do CPC).

Um dos casos em que a citação em pessoa diversa do citando é equiparada à citação pessoal é o da citação com hora certa (artº 240 do CPC).

Esta modalidade de citação caracteriza-se, entre outras coisas por se fazer em dois tempos, ou em dois dias distintos ou em horas distintas do mesmo dia. Primeiro o funcionário judicial ou o agente de execução procura o citando e não o encontra e deixa hora para a citação num outro dia ou noutra hora desse mesmo dia; depois, nesse dia ou nessa hora efectua a citação. No dia e hora indicados na nota, o funcionário ou agente de execução volta à residência do citando. Então, uma de duas: ou encontra o citando ou não o encontra. No segundo caso, se encontrar outra pessoa em casa, deve fazer a citação nessa pessoa, que assina a certidão, incumbindo-a - sob pena do crime de desobediência, se tratar de pessoa que viva em economia comum com o citando - de transmitir o acto ao destinatário (artº 240 nºs 1 e 2 b) e 5 do CPC).

 Sempre que a carta não seja entregue directamente ao citando ou este tenha sido citado na pessoa de terceiro, deve ser-lhe enviada uma outra carta registada, na qual lhe são comunicados a data e o modo por que o acto de citação se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa, as cominações aplicáveis à revelia, o destino dado ao duplicado da petição inicial e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada (artº 241 do CPC).

Este regime mostra, de forma clara, que sempre que a carta não é entregue ao citando, mas a terceira pessoa, ou a citação é feita em pessoa diversa do citando, esse terceiro desempenha o papel de substituto do citado. O substituto fica, por isso, obrigado a desempenhar-se da incumbência de transmitir ao réu, requerido ou executado, a carta ou de lhe transmitir o acto de citação - dever, de que, aliás, é expressamente advertido, acto contínuo à assinatura do aviso de recepção, pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de citação com hora certa, pelo agente de execução ou pelo funcionário judicial (artºs 236 nº 4 e 240 nº 5 do CPC).

A estas formalidades, acresce a diligência complementar e de nítida feição cautelar já apontada: a expedição de carta registada expedida ao réu, requerido ou executado, a dar-lhe conhecimento da citação. Na verdade, é para prevenir a hipótese de o substituto não se desempenhar da incumbência junto do substituído, ou não se desempenhar cabalmente, que a lei determina que se envie ao réu, requerido ou executado uma carta registada em que se lhe dá notícia dia da citação, do modo como foi feita, do prazo dentro do qual pode defender-se, da cominação em que ocorre na falta de defesa, do destino que teve o duplicado e da pessoa a quem foi feita a citação (artº 241 do CPC).

O citando tem, naturalmente, conhecimento do acto de citação efectuado quando o terceiro lho transmite ou quando lhe é entregue a carta registada recebida pelo terceiro ou quando recebe a carta registada, expedida pela secretaria judicial, a dar-lhe notícia da realização daquele acto e do modo por que se considerada realizado. Neste último caso, se o terceiro ainda lhe não tiver entregado a carta ou os elementos deixados pelo funcionário, o réu, requerido ou executado deve pedir-lhe aquela carta e estes elementos. A partir, quer da transmissão do acto de citação quer do recebimento, tanto da carta entregue ao terceiro quer da carta dando-lhe notícia da realização do acto de citação na pessoa desse terceiro, é irrelevante que o réu, requerido ou executado não tenham conhecimento efectivo do seu conteúdo. Estando qualquer daqueles elementos e destas cartas em seu poder, a declaração receptícia em que o acto de citação se resolve considera-se inteiramente eficaz (artº 228 nº 1, proémio, do Código Civil)[24].

Do exame ainda que leve da evolução do regime da citação, resultante da necessidade de eficiência e agilização do acto, reclamada pelas exigências de celeridade do tráfico jurídico, avulta a generalização da modalidade da citação postal e, correspondentemente, a progressiva substituição da certeza do conhecimento do acto de citação – pela presunção desse conhecimento.

Deste modo, no caso de citação por via postal registada recebida por terceiro, presume-se, legalmente, embora apenas iuris tantum, em especial, que a carta foi oportunamente recebida pelo réu, requerido ou executado, e, em geral, que estes tiveram efectivo e oportuno conhecimento do acto de citação (artºs 233 nº 4 e 238 nº 1 do CPC). No caso de citação, com hora certa, em pessoa diversa do citando, incumbida de lhe transmitir o conteúdo do acto, presume-se, também iuris tantum, que o citando teve da sua citação conhecimento oportuno (artº 233 nº 4 do CPC).

A citação pode faltar ou ser nula (artº 195 do CPC)[25].

                A falta de citação do réu, requerido ou executado é uma nulidade grave, visto que produz, como regra, a anulação de tudo o que se processar depois da petição inicial (artº 194 a) do CPC); mas não é insuprível ou insanável: ela sana-se pela intervenção do réu, requerido ou executado quando eles não arguam logo a falta da sua citação (artº 196 do CPC)[26].

                Em vista da gravidade da sua consequência, a lei teve o cuidado de especificar os casos em que deve entender-se cometida a falta de citação. Esta verifica-se quando o acto tenha sido completamente omitido; quando tenha havido erro de identidade do citado; quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste; quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que lhe não seja imputável - ou seja quando ele tenha ilidido as presunções estabelecidas nos artºs 233 nº 4 e 238 nº 1 do CPC (artº 195 a) a e) do CPC)[27].

Note-se que não basta, para que se tenha por verificada esta causa de falta de citação, que o destinatário da citação pessoal não tenha chegado a ter conhecimento do acto da sua citação; é ainda indispensável que a ignorância dele não lhe seja imputável: se o desconhecimento é imputável a culpa, imprevidência ou negligência do citado ou se essa parte contribuiu, por qualquer modo, para esse desconhecimento, este facto é-lhe imputável e, por isso, deve ter-se, em vista da ocorrência vício grave da falta de citação, por irrelevante.

Dito de outra forma: o desconhecimento pelo citando do acto da sua citação é irrelevante quando seja exigível a essa parte, segundo um padrão de diligência normal, que deva ter-se apercebido da realização daquele acto.

Não é frequente que a lei processual se sirva do grau de diligência exigível das partes para afastar a preclusão da prática de um acto processual. Além da situação prevista a propósito da falta de citação e da arguição por nulidade, a diligência das partes é utilizada a propósito da definição do justo impedimento, pois que se exige que o evento que obsta à prática atempada do acto não seja imputável à parte, bem como da admissibilidade do articulado superveniente, pois que se determina que o mesmo deve ser rejeitado quando, por culpa da parte, for apresentada fora de tempo (artºs 195 e), 205 nº 1, 1ª parte, 146 e 506 nº 4, 1ª parte do CPC).

Aliás, não são sequer frequentes os casos em que a diligência da parte tem relevância no processo – o que, de todo, não deixa de ser um interessante indicador da cultura judiciária vigente nos tribunais portugueses.

Porém, a circunstância de a lei raramente utilizar a diligência da parte para aferir a preclusão de actos processuais não pode impedir que a invocação de uma nulidade processual deva ficar dependente da possibilidade do seu conhecimento pela parte interessada e que esta possibilidade deva ser aferida em função da diligência razoável e normal exigível.

Seja como for, relativamente à falta de citação, com fundamento no desconhecimento do acto pelo destinatário, verifica-se que para a lei não é estranha uma preclusão ligada à negligência da parte.

Portanto, ao menos no tocante à falta de citação, a preclusão da sua alegação não pode ficar dependente da demonstração de que a parte não teve conhecimento da irregularidade, porque isso implicaria dar relevância a qualquer negligência da parte, mesmo que fosse grosseira ou indesculpável. Assim, é essencial que se possa dizer que o desconhecimento da nulidade processual não é negligente, ou seja, que a actuação em juízo de uma diligência exigível e normal não leva a parte a aperceber-se da irregularidade cometida. Num plano abstracto, apenas se pode afirmar que a negligência da parte é mais provável quando ela não reagiu a uma nulidade processual que consiste na prática do acto não previsto e é menos plausível quando a nulidade se traduz na omissão de um acto previsto, porque uma omissão pode ser menos facilmente detectável pela parte que um acto praticado em juízo.

                A citação é nula quando, na sua realização, não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei, desde que essa inobservância possa prejudicar a defesa do citado (artºs 198 nºs 1 e 4 do CPC).

De harmonia com o ponto B) da decisão da matéria de facto do tribunal de que provém o recurso, o executado foi citado, na acção declarativa, por hora certa, na pessoa do seu cônjuge. Porém, de harmonia com mesma decisão, o cônjuge do executado não lhe entregou a carta que se alude em B). O ponto causa alguma perplexidade, dado que na alínea B) não se alude a qualquer carta. E não se alude pela razão simples de que tendo a citação sido realizada, com hora certa, em pessoa diversa do citando não há lugar à entrega àquela pessoa de qualquer carta que, posteriormente, deva entregar ao citado. A citação considera-se realizada ou recebida naquela pessoa, com a assinatura da certidão, e a única incumbência a que fica adstrita ou a única coisa que deve transmitir ao citado é o conteúdo do acto e os elementos deixados pelo funcionário.

A obrigação de entrega da carta recebida por pessoa diversa do citando só existe no caso de citação por via postal. No caso do recurso, porém, a citação foi feita com hora certa, na pessoa do cônjuge do executado – como, com toda a clareza se alcança do conteúdo da carta registada expedida posteriormente para o executado, cuja cópia se mostra inclusa a fls. 15, na qual se lê que nos termos do disposto no (…) artº 240 nº 2 fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa de M (…) – não se vê que carta é que esta recebeu e não entregou ao recorrente.

                Assim, sob pena de absurdo, deve entender-se que o que o cônjuge do recorrente não lhe transmitiu, não foi qualquer carta – mas o conteúdo do acto da citação, realizado na sua pessoa. De harmonia com a mesma decisão da matéria de facto, a pessoa em que o recorrente foi citado também não lhe entregou as cartas destinadas dar-lhe notícia da realização do acto da sua citação e do proferimento da sentença final.

                Este conjunto de factos permite concluir, de harmonia com regras de experiência e critérios sociais, a adopção pelo cônjuge do executado de uma conduta ordenada para lhe ocultar a pendência da causa, maxime o acto da sua citação para a acção declarativa (artº 349 do Código Civil).

                Nestas condições, deve assentar-se na ilisão da presunção de conhecimento do acto de citação, realizado em pessoa diversa, e consequentemente, pela nulidade da falta da sua citação para a acção declarativa.

                Nos termos gerais, o réu pode razoavelmente esperar que sejam cumpridas, na sua residência ou no seu local de trabalho, todas as citações e notificações previstas na lei, pelo que, em regra, não é exigível que o réu deva verificar se a sua citação foi feita em pessoa diversa ou se lhe foi omitida alguma comunicação.

Assim, não há razão para concluir que a falta de conhecimento do acto de citação resulta de qualquer negligência da parte demandada e, portanto, para assentar na imputabilidade, a essa parte, do desconhecimento daquele acto. Realmente, não é exigível a uma parte que tome conhecimento do acto de citação realizado noutra pessoa, se esta pessoa, dolosa ou mesmo só negligentemente, não lhe entrega, por exemplo, a carta destinada a dar-lhe conhecimento da realização desse acto.

Admita-se, porém, ad argumentum, que o recorrente teve, apesar de tudo, conhecimento da realização do acto da sua citação e que, por isso, o caso não é de falta da sua citação.

Como a citação foi pessoa em pessoa diversa do recorrente, haveria que enviar-lhe, no prazo de dois dias úteis, uma carta registada, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto de citação se considerava realizado, o prazo para o oferecimento da defesa, as cominações aplicáveis à revelia, o destino dado ao duplicado da petição inicial e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada (artº 241 do CPC).

No caso, foi-lhe realmente remetida uma tal carta. Todavia, a remessa que deveria ter ocorrido, o mais tardar, no dia 6 de Outubro de 2009 – só foi feita no dia 14 de Janeiro de 2010, quer dizer, cerca de dois meses e meio após a data em que o acto de citação, em terceira pessoa, foi realizado.

Em face disso, não deve sofrer dúvida razoável a inobservância, na realização do acto de citação do recorrente para a acção declarativa, de uma formalidade de realização vinculada, geradora da nulidade daquele acto de citação (artº 198 nº 1 do CPC).

A sentença apelada obtemperou, porém, que essa nulidade não prejudicou a defesa do recorrente, já que o seu cônjuge, citado na sua própria pessoa, para a acção declarativa, não contestou.

Não são necessárias muitas palavras para demonstrar o desacerto deste modo de pensar.

Como a citação do recorrente se tem por realizada no dia 1 de Outubro de 2009, o prazo para peremptório para contestar, já acrescido da dilação, atingiu o seu terminus ad quem no dia 26 daquele mesmo mês (artºs 144 nº 1, 252-A nº 1 e 783 do CPC). Todavia, só em data posterior a 10 de Janeiro de 2010 lhe foi dado conhecimento da data, do modo e da pessoa em foi realizado o acto da sua citação, do prazo de oferecimento da defesa e da cominação aplicável à falta dela e do destinado dado ao duplicado (artºs 241 e 254 nº 3 do CPC).

Quer dizer: ao recorrente foi dado conhecimento da pendência da causa e da necessidade de se defender – largo tempo depois da extinção por caducidade do direito de oferecer a sua defesa.

É, portanto, evidente, que a falta da observância estrita da mencionada formalidade, prejudicou nitidamente o direito do executado de se defender na acção declarativa, dado que o impediu, objectivamente, de oferecer a sua contestação no prazo peremptório marcado na lei, facto que determinou a sua constituição em revelia absoluta, e, por sua vez, embora conjugado com a revelia operante da co-demandada, seu cônjuge, determinou o imediato proferimento da decisão condenatório-constitutiva que serve de título à execução.

A ser exacto o argumento expendido pela sentença apelada, no caso de pluralidade de réus, bastaria citar regularmente apenas um deles, visto que, caso esse réu não contestasse, nenhum dos outros poderia queixar-se de que a irregularidade cometida no acto da sua citação prejudicou a sua defesa.

Neste contexto, outra coisa não restaria que concluir pela nulidade do acto de citação do recorrente para a acção declarativa na qual foi proferida a sentença dada à execução e, portanto, pela procedência do fundamento da oposição – e não dos embargos como se lê a dado passo da sentença impugnada – correspondente.

                Importa, portanto, dar provimento ao recurso e revogar a sentença impugnada.

                O conjunto da argumentação expendida bem pode resumir-se nestas proposições: o não uso, na acção declarativa, da faculdade de provocar a caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento, através do pagamento ou do depósito das rendas em dívida e da indemnização devida, até ao termo do prazo da contestação, não preclude o uso dessa faculdade na acção executiva, até ao terminus ad quem do prazo de oferecimento da oposição, sendo indiferente que alguns actos de pagamento da renda sejam anteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração; nesse caso, o uso daquela faculdade, torna ineficaz a declaração constitutiva de resolução do contrato de arrendamento, que renasce ope legis; há falta de citação do executado para a acção declarativa, se aquele, por facto que lhe não é imputável, não chegou a ter conhecimento do acto; aquele acto de citação é nulo se a carta registada destinada a dar-lhe notícia da realização, na pessoa de terceiro, do acto de citação é expedida depois da extinção do prazo peremptório de oferecimento da contestação.

                As custas do recurso serão satisfeitas pela parte sucumbente: os recorridos (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2).

                4. Decisão.

                Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, julga-se procedente a oposição à execução deduzida pelo executado, A… e, consequentemente, declara-se a extinção daquela execução.

                Custas do recurso pelos recorridos, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da Tabela I-B, integrante do RCP.

                                                                                                                                                                                                                                                 Henrique Antunes (Relator)

Regina Rosa

Artur Dias


[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Assim, v.g., Ac. da RP de 22.09.09, www.dgsi.pt.
[3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 656.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, revista e aumentada, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 597.
[5] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 642.
[6] Nuno Manuel Pinto Oliveira, Scientia Iuridica, nº 308, LV, pág. 657.
[7] Pedro Romano Martinez, “Celebração e execução do contrato de arrendamento segundo o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), in O Direito, Ano 137 (2005), II, pág. 340. A resolução contratual é tida como condicional ou não definitiva, dado que poderá não se efectivar se o arrendatário, até, por exemplo, ao termo do prazo de oposição à resolução, proceder ao pagamento da renda e da indemnização devidas, tornando, desse modo, essa mesma resolução ineficaz: Ac. do STJ de 06.12.11, www.dgsi.pt.
[8] Pereira Coelho, Direito Civil, Arrendamento, Coimbra, 1980, pág. 150.
[9] Cunha de Sá e Leonor Coutinho, Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 46.
[10] Neste sentido, Fernando Baptista de Oliveira, A Resolução do Contrato no Novo Regime de Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 87. Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 96, nota 1, e David Magalhães, A Resolução do Contrato de Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, 2009, págs. 210 e 214.
[11] Os termos das causas concretas de resolução não oferecem sempre o mesmo grau de indeterminação, sendo maior nuns casos e menor noutros. Este ponto é relevante visto que, quando maior for a indeterminação da causa de resolução tipificada, mais necessário se torna o recurso à cláusula geral; inversamente, o recurso a esta última, embora sempre necessário, é menos intenso face a fundamentos concretizados de resolução.
[12] Maria Olinda Garcia, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 25.
[13] Note-se que mora superior a três meses não é sinónimo de três meses de renda em mora: basta, portanto, que uma renda esteja em mora. Neste sentido, Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, cit., pág. 86, Fernando de Gravato Morais, Novo Regime de Arrendamento Comercial, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 103 e David Magalhães, A Resolução, cit., pág. 213. Sublinhe-se que nada impede o senhorio de invocar como fundamento da resolução a mora no pagamento da renda inferior a três meses. Todavia, neste caso, fica sujeito à cláusula geral de resolução do contrato de arrendamento, e, portanto, ao ónus de demonstrar que lhe é inexigível a sua manutenção (artº 1083 nº 2 do Código Civil: cfr., neste sentido, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2ª edição, Quid Iuris, Lisboa, 2007, págs. 297 e 298.
[14] David Magalhães, A Resolução, cit., pág. que fala em determinações legais de justa causa, e Maria Olinda Garcia - O arrendamento plural, Quadro Normativo e Natureza Jurídica, Coimbra, 2009, págs. 232 a 237 e nota 397 – para quem o caso é de inexigibilidade presumida.
[15] Maria Olinda Garcia, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 13.
[16] Fernando Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 218 e 219 e Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 149. No mesmo sentido, Cunha de Sá e Leonor Coutinho, Arrendamento Urbano, 2ª edição. Almedina, Coimbra, 2006, pág. 48 e David Magalhães, A Resolução do Contrato de Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, 2009, págs. 214 e 215; em sentido oposto, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, cit., pág. 232 e os Acs. da RL de 14.07.11 e 31.03.11 e do STJ de 06.12.11, www.dgsi.pt. Numa posição mais radical, i.e., sustentando que a alusão, no artº 1048 nº 1 do Código Civil, à “oposição à execução” se deve considerar não escrita, cfr., Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Vol. II, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 1060.
[17] Ac. da RL de 17.12.08, www.dgsi.pt.
[18] Note-se que para que um facto dessa natureza seja fundamento idóneo de oposição à execução não basta que seja posterior ao encerramento da discussão na acção declarativa, sendo ainda necessário que se tenha verificado antes da proposição da execução; ocorrendo depois, dá lugar, não à oposição à execução – mas à extinção da execução (artºs 916 e 917 do CPC). Cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 190.
[19] A lei apenas se refere os factos extintivos e modificativos, não se referindo aos factos impeditivos, o que se explica pela raridade de um facto modificativo posterior ao encerramento da discussão e que não se compreenda no efeito preclusivo. Apesar disso é possível conceber casos de factos impeditivos posteriores àquele momento e, portanto, atendíveis na oposição à execução. Isso ocorrerá, por exemplo, quando, posteriormente ao encerramento da discussão cesse o vício que se serve de fundamento à anulabilidade. Quando isso sucede, o regime previsto na lei para os factos extintivos e modificativos deve ser objecto de extensão aos factos modificativos. Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, Coimbra, 1997, pág. 148 nota 21-A.
[20] Acs. do STJ de 27.01.89, BMJ nº 383, pág. 501 e da RC de 05.06.90, CJ, 90, III, pág. 4.
[21] Assim, por exemplo, se o devedor de uma prestação de facto negativo não tiver invocado, na acção declarativa anterior, que o prejuízo da demolição da obra é para ele consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor, não o poderá fazer na oposição deduzida à execução, fundada na sentença proferida naquela acção. Pressupõe-se que a demolição foi pedida e discutida naquela acção. Cfr. Ac. da RP de 05.06.74, BMJ nº 239, pág. 262.
[22] Mal vale a pena perder uma palavra para explicar a importância do acto de citação: ele constitui garantia do direito ao processo justo, do direito à igualdade das partes e do direito ao contraditório – que constitui, em si mesmo, uma decorrência do princípio da igualdade. O direito ao contraditório possui um conteúdo multifacetado, dado que atribui à parte não apenas o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição, antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta (artºs 10 DUDH, 14 nº 1 PIDCP, 6 nº 1 da DEUH, 13 da CRP e 3-A do CPC). Cfr. Ac. do TC nº 960/96, DR, II Série de 19 de Dezembro de 1996 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 266.
[23] Sempre que a citação é feita em pessoa diversa do citando, alguma doutrina fala em citação quase-pessoal (cfr. v.g., José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, pág. 62). Contudo, a autonomização desta categoria tem um valor meramente descritivo, dada a solução terminante da lei de equiparação de princípio da citação quase-pessoal à citação pessoal (artºs 233 nº 4 e 238-A nº 1 do CPC).
[24] Cfr. José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 391.
[25] No entanto, a falta ou a nulidade da citação não esgotam o quadro dos valores negativos desse acto processual. A citação pode também estar afectada por um vício de falsidade o que ocorrerá, por exemplo, quando o funcionário lavre certidão de citação do réu a que não procedeu – falsidade material – ou quando esse mesmo funcionário ateste que entregou o duplicado da petição inicial a quem pensava ser o citando e tal facto não corresponde à verdade - falsidade ideológica - (artºs 372 nº 2 do Código Civil e 551-A do CPC).
[26] Ac do STJ de 16.10.90, BMJ nº 400, pág. 572.
[27] Miguel Teixeira de Sousa Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 281.