Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4074/18.0T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
EXECUÇÃO POR TERCEIRO
AVALIAÇÃO
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 870.º, 871.º E 872.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: I) Na execução para prestação de facto por terceiro, o tribunal não fixa o custo das obras a realizar, confirmando ou alterando o valor apresentado pelo perito da avaliação que necessariamente tem de realizar-se.

II) O custo da prestação avaliado pelo perito funciona como estimativa, que poderá ser corrigida para mais ou para menos, em sede de prestação de contas.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Condomínio sito na A., ..., instaurou execução contra B., com sede na ..., ..., eC., com sede no ..., ..., para prestação de facto.

A execução teve por base sentença que condenou solidariamente as executadas a procederem, no prazo de 3 meses, às obras necessárias e adequadas à reparação/eliminação das seguintes anomalias descritas nos pontos números 10 e 11 dos factos provados:
· No revestimento lateral de um vão exterior do prédio soltaram-se duas placas de revestimento, encontrando-se, em Outubro de 2014, a cola de ligação à vista.
· Os rebocos das paredes exteriores encontram-se fissurados, com especial incidência no guarda corpos situado na fachada sul do edifício, no qual o surgimento das fissuras e microfissuras foi acelerado pela aplicação de um sistema de protecção corta-vento em toda a sua extensão.

No requerimento inicial, o exequente declarou que optava pela prestação de facto por outrem e requereu a nomeação de um perito, concretamente, D. , arquitecto, que avaliasse o custo da prestação.

O executado B. opôs-se à execução por meio de embargos, com o fundamento de que cumpriu a obrigação em que foi condenado.

O exequente contestou, sustentando a improcedência dos embargos.

Na contestação, requereu a realização de perícia, com o seguinte objecto:
1. Se a intervenção realizada no imóvel pela executada foi concluída em função do que foi decidido na sentença;
2. Em caso de resposta negativa, que o senhor perito dissesse quanto custava a obra e se para o efeito era necessário:
· Lavar as paredes com jato de água alta pressão a fim de

eliminar as sujdades;
· Tratar fissuras avivando as mesmas com raspador triangular ou disco de rebarbadora e aplicar mástique à base de polímeros acrílicos tipo Sicflex 11FC;
· Tratar do betão solto, limpeza das armaduras com escova de arame, Sika Top Armatec 110 Epocem ou equivalente sobre as armadura em duas demãos e aplicação de Sika Monotop 612 ou equivalente com argamassa de revestimento;
· Substituir por armadura nova com soldadura de todas aquelas que apresentem corrosão superior a 20%;
· Pintura do betão com verniz “Arga” com duas demãos em cor idêntica à existente;
· Fornecimento e aplicação, nas paredes de pedra e tijolo face à vista de repelente hidrófogo tipo Sikagard 700S;
· Lixar gradeamentos metálicos aplicação de primário Epoxi c-pox STI 80AL e duas demãos de tinta esmalte dois componentes C-THANE RPS-HS da CIN;
· Pintura das paredes de reboco com uma de mão de primário à base de resinas, Pliolite, tipo Dyprolite e duas demãos de Dyruplaswtic.

No despacho saneador do processo de embargos, o tribunal a quo admitiu a prova pericial. Justificou a admissão nos seguintes termos: “Tendo em consideração o objecto da execução e os fundamentos dos embargos de executado, é relevante determinar se a sentença judicial que serve de título executivo foi ou não cumprida pela executada/embargante, averiguação que não é passível de prova testemunhal nem de percepção directa pelo tribunal por comportar em si mesmo um juízo técnico subtraído aos conhecimentos do tribunal e à verificação directa e presencial.

A prova perícia é, assim, pertinente, nos termos do artigo 388.º do Código Civil.

Acresce que, caso os embargos de executado sejam julgados improcedentes, por não se provar que a sentença foi cumprida, tornar-se-á necessário determinar o custo da prestação de facto por outrem que tem naturalmente implícita a determinação dos trabalhos necessários para reparar as anomalias provadas na sentença.

Também esta operação depende de prova pericial pelas razões acima referidas.

Entende o tribunal que tais operações devem concentrar-se numa única perícia, até por força da conexão intrínseca dos respectivos objectos, o que só tratará ganhos de eficácia, celeridade e custos para o presente incidente e para a execução.

A concentração numa única perícia dos trabalhos e obras com a indicação dos custos associados, permite sindicar a oportunidade e adequação dos trabalhos e obras e, consequentemente, o custo dos mesmos, o que facilita a discussão de eventuais alternativas ou soluções equivalentes para a reparação dos defeitos (a subsistirem) atento os custos associados”.

Fixou à perícia o seguinte objecto:
a) Saber se as duas placas de revestimento lateral de um vão exterior do prédio colocadas pela executada/embargante estão fixadas definitivamente, sem cola de ligação à vista;
b) Saber se os rebocos das paredes exteriores se encontram fissurados, com especial incidência no guarda corpos situado na fachada sul do edifício, no qual o surgimento das fissuras e microfissuras foi acelerado pela aplicação de um sistema de protecção corta-vento em toda a sua extensão;
c) Trabalhos e obras realizados pela executada/embargante após a sentença proferida em 30 de Junho de 2017;
d) Saber se as obras realizadas pela executada/embargante permitiram reparar as anomalias descritas em a) e b);
e) Quais os trabalhos e obras necessários realizar para reparar as anomalias descritas em a) e b);
f) Qual o custo de cada um dos trabalhos.

O processo de embargos prosseguiu os seus termos com realização da perícia e após a audiência foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.

O exequente requereu, entretanto, que o perito indicado por si, no requerimento executivo, avaliasse o custo da reparação em conformidade com o decidido nas sentenças – na sentença que serviu de base à execução e na que julgou improcedentes os embargos – e que, fixado o valor que se indicou como provável de € 52 350 euros, fosse feita a penhora da quantia para pagar à exequente.

O executado opôs-se à pretensão da exequente.

A Meritíssima juíza do tribunal a quo indeferiu a realização da perícia. Justificou a decisão dizendo que a prova pericial realizada nos embargos à execução incluiu, por um princípio de economia processual, a determinação do custo provável do facto a prestar e que, finda a oposição à execução, encontrava-se definida a prestação em falta e o custo provável da mesma e que na acção executiva já havia sido obtida a quantia do custo provável da prestação e das custas.

O exequente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se desse provimento ao recurso.

Para o efeito alegou:

(…)

Questão suscitada pelo recurso:

Saber se, ao indeferir a realização da perícia, o despacho recorrido incorreu em erro e, em caso afirmativo, se é de revogar e substituir por decisão que ordene a realização da perícia.


*

Os factos relevantes para a decisão do recurso são os marrados no relatório deste acórdão.

*

Passemos à resolução da questão suscitada pelo recurso.

Como resulta do exposto, o recorrente socorreu-se de vários argumentos para pedir a revogação da decisão recorrida.

Seguindo a ordem das conclusões, o primeiro argumento é constituído pela alegação de que em ponto algum da fundamentação dos embargos se fixa o valor da obra a realizar ou se dá por bom o valor que a peritagem alcançou.

Apesar de ser exacto que a sentença que julgou os embargos não fixou o custo das obras a realizar nem deu por bom o valor a que chegou a perícia, tal circunstância não inquina o despacho recorrido.

Vejamos. A perícia que está em questão nos autos está prevista no n.º 1 do artigo 868.º do CPC. Para se perceber a função dela importa ter presente os seguintes aspectos do regime da execução para prestação de facto.

Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação (1.ª parte do n.º 1 do artigo 868.º do CPC).

No caso de optar pela prestação de facto por outrem, cabe ao exequente requerer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação (n.º 1 do artigo 870.º, do CPC).

Segue-se daqui que a função da perícia é a de avaliar o custo da prestação por outrem.

Depois de realizada a avaliação procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa (n.º 2 do artigo 870.º do CPC).

E depois de realizadas as obras, o credor presta contas ao juiz do processo (n.º 1 do artigo 871.º do CPC), assistindo ao executado a faculdade de as contestar.

Depois de julgadas e aprovadas as contas pelo juiz, o crédito do exequente é pago pelo produto da execução dos bens penhorados (n.º 1 do artigo 872.º do CPC).

Se o produto não chegar para o pagamento, seguem-se, para se obter o resto, os termos estabelecidos no artigo 870.º (n.º 2 do artigo 872.º do CPC).

Destas disposições resulta o seguinte:
· Após a realização da perícia, o tribunal não procede à fixação do custo das obras a efectuar nem, para usarmos as palavras do recorrente, dá “por bom o valor que a peritagem alcançou”;
· O custo da prestação avaliado pelo perito funciona como estimativa, que poderá ser corrigida para mais ou para menos, em sede de prestação de contas.

Citam-se em abono desta interpretação, na jurisprudência, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 8-10-1992, no recurso n.º 0046956, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 4-10-2007, no processo n.º 1454/07-2, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 27-02-2014, no processo n.º 30/11.7YYLSB-B.L1-8, todos publicados em www.dgsi.pt. E citam-se na doutrina, a título de exemplo, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa e José Lebre de Freitas. Os primeiros escrevem em anotação ao artigo 870.º do CPC o seguinte sobre o valor da avaliação” A avaliação assim feita destina-se a fornecer uma estimativa do custo provável das despesas, não sendo definitivo o valor indicado pelo perito, até porque haverá lugar á prestação de contas em incidente próprio [Código de Processo Civil Anotado Volume II, Almedina, página 306]. O segundo escrevia a propósito das disposições do CPC de 1961 em matéria de execução para prestação de facto: “Aprovadas as contas pelo juiz, o crédito que delas resultar para o exequente (e que poderá ser superior ou inferior ao montante da avaliação efectuada pelos peritos) é pago pelo produto obtido na execução do custeamento (art. 937-1) e, se ele não chegar, proceder-se-á a nova avaliação e, se necessário, à penhora de novos bens do executado, sempre por nomeação do exequente, até que este seja integralmente pago (art. 937-2”) – A acção Executiva, depois da reforma da reforma, 5.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra Editora, página 390].

Segue-se do exposto que não cabia ao juiz fixar, após a avaliação, o custo das obras a realizar ou dar por bom o custo a que chegou a perícia.

O segundo argumento – continuando a seguir a ordem das conclusões - é constituído pela alegação de que, julgados que foram procedentes os embargos, havia que avaliar, no processo de execução, o custo da prestação do facto por outrem.

O argumento do recorrente seria em parte exacto se o custo da prestação por outrem não tivesse sido avaliado em sede de embargos de executado. E seria em parte exacto porque resulta da combinação do n.º 1 do artigo 868.º, do CPC, com os artigos 869.º e 870.º, do mesmo diploma, que o momento próprio para requerer prestação do facto por outrem e a avaliação do custo dessa prestação é findo o prazo estabelecido para a oposição à execução, ou julgado esta improcedente, no caso de a execução ter sido suspensa.

Visto que, no caso, o recebimento dos embargos não suspendeu a execução, o exequente não teria de aguardar pela decisão de improcedência dos embargos para optar pela prestação do facto por outrem. Podia fazer tal opção findo o prazo estabelecido para a oposição.

Sucede que, no caso, o custo da prestação por outrem foi avaliado validamente pela perícia realizada nos embargos. Na verdade, era lícito ao tribunal a quo, ao abrigo dos poderes de gestão processual (n.º 1 do artigo 8.º do CPC), determinar, como determinou expressamente, que a perícia efectuada em tal processo tivesse também como objecto a avaliação do custo necessário à reparação dos defeitos, a que estavam obrigados os executados.

Acresce a favor da validade de tal avaliação, que foi o exequente, ora recorrente, quem requereu no processo de embargos a realização de perícia e que propôs como questão a responder pelo perito o custo dos trabalhos necessários à reparação dos defeitos.

O terceiro conjunto de argumentos de que se socorre o exequente, ora recorrente, para pedir a revogação da decisão recorrida é constituído pela alegação de que a perícia realizada nos embargos não foi a que a exequente requereu, nem com o perito que indicou, nem mensurou todos os danos.

Estes argumentos não colhem.

Em primeiro lugar, e como resulta do já exposto, a perícia realizada nos embargos, que avaliou o custo da prestação, foi requerida pelo exequente, ora recorrente. Daí que se compreenda mal à luz do dever de boa fé processual que impende sobre as partes (artigo 8.º do CPC) que o recorrente venha dizer que a perícia realizada no apenso não é aquela que ele requereu.

Em segundo lugar, é exacto que a avaliação realizada no processo de embargos não foi levada a cabo pelo perito indicado pelo exequente, ora recorrente. Trata-se, no entanto, de uma circunstância irrelevante. E é irrelevante porque não resulta do n.º 1 do artigo 870.º do CPC que o exequente, ao requerer a prestação de facto por outrem, tem o direito a que a avaliação seja feita pelo perito que ele indicar.

A nomeação do perito cabe ao juiz, como resulta da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 870.º do CPC, na linha do que prescreve o n.º 1 do artigo 467.º do mesmo diploma.

Só na hipótese de haver acordo das partes sobre a identidade do perito a designar – hipótese que não se verificou no caso, pois a executada opôs-se à nomeação do perito indicado pelo ora recorrente – é que o n.º 2 do artigo 467.º do CPC, impõe ao juiz o dever de nomeá-lo, salvo se fundadamente tiver razões para pôr em causa a sua idoneidade ou competência.

Também não vale contra a decisão recorrida a alegação de que a perícia realizada “não mensurou todos os danos”. Trata-se de uma alegação não fundamentada, visto que o recorrente não especificou quais os danos que não foram mensurados, não cabendo a este tribunal entrar em suposições ou conjecturas sobre os danos em causa. A verdade é que, desconsiderando a falta de fundamentação de tal alegação, sempre se poderá dizer, contra a alegação do recorrente, que o perito avaliou o custo de todos os trabalhos necessários para reparação dos defeitos. Basta comparar os trabalhos que estão por realizar e o relatório pericial para se concluir sem qualquer dúvida que a perita avaliou o custo de todos os trabalhos que são necessários para corrigir as anomalias.

Por último, a recorrente contesta a decisão com a alegação de que, ao não admitir a realização da perícia, a decisão recorrida ofendeu o caso julgado formado pela sentença proferida na acção declarativa com processo comum n.º 726/14.1T8FIG do juízo Local e Cível da Figueira da Foz, juiz 2, e da sentença proferida nos embargos (apenso A), violando o disposto nos artigos 619.º e 621.º, ambos do CPC.

O argumento não tem o mais leve apoio nos factos e nos preceitos invocados.

Em primeiro lugar, dispondo o artigo 619.º do CPC sobre o valor da sentença transitada em julgado que tenha decidido sobre a relação material controvertida, não se vê – e o recorrente também não explica – em que é que o despacho recorrido que indeferiu a realização de uma perícia, põe em causa a força obrigatória da sentença proferida na acção declarativa e nos embargos de executado.

Em segundo lugar, dispondo o artigo 621.º do CPC sobre o alcance do caso julgado e afirmando a 1.ª parte do preceito que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, não se vê - e o recorrente também não explica - em que é que a sentença proferida na 1.ª instância e a que julgou improcedentes os embargos, que não se pronunciaram em momento algum sobre o requerimento indeferido pela decisão recorrida, viram o alcance do seu caso julgado ser ofendido por ela (decisão recorrida).

Considerando a noção de caso julgado constante do n.º 1 do artigo 580.º do CPC, combinado com o artigo 581.º do mesmo diploma, e a finalidade do caso julgado (n.º 2 do artigo 580.º do mesmo diploma), seria pertinente invocar ofensa do caso julgado formado pelas decisões proferidas na acção declarativa e nos embargos de executado se o despacho recorrido tivesse decidido as mesmas questões que foram decididas por aquelas sentenças ou se o acatamento destas implicasse necessariamente a realização da perícia indeferida, hipóteses que claramente não se verificam. Não há identidade entre as questões decididas na acção declarativa e nos embargos e a que foi decidida pelo despacho recorrido. E a sentença condenatória proferida na acção declarativa e a que julgou improcedentes os embargos não vinculavam o tribunal a quo a deferir a realização da perícia indeferida.


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.


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Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o recorrente ter ficado vencido no recurso, condena-se o mesmo nas custas do recurso.

Coimbra, 25 de Janeiro de 2022