Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/15.6IDCTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CONVERSÃO DA PENA DE MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO
OMISSÃO DE AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO FUNDÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 49.º DO CP; ART.ºS 61.º, N.º 1, AL. B) E 119.º, AL. C) DO CPP
Sumário: I - A conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, ao abrigo do art.º 49.º do Código Penal, configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado.

II – Dada a natureza de pena subsidiária resultante da conversão da pena de multa não paga em prisão e porque o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, requerendo nomeadamente a suspensão daquela (pena subsidiária), ao abrigo do preceituado no n.º 3, do artigo 49.º, é fundamental ouvi-lo previamente.

III - A audição do arguido é a forma processual e legal de dar efetividade ao exercício do direito deste ser ouvido (art.º 61.º, n.º 1, al. b), Código de Processo Penal) e ao princípio do contraditório.

IV - A omissão da audição prévia do arguido, constitui a nulidade processual do artigo 119.º, al. c) do C.P.P., exatamente por violação do art.º 61.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma.

Decisão Texto Integral:







                         Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Nos autos de processo supra identificados, por acórdão transitado em julgado, foi o arguido AB condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art. 105, nºs. 1 e 4, als. a) e b, do RGIT, na pena de 250 dias de multa , à taxa diária de 7,00 euros , o que perfaz a multa global de 1750,00 euros.

            2. Por despacho de 19.12.2018 – fls 1036 e 1037 – e após promoção do Ministério Público de 17.12.2018 nesse sentido, foi decidido converter a pena de 250 dias de multa aplicada ao arguido AB, em 166 dias de prisão subsidiária.

            3. Desta decisão recorre o arguido, que formula as seguintes conclusões:

(...)

6. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.   

                                                           II

Questão a apreciar:

A nulidade da decisão por omissão de audição prévia do arguido à decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.

                                                            III

Apreciando:

1. O despacho recorrido tem o seguinte teor:

“Por sentença transitada em julgado, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art. 105, ns. 1 e 4, als. a) e b), do RGIT, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, o que perfaz a multa global de 1750,00 euros. 

Sucede, porém, que o arguido AB, apesar de ter requerido o pagamento em prestações da multa, na qual foi condenado, nunca procedeu ao pagamento de qualquer prestação e nunca veio aos autos justificar o motivo, pelo qual, passou a estar numa situação de incumprimento. 

Conforme resulta apurado nos autos, não é exequível a execução patrimonial, atenta a falta de bens ou rendimentos penhoráveis.

No que diz respeito à pena de multa não paga, diz-nos o artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal: “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente, reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º”.

No caso em apreço, o arguido não pagou voluntariamente a multa no prazo que lhe foi concedido para o efeito. Por outro lado, tendo requerido o respectivo pagamento em prestações, não procedeu ao pagamento de qualquer prestação e também não apresentou qualquer justificação. Acresce, ainda, que, conforme resulta dos autos, não se mostra, igualmente, possível a cobrança coerciva da mesma.

Assim, consideramos estarem reunidos os pressupostos para proceder à conversão da multa não paga em prisão subsidiária que, seguindo os ditames da norma legal citada, deve ser fixada em dois terços de 250 dias, ou seja, 166 dias.

Pelo exposto, nos termos do artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal, determina-se a conversão da pena de 250 dias de multa aplicada ao arguido AB, em 166 dias de prisão subsidiária.

Notifique.

Após trânsito, passem-se e emitam-se os competentes mandados de condução ao E. P.”.

2. Dispõe o artigo 49.º do Código Penal (conversão da multa não paga em prisão subsidiária), o seguinte:

1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º

2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

4 – (…)

3. No concreto caso, a pena de multa não foi substituída por trabalho e a mesma não foi paga voluntariamente nem a sua execução coerciva foi possível.

E assim sendo, o primeiro pressuposto exigido pelo nº 1 do artigo 49º do Código Penal, para a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, mostra-se preenchido.

A conversão da pena de multa em prisão subsidiária significa para o condenado, o cumprimento desta.

Pelo que é entendimento pacífico na jurisprudência que a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, ao abrigo do art. 49º do Código Penal, configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado[1] - Neste sentido, v. ac. TRC de 25-06-2014[2] e ac. do TRE de 23.01.2018 (Procº nº 212/10.9GFSTB-A.E1).

Todavia, nos termos do nº 3 do mesmo artigo 49º, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa nas condições aí previstas, desde que o condenado prove que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.

Como se decide no acórdão deste TRC de 11.10.2017[3], I - o processo conducente à conversão de uma pena de multa em prisão subsidiária e eventual recurso à faculdade da suspensão da execução desta comporta duas fases: uma, de indagação sobre a emergência dos dois primeiros pressupostos que se mostra objectiva: apurar se a pena de multa não foi substituída por trabalho e se a mesma pena não foi paga, voluntária ou coercivamente; uma outra - de índole pode afirmar-se subjectiva -, e que consiste em indagar sobre se o incumprimento do agente foi culposo. II - É sobre o arguido que recai o ónus de comprovar que o não pagamento da multa lhe não é imputável.

Pelo que, dada a natureza da pena subsidiária e porque o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, requerendo nomeadamente a suspensão daquela (pena subsidiária), ao abrigo do preceituado no nº 3, do artigo 49º, importa, sendo mesmo fundamental, ouvi-lo previamente.

Só tendo a oportunidade de ser ouvido, pode o arguido alegar os motivos do não pagamento da multa e qual a sua vontade quanto a eventual forma do seu pagamento[4]. E se de todo não lhe for possível pagar a multa, por razões que não lhe sejam imputáveis, pode requerer a referida suspensão da prisão subsidiária.

Ou seja, a suspensão da prisão subsidiária não tem de ser decretada oficiosamente, estando, outrossim, dependente de a mesma ser requerida pelo arguido.

E embora caiba ao arguido o ónus de comprovar que o não pagamento da multa lhe não é imputável, sendo todavia requerida a suspensão da prisão subsidiária, tem o tribunal o poder/dever de também indagar dos factos alegados pelo arguido/condenado, com vista à apreciação dessa pretensão, procedendo, se necessário, a relatório social ou a outras diligências – v. o supra citado ac. do TRE de 23.01.2018 (Procº nº 212/10.9GFSTB-A.E1:

IV -O tribunal deve determinar a elaboração de relatório social para, por um lado, apurar as razões do não pagamento da multa em questão, e, por outro lado, para tomar conhecimento da situação pessoal, financeira e económica do arguido.

A audição do arguido é a forma processual e legal de dar efetividade ao exercício do direito deste ser ouvido (art. 61º, nº 1, al. b), Código de Processo Penal) e ao princípio do contraditório.

Constituindo a omissão desta audição prévia do arguido, a nulidade processual do artigo 119º, al. c) do C.P.P[5]., exatamente por violação do art. 61º, nº 1, al. b).

Neste sentido se pronuncia a jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente:

- O já citado ac. deste TRC de 25-06-2014:

2. Estando em causa a liberdade, antes de ser proferida decisão que a retire, nomeadamente por via da substituição de pena não detentiva por pena detentiva, deve o visado ser informado para se poder pronunciar sobre essa possibilidade, querendo;

3. Aquela notificação tem que ser pessoal e configura uma formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, do art. 119º, al. c), do C.P.P., por violação do art. 61º, nº 1, al. b).

- Ac. TRG de 19-05-2014:

II. A decisão que converte a pena de multa em prisão subsidiária tem de ser precedida da audição do arguido, para se pronunciar sobre as razões do não pagamento, mas tal audição não tem de ser presencial;

- Ac. TRL de 15-03-2011, proc. nº 432/08.6POLSB-A.L1-5:           

III Não sendo conhecidos bens penhoráveis ao arguido, não se justifica a instauração de execução para pagamento coercivo da multa, seguindo-se o processo de conversão da mesma em prisão subsidiária;

IV Antes dessa conversão, deve ser assegurado o contraditório, tendo o condenado a possibilidade de provar que o não pagamento lhe não é imputável;

V Sendo determinado o cumprimento da prisão subsidiária, sem ter sido assegurado ao condenado o contraditório, foi cometida uma nulidade insuprível, passível de ser suscitada em fase de recurso;

4. Assiste, pois, razão ao recorrente quando diz na conclusão nº 7:

7ª -O tribunal deveria proceder à audição do arguido para saber do motivo ou motivos que o impediram de pagar a multa em que foi condenado (mesmo tendo requerido o pagamento da mesma em prestações).

Não tendo o tribunal ouvido o arguido com a presença do seu defensor, foi violado o princípio do contraditório e cometida a nulidade do artigo 119º, al. c) do C.P.P., exatamente por violação do art. 61º, nº 1, al. b), do mesmo diploma legal.                  

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso do recorrente AB e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, devendo o tribunal ouvir previamente o arguido antes da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, para os fins supra referenciados, prosseguindo os autos seus termos, levando-se em conta nomeadamente os motivos e manifestação de vontade do arguido quanto ao não pagamento da multa e eventual requerimento para que a prisão subsidiária que vier a ser decretada, seja ou não suspensa no seu cumprimento.


           
Sem custas.

Coimbra, 11 de Setembro de 2019

Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários

           

Luís Teixeira (relator)

Vasques Osório (adjunto)


[1] O que o recorrente alega na conclusão nº5.
[2] Relatora Olga Maurício
[3] Relator Brízida Martins.
[4] V. o citado ac. do TRE de 23.01.2018 (Proc.º nº 212/10.9GFSTB-A.E1:
III -O tribunal deve proceder à audição do arguido (pessoal e presencialmente), para, por um lado, aquilatar do motivo ou motivos que o impediram de pagar a multa em que foi condenado, e, por outro lado, para avaliar da vontade do arguido relativamente à forma de cumprimento futuro da pena de multa em causa.
[5] Entendendo alguma jurisprudência que a não audição do arguido integra a nulidade prevista no art.120.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do Código de Processo Penal – v.  Ac. TRC de 16-03-2016, proc. nº 243/12.4GCLRA.C1 (relator Orlando Gonçalves).