Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
266/08.8GBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESSUPOSTOS
PRAZO
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J C CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 50.º, 56.º E 57.º DO CP
Sumário: I - A revogação da pena [de substituição] pode ter lugar depois de decorrido o prazo de suspensão da pena.

II - Segundo o teor do n.º 1 deste preceito [art. 57.º do CP], só depois de findo o período da suspensão é que deve ser apreciado se a mesma deve ser declarada extinta ou se pode ainda/deve ser revogada.

III - A decisão de suspender a execução de uma pena de prisão e a decisão de revogar esta mesma suspensão da execução, estão entre si conexas, partem dos mesmos pressupostos, embora, no final, com resultados diferentes, de sinal oposto.

IV - A fundamentação para a aplicação de uma pena tão grave, pouco tempo depois da suspensão da pena em análise, retira qualquer legitimidade ao julgador a quo para se apoiar na manutenção de qualquer juízo de prognose favorável à manutenção da suspensão.

Decisão Texto Integral:






Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra

I

1. Nos autos de processo comum supra referenciados, foi o arguido A... , melhor id. nos autos,

Por acórdão de 19-03-2010, transitado em julgado no dia 24-06-2010, condenado, como coautor material de três crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos arts. 203º, nº 1, e 204º, nº 1, al. a), e 2, al. e), do Código Penal, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de 5 anos, embora acompanhada de regime de prova.

2. Por despacho judicial de 17.1.2017, foi revogada esta suspensão de execução da pena.

3. Da decisão recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1.ª

Não é de revogar a suspensão da execução da pena de prisão de cinco anos proferida nos autos em recurso, porquanto,

2.ª

            Tendo a sentença condenatória em pena de prisão de cinco anos suspensa na sua execução por igual período transitado em 24 de Junho de 2010, o período de suspensão terminou em 24 de Junho de 2015, devendo o pedido de revogação ter sido requerido naquele prazo de suspensão e não agora, pelo que a sentença violou por erro de interpretação e aplicação o artigo do 56.º, 1.º e 2.º do C. Penal;

3.ª

            Se assim não se entender, considerando que o recorrente já interiorizou os efeitos do cumprimento da pena prisão a cumprir desde 24 de Novembro de 2012 (são decorridos 4 anos e três meses) referente à condenação no Processo Colectivo 286/12.8TACVL, podendo regressar à via civil, tanto mais que vive em união de facto com uma mulher cigana, doente, da qual tem um filho menor de 14 anos, além de ter comportamento exemplar no Estabelecimento Prisional, no qual já, entretanto, completou o 12,º Ano, não deveria ter sido revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, violando a douta sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação do artigo 56.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

            Confiando ainda no douto suprimento de V. Ex.as, decidindo-se nos termos expostos, se fará melhor JUSTIÇA.           

            4. Respondeu o Ministério Público, dizendo, em síntese:

            - Com efeito, é consabido que a decisão de prorrogação ou de revogação da suspensão da pena pode ser proferida depois de ter decorrido tal período. Expressão disso mesmo é o que comanda o art.57º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

            - Há que fazer um juízo de adequação/inadequação da suspensão no caso em apreço com vista a aquilatar se foram ou não, através de tal instituto, alcançadas as finalidades da punição, não olvidando que a pena de prisão é a ultima ratio e que só deve ser aplicada em casos extremos (isto é, quando com todas as demais penas falecem as finalidades da punição).

            - É de sublinhar que, no que respeita aos crimes cometidos pelo arguido nos aludidos processos, foram violadas normas jurídicas que visam tutelar bens jurídicos de natureza distinta.

            - Contudo, a condenação do arguido em prisão efectiva (5 anos e 8 meses) no âmbito do sobredito PCC nº286/12.8TACVL revela que a mera censura do facto e a ameaça de prisão não realizou de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (apesar de o mesmo ter sido sujeito a regime de prova, o qual, no caso dos presentes autos, não surtiu efeito positivo), conforme resulta da decisão condenatória proferida em 1ª instância naquele processo, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, para cuja fundamentação se remete.

            - Ora, considerando a violação repetida (durante o período da suspensão da execução da pena de prisão) de normas que tutelam bens jurídicos de diferente natureza, sendo o último dos referidos ilícitos penais aquele a que corresponde a moldura penal mais grave e pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão efectiva, é de concluir neste caso concreto – com todo o respeito pela avaliação da DGRSP – que as finalidades da suspensão não foram alcançadas e que, em consequência disso, não se encontram satisfeitas as necessidades de prevenção que no caso se verificam.

Com efeito, e não obstante o relatório favorável de acompanhamento da suspensão da pena elaborado em 30.07.2015 pela DGRSP e junto a fls.1041 a 1043, afigura-se-nos não ser despiciendo salientar que o arguido se encontra em situação de reclusão desde 24 de Novembro de 2012 – v. fls.1043 e 1070 a 1074.

            - Assim, afigura-se-nos que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

            5. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, dizendo que o recurso não merece provimento.

           

            6. O recorrente veio responder ao parecer do Ministério Público nesta instância, concluindo como já o fizera no recurso interposto.

            7. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

II
            Questões a apreciar:

            1. O prazo legal em que a revogação da suspensão da execução da pena pode ter lugar.

            2. A verificação ou não dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

                                                          
III

A decisão recorrida tem o seguinte teor, no que para o efeito releva:

            II. Dos autos resulta que:

            - Segundo a D.G.R.S.P., o condenado mostrou-se intimidado com a pena que lhe foi suspensa, acatou as orientações que lhe foram dadas na execução do plano de reinserção social, e mostrou-se colaborante, tendo sido emitido parecer “que os efeitos da suspensão da pena de prisão aplicada foram alcançados, tendo decorrido de forma positiva” – fls. 1042 e 1043;

            - O condenado foi novamente condenado, por sentença proferida no dia 24-11-2011, transitada em julgado no dia 26-12-2011, no processo sumário nº 40/11.4GACVL, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 7, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 6 meses, pela comissão de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº 1, do Código Penal, cometido no dia 19-11-2011 – cfr. certidões de fls. 1001 a 1007 e 1024 a 1026; O condenado cumpriu a pena acessória, bem como a pena de prisão subsidiária à pena de multa aplicada – cfr. fls. 1093 e 1094;

            - O condenado foi novamente condenado, por acórdão proferido no dia 03-12-2013, transitado em julgado no dia 09-07-2014, no processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 286/12.8TACVL, numa pena de 5 anos e 8 meses de prisão (efetiva), pela comissão de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22-01, cometido no ano de 2012 – cfr. certidões de fls. 813 a 911 e 960 a 992 – pena esta que o arguido se encontra atualmente a cumprir – cfr. fls. 1105;

            - O condenado encontra-se privado da liberdade, em reclusão, desde o dia 24-11-2012 – cfr. fls. 1043 e 1070 a 1074;

            - O condenado concluiu o ensino secundário, com aproveitamento, no dia 14-07-2016 – cfr. fls. 1115;

            - O condenado beneficia de licenças de saída jurisdicional e de curta duração, e está colocado em R.A.I. desde 19-02-2016.

***

            III. Elaborado relatório social atualizado do condenado, a seu pedido, conclui-se que:

O processo de desenvolvimento do arguido decorreu num ambiente sócio familiar com transmissão de regras e valores próprios da etnia cigana. Filho adotivo de um casal de feirantes, negociantes de calçado, sempre acompanhou os pais nas suas deslocações pelo país e para Espanha, pelo que o seu sucesso escolar foi sempre condicionado por estas deslocações, tendo abandonado o ensino escolar sem completar o 4º ano de escolaridade.

Aos 17 anos casou segundo os rituais da etnia cigana com B..., da mesma de quem tem quatro filhos.

À data da atual reclusão, que ocorreu em 24 de Novembro de 2012, no Estabelecimento Prisional da Covilhã, A... integrava o seu agregado familiar constituído pelo próprio, a companheira, dois filhos do casal, a companheira de um dos filhos e dois netos.

Apesar do arguido referir ser vendedor ambulante, no meio este não era visto a desenvolver qualquer atividade, sendo referenciado como um indivíduo sem hábitos de trabalho. Ausentava-se durante longos períodos desconhecendo-se o seu paradeiro. A... afirma que se deslocava periodicamente, para Espanha com o objetivo de trabalhar na venda de materiais de construção. Segundo o mesmo, passava várias semanas nesse país, vindo passar os fins-de-semana junto do agregado. Refere que tinha uma situação económica favorável o que lhe permitia custear as despesas do agregado.

A... sempre colaborou com estes serviços de reinserção social apresentando-se para as entrevistas quando convocado.

No EP tem mantido um comportamento adaptado às normas não criando situações de conflito nem com os colegas nem com os profissionais. Frequentou e concluiu os cursos EFA B3 e EFA secundário com assiduidade, empenho e aproveitamento.

Trabalhou na área da cozinha e atualmente no bar.

Aparenta uma postura de conformismo face às penas que se encontra a cumprir referindo disponibilidade para o cumprimento das regras e motivação para alteração do seu percurso de vida.

Já usufruiu de medidas de flexibilização ao exterior tendo as mesmas decorrido com normalidade.

Tem apoio da companheira e filhos que o visitam com regularidade.

***

IV. Procedeu-se à audição presencial do condenado (sem a presença do técnico da D.G.R.S.P., por ter sido junto o referido relatório social), da qual nada de novo resultou.

***

V. Apreciando e decidindo a questão suscitada, importa referir que o art. 51º do Código Penal, na sua versão originária, postulava que a suspensão da execução da pena “será sempre revogada se, durante o respetivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão”, implicando “o cumprimento da pena cuja execução estava suspensa”.

Tal regime veio a ser ligeiramente alterado pela revisão de 1995 operada no Código Penal, consagrando-se um regime em que a suspensão da execução da pena é revogada, além do mais, se o condenado “cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas” – art. 56º, n.º 1, al. b).

Como é sabido, subjazem à decisão judicial de suspensão de execução da pena essencialmente razões de prevenção. Por um lado, a tutela dos bens jurídicos (estabilização das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da vigência da norma violada), ou seja, a prevenção geral positiva ou de integração. Por outro lado, a chamada prevenção especial, cujo critério decisivo se identifica com a medida das necessidades de socialização. Podem ainda funcionar as funções subordinadas de prevenção especial - de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

Sopesando tais fatores, emite-se um juízo de prognose favorável, confiando o julgador que a mera pena de substituição de suspensão da execução da pena será suficiente para dissuadir o condenado da comissão de novos atos de delinquência. Como se referiu no Ac. do S.T.J. de 27-06-1996 (CJSTJ, 1996, t. 2, p. 204), “a finalidade político-criminal que a lei visa com este instituto é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, estando aqui em causa uma questão de 'legalidade' e não de 'moralidade'”.

Assim sendo, e recorrendo agora ao sumário do Ac. da Relação de Coimbra de 08-07-2015 (proferido no processo nº 423/13.5GBPBL.C1, disponível em www.trc.pt), a revogação da pena de suspensão depende “sempre da constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência”.

Desta forma, e regressando ao caso em apreço, deve sublinhar-se que desde o trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos e até ao momento em que o condenado foi detido decorreram dois anos e 5 meses, período temporal esse que o condenado ocupou, durante boa parte, dedicando-se à atividade delituosa de tráfico de estupefacientes, de inequívoca gravidade e nocividade social. Delito esse pelo qual o condenado foi sancionado criminalmente com pena de prisão elevada, de 5 anos e 8 meses, insuscetível de substituição, tendo por isso o Tribunal desta condenação entendido que não merecia, desde logo ao nível da determinação da pena concreta (que poderia ser inferior a 5 anos de prisão, como resulta do art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22-01), sequer a ponderação de outra pena que não a de prisão efetiva.

E é certo que o curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento dos novos factos – cerca de ano e meio – e a gravidade de um dos crimes cometidos (tráfico de estupefacientes), em conjugação com a revelada personalidade do condenado (não se apurando que mantivesse atividade laboral lícita), tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável que foi emitido nestes autos, e que justificou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão, se revelou inadequado, face à frustração da expetativa do seu afastamento da criminalidade.

            Conclui-se, assim, que as condenações criminais entretanto sofridas pelo condenado, por crimes cometidos no período de suspensão de execução da pena, invalidam a opção judicial pela pena não privativa da liberdade, apontando claramente no sentido de que as razões de prevenção – geral e especial - sentidas no caso demandam a aplicação de pena privativa da liberdade.

E a tal conclusão não obsta o parecer emitido pela D.G.R.S.P., que se revela, por um lado, desmentido pelos fatores acima elencados e, por outro lado, inquinado pelo facto de o condenado ter estado em reclusão em boa parte do período de suspensão de execução da pena - sendo, por isso, natural que a sua atitude e comportamento, em regime de reclusão, tenham sofrido uma melhoria, a qual, porém, se deve conexionar com os efeitos da pena privativa da liberdade que se encontra a cumprir, e não com a anterior condenação em pena suspensa, sendo certo que enquanto esteve em liberdade continuou a delinquir.

Por conseguinte, julgamos estar verificado o condicionalismo do art. 56º, nº 1, al. b), do Código Penal, pelo que importa revogar a suspensão da execução da pena aplicada.

            Em consequência, deverá o arguido/condenado cumprir a pena de 5 anos de prisão que lhe foi aplicada nestes autos – art. 56º, nº 2, do Código Penal.

***

            VI. Deste modo, e pelo exposto, decido revogar a suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido/condenado A... nestes autos, pelo que determino o cumprimento desta.

IV

Cumpre apreciar:

1ª Questão: a tempestividade para a revogação da suspensão da execução da pena.

1. Diz o recorrente:

            “Tendo a sentença condenatória em pena de prisão de cinco anos suspensa na sua execução por igual período transitado em 24 de Junho de 2010, o período de suspensão terminou em 24 de Junho de 2015, devendo o pedido de revogação ter sido requerido naquele prazo de suspensão e não agora, pelo que a sentença violou por erro de interpretação e aplicação o artigo do 56.º, 1.º e 2.º do C. Penal”.

2. Não assiste razão ao recorrente ao pretender concluir, como aliás, conclui, que o pedido de revogação de suspensão da execução da pena deveria ter ocorrido entes do decurso do prazo estabelecido para a sua suspensão, que foi de cinco anos, o mesmo é dizer que deveria ter ocorrido antes de 24 de Junho de 2015.

O disposto no artigo 57º do Código Penal, não suscita dúvidas quando diz:

1 - A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.

2 - Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.

Ou seja, segundo o teor do nº1 deste preceito, só depois de findo o período da suspensão é que deve ser apreciado se a mesma deve ser declarada extinta ou se pode ainda/deve ser revogada.

Por sua vez, o nº2 deste preceito vai ainda mais longe, no sentido de, se findo o prazo da suspensão se se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.

Logo, é manifesto que a revogação da pena pode ter lugar depois de decorrido o prazo de suspensão da pena.

Neste sentido se pronuncia o ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.06.2015, proferido no proc. nº 1845/97.2PBCSC.L1-5, onde se decide:

“Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25-11-2003 (proc. n.º 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56º e 57º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição.

Ora, a nosso ver, salvo melhor opinião, nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art.º 57º, n.º 1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos”.

Não estando em causa, no presente caso, qualquer situação de prescrição da pena, mostra-se tempestiva e legal a questão da apreciação a revogação da suspensão da execução da pena.

2ª Questão: a verificação ou não dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

1. A decisão recorrida é expressa, explícita e convincente quanto aos exatos fundamentos que justificam a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de cinco anos aplicada ao arguido.          

2. Dispõe o artigo 56º, do Código Penal que:

1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado:

… b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

Face ao teor desta disposição, é neste momento comummente aceite, que a revogação da suspensão da execução mesmo pela prática de crime durante o período da suspensão, não é de funcionamento automático – v. ac. TRGuimarães de 12.10.2009, proferido no proc. nº 969/06.1GAFLG.G1, onde se decide:

“Desde pelo menos a Revisão de 1995 do Código Penal que a condenação pela prática de crime durante o período da suspensão não provoca automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena por ser, ainda, necessário concluir que “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas” [art. 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal] ”[1].

Ou seja, a decisão de suspender a execução de uma pena de prisão e a decisão de revogar esta mesma suspensão da execução, estão entre si conexas, partem dos mesmos pressupostos, embora, no final, com resultados diferentes, de sinal oposto.

3. Ora, o exato sentido ou o ponto de diferenciação que deve ditar a manutenção ou a revogação da suspensão da execução da pena perante a prática pelo agente de um novo ou mais crimes, durante o período da dita suspensão traduz-se em apurar se as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão podem ou não ser ainda alcançadas.

Em caso afirmativo, será de manter a suspensão.

Em caso negativo, deve ser revogada a suspensão.

Assim o entendemos e assim o entende a demais jurisprudência:

Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-06-2016, proferido no proc. nº 44/13.2GCCVL.C1:

II - É imprescindível para a revogação da pena de suspensão a constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que fundou a aplicação da pena de substituição ou seja, invalidou a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-04-2014, proferido no proc. nº 51/11.0GAPVL.G1:

I – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.            II – O abandono do automatismo na revogação da suspensão, que existia na versão original do Código Penal, não traduz qualquer vontade do legislador de criar um regime mais permissivo, mas, antes, de ligar indelevelmente o destino da suspensão à satisfação das finalidades que estiveram na sua base.

Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 29-10-2014, proferido no proc. nº 225/11.3GAPRD-B.P1:

I - Para a revogação da pena suspensa, ao abrigo do artº 56º1b) CP impõe-se a verificação de um requisito formal traduzido no cometimento, no período da suspensão de um crime pelo qual venha a ser condenado, e de um requisito material assente na conclusão sobre se a prática desse novo crime afasta irremediavelmente o juízo de prognose em que assentou a suspensão da pena.

II - Para apreciar do requisito material deve ponderar-se entre outras circunstâncias do caso, o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a sua gravidade, a conduta global do arguido durante a suspensão e a pena aplicada pelo novo crime, de modo a saber se as finalidades da suspensão estavam ou não a ser alcançadas.

4. Afirma-se e bem na decisão recorrida:

“Como é sabido, subjazem à decisão judicial de suspensão de execução da pena essencialmente razões de prevenção. Por um lado, a tutela dos bens jurídicos (estabilização das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da vigência da norma violada), ou seja, a prevenção geral positiva ou de integração. Por outro lado, a chamada prevenção especial, cujo critério decisivo se identifica com a medida das necessidades de socialização.

Sopesando tais fatores, emite-se um juízo de prognose favorável, confiando o julgador que a mera pena de substituição de suspensão da execução da pena será suficiente para dissuadir o condenado da comissão de novos atos de delinquência. Como se referiu no Ac. do S.T.J. de 27-06-1996 (CJSTJ, 1996, t. 2, p. 204), “a finalidade político-criminal que a lei visa com este instituto é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, estando aqui em causa uma questão de 'legalidade' e não de 'moralidade'”.

Portanto, quando o tribunal condenou o arguido ora recorrente na pena única de 5 anos de prisão e suspendeu a sua execução pelo mesmo período de 5 anos, acompanhada de regime de prova., formulou o necessário juízo de prognose favorável, confiou que a mera suspensão da execução da pena seria suficiente para dissuadir o condenado de cometer novos crimes, de que seria suficiente para o afastar da prática de novos atos de delinquência.

A pena dos 5 anos de prisão foi aplicada por acórdão de 19-03-2010, transitado em julgado no dia 24-06-2010

Mas logo em 19-11-2011, o arguido pratica novos factos, tendo sido condenado, por sentença proferida no dia 24-11-2011, transitada em julgado no dia 26-12-2011, no processo sumário nº 40/11.4GACVL, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 7, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 6 meses, pela comissão de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº 1, do Código Penal.

Ou seja, pouco mais de um ano depois de lhe ter sido suspensa a execução da pena dos cinco anos de prisão.

Acontece que a conduta do arguido não se ficou por aqui.

            Na verdade, o arguido foi novamente condenado, por acórdão proferido no dia 03-12-2013, transitado em julgado no dia 09-07-2014, no processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 286/12.8TACVL, numa pena de 5 anos e 8 meses de prisão efetiva, pela comissão de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22-01, cometido no ano de 2012.

            Este último facto é deveras revelador de que a aposta do tribunal no sentido de a mera suspensão da pena dos 5 anos de prisão seria suficiente para afastar o arguido de futura criminalidade estava perdida.

Digamos que a prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastaria para o arguido não mais delinquir, não passou de uma miragem do julgador.

            E se o primeiro dos delitos supra descritos, não justificaria uma revogação da suspensão da execução da pena, o mesmo já não se pode afirmar quanto ao segundo crime, de tráfico de estupefacientes. Este crime é por natureza grave. É tão grave, que o arguido foi condenado numa pena de 5 anos e 8 meses de prisão efetiva.

            Como se refere na decisão recorrida, “desde o trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos e até ao momento em que o condenado foi detido decorreram dois anos e 5 meses, período temporal esse que o condenado ocupou, durante boa parte, dedicando-se à atividade delituosa de tráfico de estupefacientes, de inequívoca gravidade e nocividade social.

            …

            E é certo que o curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento dos novos factos – cerca de ano e meio – e a gravidade de um dos crimes cometidos (tráfico de estupefacientes), em conjugação com a revelada personalidade do condenado (não se apurando que mantivesse atividade laboral lícita), tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável que foi emitido nestes autos, e que justificou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão, se revelou inadequado, face à frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade”.

            Com efeito, o recorrente encontra-se privado da liberdade, em reclusão, desde o dia 24-11-2012.

Como refere Odete Oliveira, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105, “o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime doloso durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição.” Cfr. Odete Oliveira, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105.

E como se decidiu no ac. do TRG de 19-10-2015,

I) O cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão revela sempre que uma das finalidades da punição não foi alcançada, na medida em que não se conseguiu o afastamento do condenado da prática de novos crimes.

II) No entanto porque a revogação não ocorre de forma automática, há que averiguar se, com o cometimento de novo crime, ficou infirmado, de forma irremediável e definitiva, o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou ou se, pelo contrário, ainda é possível esperar fundadamente que daí para a frente o condenado se afaste da prática de outros crimes.

Entende-se que a conduta posterior do arguido à suspensão da execução da pena, frustrou irremediavelmente a possibilidade de ainda assim, com a prática dos novos factos, considerar que se mantinha o juízo de prognose inicial favorável à suspensão.

A gravidade dos factos praticados, a medida da pena aplicada e por de pena de prisão efetiva se tratar, sem qualquer possibilidade de reformular um juízo para a sua eventual suspensão uma vez que é superior a cinco anos, justificam o asserto da decisão recorrida.

A fundamentação para a aplicação de uma pena tão grave, pouco tempo depois da suspensão da pena em análise, retiram qualquer legitimidade ao julgador a quo para se apoiar na manutenção de qualquer juízo de prognose favorável à manutenção da suspensão.

Se é verdade que a mera condenação por crime cometido no período de suspensão da execução da pena de prisão não determina, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, antes devendo ser feito um juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição[2], também não é menos verdade que uma condenação em pena de prisão efetiva, tem uma leitura já bem diferente.

Assim, é entendimento de que “só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas” Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, 2.ª edição, pág. 236; e os acórdãos deste TRC, 28.03.2012 e 11.05.2011; do TRP de 02.12.2009, e do TRE de 25.09.2012.

             De todo, a primeira condenação do arguido em 5 anos não foi alerta suficiente para o fazer inverter o percurso ilegal que entretanto iniciara, desconforme com a vida em sociedade, levando-o a arrepiar caminho.

            Apesar do aparente teor positivo do relatório social, concorda-se com o decidido quando afirma:

            “E a tal conclusão não obsta o parecer emitido pela D.G.R.S.P., que se revela, por um lado, desmentido pelos fatores acima elencados e, por outro lado, inquinado pelo facto de o condenado ter estado em reclusão em boa parte do período de suspensão de execução da pena - sendo, por isso, natural que a sua atitude e comportamento, em regime de reclusão, tenham sofrido uma melhoria, a qual, porém, se deve conexionar com os efeitos da pena privativa da liberdade que se encontra a cumprir, e não com a anterior condenação em pena suspensa, sendo certo que enquanto esteve em liberdade continuou a delinquir”.

Assim é. Não pode confundir-se eventual comportamento mais positivo na execução do cumprimento da pena de prisão de 5 anos e 8 meses, (benesse com significado e efeitos para o arguido no respetivo cumprimento da pena), com a já frustrada expectativa da suspensão da execução da pena. A situação de reclusão do arguido nem sequer permitiu avaliar, na totalidade do período da suspensão fixado – 5 anos – do comportamento deste em sociedade. Sabendo-se, todavia, que no pequeno período em que teve a possibilidade de o demonstrar, tal não ocorreu.

No sentido deste entendimento, decidiu este Tribunal da Relação de Coimbra por ac. de 30-10-2013, proferido no proc. nº 323/06.5GDCBR-A.C1:

“A aplicação de uma pena de prisão efectiva pela prática de crime (doloso) cometido no decurso do período de suspensão da execução de pena da mesma natureza - tendo, necessariamente, subjacente o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição -, seguida da correspondente «reclusão», não pode senão conduzir á revogação da suspensão decretada, por comprometer o juízo determinante subjacente á pena de substituição, designadamente o de prognose positiva quanto ao futuro do delinquente”.         

Por todos estes considerandos, não merece censura o teor da decisão recorrida.          

V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso do recorrente A... e, consequentemente, mantém-se o teor da decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs.

Coimbra, 12 de Julho de 2017

           

(Luís Teixeira – relator)

(Vasques Osório – adjunto)


[1] No mesmo sentido v. Ac. da Rel. de Coimbra de 7-5-2003, proc. n.º 612/03, rel. João Trindade, in www.dgsi.pt; cfr. no mesmo sentido Maia Gonçalves, Código Penal Português, 15ª ed., Coimbra, 2002, pág. 212, nota 2, Pinto de Albuquerque, Comentário do Penal, Lisboa, 2008, pág. 202, nota 8 e, já anteriormente, Figueiredo Dias nas Actas n.º 6, 8, 41, da Comissão Revisora do Código Penal, nas sessões, realizadas em 3 de Abril de 1989, 17 de Abril de 1989 e 22 de Outubro de 1990, respectivamente, in Código Penal-Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993 e em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 357 – citação feita no mesmo aresto e ainda:
- Ac. TRGuimarães de 22.3.2010, proferido no proc. nº 276/00.3JABRG-A.G1 e ac. TRPorto de 26.1.2005, proferido no proc. nº 0417060.

[2] A este propósito diz Simas Santos e Leal-Henriques Código Penal, 1º Volume, 2ª edição Editora Rei dos Livros, 1995 p. 481:

 “ As causa de revogação não sevem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena “.