Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4009/11.0TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FGADM
CONDIÇÕES DE RECURSO
RENDIMENTO ILÍQUIDO
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.69 CRP, LEI Nº75/98 DE 19/11, DL Nº 164/99 DE 13/5, DL Nº 70/2010 DE 16/6, PORTARIA Nº 4/2017 DE 3/1
Sumário: 1. Para a verificação das condições de recursos a que alude o DL n.º 70/2010, de 16.6, aplicável às prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores/FGADM (art.º 1º, n.º 2, alínea c)), são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no art.º 5º, designadamente os rendimentos de trabalho dependente, pensões, prestações sociais e apoios à habitação com carácter de regularidade (art.º 3º, n.º 1), reportados, em princípio, ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis (ou, quando tal se não verifique, reportados ao ano imediatamente anterior àquele) (n.º 2); porém, sempre que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos (n.º 3).

2. Para efeitos da verificação da condição de recurso importa atender aos rendimentos ilíquidos, sem quaisquer abatimentos - art.ºs 1º, n.º 1 da Lei n.º 75/98, de 19.11; 3º do DL n.º 164/99, de 13.5 e 2º e 6º do DL n.º 70/2010, de 16.6.

3. A existência de um limite mínimo às condições económicas de que o menor beneficia para ser possível recorrer ao apoio social do FGADM é conforme com o art.º 69º da Constituição da República Portuguesa, por representar o valor a partir do qual se considera existir uma situação de carência que coloca em risco o desenvolvimento da criança e reclama a intervenção substitutiva do Estado.

Decisão Texto Integral:     








        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. No presente apenso de incumprimento das responsabilidades parentais deduzido, em 10.12.2012, por S (…) contra J (…) (progenitores), verificado o incumprimento, pelo progenitor, quanto ao pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho M (…), nascido a 23.6.2010, por decisão de 21.02.2014 fixou-se em € 150 o montante da prestação de alimentos a pagar mensalmente pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) a favor do menor M (…), em substituição do devedor, a entregar directamente à mãe deste (fls. 67).

            Mantendo-se as condições de vida do requerido/pai (nomeadamente, constando como último registo de remunerações “Jan./2013” e não auferindo qualquer prestação ou pensão pela Segurança Social - fls. 83) e face aos valores auferidos pela requerente (fls. 85), em 09.01.2015, o Tribunal decidiu manter o pagamento da prestação de alimentos devida ao menor M (…) a cargo do Estado/FGADM, pelo período de mais um ano (fls. 92).

            Entretanto, a progenitora renovou o pedido para manutenção da intervenção do FGADM.

            A Segurança Social, em “Relatório” de 08.3.2017, veio dizer que a requerente aufere rendimentos do trabalho no montante mensal (ilíquido) de € 649,84 e € 40,80 de rendimentos a favor da criança/prestações familiares, correspondendo-lhe um rendimento per capita (rendimento mensal global ilíquido/ponderação do agregado familiar) de € 433,23 (fls. 108).

            Notificada do teor daquele “Relatório”, a requerente referiu, nomeadamente: aufere mensalmente o salário base de € 530, acrescido de subsídios de férias e de natal (proporcionais); o seu agregado familiar é composto por ela e pelo menor; paga mensalmente € 70 a uma senhora para ficar com o menor depois de sair da escola; paga ainda € 30,66 de subsídio de almoço à escola, € 200 de renda da casa e as despesas de electricidade (€ 40), gás (€ 15), água (€ 15), telefone (€ 10) e combustível (€ 100); despende, com o menor, cerca de € 150 em alimentação, € 50 em despesas de saúde, € 10 em material escolar e € 75 em vestuário e produtos de higiene. Juntou diversos documentos (fls. 114 a 127).

            Foi informado nos autos que se mantinha a situação do requerido e desconhecia a existência de bens em seu nome (fls. 131 e 133).

            Relativamente à requerente, em 30.5.2017, o Instituto da Segurança Social/Núcleo de Intervenção de Leiria reiterou a informação já prestada quanto aos rendimentos de trabalho (€ 649,84) e prestações familiares (€ 40,80) e informou que os valores indicados pela requerente respeitam ao ano de 2016, enquanto “os valores verificados pela técnica que elaborou o relatório, encontram-se actualizados de acordo com o observado em consulta ao sistema de Informação da Segurança Social e que se confirmam”; referiu, ainda, que “as despesas/necessidades da criança” foram avaliadas em € 180 (relativas a alimentação, vestuário e calçado, e educação)[1] e que se acrescentam “os 70,00€ mensais pagos a uma ama, que fica com o Martim por motivo de realização de trabalho/turnos por parte da progenitora” (fls. 134).

            Finalmente, em 26.6.2017, a Mm.ª Juíza a quo determinou a cessação da intervenção do FGADM no que tange ao pagamento dos alimentos devidos à criança e, oportunamente, o arquivamento dos autos, dado que, não sendo conhecidos bens ou rendimentos ao devedor de alimentos, não se mostra viável obter a cobrança coerciva da prestação de alimentos.

            Inconformada, a requerente interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            Remata pedindo a revogação da sentença recorrida, mantendo-se o pagamento da prestação de alimentos devida ao menor no valor de € 150 através da intervenção do FGADM.

            A Exma. Magistrada do M.º Público respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Perante o referido quadro conclusivo, importa verificar se se verificam os requisitos para a intervenção do FGADM, em particular, se o menor tem, ou não, rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) ou se beneficia nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso relevam a materialidade e a tramitação mencionadas no precedente “relatório” (ponto I, supra) e a seguinte factualidade:[2]       a) Na decisão recorrida referiu-se, nomeadamente:

            «(…)   Elaborado relatório actualizado sobre a composição do agregado familiar da criança e os seus rendimentos, concluiu-se pela impossibilidade de manutenção da intervenção do Fundo, em virtude de o rendimento per capita do agregado ser superior ao valor do indexante de apoios sociais (fls. 134-136).

            Com efeito, a Lei n.º 75/98, de 19.11, garante o pagamento, pelo Estado, dos alimentos devidos aos menores residentes em território nacional, verificados que estejam os seguintes requisitos, previstos no seu artigo 1º:

            - Que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 48º do RGPTC (interpretação actualista do referido preceito legal);

            - Que o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

            Por sua vez, o art.º 3º, n.º 2, do citado DL n.º 164/99 veio definir o pressuposto referido no art.º 1º da Lei n.º 75/99 – não benefício nessa medida pelo alimentando de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre – da seguinte forma:

            “Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor.”.

            E, de harmonia com o disposto no n.º 3 do mesmo normativo, o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos são calculados nos termos do DL n.º 70/2010, de 16.6 (…).

            Em face de tudo quanto foi exposto, determino a cessação da intervenção do FGADM no que tange ao pagamento dos alimentos devidos à criança (…)»

            b) No ano de 2016, a requerente auferia € 530 de ordenado base[3] e o subsídio de alimentação de € 63,12.

            c) No corrente ano, a requerente aufere uma prestação familiar de € 40,80 e um rendimento ilíquido mensal de € 649,84.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Importa apreciar se a situação sócio-económica da progenitora e seu agregado familiar determina a “cessação” da obrigação do FGADM, sendo que se desconhece qualquer alteração no modo de vida do progenitor que, finalmente, possibilitasse tornar efectiva a prestação de alimentos nos termos do art.º 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9.

Perante os factos trazidos ao conhecimento do Tribunal recorrido e o regime jurídico aplicável, afigura-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que a decisão recorrida não merece censura.

3. A Constituição da República Portuguesa estabelece no art.º 69º que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições (n.º 1), acrescentando que o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (n.º 2).

Tem assim o Estado o dever de assegurar que as crianças tenham uma vida digna, traduzindo-se tal dever, para além do mais, na garantia do direito a alimentos.

O direito a alimentos como decorrência do direito à vida, traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.

Este direito social da criança à protecção transparece também em diversos instrumentos de direito internacional, designadamente a Convenção sobre os Direitos da Criança adoptada pela Assembleia-Geral da ONU em 20.11.1989[4], que no seu art.º 6º, n.ºs 1 e 2, impõe aos Estados Partes que reconheçam à criança o direito inerente à vida e assegurem, na medida máxima possível, a sobrevivência e o desenvolvimento da criança, assim os obrigando a prestarem, em caso de necessidade, auxílio material para a concretização deste direito (art.º 27º, n.ºs 1 a 3) e a adoptarem as medidas adequadas a assegurar a cobrança de alimentos (n.º 4 do mesmo art.º).

Como corolário e em actuação dos mencionados princípios, veio a ser publicada a Lei 75/98, de 19.11, que instituiu um mecanismo de garantia de alimentos, a suportar pelo Estado.

4. À situação em análise aplicam-se, principalmente, a Lei n.º 75/98, de 19.11 (na redacção conferida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12), o DL n.º 164/99, de 13.5 (na redacção dada pela Lei n.º 64/2012, de 20.12) e o DL n.º 70/2010, de 16.6 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2011, de 3.5 e pelos DL n.ºs 113/2011, de 29.11 e 133/2012, de 27.6).

O primeiro diploma, referente à garantia dos alimentos devidos a menores, prevê que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 189º do DL n.º 314/78, de 27.10 [OTM][5], e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação (art.º 1º, n.º 1).

Por seu lado, o DL n.º 164/99, de 13.5, que regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19.11 (art.º 1º), estabelece:

É constituído, no âmbito do ministério responsável pela área da solidariedade e da segurança social, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo (…).

Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos art.ºs 1º e 2º da Lei n.º 75/98, de 19.11 (art.º 2º).

O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:

a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida (…); e

b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor.

O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no DL n.º 70/2010, de 16.6, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3.5, e pelos DL n.ºs 113/2011, de 29.11, e 133/2012, de 27.6 (art.º 3º, n.ºs 1 a 3).

E releva ainda o regime jurídico instituído pelo DL n.º 70/2010, de 16.6, que estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito a diversas prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade (art.º 1º, n.º 1), também aplicáveis aos apoios sociais ou subsídios, quando sujeitos a condição de recursos, entre os quais, o pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores [art.º 1º, n.º 2, alínea c)].

5. Referindo-se, no preâmbulo deste último diploma, o propósito, ao nível do sistema de segurança social, da criação de um quadro harmonizado de acesso às prestações sociais não contributivas e centrando-se esta harmonização em aspectos fundamentais na verificação da condição de recursos, independentemente dos apoios públicos em causa, assente em três esferas distintas, como o conceito de agregado familiar, com uma tendência de aproximação ao conceito de agregado doméstico privado, como os rendimentos a considerar, mediante a introdução de uma maior efectividade na determinação da totalidade dos rendimentos, assim como a consideração dos rendimentos financeiros e da respectiva situação patrimonial, e finalmente a definição de uma capitação entre as definidas pela OCDE, em função da composição dos elementos do agregado familiar, tais princípios e objectivos são depois explicitados e desenvolvidos no quadro legal que ficou estabelecido.

Assim, nos termos do seu art.º 2º, a referida condição de recursos corresponde ao limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter uma prestação de segurança social ou apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição (n.º 1); a condição de recursos de cada prestação de segurança social ou apoio social consta do respectivo regime jurídico (n.º 2), sendo que na verificação da condição de recursos são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5º (n.º 3).

E preceitua o art.º 3º do mesmo diploma legal (sob a epígrafe “rendimentos a considerar”) que para efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se, designadamente, os rendimentos de trabalho dependente, pensões, prestações sociais e apoios à habitação com carácter de regularidade (n.º 1), reportados, em princípio, ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis (ou, quando tal se não verifique, reportados ao ano imediatamente anterior àquele) (n.º 2); porém, sempre que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos (n.º 3).

O art.º 4º reporta-se ao “conceito de agregado familiar” (que na situação em análise não suscita quaisquer dificuldades); e o art.º 5º estabelece que, para o apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a seguinte escala de equivalência (Elementos do agregado familiar/Peso): Requerente - “1”; Por cada indivíduo maior – “0,7”; Por cada indivíduo menor – “0,5”.

E, segundo o art.º 6º do mesmo diploma, consideram-se rendimentos de trabalho dependente os rendimentos anuais ilíquidos como tal considerados nos termos do disposto no Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.

6. Nos termos da Portaria n.º 4/2017, de 03.01, o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2017 é de € 421,32.

O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do art.º 273º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02) é, actualmente, de € 557 (cf. o DL n.º 86-B/2016, de 29.12).

7. Ante os elementos disponíveis - e não importando cuidar das razões pelas quais a requerente deixou de integrar o agregado familiar de sua mãe e/ou passou a ter gastos acrescidos com uma ama e a renda da casa (cf., nomeadamente, os relatórios sociais de fls. 17, 59 e 135 e informação de fls. 134) -, dúvidas não restam de que a requerente (maxime, o seu agregado familiar) passou a auferir um rendimento mensal (ilíquido) donde decorre uma capitação de montante superior ao valor do indexante dos apoios sociais/IAS, ou seja, deixou de se verificar um dos pressupostos para a intervenção do FGADM.

Na verdade, o Instituto da Segurança Social concluiu pela verificação de um rendimento per capita de € 466,23 (fls. 135) ou de € 433,23 (fls. 108) - ainda que não justifique esta diversidade de valores - e dúvidas não restam de que o valor em causa será sempre superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2017 (€ 421,32), na medida em que o salário base da requerente é igual ou superior a € 557[6] (cf. II. 6., supra), o respectivo subsídio de alimentação não é inferior a € 63,12 e existe ainda uma prestação familiar (atendível) de € 40,80, cuja soma determina um rendimento mensal per capita de, pelo menos, € 440,61 [(€ 557 + € 63,12 + € 40,80) : 1,5][7], sendo que para efeitos da verificação da condição de recurso importa atender aos rendimentos ilíquidos (sem quaisquer abatimentos) da pessoa à guarda de quem o menor se encontra (art.ºs 1º, n.º 1 da Lei n.º 75/98, de 19.11; 3º do DL n.º 164/99, de 13.5 e 2º e 6º do DL n.º 70/2010, de 16.6).[8]

8. Dir-se-á, ainda, que a existência de um limite mínimo às condições económicas de que o menor beneficia para ser possível recorrer ao apoio social do FGADM é conforme com o art.º 69º da Constituição da República Portuguesa, por representar o valor a partir do qual se considera existir uma situação de carência que coloca em risco o desenvolvimento da criança e reclama a intervenção substitutiva do Estado.[9]

9. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

                                                        *

III. Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

                                                        *

                                                 12.12.2017


Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço



[1] Neste “Relatório Social”, datado de 25.5.2017, concluiu-se como no anterior relatório, de 08.3.2017, que “A requerente não reúne a condição de recursos à prestação social em apreço” em conformidade com o disposto no DL n.º 70/2010, de 16.6, mas, no tocante à “condição de recursos”, considerou-se, então, um rendimento per capita (rendimento mensal global ilíquido/ponderação do agregado familiar) de € 466,23 - fls. 108 e 135.
[2] Cf. fls. 140 e, designadamente, os documentos de fls. 98, 99, 108 e 135.

[3] Retribuição mínima mensal garantida do ano de 2016 (DL n.º 254-A/2015, de 31.12).
[4] Assinada por Portugal em 26.01.1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 de 12.9 e ratificada pelo Decreto do Senhor Presidente da República n.º 49/90, ambos publicados no DR, I Série, n.º 211/90, de 12.10.1990.
[5] A que corresponde, actualmente, o art.º 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9
[6] Note-se que a requerente juntou, apenas, recibos de vencimento do ano de 2016 (cf. fls. 98, 99 e 110 e seguintes).

[7] Quanto à possibilidade de incluir os “duodécimos” relativos aos subsídios de férias e de Natal, cf., de entre vários, os acórdãos da RL de 09.4.2013-processo 1025/09.6TBBRR-A.L1-7 [assim sumariado: “Para o apuramento da capitação a que se reporta o art.º 5º do DL n.º 70/2010, de 16.6, devem os rendimentos anuais ilíquidos do trabalho dependente ser divididos pelos 12 meses do ano, independentemente de naquele montante global estarem ou não englobados os subsídios de férias ou de Natal.”] e da RC de 12.7.2017-processo 92/14.5TBNLS-A.C1, publicados no “site” da dgsi.
[8] Cf., entre outros, o acórdão da RP de 12.7.2017-processo 1017/16.9T8GDM-B.P1, publicado no “site” da dgsi.
[9] Cf. o citado acórdão da RP de 12.7.2017-processo 1017/16.9T8GDM-B.P1.