Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
246/10.3TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: REMUNERAÇÃO
COMISSÃO DE SERVIÇO
SUBSÍDIO
Data do Acordão: 10/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 249º DO CT/2003; 258º/1/2/3 DO CT/2009; CL.ª 33ª/3 DO AE ENTRE OS CTT E O SINDETELCO (BTE Nº 14 DE 2008).
Sumário: I - A retribuição é integrada pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada.

II – A retribuição é determinada segundo dois critérios: um primeiro critério, com base no clausulado do contrato, nos usos laborais e, eventualmente, em certos critérios normativos (o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc….); um segundo critério, pelo qual da retribuição também fazem parte certas prestações que preencham os requisitos de periodicidade e de regularidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

Na presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, o autor pediu a condenação da ré:

I) a pagar-lhe a quantia de €8 000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que lhe causou e que estão alegados nos arts. 6º a 45º da petição, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento;

II) a reconhecer a ilegalidade da transferência de local de trabalho do autor e, em consequência, a permitir o regresso dele ao seu local de trabalho (x...);

III) a pagar ao autor a quantia de €952,80, devidamente discriminada no art. 60º da petição, a título de retribuições em dívida (subsídio de chefia e plafond de telemóvel), acrescida de juros de mora, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, computando-se em €19,37 os vencidos até 22/03/2010;

 IV) a pagar-lhe todas as quantias que, ao mesmo título, se vierem a vencer desde 23/03/2010 até que por via de actualização salarial ou de progressão salarial garantida lhe couber remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores aos globalmente auferidos à data da cessação promovida pela ré da comissão de serviço em que o autor se encontrava, bem como juros sobre cada uma dessas quantias, desde o vencimento até integral pagamento;

V) a pagar-lhe a quantia de €753,12 devidamente justificada e calculada nos arts. 63º a 69º da petição, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, computando-se em €13,68 os vencidos em 22/03/2010;

VI) a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória de montante não inferior a €100 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que lhe vier a ser imposta nos termos do art. 48º da petição e da antecedente alínea II) do pedido.

Alegou, em resumo, o seguinte:

A. É trabalhador da ré desde 12/05/1988, com a categoria profissional de Técnico (TCN), desempenhando actualmente funções de atendimento na x... sita no (...), e auferindo uma retribuição base mensal ilíquida composta por uma remuneração base no montante de €1.316, por 5 diuturnidades no montante global de €152,85, por uma diuturnidade especial no montante €13,11, a que tudo acresce um subsídio de alimentação de €9,01 por cada dia em que preste, pelo menos, 4 horas de trabalho efectivo;

B. À relação de trabalho entre o autor e a ré aplica-se o AE estabelecido entre a ré e o Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Comunicações e dos Média (SINDETELCO) e outros, publicado no BTE nº 14 de 15/04/2008;

C. Durante mais de 11 anos, o autor desempenhou, em comissão de serviço, o cargo e funções de Chefe (...) de x (...) da ré, sendo que em 23/6/06, a ré nomeou-o, também em comissão de serviço, para o cargo de cargo de Chefe x (...), nível 3 (doravante x (...));

D. Por causa de um acidente de serviço, o autor esteve de baixa médica desde Setembro de 2006 até Maio de 2007 e desde 14 de Dezembro de 2007 até 26 de Fevereiro de 2010;

E. Por despacho de 17/04/2009, a ré exonerou o autor do cargo de Gestor da x (...), sem invocação de qualquer fundamento para tanto, determinou a cessação do “Subsídio de Chefia” (3A) de 59,40 € que o autor vinha auferindo, tal como do direito a telemóvel com o plafond mensal de 20 € de que o autor vinha beneficiando, além de ter colocado o autor na x (...) do (...), tudo nos termos da comunicação escrita que está documentada a fls. 22 dos autos;

F. Mais tarde, em carta datada de 17/9/09, a ré comunicou ao autor que a decisão de exoneração “…teve em devida conta o estado de degradação do serviço que vinha ocorrendo na x (...), designadamente, o seu insuficiente acompanhamento e controlo nas vertentes financeira e comercial.”, que “Verifica-se que se manteve na situação de chefia desde o acidente de serviço que sofreu em 2006 até ao início de 2009. Com efeito, neste período, consideramos que a Empresa lhe proporcionou o tempo considerado suficiente para a sua recuperação física e psicológica permitindo, deste modo, a possibilidade de reassumir integralmente a liderança da x (...).”, que “… ao longo de 2008 não se verificou a possibilidade de regresso ao serviço e ao exercício cabal das suas funções. A situação transitória de interinidade de chefia com recurso a trabalhadores de outras lojas não permitiu atingir os objectivos pretendidos.”, e que “… na sequência da auditoria realizada em Setembro de 2008, foram confirmadas anomalias graves na gestão da x (...) sem que, durante o período em que esteve ao serviço, tivesse adoptado as necessárias medidas correctivas a que se propôs, situação esta que conduziu à quebra de confiança da respectiva hierarquia.”;

G. Entre 2006 e 2009, o autor só esteve ao serviço de Maio a Dezembro de 2007, sendo que neste ano de 2007 a x (...) ultrapassou o objectivo de €900 000 que lhe fora colocado, não tendo sido detectado qualquer aspecto negativo na auditoria efectuada à x (...) em 2007;

H. No tempo restante, por não ter estado ao serviço, não pode ser-lhe imputada qualquer responsabilidade pelo desempenho da x (...);

I. A exoneração do autor representou a concretização de uma clara atitude de punição por parte da ré, pelo facto do autor ter estado de baixa médica;

J. Antes de 17/9/09, nunca a ré comunicou ao autor as razões da exoneração;

K. Enquanto esteve ao serviço, o autor sempre desempenhou o cargo de Chefia com elevado profissionalismo e mérito;

L. Para além da exoneração, o autor ainda foi mudado de local de trabalho, com efeitos a 1 de Março de 2010, momento de regresso do autor ao trabalho, de forma ilegal, porque o interesse da empresa não o exigia, razão pela qual a ré deve ser condenada a fazer regressar o autor à x (...);

M. A injustificada exoneração do autor, a invocação pela ré de motivos falsos para a tentar justificar e a mudança de local de trabalho do autor causaram-lhe os danos não patrimoniais que melhor descreve na petição, devendo a ré ser condenada a indemnizá-los;

N. A decisão da ré fazer cessar o Subsídio de Chefia que o autor vinha auferindo e o direito ao telemóvel com o plafond mensal de €20 de que o autor vinha beneficiando é ilegal, por violação, designadamente, do disposto no nº 3 da cláusula 33ª do AE aplicável, tendo em conta que aqueles subsídio e plafond deviam considerar-se como parte integrante da retribuição do autor, tanto mais que o autor podia utilizar aquele plafond livremente para as suas próprias chamadas pessoais, em consequência do que a ré deve ser condenada a pagar as ditas prestações mensais até que, por via de actualização salarial ou de progressão salarial garantida, lhe couber remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores aos globalmente auferidos à data da cessação;

O. Desde Abril de 2009 até à proposição da acção, estavam vencidos subsídio de chefia no valor de €712,80 e plafonds de telemóvel no valor de €240,00;

P. A ré sempre pagou ao autor, até Janeiro de 2009, o denominado “subsídio de transporte próprio” relativo às viagens por este realizadas, em viatura automóvel própria, aos serviços clínicos indicados pela ré (Hospital Privado do Porto) e Junta Médica (Lisboa) para tratamento e avaliação do seu estado de saúde, em resultado do acidente de serviço sofrido, dado que o autor não se podia locomover pelos seus próprios meios de modo a poder utilizar transportes públicos, quer porque estes (transportes públicos) não tinham horários compatíveis;

Q. A partir de Fevereiro de 2009, sem qualquer justificação, a ré nunca mais pagou o referido “subsídio de transporte próprio”, apesar do autor continuar a fazer deslocações em viatura própria, para os mesmos efeitos e pelas mesmas razões, tendo percorrido, entre 3/2/09 e 23/02/10, um total 2.092 kms, devendo a ré pagar esses quilómetros, como sempre o fez, pelo valor de  € 0,36/km, estando em dívida €753,12;

R. A ré deve ser condenada a pagar ao autor, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 829º-A do CC, a quantia de € 100 por cada dia de atraso em cumprir a condenação que vier a ser-lhe imposta no sentido da reposição do local de trabalho do autor, tendo em conta os direitos do autor que estão em causa, a gravidade da sua violação e a capacidade económica da ré.


*

Frustrada a tentativa de conciliação realizada no âmbito na audiência de partes, a ré contestou, pugnando pela integral improcedência da acção.

Alegou, em resumo, que:

1. Estão prescritos os juros moratórios peticionados e vencidos há mais de cinco anos;

2. A transferência do posto de trabalho do autor foi determinada por interesse da empresa decorrente de um excedente de pessoal na x (...) que emergiu da exoneração do autor do cargo de chefia que vinha desempenhando, ficando, assim, em supra numerário, além de que essa transferência não causou prejuízo sério para o trabalhador;

3. Não é verdade que o autor tenha visto diminuída a sua retribuição, pois que à data da exoneração ele pertencia ao grupo profissional de TCN, com categoria J, auferindo ele a remuneração base de € 1.287,60, superior à remuneração base prevista na tabela salarial para TCN, com a categoria J, pois que o autor exercia funções de chefia em comissão de serviço e por isso viu aumentada a remuneração base correspondente à categoria de origem;

4. O pagamento do subsídio de chefia e do telemóvel com plafond mensal dependia directamente do exercício das funções de chefia que o autor deixou de exercer, por se tratar de prestações que são elas mesmas complementares e inerentes a uma função específica, apesar do que o autor continuou a auferir a remuneração base de € 1.287,60;

5. A ser devida qualquer “subsídio de transporte próprio”, os montantes em dívida devem ser calculados à razão de 8 litros por cada 100 km e considerando o preço litro/gasóleo à data da deslocação.


*

Respondeu o autor para, no essencial, pugnar pela improcedência da excepção de prescrição de juros e para concluir como já tinha sustentado na petição inicial.

*

Saneado o processo, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Pelo exposto julgo a acção parcialmente provada pelo que condeno a ré a:

a) reconhecer a ilegalidade da transferência de local de trabalho do autor e, em consequência, a permitir o regresso deste à x...;

b) pagar ao autor a quantia de € 753,12 a título de transportes conforme discriminado em 21, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;

c) pagar a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 50,00 € por cada dia de atraso no cumprimento do aludido em a) e b).

No mais, vai a ré absolvida.

Custas pelo autor e pela ré na proporção de metade para cada um.

Valor da acção: € 9.738,97.”.


*

O autor recorreu da sentença, apresentando as seguintes conclusões:

[…]


*

A ré contra-alegou, sustentado que a apelação deve ser julgada improcedente; não apresentou conclusões.

*

O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação, defendeu no seu parecer que:

A) o recurso merece provimento na parte em que está em causa o plafond de telemóvel e o subsídio de chefia, por se tratar de prestações integrantes da retribuição do autor;

B) O recurso não merece provimento na parte referente à indemnização pelos danos morais, pois que estes resultaram, apenas, da exoneração da comissão de serviço do autor, declarada lícita, não tendo resultado da transferência do local de trabalho do mesmo que foi declarada ilícita.


*

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do mérito.

*

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, as questões suscitadas e a decidir são as seguintes:

- saber se o autor tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais;

- saber se o autor tem direito a que a ré continue a pagar-lhe, apesar da exoneração da comissão de serviço, o subsídio de chefia e o plafond de telemóvel que lhe vinha pagando.


*

III – Fundamentação

A) De facto

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:

[…]


*

Primeira questão: saber se o autor tem direito a uma indemnização por danos não patrimoniais.

[…]


*

 Segunda questão: saber se o autor tem direito a que a ré continue a pagar-lhe, apesar da exoneração da comissão de serviço, o subsídio de chefia e o plafond de telemóvel.

Neste âmbito, consideramos que assiste razão ao autor.

Com efeito, nos termos da cláusula 33ª/3 do AE aplicável “O trabalhador que tenha iniciado funções em comissão de serviço antes da data de entrada em vigor do presente AE e desde que a mesma tenha durado pelo menos seis meses, mantém a remuneração que vinha auferindo até ao momento em que, por via de actualização salarial ou de progressão salarial garantida, lhe couber remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores, no caso da cessação de comissão de serviço cessar por iniciativa da empresa.”.

No caso, é inequívoco para todos que o autor foi nomeado em comissão de serviço para um cargo de chefia, que essa comissão durou mais de seis meses e que a comissão cessou por iniciativa da ora recorrida.

Assim sendo, estão verificados os pressupostos que se fizeram consignar na referida cláusula para que o autor tivesse direito a manter a remuneração que auferia enquanto durou a comissão de serviço e até ao momento em que, por via de actualização salarial ou de progressão salarial garantida, lhe couber remuneração superior.

Tudo está em saber, pois, se o subsídio de chefia e o plafond de telemóvel integravam, ou não, a remuneração do autor.

Repare-se que a referida cláusula não se refere a remuneração base, mas tão só a remuneração.

Importa, pois, determinar o que deve ter-se por remuneração para os efeitos em análise.

Dispunha o art. 249º do CT/2003, em vigor à data do início da comissão de serviço na x (...) de (...) (Junho de 2006), o seguinte:

1 — Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2 — Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3 — Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

O art. 258º/1/2/3 do CT/2009 (em vigor à data da exoneração do autor) estatuiu no mesmo sentido e identicamente estatuía o art. 82º/1/2/3 da LCT (em vigor à data em que o autor começou a receber as prestações ora em causa).

Face aos normativos acabados de invocar, pode concluir-se, seguramente, no sentido de que a retribuição era determinada, segundo um primeiro critério, com base no clausulado do contrato, nos usos laborais e, eventualmente, em certos critérios normativos (o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc.); segundo um segundo critério, da retribuição também faziam parte certas prestações que preenchessem os requisitos de periodicidade e regularidade.

Ao primeiro desses critérios subjaz a ideia de correspectividade ou contrapartida negocial: é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força de trabalho.

Ao segundo desses critérios subjaz uma presunção: considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expectativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, págs. 440-441).

A retribuição era integrada, pois, pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal estava obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 463.

Do conceito apenas se excluíam as meras liberalidades que não correspondessem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não fosse a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tivessem, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho.

Importa referir, agora, que o pressuposto da regularidade acima enunciado tem a ver com a ideia de permanência, frequência, habitualidade, ou outra de semelhante significado, em termos tais que o trabalhador fica a contar que, quando receber a remuneração de base, também receberá as outras atribuições patrimoniais.

Assim, se o salário for pago à quinzena ou ao mês, ele esperará receber os suplementos retributivos com essa mesma frequência.

Porém, importa entender o requisito da regularidade cum grano salis.

Na verdade, ele não significa que, obrigatoriamente, o trabalhador tenha de receber sempre as outras atribuições patrimoniais; nem que em cada quinzena ou em cada mês tenha de receber sempre suplementos, em termos de que se faltar um ou dois num ano, por exemplo, deixa de se verificar o requisito da regularidade; nem tem de receber, por cada pagamento, sempre o mesmo montante, sob pena de havendo variação, já não se verificar o requisito da regularidade.

Resulta do exposto, assim, que não está quantificado, seja por que via for e de um ponto de vista absoluto, o número de repetições da prestação para definir a periodicidade; nem sequer pode sustentar-se que o critério da regularidade tenha que ser aferido, rígida e absolutamente, por um número certo de repetições da prestação em cada ano, pois, independentemente desse número certo de repetições, só não deve ser ponderado para efeitos de inclusão no conceito de retribuição e, logo, para efeitos de processamento no âmbito da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, o que for realmente excepcional, ocasional, inesperado; apesar disso, não sendo absoluto, o conceito de regularidade terá mais o sentido da predominância ou da prevalência, ou seja, o pagamento dos suplementos retributivos em discussão deve ocorrer mais vezes do que aquelas em que ele não se verifica, podendo os quantitativos de cada pagamento apresentar alguma variação (cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro-Março-1986, Ano I, 2ª série, nº 1, págs. 65 e segs., Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 10ª edição, págs. 186 e segs), o que legitima considerar-se, para efeitos indiciários e como critério mínimo da regularidade em consideração, o pagamento das prestações em disputa em pelo menos 6 meses por cada ano (cfr. acórdãos desta Relação proferidos no âmbito dos processos 834/10.8TTCBR.C1, 236/10.6TTCTB.C1 e 378/11.0TTCBR.C1); por outro lado, a regularidade relevante deve aferir-se no âmbito de um período global considerável, reportado a vários anos; além disso, é o empregador que neste âmbito está onerado com a presunção estabelecida no nº 3 das citadas normas; ademais, importa ter presente que esta mesma característica da regularidade não se verifica quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, o que ocorre, por exemplo, nos casos da recepção pelo trabalhador do valor correspondente ao preço do transporte, alojamento e alimentação no caso de transferência de local de trabalho, bem como no caso das ajudas de custo e subsídio de deslocação devidos como compensação, transitoriamente, enquanto perdurar a execução de determinada tarefa, numa área de laboração distinta da habitual e num condicionalismo que não permita ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar nos termos normais – tais valores estão arredados do cômputo da retribuição ou salário global; finalmente, tudo quanto vem de referir-se vale, independentemente da sua denominação formal, para todas as prestações que estão em causa nestes autos.

Reportando-nos à situação em apreço, tendo em conta que o subsídio de chefia e o plafond de telemóvel foram pagos mensalmente ao autor, desde há mais de 11 anos (pontos 24 e 28 dos factos provados), portanto, mesmo nos períodos em que o autor estava em gozo de férias ou ausente do trabalho, atendendo a que o autor podia utilizar o plafond de telemóvel livremente, mesmo  para as suas próprias chamadas pessoais, não estando exclusivamente afecto a chamadas de serviço (ponto 29 dos factos provados), e na ausência de qualquer facto que a ré tenha logrado provar que ilidisse a presunção acima referida, evidente é a conclusão de que os ditos subsídio e plafond integravam a retribuição devida pela ré ao autor.

Consequentemente, estavam essas prestações abrangidas pela proibição da redutibilidade consagrada pela citada cláusula 33º/3 do AE aplicável – neste sentido, quanto ao subsídio de chefia, acórdão desta Relação proferido no âmbito da apelação 442/09.6TTFIG.C1, de que foi relator o exmº Desembargador Felizardo Paiva; neste mesmo sentido, em relação ao subsídio de chefia e em relação a um subsídio de telefone análogo ao plafond de telemóvel em causa nestes autos, acórdão da Relação de Lisboa de 11/01/2012, proferido no âmbito da apelação 1041/07.2TTLSB.L1-4.

Por via disso, ao invés do decidido pelo tribunal a quo, deveriam ter procedido os pedidos de condenação da ré a pagar ao autor os aludidos subsídio de chefia e plafond de telemóvel.


*

IV- DECISÃO

Termos em que, na parcial procedência do recurso,  se delibera julgar  parcialmente procedente a apelação, com a consequente condenação da ré a pagar ao autor:

I) a quantia de €952,80, devidamente discriminada no art. 60º da petição, a título de retribuições em dívida (subsídio de chefia e plafond de telemóvel), acrescida de juros de mora, desde o vencimento de cada uma das prestações que integram essa quantia global, até integral pagamento;

II) todas as quantias que, ao mesmo título, se venceram e vierem a vencer desde 23/03/2010 até que por via de actualização salarial ou de progressão salarial garantida couber ao autor remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores aos globalmente auferidos à data da cessação promovida pela ré da comissão de serviço em que o autor se encontrava, bem como juros sobre cada uma dessas quantias, desde o vencimento de cada uma delas e até integral pagamento.

No mais, delibera-se julgar a apelação improcedente, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

Custas por apelante e apelada, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.


Jorge Manuel Loureiro (Relator)

Ramalho Pinto

Azevedo Mendes