Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1251/09.8TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
ACIDENTE DE TRABALHO
Data do Acordão: 03/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 85º, AL. C) DA LOTFJ
Sumário: I - O Tribunal do Trabalho é o competente para apreciar o pedido formulado pela autora de reparação dos danos não patrimoniais resultantes de acidente que vitimou mortalmente o seu filho, quando este trabalhava por conta da ré e que, no entender daquela, foi devido a culpa desta, por falta de condições de segurança no trabalho e por não ter tomado as precauções necessárias para evitar o acidente.

II - Competindo aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria civil, das questões emergentes de acidentes de trabalho – artº 85º, al. c) da LOTFJ (Lei 3/99, de 13/01) -, não se vislumbra razão de ser para atribuição a tribunais distintos da competência para a fixação das indemnizações a atribuir ao trabalhador e seus familiares resultantes do mesmo evento (embora possuindo estas naturezas jurídicas distintas).

Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

                No Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, M…, residente na Rua …, intentou contra “P…, SA”, com sede na (entretanto substituída pela Massa Insolvente de “P…, SA”); e contra a “Companhia de Seguros…, SA”, com sede na …, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação de ambas as RR no pagamento à A. de € 91.129,79, com juros de mora até efectivo pagamento.

                Para tanto e muito em resumo, alega que em 18 de Maio de 2006 ocorreu um acidente de trabalho mortal, que vitimou P…, filho da Autora, o qual teve lugar nas instalações fabris da Ré P…, sitas na ...

                Que esse acidente foi originado por falta de resposta do equipamento com o qual o dito sinistrado operava, ou seja, os dispositivos de segurança existentes no dito equipamento de trabalho não estavam a funcionar correctamente.

                Que a falta de inspecções periódicas dos equipamentos, conjugada com as faltas de formação e de informação aos trabalhadores relativamente à segurança, higiene e saúde no trabalho consubstanciam a causa directa do dito acidente, pelo que o mesmo se ficou a dever a omissões negligentes por parte da Ré P...

                Que o sinistrado apenas deixou como herdeiros a Autora, a qual, por isso, tem direito a haver das Rés o montante peticionado, resultante de despesas de funeral, de danos morais sofridos pela autora com o decesso do filho e também da perda do direito à vida por parte do P...

                Que a Seguradora tinha, à data, contratualizado um seguro de responsabilidade civil com a P…, por danos causados em acidente de trabalho, razão da demanda da dita.


II

                Contestaram ambas as Rés, tendo a Seguradora …, SA invocado, além do mais, a incompetência material do Tribunal comum, para conhecer da presente acção, defendendo ser competente para o efeito o Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz.


III

                Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi decidido considerar materialmente incompetente o Tribunal comum para a apreciação da presente acção, cujo conhecimento deve cumprir ao Tribunal do Trabalho, com a consequente absolvição das Rés da instância.


IV

                Desta decisão interpôs recurso a Autora, o qual foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

                Nas alegações que apresentou a Apelante formulou as seguintes conclusões:


V

                Não foram apresentadas contra-alegações.

                Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando a que se conheça do seu objecto, o qual se resume à reapreciação da invocada (pela Ré Seguradora) excepção da incompetência material do Tribunal comum para conhecer do objecto da presente acção.

                Apreciando, não se suscitam quaisquer dúvidas ou incertezas acerca da causa de pedir na acção, que radica num invocado acidente de trabalho ocorrido em 18/05/2006 e nas instalações fabris da P... SA, sitas na …, no qual P…, filho da aqui autora, perdeu a vida, por ter sido entalado pela cabeça e pela parte superior do tronco entre duas vagonas de transporte de mosaico, situadas na entrada da estufa.

                E também não ocorrem incertezas sobre o pedido deduzido pela Autora, o qual assenta em alegados danos morais por ela sofridos com a morte do filho, danos morais sofridos por este e direito de indemnização pelo chamado “dano de perda da vida”.

                São estes os elementos processuais a ter em conta para apurar qual o Tribunal com competência material para julgar esta causa.

                Ora, não se nos afigura que possamos dispor de elementos relevantes que possam desdizer/contradizer a bem fundamentada decisão recorrida, já que essa decisão vai no sentido da maioria da jurisprudência conhecida dos Tribunais Superiores a este respeito, como na dita decisão, aliás, se cita.

                Com efeito, alegando a Autora que o dito acidente (mortal) foi originado por falta de resposta do equipamento em termos de segurança, ou seja, que os dispositivos de segurança existentes no equipamento de trabalho não estavam a funcionar correctamente, provando-se que tal acidente se ficou a dever a omissões negligentes por parte da Ré P… – pontos 16º e 18º da petição -, manifesto se torna estarmos perante um concreto acidente de trabalho a servir de causa de pedir.

                Assim sendo e uma vez que a competência jurisdicional se reparte pelos tribunais segundo a matéria, a hierarquia, o valor da causa, a forma de processo aplicável e o território (artº 17º, nº 1 da LOFTJ – Lei nº 3/99, de 13/01, e 62º do CPC), competindo, em matéria cível, aos Tribunais do Trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (artº 85º, al. c) da LOFTJ) – aos Tribunais ditos de competência genérica apenas compete preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal (artº 77º, nº 1, al. a) -, parece que não podem existir sérias dúvidas acerca da competência jurisdicional para o conhecimento da presente acção.  

                E é sabido que a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal – artº 101º CPC -, o que implica a absolvição do réu da instância – artº 105º CPC.

                Ora, tal como também se sustenta na decisão recorrida, “o Tribunal do Trabalho é o competente para a acção proposta pelo autor contra a sua entidade empregadora e respectiva seguradora, pedindo a condenação destes em indemnização por danos morais… sofridos em acidente de trabalho, devido à falta de cumprimento por aquela entidade das regras sobre segurança no trabalho” – Ac. STJ de 22/03/2007, in Col. Jur. STJ, ano XV, tomo I/2007, pg. 143.

É que, como aí se escreve, “no domínio dos acidentes de trabalho, quando o sinistro tiver resultado da inobservância pela entidade empregadora das regras sobre segurança no trabalho, para além da indemnização respeitante aos danos patrimoniais sofridos pelo trabalhador, impende também sobre a entidade empregadora a responsabilidade por danos morais, nos termos da lei geral – artº 18º, nº 2 da LAT (Lei nº 100/97, de 13/09).

                Assim, competindo aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria civil, das questões emergentes de acidentes de trabalho – artº 85º, al. c) da LOTFJ (Lei 3/99, de 13/01) -, não se vislumbra razão de ser para atribuição a tribunais distintos da competência para a fixação das indemnizações a atribuir ao trabalhador… resultantes do mesmo evento (embora possuindo naturezas jurídicas distintas)”.

                E sendo o acidente aqui em apreciação de Maio de 2006, data em que estava em vigor o Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08, nos termos dos seus artºs 281º e segs (Capítulo V – Acidentes de Trabalho), compete aos Tribunais de Trabalho julgar este tipo de questões.

Com efeito, nos termos do artº 281º, nº 1 “o trabalhador e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos neste capítulo e demais legislação regulamentar…”, e o artº 295º, nº 1 dispõe que nas situações em que o acidente de trabalho resulte da falta de cumprimento pelo empregador das regras sobre segurança no trabalho, a indemnização a atribuir abrange, nos termos gerais, a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador, resultando de tal dispositivo o expresso afastamento da necessidade de recurso a dois órgãos jurisdicionais distintos para fixação da dita indemnização.

Além de que o artº 296º, nº 1, al. b) estatui que “o direito à indemnização (por acidente de trabalho) compreende as seguintes prestações: a)…; b) em dinheiro – indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente; indemnizações devidas aos familiares do sinistrado; subsídio…; subsídio por morte e despesas de funeral”.

                O mesmo acontece em relação à reparação dos danos sofridos por terceiro, familiar do sinistrado, em consequência de um acidente de trabalho, conforme Ac. Rel. Coimbra de 22/06/2006, in Col Jur. Ano XXXI, tomo III/2006, pg. 64, onde se escreve: “o Tribunal do Trabalho é competente, em razão da matéria, para conhecer de acção emergente de acidente de trabalho intentada por uma viúva contra a entidade patronal do marido, contra uma seguradora e contra uma empresa a quem incumbia a implementação de um plano de segurança e higiene da obra onde se deu o sinistro mortal”.

                No mesmo sentido pede ver-se, também da Rel. de Coimbra, o Ac. de 08/03/2006, Procº nº 210/06 (in www.dgsi.pt/jtrc), no qual se escreve que “o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer as questões de indemnização, por responsabilidade civil proveniente de danos não patrimoniais emergentes de acidente de trabalho, ainda que já tenham sido apreciadas e decididas, no respectivo processo de acidente de trabalho, as questões relativas aos danos de natureza patrimonial, é o Tribunal do Trabalho, e não o Tribunal comum de comarca”.

                Assim como os Ac.s do STJ de 19/09/2006 e de 17/10/2006, respectivamente nos Procºs nºs 06A2407 e 06A2914, in www.dgsi.pt/jstj, nos quais também se escreve: “O Tribunal do Trabalho é o competente para apreciar o pedido formulado pelos autores de reparação dos danos não patrimoniais resultantes de acidente que vitimou mortalmente o seu marido e pai, quando trabalhava por conta da ré e que, no entender daqueles, foi devido a culpa desta, por falta de condições de segurança no trabalho e por não ter tomado as precauções necessárias para evitar o acidente”.

                Vejam-se, ainda, os Ac.s da Relação do Porto de 13/10/2009 e de 21/10/2010, respectivamente Proc.ºs nºs 1293/08.0TBPFR,C1 e 697/08.3TBLMG.P1, disponíveis em www.dgsi.pt/jrp

            Donde também entendermos que cabe ao Tribunal do Trabalho apreciar o pedido indemnizatório formulado na presente acção (competência material) e não aos Tribunais comuns, pelo que se impõe confirmar o despacho recorrido, o que se decide.


VI

                Decisão:

                Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

                Custas pela Recorrente.


Jaime Carlos Ferreira (Relator)

Jorge Arcanjo

Teles Pereira