Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2893/04.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: TESTAMENTO
LEGADO
COMPROPRIEDADE
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU 3º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 2252º CC
Sumário: Se o testador legar uma coisa que não lhe pertença por inteiro, o legado vale apenas em relação à parte que lhe pertencer, salvo se do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade da coisa, pois, nesse caso, observar-se-á, quanto ao restante, o preceituado no artigo anterior.

Do teor do testamento dos autos, não é possível concluir-se se o testador ignorava ou não que o prédio não lhe pertencia na totalidade.

Daí que o legado que dele fez àquela sua referida neta seja válido apenas relativamente à mencionada parte ideal que, por morte de sua esposa pré-defunta, lhe cabia no prédio.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

A... , residente na Rua (...) , em Viseu, instaurou acção declarativa ordinária contra B... e marido C...; D... e mulher F...; G... e marido K...; H... e mulher I...; J... e marido L...; M... e mulher N..., melhor identificados nos autos, pedindo (naquilo que o despacho saneador de fls 248 e segs dos autos deixou prosseguir) a condenação dos R.R. a reconhecer que:

- a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do inventariado O... é constituída pelo prédio inscrito na matriz da freguesia de (...) , concelho de Viseu, sob o artigo x(...) ;

- o referido prédio é um prédio autónomo (do prédio inscrito sob o artº y(...) ).

Alegou, para tanto, em síntese, no que agora interessa, que o prédio inscrito na matriz sob o artigo x(...) faz parte do acervo de bens a partilhar por óbito do inventariado O (...) (pai do autor e réus) e sempre constituiu prédio autónomo daquele outro que está inscrito na matriz sob o artigo y(...) ; que tal prédio foi legado a sua filha e neta daquele O (...) , P..., através de testamento perfeitamente válido; que, porém, se porventura se vier a considerar que o prédio não pertence exclusivamente ao falecido O (...) , então terá que se proceder à redução do negócio jurídico.

Os R.R. na sua contestação-reconvenção, afirmam, em resumo, que o prédio inscrito na matriz sob o artigo x(...) deixou de ter qualquer autonomia predial, encontrando-se, desde há muito, integrado no prédio inscrito sob o artigo y(...) , e que foi nesse pressuposto que o artigo y(...) acabou por ser licitado no âmbito do processo de inventário por óbito de sua mãe R (...) , falecida em 22-3-86, tendo os licitantes (todos os seus filhos, com excepção do ora autor), mais tarde vendido à irmã Salete e marido a sua sexta parte indivisa, pelo que ficaram estes a ser os únicos proprietários do identificado prédio.

E em reconvenção pedem, no que igualmente o referido despacho de fls 248 deixou prosseguir, que:

- se declare que o antigo prédio do artigo x(...) da freguesia de (...) deixou, em tempos dos pais do autor e réus, de ter existência física autónoma, por se encontrar integrado no prédio urbano inscrito na mesma matriz sob o artigo y(...) , e assim ter sido adjudicado aos contestantes, no inventário 23/90 da 6ª secção do Tribunal de Viseu;

- se declare que tal prédio é hoje propriedade apenas dos contestantes G (...) e marido K (...) , por haverem adquirido o respectivo quinhão aos restantes seus irmãos e cunhados, que no mesmo prédio licitaram naquele inventário;

- se autorize, em consequência, a respectiva rectificação no Registo Predial, de modo a que o prédio inscrito sob o artigo y(...) da matriz urbana da freguesia de (...) englobe o prédio inscrito sob o artigo x(...) ;

- subsidiariamente, para o caso de não procederem as als. A) e B), se declare que o prédio inscrito sob o artigo x(...) faz parte do acervo hereditário de R..., a fim de poder ser partilhado, adicionalmente, no inventário n.º 23/90 do 3º juízo cível do tribunal de Viseu, que correu por seu óbito.

Na réplica, o autor reiterou a sua versão dos acontecimentos, concluindo como na petição e requerendo ainda a intervenção principal da sua filha P (...) .

Os réus treplicaram para refutarem a argumentação adicional apresenta pelo autor, ao que o autor ainda veio responder.

Foi admitida a intervenção principal daquela aludida P (...) , que se associou ao autor, fazendo seus os articulados por este já apresentados nos autos.

 No saneador, o tribunal conheceu oficiosamente da excepção da ineptidão da petição inicial, julgando nulo o processo em relação a todos os pedidos formulados, com excepção dos atrás aludidos, absolvendo os R.R. da instância nessa parte. E decidiu-se ainda não admitir a reconvenção, salvo no que respeita aos pedidos acima mencionados.

No mesmo despacho, procedeu-se, de seguida, à seleccção da matéria de facto assente e da que passou a constituir a base instrutória.

 Instruídos os autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

Realizado este e respondida a matéria da base instrutória, foi proferida sentença cuja parte dispositiva é do seguinte teor:

«Pelo exposto:

A. Julgo improcedente a acção e, em consequência, absolvo os réus dos pedidos formulados.

B. Julgo parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência:

1. Declaro que o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo x(...) da freguesia de (...) perdeu a sua existência física autónoma, encontrando-se os prédios inscritos nas matrizes x(...) e y(...) actualmente reunidos numa única realidade predial.

2. Absolvo os autores/reconvindos de todos os demais pedidos reconvencionais formulados».

 Inconformados, os A.A. interpuseram a presente apelação cuja alegação concluem sustentando, em resumo, que é excessiva a resposta à matéria do art.º 13º da base instrutória; que a sentença padece das nulidades das als. d) e e) do n.º 1 do art.º 668º do C. P. Civil, respectivamente, por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido; e que, fez errada aplicação da lei, ao não ter julgado «o prédio inscrito no artº x(...) na titularidade da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do inventariado O (...) , como prédio autónomo, legado a P (...) , por testamento válido».

 Não foi apresentada contra-alegação.

 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                    **

Os Factos

Os factos provados, já com a alteração adiante decidida, são os seguintes:

1. R (...) faleceu no dia 22/3/1986, no estado de casada com O (...) . – C)

2. Por testamento celebrado no dia 24/5/2000, O (...) declarou que: “por este testamento, por força da quota disponível dos meus bens, lega à sua neta P (...) , uma casa de andar, loja e pátio na freguesia de (...) já mencionada, inscrita na matriz sob o artigo x(...) ”. – G)

3. O (...) faleceu no dia 29/9/2000, no estado de viúvo de R (...) . – A)

4. Correu neste Juízo, sob o n.º 40023/1990 um inventário em que foi cabeça-de-casal A (...) . – B)

5. Encontra-se descrito sob o n.º z(...) /20060523 na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu um prédio urbano situado em Figueiró, inscrito na matriz sob o artigo x(...) , encontrando-se identificado com as seguintes composição e confrontações: “casa de andar, loja e pátio, destinada a habitação. Norte, J (...) . Sul e Nascente, (...) . Poente, pátio.” – D)

6. Encontra-se descrito sob o n.º w (...) /19991213 na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu um prédio urbano situado em Figueiró, inscrito na matriz sob o artigo y(...) , encontrando-se identificado com as seguintes composição e confrontações: “casa de andar, loja e releixo. Norte e Sul, rua. Nascente, Manuel Correia. Poente, A (...) ” – E)

7. O facto relativo à aquisição do prédio referido em E) encontra-se registralmente inscrito pela ap. 55, de 1999/12/13, por partilha de R (...) , na proporção de 1/6 a favor de B (...) casada com C (...) , na proporção de 1/6 a favor de E (...) casado com F (...) , na proporção de 1/6 a favor de G (...) casada com K (...) , na proporção de 1/6 a favor de H (...) casado com I (...) , na proporção de 1/6 a favor de J (...) casada com L (...) , na proporção de 1/6 a favor de M (...) casado com N (...) , tendo sido registralmente inscrito, pela ap. 24 de 19/09/2000, o facto relativo à aquisição, por compra, de 5/6 desse prédio a favor de G (...) casada com K (...) . – F)

8. Por escritura pública celebrada no dia 10/11/1981, O (...) comprou, pelo preço declarado de 150.000$00, aos seus anteriores proprietários um prédio que identificaram, nessa escritura, como sendo: “uma casa de andar, loja e releixo, sita no lugar de Figueiró, freguesia de (...), deste concelho de Viseu, a confrontar do nascente com A (...) , do sul com (...) , do poente com O (...) e do norte com (...) , inscrita na matriz urbana sob o artigo cento e quarenta e quatro, com o valor matricial de seis mil, novecentos e vinte escudos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o número oitenta e um mil, novecentos e noventa e seis a folhas sessenta e um do livro ‘B’ duzentos e doze”. – H)

9. Da escritura pública referida em H), consta que “a casa foi inscrita na matriz anteriormente a mil novecentos e cinquenta e um.” – I)

10. Até à sua morte, O (...) ocupou o prédio referido em D). – 1º

11. Até à sua morte, O (...) fez alguns arranjos de que necessitava o prédio referido em D). – 2º

12. Até à sua morte, O (...) pagou os impostos do prédio referido em D) e tirou dele todas as vantagens de que o mesmo é susceptível. – 3º

13. Até à sua morte, O (...) actuou da forma referida de 1) a 3) à frente de toda a gente. – 4º

14. Até à sua morte, O (...) actuou da forma referida de 1) a 4) sem que alguma vez se tenham levantado questões ou oposição de quem quer que seja. – 5º

15. Até à sua morte, O (...) actuou da forma referida de 1) a 5) convicto de exercer um direito próprio, como se de coisa própria se tratasse. – 6º

16. Até à sua morte, O (...) actuou da forma referida de 1) a 6) convicto de que, com o exercício do seu direito, não lesava o direito de outrem.– 7º

17. O (...) actuou da forma referida de 1) a 7) desde Novembro de 1987 até à sua morte, de forma permanente e ininterrupta. – 8º e 9º

18. O prédio referido em D) tem uma área própria, distinta da do prédio referido em E). – 10º

19. Após as obras realizadas pela ré G (...) e marido K (...) , o prédio referido em D) foi integrado no prédio referido em E), deixando de ter existência física autónoma. – 13º

20. G (...) e marido K (...) habitam, ocupam e melhoram o prédio inscrito na matriz sob o artigo y(...) , com inclusão do artigo x(...) . – 17º

21. G (...) e marido K (...) actuam da forma referida em 17) como se de um só prédio se tratasse. – 18º

22. G (...) e marido K (...) actuam da forma descrita na resposta aos quesitos 17) e 18) à vista de toda a gente. – 20º

23. G (...) e marido K (...) actua continuadamente da forma referida na resposta aos quesitos 17), 18) e 20) desde o ano de 2007. – 23º

24. - O prédio inscrito na matriz sob o artº x(...) fazia parte do património comum do casal O (...) e R (...) , à data da morte desta (facto oficiosamente aditado por esta Relação, pelas razões adiante explicadas).

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O Direito
 Como é sabido, são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso (art.ºs 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pelos apelantes já acima foram enunciadas.
Apreciemos, pois, tais questões, embora não necessariamente pela ordem por que foram colocadas.

1- Defendem os apelantes que é excessiva a resposta dada pelo tribunal a quo à matéria do art.º 13º da base instrutória, pelo que a mesma deverá ter-se por não escrita.

  As respostas excessivas ou exorbitantes, isto é, as respostas que ultrapassem a matéria de facto incluída nos respectivos quesitos, têm como sanção considerarem-se não escritas (Prof. Alberto dos Reis, obra citada vol. IV, pág. 559 e AC.R.P. de 17/06/77 in Col. Jur. 1977, 3º, 558 e AC. R.C. de 08/03/88, de 19/02/92 e 05/05/92 in B.M.J. respectivamente 375º, 462; 414º, 649 e 317º, 835).

Todavia, como é jurisprudência uniforme dos nossos tribunais, as respostas aos quesitos não têm de ser meramente afirmativas ou negativas. Podem ser também restritivas ou explicativas, desde que se contenham dentro da matéria articulada (entre outros, Ac. do S.T.J. de 03/12/74 in B.M.J. 242º, 212 e de 11/03/92 in B.M.J. 415º, 518; Ac. R.L. de 15/04/77 in Col. Jur. 1977, 2º, 300).

Ora, no referido artº 13º da base instrutória perguntava-se:

O prédio referido em D) foi integrado no prédio referido em E), como fazendo parte integrante do mesmo, não tendo existência física autónoma?

Quesito a que o tribunal recorrido deu a seguinte resposta: Após as obras realizadas pela ré G (...) e marido K (...) , o prédio referido em D) foi integrado no prédio referido em E), deixando de ter existência física autónoma.

 Parece-nos assim óbvio, contrariamente ao sustentado pelos apelantes, que tal resposta em nada extravasa da matéria vazada no quesito, sendo antes explicativa da forma e do momento em que ocorreu a perguntada integração, e que não correspondia à alegação dos R.R. de tal integração já se verificava à data do óbito da inventariada R (...) .

 É, por isso, de manter tal resposta.

 2- Ultrapassada esta questão, importaria passar a conhecer, de imediato, das demais questões suscitadas pelos apelantes.

No entanto, a alínea b) do nº 1 do art.º 712º do C.P. Civil autoriza que a Relação se pronuncie oficiosamente sobre a matéria de facto declarada provada pela 1ª instância, nomeadamente alterando-a, caso os elementos fornecidos pelo processo imponham decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. 

 Ora, resulta do alegado pelos A.A. sob os artºs 4 e a-7 da petição inicial que o prédio inscrito na matriz sob o artº x(...) fazia parte do património comum do casal S (...) e R (...) .

Factualidade esta que não é contestada pelos R.R. Pelo contrário, a mesma é até por eles confirmada sob os art.ºs 36º e 37º da sua contestação.

Nos termos do n.º 2 do art.º 490º do C. P. Civil “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito”.

Assim, não tendo os R.R. impugnado tal matéria e sendo ela relevante para a decisão da causa, decide-se aditar à matéria dada como provada pelo tribunal a quo a seguinte:

    - O prédio inscrito na matriz sob o artº x(...) fazia parte do património comum do casal O (...) e R (...) , à data da morte desta.

3- Definida assim a matéria de facto, importa então agora passar à apreciação das arguidas nulidades de sentença.

Defendem, na verdade, os apelantes que a sentença recorrida padece, tanto da nulidade da al. d) parte final do nº1 do art.º 668º do C. P. Civil, ao ter conhecido da nulidade do contrato de compra e venda do prédio inscrito na matriz sob o artº x(...) , como da nulidade da al. e) do mesmo preceito ao julgar que «actualmente» os prédios x(...) e y(...) estão reunidos numa única realidade predial.

Ora, dispõe a 2ª parte o n.º 1 al. d) do art.º 668º do C.P. Civil que a sentença é nula quando “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. 

Esta nulidade está em correlação com o disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo código, que proíbe ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras.

A al. e) do n.º 1 do mesmo art.º 668º, por sua vez, prescreve a nulidade da sentença que “condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Esta nulidade representa no fundo a sanção da proibição fixada no n.º 1 do art.º 661º do mesmo Código ao impor que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir ”.

Na decisão que proferir sobre as questões suscitadas pelas partes, o juiz não pode – como diz o Prof. Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, Vol. V, pag. 68 – ultrapassar em quantidade ou em qualidade os limites constantes do pedido formulado pelas mesmas partes.  Pode condenar em menos do que se pediu, não pode é condenar em mais; nem, em regra, em objecto diverso do pedido. A condenação em objecto diverso só é legítima nos casos em que a lei expressamente o admitir (veja-se, por exemplo, o n.º 3 do mesmo art.º 661º ou o n.º 2 do art.º 468º do C.P.Civil ).

Ora, o que estava em discussão nos autos era saber o prédio inscrito na matriz sob o artigo x(...) fazia parte do acervo de bens a partilhar por óbito do inventariado O (...) , tendo sempre constituído um prédio autónomo do outro inscrito na matriz sob o artigo y(...) , e se era ou não válido o legado que dele tinha feito à sua neta e interveniente P (...) ; ou se, ao invés, esse prédio inscrito na matriz respectiva sob artigo x(...) já à data da morte de R (...) , esposa daquele O (...) e mãe de A. e R.R, ocorrida, em 22-3-86, se encontrava integrado no prédio urbano inscrito na mesma matriz sob o artigo y(...) , tendo, por tal razão, sido adjudicado, no inventário 23/90 da 6ª secção do Tribunal de Viseu que correu termos por óbito daquela R (...) , aos respectivos licitantes.

Porém, o tribunal pôs-se a conhecer, com base no doc. junto a fls 143 dos autos, do contrato de compra e venda que teve por objecto a aquisição pelo falecido O (...) do referido prédio inscrito na matriz sob o artº x(...) , em Novembro de 1987, contrato que nenhuma das partes invocara  nem tinha submetido à apreciação do tribunal ( até porque, como já acima se disse, as partes nunca puseram em causa que o prédio fosse património dos pais), para assim concluir que, uma vez que esse contrato tinha sido celebrado por simples documento particular, a compra do prédio efectuada pelo referido O (...) era nula e, consequentemente, nulo o legado que dele fizera a sua neta, dado tratar-se de coisa alheia. Tendo concluído, a seguir, pela improcedência do pedido dos A.A. e pela parcial procedência da reconvenção, declarando «que o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo x(...) da freguesia de (...) perdeu a sua existência física autónoma, encontrando-se os prédios inscritos nas matrizes x(...) e y(...) actualmente reunidos numa única realidade predial» (sublinhado nosso). E isto quando é certo também que nenhuma das partes tinha formulado um tal pedido, pois que aquilo que os R.R. haviam peticionado em reconvenção tinha sido, além do mais, que se declarasse que o prédio do artigo x(...) da freguesia de (...) deixara, em tempos dos pais do autor e réus, de ter existência física autónoma, por se encontrar integrado no prédio urbano inscrito na mesma matriz sob o artigo y(...) , e assim ter sido adjudicado aos contestantes no inventário 23/90 da 6ª secção do Tribunal de Viseu, que correu termos por óbito de R (...) , esposa daquele O (...) e mãe de A. e R.R., falecida em 22-3-86.

Quer dizer, como afirmam os recorrentes, «tudo o que o tribunal declarou não foi pedido e tudo o que foi pedido não foi declarado».

 Por isso, a nosso ver, talvez melhor do que as aludidas nulidades [da 2ª parte al. d) do n.º 1 do art.º 668º e da al. e) do mesmo nº 1] a sentença esteja antes eivada da dupla nulidade da 1ª e da 2ª parte da al. d) do referido preceito:  falta de pronúncia sobre questões que lhe cumpria conhecer; e conhecimento de questões de que o tribunal não podia conhecer.

 E com tal afirmação não pretendemos dizer, de modo algum, que o tribunal não esteja autorizado a conhecer oficiosamente do vício da nulidade de um negócio jurídico, atento o disposto no art.º 286º do C. Civil. O tribunal pode efectivamente conhecer dessa nulidade. Não pode, porém, é fazê-lo quando, como no caso, o aludido contrato de compra e venda não tinha sido invocado pelas partes como causa de pedir, nem o conhecimento de tal nulidade se tornava indispensável para a solução do litígio em apreço.

Não há, assim, dúvida que a decisão recorrida é duplamente ilegal: quando conhece, por um lado, de questão que partes não haviam submetido à apreciação do tribunal; e, por outro, deixa de resolver as questões colocadas pelas partes.

Vício que há, por isso, que corrigir por este tribunal de recurso, de acordo com o estatuído no nº 1 do art.º 715º do C. P. Civil.

Ora, resulta provado, por um lado, que o prédio inscrito sob o artº x(...) fazia parte do património comum do casal O (...) e R (...) , à data da morte desta; e que só após as obras realizadas pela ré G (...) e marido K (...) , em data posterior à morte do daquele O (...) , o prédio referido em D) foi integrado no prédio referido em E), deixando de ter existência física autónoma.

Deste modo, o referido prédio do artº x(...) deveria ter sido relacionado e partilhado no inventário por óbito daquela R (...) esposa pré-falecida do referido O (...) , já que fazia parte do património comum do casal. Não tendo isso acontecido e não tendo, consequentemente, o prédio sido adjudicado a nenhum dos herdeiros, nomeadamente ao referido meeiro O (...) , quando este o legou a sua neta P (...) o mesmo já não lhe pertencia por inteiro, mas em contitularidade com os demais herdeiros, seus filhos, na proporção, atento o número de filhos e o disposto no art.º 2139º do C. Civil, de ¾ para o referido O (...) e ¼ para os filhos.

Porém, o facto de o prédio não lhe pertencer por inteiro não torna nulo o legado que dele fez a sua neta, como decorre do artº 2252º do mesmo C. Civil.

 Dispõe, com efeito, o nº 1 de tal dispositivo que: «Se o testador legar uma coisa que não lhe pertença por inteiro, o legado vale apenas em relação à parte que lhe pertencer, salvo se do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade da coisa, pois, nesse caso, observar-se-á, quanto ao restante, o preceituado no artigo anterior».

  Do teor do testamento aludido no ponto nº 2 dos factos provados e cuja cópia se encontra junta a fls 142/ 144 dos autos, não é possível concluir-se se o testador ignorava ou não que o prédio não lhe pertencia na totalidade.

Daí que o legado que dele fez àquela sua referida neta seja válido apenas relativamente à mencionada parte ideal que, por morte de sua esposa pré-defunta, lhe cabia no prédio.

A acção deveria, pois, contrariamente ao decidido em 1ª instância, ter procedido parcialmente, na parte em que os A.A. pedem se declare que o prédio inscrito na matriz sob o artº x(...) era um prédio autónimo do do artº y(...) , e igualmente procedido parcialmente a reconvenção, somente no tocante ao pedido subsidiário.

Decisão

Nos termos expostos, acordam em:

        1- julgar parcialmente procedente a apelação, revogando, em consequência, a sentença recorrida;

        2- julgar parcialmente procedente, tanto a acção, como a reconvenção, declarando-se que o prédio inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o artigo x(...) constituía, à data da morte de R (...) , esposa pré-defunta de O (...) , um prédio autónomo do prédio inscrito sob o artigo y(...) , fazendo parte do respectivo acervo hereditário.

Custas, em ambas as instâncias, por recorrentes e recorridos, em partes iguais.


Nunes Ribeiro ( Relator)
Hélder Almeida
Francisco Caetano