Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
707/08.4PBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONTRADITÓRIO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA: BAIXO VOUGA (JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 56.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CP; ARTIGO 495.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: A obrigação de audição presencial do arguido, imposta pelo artigo 495.º, n.º 2, do CPP, restringe-se à falta de cumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão, sendo, por isso, inaplicável aos casos em que o agente cometeu, no decurso da suspensão, novo crime, pelo qual foi condenado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO

A..., arguido nos autos, veio interpor recurso do despacho proferido a fls. 656/667 (em 29-1-2013), que decidiu:
- manter a sua condenação em multa, conforme exarado no despacho de fls. 629, dado a falta do arguido não ter sido comunicada no dia da diligência, como impõe o artigo 117º, n.º2 do CPP; ……………..e,
- revogar a suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão que lhe fora imposta, determinando o seu cumprimento, nos termos do artigo 56º, n.º 1, al. b) do CP.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:
A. O arguido regularmente notificado, não compareceu na hora designada para o início da audiência agendada para o dia 19 de Dezembro de 2012, nem comunicou, nesse dia, a impossibilidade de comparecimento, nos termos exigidos no art. 117º do CPP.
B. Contudo, no dia imediato, veio apresentar aos autos um requerimento a pedir a justificação da falta acompanhado de um documento provindo do Hospital D. Pedro, EPE, onde se afirma que o arguido deu entrada no dia 19 de Dezembro de 2012 no serviço de urgências desse Hospital pelas 14:52 horas, de onde teve alta pelas 18:51 horas.
C. Ao determinar que não tendo comunicado a impossibilidade de comparecimento, no dia do julgamento, não poderá a falta ser-lhe julgada justificada, o despacho recorrido desvia-se das normas dos artigos 323º e 340°, do C.P.P., maxime, da regra fundamental do processo penal, segundo a qual a dúvida sobre os factos resolve-se a favor do arguido, isto é, em função do princípio in dubio pro reo.
D. Impunha-se in casu a verificação/averiguação, pelo Tribunal, do justo impedimento do arguido para comunicar a impossibilidade de comparecimento no dia do julgamento.
E. Pois que, o arguido, tal como alegado e demonstrado no seu requerimento, não compareceu em Tribunal em 19/12/2012, pelas 15:00 horas, porque nesse dia, antes dessa hora, se sentiu doente e esteve retido no Hospital.
F. Ao ignorar a invocada e comprovada situação de doença do arguido, que o impossibilitou de comparecer e de dar disso conhecimento desde logo ao Tribunal, o despacho recorrido colide com a justa racionalidade que tinha de nortear a boa decisão desta questão.
G. Pelo que, deverá o despacho recorrido ser substituído por decisão que, na procedência deste recurso, defira o pedido de justificação da falta em causa.
H. O cometimento pelo arguido de outros crimes durante o período de suspensão de execução da pena não implica necessariamente a sua revogação, pois que, para que tal aconteça, é necessário que tal comportamento criminoso evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que se alicerçou a aplicação daquela pena de substituição.
I. O Recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa com intervenção dos serviços de reinserção social.
J. O Arguido não foi ouvido quanto à revogação daquela pena de substituição em data anterior à prolação da respetiva decisão.
K. A decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente deveria ter sido precedida da sua audição presencial, não tendo sido respeitado o princípio do contraditório.
L. Foi violado o efetivo direito de defesa consagrado no artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, 56º, n.º 1, al. b) e 61º, n.º l alínea b) do CPP.
M. Violou-se igualmente os artigos 492º, n.º 2 e 495º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal que constituem até um claro sinal de que o legislador pretende que exista um contraditório pessoal.
N. A revogação da suspensão não se mostra, assim, suficientemente fundamentada pois, além de não ter sido precedida da audição do condenado, o tribunal também não curou saber das condições de vida do arguido, designadamente, através da realização de um inquérito, com vista igualmente a apurar se encontrava definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão.
O. A falta da audição do arguido gera a nulidade a que alude o artigo 119°, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso, o que é maioritariamente aceite pela jurisprudência.
P. A sobredita nulidade, de acordo com o disposto no artigo 122º, n.º 1, do Código de Processo Penal, gera a nulidade do despacho recorrido, que revogou a suspensão da pena de prisão imposta ao ora recorrente sem que tenha havido audição prévia do mesmo, impondo-se, pois, a sua revogação e substituição por outro que determine a audição do recorrente e, se assim o entender, determine ainda que se proceda às diligências tidas por convenientes com vista a indagar da situação pessoal daquele, mormente, através de um relatório social sumário, a fim de aquilatar do contexto da ocorrida condenação, única forma para poder indagar se estão efetivamente esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade, e só depois deverá decidir-se quanto à revogação da suspensão, ou não.
*
A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta defendendo a improcedência do recurso, concluindo pela manutenção do despacho proferido nos seus precisos termos.
Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do parcial provimento do recurso, por considerar que “deve ser mantida a condenação em multa resultante da falta cometida pelo arguido, não comunicada oportunamente”; porém, quanto à revogação da suspensão da execução da pena “o despacho é nulo, nos termos do artigo 119º, al. c) do CPP, por não ter sido assegurado o contraditório, dado o arguido não ter sido ouvido antes de ter sido proferido o despacho, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 495º do CPP”.
Notificado o arguido nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não apresentou resposta.
Os autos tiveram os vistos legais.
***

II – FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:
Fls. 631 e 632: Não obstante a declaração emitida pelo Hospital Infante D. Pedro, EPE, comprovativa de que o arguido recorreu ao serviço de urgências no dia 19 de Dezembro de 2012, verifica-se que a falta do arguido não foi comunicada no dia da diligência, como impõe o art. 117.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, razão pela qual, por inverificados os requisitos legais, se mantém a condenação do arguido A... em multa, como exarado no despacho de fls. 629.
Notifique.
*
Nos presentes autos, foi o arguido A... condenado na pena única de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, acompanhada de regime de prova, executada com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, ficando o arguido obrigado a responder às convocatórias do técnico e a receber as visitas deste, bem como informar sobre alterações de residência ou de emprego, para apoio à sua recuperação e inserção.
(…)
De fls. 410 a 412 foi junto pela DGRS o relatório periódico de acompanhamento do arguido A..., datado de 7 de Julho de 2011, dando conta de que o arguido cumpriu as obrigações inerentes ao acompanhamento, mantendo um comportamento globalmente adequado.
Requisitados CRC’s actualizados dos arguidos, constatou-se que os mesmos foram entretanto condenados pela prática de dois crimes de roubo, cada um, em pena de prisão, por factos praticados em 7 de Junho de 2010, sendo condenados na pena de três anos e seis meses de prisão, cada um;
(…)
Designada data para audição dos arguidos, com vista à decisão da eventual revogação da suspensão da pena de prisão aplicada, apenas foram tomadas declarações ao arguido B..., em 19 de Dezembro de 2012, (…)
O arguido A... não compareceu.
(…)
Pelas informações prestadas pelo arguido B..., entende a Digna Magistrada do Ministério Público que, relativamente a este se mostra excessivo declarar extinta a pena de prisão aplicada, devendo ser prorrogada a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de dois anos; no que diz respeito ao arguido A... entende que, relativamente a este se verifica que o mesmo não cumpriu integralmente a condição de suspensão da pena, tendo sido condenado pela prática de seis crimes no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, promovendo a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Estamos, pois, perante uma situação de incumprimento da condição de suspensão relativamente aos arguidos B... e A....
(…)
No caso em apreço, os arguidos praticaram factos que determinaram a aplicação das penas que foram julgadas adequadas, entendendo-se ainda que a recomposição dos valores afectados passaria, em boa medida, pela sujeição a regime de prova. Os planos de reinserção social elaborados, respectivamente, a cada um dos arguidos foram, do ponto de vista forma, cumpridos por aqueles.
Sucede, porém, que no decurso do período de suspensão das penas de prisão aplicadas a cada um dos arguidos, estes foram condenados pela prática de outros crimes. Concretamente:
(…)
- o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... decorreu entre 22 de Junho de 2009 e 22 de Junho de 2011;
- o arguido A... foi condenado no âmbito do processo comum colectivo n.º 1315/10.5PBAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro –Juiz 3, pela prática de dois crimes de roubo, por factos ocorridos em 7 de Junho de 2010, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período – tal decisão transitou em julgado em 11 de Outubro de 2011;
- foi também condenado no âmbito do processo abreviado n.º 1265/10.5PEAVR, do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 2 de Junho de 2010, na pena de 160 dias de prisão, substituída por 160 horas de trabalho a favor da comunidade – tal decisão transitou em julgado em 7 de Janeiro de 2011;
- foi ainda condenado no âmbito do processo comum singular n.º 1551/10.4PTAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro – Juiz 2, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 15 de Julho de 2010, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5,00€ - tal decisão transitou em julgado em 5 de Dezembro de 2011;
- foi ainda condenado no âmbito do processo comum singular n.º 1635/10.9PTAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro – Juiz 1, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 24 de Março de 2010, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00€ - tal decisão transitou em julgado em 4 de Setembro de 2012.
Ora, o art. 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal determina que "1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. Também o art. 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal dispõe que "O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do arguido".
No caso de incumprimento da condição de suspensão da pena, ao lado do elemento objectivo da violação do dever, a lei penal torna dependente a revogação da concorrência de um elemento subjectivo, traduzido na culpa, enquanto infracção grosseira ou repetida dos deveres impostos na decisão condenatória. Isto é, optou-se por um regime mais exigente que só determina a revogação quando se conclui que as finalidades subjacentes à suspensão não podem, por meio dela, ser atingidas. A lei não define, porém, o que deva entender-se por violação grosseira dos deveres, deixando ao critério do julgador a fixação dos seus contornos.
Mas, naturalmente que em tal consideração não poderá esquecer-se os ensinamentos sobre o que constitui negligência grosseira: “a culpa temerária; o esquecimento dos deveres gerais de observância; a demissão pelo agente dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos; uma inobservância absolutamente incomum” – nas palavras de Cuello Callon, Derecho Penal, I, págs. 450/1; Jescheck, Tratado, II, 783; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 457, nota 2.
A violação grosseira de que se fala, há-de ser uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpada.
Não pode esquecer-se, como princípio orientador da matéria, o que desde o início se acentuou, a propósito desde regime legal: dever fazer-se apelo a uma certa liberdade, reclamada pela situação humana concreta, de modo a que, ainda assim, não se perca a finalidade última da recuperação do delinquente.
(…)
No caso dos autos, relativamente aos dois arguidos temos o elemento objectivo da infracção preenchido: os arguidos foram ambos condenados pela prática de outros crimes no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão.
Posto isto, constituem as suas condutas, infracção grosseira aos deveres impostos?
No intuito de indagar das razões do incumprimento, e de molde a apreciar as condições actuais dos arguidos, procedeu-se à realização da diligência tendente à sua audição, mas apenas o arguido B... compareceu.
Das declarações prestadas pelo arguido B... resulta que (…)
Atento o percurso de vida do arguido B... e face à situação relatada por si, parece existir aqui uma violação não grosseira dos deveres impostos, e portanto, tal violação merece ser tolerada ou desculpada.
Deste modo, verificando o tribunal que o crime praticado no decurso da suspensão é de natureza idêntica à do crime em causa nos presentes autos e, por outro lado, verificando que o arguido tem feito um esforço positivo de readaptação à vida social, profissional e familiar, não se lhe deve aplicar a sanção da revogação da suspensão.
(…)
Posto isto, e não obstante a condenação posterior, como resulta do preceituado no art. 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, a revogação da suspensão só terá lugar quando o arguido cometer crime durante o período da suspensão pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
(…)
Por outro lado, e como já vimos, a consequência da revogação da suspensão, prevista no art. 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, não é obrigatória; o que significa que, face ao incumprimento das condições de suspensão, o tribunal ponderará se a revogação é a única forma (e a última: cláusula de ultima ratio, visto que a revogação determina, nos termos do n.º 2 do art. 56.º, “o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”) de lograr a consecução das finalidades da punição.
(…) Assim, e tendo em consideração que o tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, entende-se não estarem verificados os pressupostos exigidos pelo preceituado no art. 56.º do Código Penal, pelo que se decide não revogar a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido B... e, em consequência, decide-se prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado por mais um ano, ao abrigo do disposto no art. 55.º, n.º 1, al. d) do Código Penal.
Relativamente ao arguido A..., retomando o ponto anterior – indagar das razões do incumprimento – entende-se que, face à situação verificada da prática de quatro crimes no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, parece existir aqui uma violação grosseira dos deveres impostos, e portanto, tal violação não merece ser tolerada ou desculpada.
Isto porque, a sua conduta tem sido reiterada, não obstante todas as oportunidades que lhe foram dadas, para além do lapso temporal que já decorreu desde a data da sentença condenatória e o número de crimes praticados no decurso da suspensão (pese embora apenas um deles seja de idêntica natureza ao dos presentes autos).
Nessa medida, é manifesto que, ao longo destes dois anos, o arguido não evidenciou qualquer esforço credível no sentido de cumprir a pena em que foi condenado, mais parecendo que o mesmo mostra total indiferença pelas advertências que lhe têm sido feitas e pelas oportunidades que lhe foram dadas.
Assim, se o arguido for condenado por um crime que tenha cometido já na vigência da suspensão da execução da pena que lhe tenha sido aplicada e se se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam ser alcançadas com a suspensão, revoga-se a suspensão da execução da pena de prisão.
Em concreto, considerando os crimes pelos quais o arguido foi condenado e sendo que um deles é de idêntica natureza, sendo certo que a última condenação se reporta a crime de maior gravidade, conclui-se que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena aplicada nestes autos não foram alcançadas.
Como já se deixou bem expresso, ao suspender a pena de prisão aplicada ao arguido, o tribunal não visou outra coisa senão realizar as finalidades da punição – protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, de acordo com o art. 40.º do Código Penal – sem ter que sujeitar o arguido aos efeitos criminógeneos estigmatizantes que a pena de prisão sempre traz consigo.
Certamente acreditou, pelo que lhe foi dado a conhecer e perante todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos, que a censura do facto e ameaça de prisão constituiriam uma advertência capaz de afastar o arguido da prática de novos crimes.
Contudo, verificamos o arguido não soube aproveitar esta oportunidade. Aliás, o arguido voltou a delinquir no âmbito de infracções da mesma natureza, possuindo já um cadastro criminal de dimensão assinalável (cfr. registo criminal de fls. 576 a 585).
Neste contexto, facilmente se verifica que a ameaça de prisão ao arguido A... não constituiu advertência suficiente para o afastar do cometimento e novos crimes.
Daqui resulta que as mesmas finalidades (exclusivamente) de prevenção especial e de prevenção geral que justificaram a aplicação da pena de suspensão, impõe, em face da conduta posterior do arguido (ao gorar as expectativas nele depositadas) a aplicação da pena de prisão e, consequentemente, justificam a revogação da suspensão da pena aplicada.
Entende-se, assim, que só o cumprimento da pena de prisão criará ao arguido uma contramotivação suficientemente forte para o dissuadir de continuar na mesma senda e que, do mesmo passo, reafirmar-se-ia a confiança comunidade na norma violada.
Nestes termos, e atentos os fundamentos supra expostos, entende-se estarem verificados os pressupostos exigidos pelo preceituado no art. 56.º do Código Penal relativamente ao arguido A..., pelo que se decide revogar a suspensão da execução da pena de prisão, determinando-se o cumprimento pelo arguido A... da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Face a todo o exposto, pelos fundamentos invocados e de acordo com os normativos citados, decide-se:
(…)
- revogar a suspensão da execução da pena de prisão, determinando-se o cumprimento pelo arguido A... da pena de prisão que lhe foi aplicada, nos termos do disposto no art. 56.º, n.º l, al. b) do Código Penal.
(…).
***
APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, são duas as questões suscitadas:
- a  condenação em multa, nos termos do artigo 117º, n.º 2 do CPP, dado a falta do arguido não ter sido comunicada no dia da diligência;
- a nulidade do despacho recorrido, por não se ter procedido à audição do arguido antes de o tribunal ter decidido sobre a revogação da execução da pena.
*
A- Da condenação em multa, por falta injustificada
Alega o recorrente que foi regularmente notificado, no entanto, não compareceu em tribunal na hora designada, nem comunicou nesse dia a impossibilidade de comparecimento. Contudo, no dia imediato, apresentou aos autos um requerimento a pedir a justificação da falta, acompanhado de um documento emitido pelo Hospital D. Pedro, EPE, comprovando que nesse dia 19 de Dezembro de 2012, antes da hora indicada se sentiu doente e esteve retido no Hospital. Ignorou o tribunal a quo a invocada e comprovada situação de doença do arguido, pelo que, deve o despacho recorrido ser substituído por decisão que defira o pedido da justificação da falta em causa.

Dispõe o n.º 1 do artigo 116º do CPP que «Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 1 UC».
E, acrescenta o artigo 117º:
«2- A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3- Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. (…)»

No caso vertente, foi o arguido notificado de que fora designado o dia 19 de Dezembro de 2012, pelas 15.00 horas, para sua audição, com vista à decisão da eventual revogação da suspensão da pena de prisão aplicada.
O arguido esteve impedido de comparecer a tal diligência, porquanto naquele momento se encontrava no serviço de urgência do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE, conforme declaração de fls. 632. E, tratando-se de impossibilidade de comparência imprevisível, deveria a comunicação da impossibilidade de comparecer ter sido efectuada no dia e hora designada para audição do arguido, podendo os elementos de prova da justificação ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte.
Pese embora o arguido tenha apresentado a declaração hospitalar no dia seguinte, para justificação da falta, é facto que não comunicou no próprio dia 19 a sua impossibilidade de comparecer.
Discordamos do recorrente quando alega que o facto de estar retido no serviço de urgências do hospital consubstancia um justo impedimento para cumprir a obrigação de comunicação, no próprio dia da diligência, da impossibilidade de comparecer à mesma. Na verdade, tal comunicação poderia ter sido efectuada pelo seu defensor, ou até pelo co-arguido, seu irmão, que foi ouvido na mesma diligência, o que ficaria exarado no respectivo auto de declarações de fls. 628/630.
Por conseguinte, nenhum reparo nos merece o despacho recorrido, na parte em que manteve a condenação do arguido na multa de 2 UCs pela falta injustificada à diligência em causa.
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B- Da audição prévia do arguido à decisão de revogação da suspensão da pena de prisão
O despacho recorrido revogou a suspensão da execução da pena de prisão e determinou o respectivo cumprimento, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. b) do CP, por considerar que “o arguido foi condenado pela prática de outros crimes no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe havia sido imposta; sendo manifesto que, ao longo dos dois anos da suspensão, o arguido não evidenciou qualquer esforço credível no sentido de cumprir a pena em que foi condenado, mais parecendo que o mesmo mostra total indiferença pelas advertências que lhe têm sido feitas e pelas oportunidades que lhe foram dadas”.

Segundo este preceito, «1- A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.».

A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose favorável ao condenado.
Mas se, na versão original do CP/82 a lei adoptou uma revogação automática da suspensão, dispondo então o artigo 51º, n.º 1 que “A suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser condenado com pena de prisão”.
Com a revisão do Código Penal operada pelo DL n.º 48/95, de 15.03, que instituiu a actual redacção do artigo 56º, deixou a revogação de ser obrigatória face à prática de um novo crime durante o período da suspensão, passando-se a exigir que o tribunal averigúe se o cometimento do novo crime infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão.
Neste pressuposto, entende o recorrente que “é imperioso auscultar também o arguido para que este, confrontado com tais factos, possa explicar as razões e o contexto em que o crime foi cometido; pelo que estando a pena suspensa com regime de prova, com intervenção dos serviços de reinserção social, a revogação da suspensão da pena de prisão deveria ter sido precedida da audição presencial do arguido, em obediência ao disposto nos artigos 495º, n.º 2 do CPP e 35º, n.º 2 da CRP”.

Como resulta do artigo 56º do CP, estão aí previstas duas situações distintas: uma primeira relativa ao incumprimento de deveres ou regras de conduta impostos como condição da suspensão e uma segunda relativa à prática de novo crime durante o período da suspensão.
No primeiro caso exige-se que o tribunal avalie se houve incumprimento dos deveres ou das regras de conduta e se o mesmo foi grosseiro e/ou repetido; no segundo, porque é dado adquirido que o arguido praticou factos criminosos pelos quais foi condenado, apenas se exige que o tribunal verifique se o comportamento criminoso descrito na sentença sustenta a conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Estabelece o artigo 61º, n.º 1, al. b) do CPP que o arguido goza, em especial, do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte. Ora, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, importando a privação da liberdade do arguido, não deverá ser decidida sem antes se ter assegurado a possibilidade de o arguido se pronunciar sobre a mesma.
Afigura-se-nos, no entanto, que não tem aqui aplicação (como sustenta o recorrente) o disposto no n.º 2 do artigo 495º do CPP ([1]), com a obrigatória audição presencial do arguido, a qual está prevista para a falta de cumprimento das condições da suspensão e, no caso em apreciação a revogação deriva de condenação por crime praticado no período da suspensão.
De qualquer forma, entendeu a Mmª Juiz a quo que o contraditório seria pessoal, e daí que tenha designado data para audição do arguido, a fim de se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena. Porém, não tendo o arguido comparecido, veio a proferir o despacho recorrido.
Ainda que a declaração hospitalar, por si só, não fosse suficiente para justificar a falta à referida diligência, tomou o tribunal conhecimento de que o impedimento de comparecer em tribunal apenas ocorreu naquele dia 19.
Deveria, pois, ter designado nova data para audição do arguido.
Não o tendo feito, nem tendo ordenado a notificação do arguido para se pronunciar sobre os crimes praticados durante o período da suspensão e da possibilidade da revogação da suspensão da pena, foi preterido o direito ao contraditório (consagrado no art. 32º, n.º 5 da CRP), o que constitui nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119º do CPP, e deve ser oficiosamente declarada.

Procede, assim, nesta parte, a argumentação do recorrente.
Por conseguinte, importa declarar a nulidade do despacho recorrido, nesta parte, e determinar que o arguido se pronuncie sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena, em função dos crimes praticados durante o período da suspensão, e só após, será proferida nova decisão.

*****
III - DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência:
a) declarar nulo o despacho recorrido, na parte em que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que havia sido aplicada ao arguido A..., determinando, em obediência ao princípio do contraditório, que o arguido se pronuncie sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena, em função dos crimes praticados durante o período da suspensão.
b) manter, no mais, o despacho recorrido.

Sem custas (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).
*****
                                                       Coimbra, 30 de Outubro de 2013

Elisa Sales (Relatora)
Paulo Valério

[1] - Após a alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 28.08, a aludida audição passou a ser presencial. Assim, enquanto na anterior redacção se dizia que «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado», a partir de 15-9-2007 impõe-se que o condenado seja ouvido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.