Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/13.2TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: AUTO-ESTRADA
ACIDENTE
OBJECTO
ESTRADAS
ÓNUS DA PROVA
CONCESSIONÁRIO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – ALMEIDA – SEC. COMP. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 12º, Nº 1, ALÍNEA A) DA LEI Nº 24/2007, DE 18 DE JULHO; BASE XXXVI DO REGIME GERAL PUBLICADO EM ANEXO AO DECRETO-LEI Nº 294/97, DE 24 DE OUTUBRO.
Sumário: I – É através do disposto na Base XXXVI do regime geral publicado em anexo ao Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro; e nas Bases LIII e LIV anexas ao Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, que a Doutrina, no contexto de eventos atinentes à circulação dos utentes em auto-estradas, fala, referindo-o à concessionária, num “[…] dever de assegurar um padrão elevado na circulação rodoviária” e isola no quadro deste um concreto dever de informação cautelar ao utente dos factores que sejam aptos a condicionar essa circulação moldado (o dever) por esse padrão prestacional e de segurança qualificado, temperado este por aquilo que seja racionalmente possível – só o que é possível é racionalmente exigível a quem quer que seja – esperar de uma estrutura empresarial sobre a qual impende o dever de se organizar para garantir esse padrão.
II - Vale isto por dizer que o grau de exigência à concessionária será – é – considerável, mas que o mesmo não envolve exacerbamentos cautelares que situem a prestação activa de segurança aos utentes da auto-estrada, concretamente na advertência a estes de perigos inesperadamente desencadeados para a circulação, que, sendo tributários de um padrão de conduta exigente, extravasem do que racionalmente é exigível.

III - O ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança de um troço de auto-estrada concessionada cabe à concessionária, o que não é o mesmo quanto à existência de objectos na faixa de rodagem que estejam na origem de acidentes (artigo 12º, nº 1, alínea a) da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho).

IV - Procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que, nos casos, que acabam por ser os mais comuns na prática dos tribunais, de acidentes em auto-estrada decorrentes da entrada nas vias de animais, acrescem ao dever de vigilância da concessionária sobre a via (à monitorização técnica e humana da própria via), deveres prévios especificamente ligados à estruturação protectiva da via em termos aptos a impedir o acesso de animais a esta e a travessia das faixas por estes.

V - Diversamente, concretamente dentro da facti species da alínea a) do mesmo artigo 12º, nº 1 (acidente causalmente ligado a objectos existentes nas faixas de rodagem que aí possam ter caído), a questão do desempenho probatório pela concessionária (ou seja: o que para esta significa provar um nível de desempenho suficiente das suas obrigações de segurança activa da via) adquire dimensões mais específicas – menos abrangentes que no exemplo dos animais – às quais não é indiferente a ponderação de factores como sejam o momento do conhecimento da existência do obstáculo na via e o lapso de tempo de reacção em função desse conhecimento.

VI - Referimo-nos aqui ao tempo que a concessionária demora a ter conhecimento e a reagir, sendo que para ter conhecimento exige-se que tenha implementado e que execute um sistema de patrulhamento da via ao longo do dia que, a espaços de tempo aceitáveis, lhe permita verificar as condições de circulação ao longo de todo o troço concessionado. Mais do que isto, só se pode exigir que sejam colocados ao longo da via pontos de contacto com a concessionária (SOS) que possibilitem aos utentes adverti-la das situações ocorridas.

VII - É com este sentido que a nossa jurisprudência, sem abandonar um quadro de exigência qualificado à concessionária, mas aferindo-o no domínio do que razoavelmente é possível, entende que “[i]lide a presunção de culpa que sobre si impende no cumprimento das obrigações de segurança a concessionária que procede à fiscalização da via com regularidade, passando pelo mesmo local de duas em duas horas, assim cumprindo o dever de vigilância e actuando com a diligência que lhe era exigida no contrato de concessão”.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. A seguradora F…, S.A. (A. e Apelada neste recurso) demandou C…, S.A., depois designada A… Limited Sucursal em Portugal (R. e aqui Apelante), formulando contra esta uma pretensão indemnizatória que liquida em €14.328,87 e reporta ao que pagou (a A. no âmbito de um contrato de seguro) a um segurado seu – subscritor de apólice que incluía a cobertura de danos próprios – em virtude de acidente de viação por este sofrido em 03/12/2010 quando conduzia o respectivo veículo na auto-estrada designada A25, no sentido Oeste-Este (Guarda – Vilar Formoso). Tal acidente ficou a dever-se a embate noutro veículo decorrente de uma manobra de recurso (evasão de obstáculo surgido na estrada) resultante do súbito aparecimento na via (pela qual circulava o segurado da A.) de um pneumático ali largado por um pesado utente dessa mesma via[1]. Ora, sendo a sociedade B…, S.A.[2] (Interveniente e também Apelante) concessionária daquela via e tendo esta celebrado contrato de seguro com a R., cobrindo eventos daquele tipo (ligados à omissão de obrigações de segurança das vias que lhe são concessionadas pelo Estado)[3], vem a A. pretender receber da seguradora da Interveniente Ascendi o que pagou ao seu segurado.

            1.1. Contestaram a R. e a Interveniente B…, separadamente, sendo que a primeira, no que fundamentalmente interessa ao tema dos recursos, referenciou os deveres de vigilância das vias concessionadas a “um dever médio, não caracterizando a obrigação de omnipresença”. A Interveniente B…, por sua vez, apontando basicamente no mesmo sentido da sua seguradora, acrescenta a descrição do cumprimento do seu dever de cuidado relativamente às vias concessionadas e, concretamente, daquela via nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas pela A.[4].

            1.2. Foi o processo julgado[5] pela Sentença de fls. 229/262 – trata-se esta da decisão objecto do presente recurso – cujo pronunciamento decisório foi o seguinte:
“[…]
A) Condenar as Rés B…, SA. e A… Limited a pagar solidariamente à A. F…, SA., a quantia de €7.738,18 (sete mil setecentos e trinta e oito euros e dezoito cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a data da interpelação 12-05-2011, até efectivo e integral pagamento.
B) Condenar a Ré B…, SA. a pagar à A. F…, SA., a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
C) Absolver as RR. do demais peticionado.
[…]”.

            1.3. Inconformadas, recorreram a R. e a Interveniente, concluindo o seguinte nos respectivos recursos:
“[…]


II – Fundamentação

2. Caracterizámos até aqui o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso. Importa agora apreciar as duas impugnações (da R. e da Interveniente B…), sendo que o âmbito objectivo destas se mostra delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [v., a propósito da referenciação dos fundamentos do recurso às conclusões, os artigos 635º, nº 4 e 639º do Código Processo Civil (CPC)]. Assim, fora das conclusões, só constituem objecto temático de um recurso questões que se configurem como de conhecimento oficioso (de seguida – no item 2.1. infra – abordaremos a incidência no caso concreto de uma questão deste tipo). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição no recurso sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àquelas (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

2.1. Como dissemos, existe uma questão de conhecimento oficioso desta Relação que a presente acção poderia convocar. Exige-nos esta eventualidade um esclarecimento preliminar.

O Tribunal – rectius, a jurisdição… – competente para julgamento da presente acção seria, em princípio, a administrativa[6]. Todavia, embora a excepção de incompetência material fosse aqui de conhecimento oficioso[7], entendemos não ser de tomar conhecimento da mesma, por absoluta desproporção do efeito processual induzido, nas situações em que o julgamento decorreu integralmente na primeira instância, sem suscitação ou discussão dessa questão, pressupondo o Tribunal a quo a sua competência material. Explicitámos (explicitou a presente formação deste Tribunal) este entendimento no Acórdão de 23/09/2014, proferido no processo nº 849/13.4TBFIG.C1 (v. o respectivo item 2.3.2., para o qual aqui remetemos)[8].

2.2. Interessa-nos, pois, delimitar os fundamentos dos dois recursos.

Embora apresentem ambos – interpostos, poderemos dizê-lo, “do mesmo lado da barricada”[9] – argumentos próprios de crítica à decisão recorrida, convergem eles no essencial das pretensões veiculadas nas apelações respectivas. Assim, indicando, por referência à compaginação das duas apelações, os fundamentos de impugnação que haverá que apreciar nesta instância, diremos que se nos apresenta, como primeiro fundamento, (a) a crítica pelas duas Apelantes a determinados trechos dos factos (os que se expressam nas alíneas F, I, J e N do rol fixado na Sentença). Como segundo fundamento, (b) interessa-nos a questão da responsabilização indemnizatória da Interveniente B… (e da R.), em articulação com a questão do ónus da prova decorrente do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, estando em causa acidente ocorrido já na vigência deste Diploma, cuja base causal é referida à presença (à existência) na faixa de rodagem de um objecto (um pneu de um pesado), enquanto factor desencadeador do acidente de viação envolvendo o segurado da A. Finalmente, no que constitui uma especificidade do recurso da B…, (c) pretende esta Apelante a alteração da data de contagem dos juros por referência à previsão do nº 3 do artigo 805º do Código Civil (CC), considerando-se a data da citação.

2.3. Fixados os temas do recurso, interessa-nos – e constitui o ponto de partida da subsequente indagação – indicar neste trecho expositivo os factos que foram considerados provados pela primeira instância:
“[…]
A. Por acordo titulado pela Apólice nº …, S… transferiu a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel ligeiro misto particular de marca, modelo e versão Volkswagen Golf Van 1.9 TDI CONFORTL e matrícula DT-…, para a A. (então …, S.A.).
B. Ao abrigo de tal acordo foi participada à A. a ocorrência de um embate, envolvendo o veículo seguro e o semi-reboque de marca e modelo Lecinena SRPR-3E13.65 e matrícula L-…, cujo tractor, de marca e modelo Volvo FH38, tinha a matrícula EZ-...
C. Em 03.12.2010, cerca das 18.30 horas, S… conduzia o veículo matrícula DT-…, na A25 e no sentido Oeste-Este, mais concretamente Guarda-Vilar Formoso.
D. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e no mesmo sentido, circulava o indicado Volvo com o respectivo semi-reboque Lecinena.
E. Ao km 181,8 da referida auto-estrada, o veículo Volkswagen (DT-…) colidiu com o semi-reboque Lecinena (L-…).
F. No local do embate, atento o sentido de marcha dos identificados veículos, a via configurava uma recta, antecedida a cerca de 100 metros, de curva à esquerda e apresenta-se em sentido ascendente e com três faixas de rodagem, sendo a velocidade máxima ali permitida de 120 km/h.
G. Nas circunstâncias supra descritas já era de noite, não existindo no local iluminação artificial.
H. O condutor do veículo de matrícula DT-… utilizava as luzes de cruzamento (médios), em normal estado de funcionamento.
I. Nas circunstâncias descritas, o condutor do veículo de matrícula DT-…, circulava a velocidade não superior a 110 km/h, atento à condução, à estrada e pela faixa do lado esquerdo, ultrapassava o veículo de matrícula EZ-… (e o respectivo semi-reboque), o qual, por sua vez, circulava pela faixa do meio porque efectuava também uma ultrapassagem.
J. Enquanto realizava a referida manobra de ultrapassagem, o condutor do veículo de matrícula DT-…, foi surpreendido pela presença de um pneumático postado no pavimento da via, na faixa de rodagem mais à esquerda, por onde circulava, encontrando-se tombado a cerca de dois metros do separador central.
K. O condutor do veículo de matrícula DT-… avistou o referido pneumático a menos de 30 metros do mesmo.
L. Tal pneumático foi ali largado por um veículo pesado de mercadorias cujos proprietário, condutor e matrícula se desconhecem, por não ter sido possível apurar tais dados.
M. Não existia no local, nem antes dele, qualquer sinalização que advertisse os condutores da existência de obstáculos na via, designadamente um pneumático.
N. A súbita e inesperada presença do referido pneumático na faixa de rodagem durante a manobra de ultrapassagem obrigou o condutor do veículo de matrícula DT-… a, para evitar o embate, efectuar uma manobra de evasão e a mudar repentinamente de direcção, para o lado direito, passando a circular, parcialmente, na faixa do meio, por onde transitava, nesse momento, o veículo de matrícula EZ-… (com o semi-reboque).
O. O condutor do veículo de matrícula DT-…não pôde evitar a colisão da frente direita do respectivo veículo com a parte traseira – lado esquerdo do semi-reboque L-...
P. A A. entregou a S… e no âmbito do acordo referido em A., a quantia de €11.541,00.
Q. A A. entregou à D…, Companhia de Seguros, S.A., seguradora da proprietária do semi-reboque L-… (T…, Lda., pessoa colectiva nº…) e pela reparação dos respectivos prejuízos, €1.197,18.
R. A descrita colisão causou a S… hematoma no braço direito, o que o obrigou a receber tratamento hospitalar, a realizar exames médicos e a frequentar consultas médicas, designadamente no Centro de Saúde da Guarda, na Clínica C…, Lda. (sita na cidade da Guarda), no C…, Lda. (sito na mesma cidade) e na Unidade Local de Saúde da Guarda, EPE.
S. Em 07/03/2011 e 12/05/2011 a A. solicitou à concessionária e à seguradora, respectivamente, o pagamento das quantias que despendeu por causa do sinistro.
T. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, B…, SA. transferiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros em virtude da sua actividade para C…, SA. (actualmente A… Europe Limited).
U. Nos termos do acordo referido supra, foi convencionado que na anuidade de 2009/2010, por cada sinistro participado, a Ascendi suportaria uma franquia de €5.000,00.
V. No dia do sinistro, os funcionários da R. B…, S.A. efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, passaram diversas vezes no local e não detectaram qualquer objecto, designadamente um pneumático de um pesado.
W. Tais patrulhamentos são efectuados pelos seus funcionários, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia, todos os dias do ano.
X. Antes do evento descrito em E., a R. não tinha conhecimento da existência de qualquer objecto na via nas proximidades do local.
[…]” (destaque acrescentado assinalando os factos impugnados nos dois recursos).

            2.4. (a) Constitui primeiro fundamento do recurso (comum às duas Apelantes) a impugnação de alguns dos factos fixados pelo Tribunal a quo. Concretamente, pretendem as Apelantes que esta Relação, com base na reapreciação da prova testemunhal produzida em julgamento, modifique a decisão de facto – concretamente os pontos F, I, J e N –, nos termos do artigo 662º, nº 1 do CPC.

            Tratam-se essencialmente de questões de pormenor (basta ler o rol no seu conjunto). Com efeito, no caso da alínea F pretendem os recorrentes que se fixe a velocidade máxima ali permitida em 100Km/h, não em 120Km/h. No que respeita aos pontos I e J, pretendem os Apelantes a alteração do posicionamento dos dois veículos e do objecto/obstáculo existente na faixa de rodagem, concretamente o veículo do segurado da A. nos momentos antecedentes do avistamento do pneu e consequente manobra evasiva. E, quanto ao ponto N, pretende a Apelante B… (só ela impugnou este facto, visando a sua eliminação) que seja considerada não provada a manobra de evasão do segurado da A., decorrente do avistamento do pneu obstruindo a via, enquanto factor indutor do acidente.

            Apreciaremos desde já os factos I, J e N directamente respeitantes à dinâmica do acidente.

            Começando pelo depoimento da testemunha S…, o condutor do veículo segurado pela A., teremos presente ter este subscrito a declaração amigável que consta de fls. 19/20 na qual descreveu, nas suas próprias palavras, o acidente, colocando o pneu (o obstáculo na via que o levou a realizar o desvio abrupto da sua viatura que originou o embate no pesado que circulava ao lado) na faixa mais à esquerda (na faixa interior de um conjunto de três faixas)[10]. Esta questão é aqui introduzida porque as Apelantes pretendem, por referência aos factos I e J (com posterior projecção conclusiva no facto N), posicionar o veículo segurado pela A., com base neste depoimento, numa faixa distinta, alterando substancialmente a dinâmica do acidente resultante desses pontos dos factos. Ora, sendo exacto que no início do depoimento desta testemunha a mesma pareceu[11] situar o pneu avistado “quase em cima” na “faixa do meio”, com o desenrolar de todo o depoimento percebeu-se que a testemunha identificava as três faixas existentes na auto-estrada naquele local, como a “primeira”, “segunda” e a “terceira”, sendo a “segunda” a do meio e a “terceira” a de dentro (a mais à esquerda atento o sentido de marcha, junto ao separador central), explicitando a testemunha que o pneu[12] estava tombado no solo nessa faixa de dentro (um pouco junto ao limite com a faixa do meio) e que ele (a testemunha S…) se desviou instintivamente para a sua direita, ainda chegou a bater no pneu, e bateu subsequentemente no camião com semi-reboque cuja ultrapassagem não havia ainda completado[13].

            A referenciação deste depoimento pelas Apelantes não é totalmente exacta (é, pelo menos, incompleta), sendo evidente que a versão acolhida nos pontos I e J dos factos (e depois condensada no ponto N) coincide com a compreensão racional pela Exma. Julgadora do depoimento desta testemunha globalmente considerado.

            Por outro lado, quanto à velocidade máxima permitida no local (à qual se refere o trecho final do ponto F), a testemunha S… não foi minimamente precisa na referenciação de um eventual limite máximo de 100Km/h (honestamente indicou o que lhe parecia agora, passados vários anos do evento[14]). A este respeito, não deixaremos de frisar que a concessionária da A25, dispondo do domínio total e exclusivo das condições técnicas de actuação sobre a via (designadamente a formalização ou ilustração dos exactos limites de velocidade estabelecidos em cada local da via concessionada, tudo matérias de cuja informação é detentora exclusiva), omita essa linha probatória segura e precisa, para se refugiar na imprecisão de depoimentos testemunhais sobre factos longínquos, quando essa compreensível menor precisão serve para criar um suposto estado de dúvida que a própria concessionária facilmente poderia dissipar. É que a B…, melhor do que ninguém, poderia esclarecer com precisão estas questões situando-as devidamente no tempo. Todavia, parece preferir refugiar-se na imprecisão – parece aceitar o risco da incidência das consequências induzidas pelo regime legal subjacente ao artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho –, quando é a própria B… quem, melhor que ninguém, está em condições de ultrapassar essa imprecisão e de fornecer dados seguros ao Tribunal.

            Seja como for, a referenciação da velocidade máxima permitida no local, e é isso o que agora nos interessa, atenta a natureza do acidente e do tipo de via (uma auto-estrada), não nos parece que introduza um elemento novo que tenha a potencialidade de alterar radicalmente os factos centrais do julgamento, designadamente quanto à mecânica de um acidente directamente relacionado com a tentativa de evitar um obstáculo de muito consideráveis dimensões (o pneu de um pesado), abruptamente avistado na via a 10/20 metros de distância (foi o que a testemunha S… indicou por diversas vezes).

            É relevante a este respeito o depoimento da testemunha C…, que nos mereceu credibilidade, que relatou um embate – tudo o sugere que no mesmo dia antecedendo imediatamente o acidente aqui em causa – naquele mesmo local, num pneu de grandes dimensões, quando conduzia uma Navarro 4X4 (o que, como se refere na fundamentação, pode explicar a diversidade de consequências). Esta testemunha, sintomaticamente, referiu ter visto o pneu em causa, logo depois do acidente aqui discutido, ser retirado da estrada pela GNR[15]. O que, em conjugação com o depoimento da Testemunha S… e o teor dos documentos de fls. 19/20 e 70/73, serve para referir o acidente à presença de um pneu proveniente de um pesado na via de circulação da auto-estrada, integrando-se, assim, o trecho normativo da alínea a) do nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, quando esta, no quadro referencial do nº 1 do mesmo artigo, alude à existência de objectos nas faixas de rodagem das auto-estradas. Saber se funcionará aqui a facti species desse artigo 12º, nº 1, alínea a)[16], como decorrência da alocação à concessionária do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, constitui um problema específico para o qual haverá que convocar outros trechos dos factos provados, aqui não discutidos – aliás, aqui aceites – pelos Apelantes e pela Apelada.

            Todavia, sendo as testemunhas acima referidas as indicadas no recurso como aquelas cujo depoimento teria a virtualidade de alterar os factos cuja discussão foi convergentemente introduzida pelos dois recursos[17], valem as considerações anteriormente tecidas, quanto a esses depoimentos, como confirmação da correcção das asserções de facto presentes nos pontos pretendidos discutir pelos Apelantes. Nenhuma alteração nesses pontos entendemos dever ser introduzida por este Tribunal de recurso.

            E, enfim, quanto a factos relevantes no ulterior percurso argumentativo, sempre sublinharemos que se mantêm aqui os pontos V, W e X do elenco fáctico – que ninguém impugnou e que não são intrinsecamente contraditórios com quaisquer outros factos fixados na primeira instância –, a saber:
Que,
V No dia do sinistro, os funcionários da R. B…, S.A. efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, passaram diversas vezes no local e não detectaram qualquer objecto, designadamente um pneumático de um pesado.
Que,
W. Tais patrulhamentos são efectuados pelos seus funcionários, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia, todos os dias do ano.
E, principalmente que,
X. Antes do evento descrito em E., a R. não tinha conhecimento da existência de qualquer objecto na via nas proximidades do local.
           

            2.5. (b) Assim, com base nestes factos e em todos os outros ora estabilizados, somos remetidos para a questão da responsabilização da B…, enquanto base de imputação à própria e à seguradora R. (seguradora da B…) dos valores indemnizatórios aqui em causa.

            Interessa a este respeito observar que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança de um troço de auto-estrada concessionada cabe à concessionária, quanto – e é o que aqui está em causa – à existência de objectos na faixa de rodagem que estejam na origem de acidentes (artigo 12º, nº 1, alínea a) da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, transcrito na nota 19, supra).

            Ora, a existência da alocação de um ónus da prova a determinada parte (a existência e incidência no caso de uma norma cumprindo uma função idêntica à do artigo 342º do CC), conduz, na dinâmica de um processo judicial – segunda a formulação clássica da teoria das normas –, face a uma situação de incerteza – face a uma situação de non liquet quanto a factos relevantes da causa –, conduz isto, dizíamos, à formação de uma regra de decisão contrária à versão veiculada pela parte onerada com esse ónus probatório[18].

Ou seja, argumentando já por referência ao caso concreto, entendendo-se não preenchidos – com o sentido de não devidamente esclarecidos pela prova produzida – os elementos respeitantes a uma efectiva definição do cumprimento pela concessionária dos deveres de segurança que no caso lhe fossem racionalmente exigíveis, deveres tendentes a evitar acidentes rodoviários em situações em que um “objecto” é arremessado ou aparece na faixa de rodagem de um troço concessionado (alínea a) do nº 1 do artigo 12º, da Lei nº 24/2007) e ocorre, em função disso, um acidente “com consequências danosas para pessoas ou bens”, nestes casos, dizíamos, nas situações de incerteza assim geradas, ficciona-se que a concessionária não cumpriu esses deveres de segurança, para efeitos de decisão quanto à imputação indemnizatória relacionada com a omissão desses deveres cautelares de segurança.

Em termos gerais (em todas as concessões de auto-estradas) essas obrigações de segurança são, no que aqui apresenta relevância directa, as definidas na Base XXXVI do regime geral publicado em anexo ao Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro[19]:

Base XXXVI
Manutenção e disciplina de tráfego
1 — A circulação pelas auto-estradas obedecerá ao determinado no Código da Estrada e demais disposições legais ou regulamentares aplicáveis.
2 — A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem.
3 — A concessionária deverá estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da rede concessionada e em articulação com as acções a levar a cabo na restante rede nacional e com particular atenção às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
4 — Deverá também a concessionária observar, sem direito a qualquer indemnização, todas as medidas adoptadas pelas autoridades com poderes de disciplina de tráfego, em ocasiões de tráfego excepcionalmente intenso, com o fim de obter o melhor aproveitamento para todas as categorias de utentes do conjunto da rede viária.

            Especificamente, quanto à concessão do espaço correspondente à A25, apresentam relevância as Bases LIII e LIV anexas ao Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril[20]:

Base LIII
Manutenção e Disciplina do Tráfego
1 - A circulação pela Auto-Estrada obedecerá ao determinado no Código da Estrada e demais disposições legais ou regulamentares aplicáveis.
2 - A Concessionária deverá estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a identificação de condições climatéricas adversas à circulação, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da Concessão, em articulação com as acções a levar a cabo na restante rede nacional, designadamente com o projecto CIRPOR.
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Base LIV
Assistência aos utentes
1 – A concessionária é obrigada a assegurar aos utentes da Auto-Estrada, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção de acidentes.
2 - A assistência a prestar aos utentes nos termos do número antecedente consiste também no auxílio sanitário e mecânico, devendo a Concessionária instalar para o efeito uma rede de telecomunicações ao longo de todo o traçado da Auto-Estrada, organizar um serviço destinado a chamar do exterior os meios de socorro sanitário em caso de acidente e a promover a prestação de assistência mecânica.
--------------------------------------------------------------------------------------.

            É através desta(s) base(s) que a Doutrina, no contexto de eventos atinentes à circulação dos utentes em auto-estradas, fala, referindo-o à concessionária, num “[…] dever de assegurar um padrão elevado na circulação rodoviária” e isola no quadro deste um concreto dever de informação cautelar ao utente dos factores que sejam aptos a condicionar essa circulação moldado (o dever) por esse padrão prestacional e de segurança qualificado[21], temperado este por aquilo que seja racionalmente possível – só o que é possível é racionalmente exigível a quem quer que seja – esperar de uma estrutura empresarial sobre a qual impende o dever de se organizar para garantir esse padrão. Vale isto por dizer que o grau de exigência à concessionária será – é – considerável, mas que o mesmo não envolve exacerbamentos cautelares que situem a prestação activa de segurança aos utentes da auto-estrada, concretamente na advertência a estes de perigos inesperadamente desencadeados para a circulação, que, sendo tributários de um padrão de conduta exigente, extravasem do que racionalmente é exigível. Para clarificar a asserção que aqui sustentamos, diremos o seguinte: ninguém exige à concessionária que exerça permanentemente vigilância total das vias, em termos de assegurar uma percepção imediata de todas as situações de queda de um objecto sobre qualquer ponto da via, em termos de actuar de imediato sobre essa fonte de perigo, suprimindo-a. O ideal seria que assim sucedesse, mas compreende-se – e, por isso, há que aceitar – que não seja possível fixar o grau de exigência por um ideal impossível, elevando o patamar da exigência à concessionária a um tal exacerbamento da diligência devida. O padrão de exigência é sempre um padrão médio, embora definido por médias qualitativamente distintas, no sentido de adaptadas às características específicas do padrão de desempenho fixado como adequado.  

            Ora, procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que, nos casos, que acabam por ser os mais comuns na prática dos Tribunais, de acidentes em auto-estrada decorrentes da entrada nas vias de animais[22], acrescem ao dever de vigilância da concessionária sobre a via (à monitorização técnica e humana da própria via), deveres prévios especificamente ligados à estruturação protectiva da via em termos aptos a impedir o acesso de animais a esta e a travessia das faixas por estes. Com efeito, colocam-se nestes casos problemas de delimitação da faixa, de concepção da vedação e de manutenção da específica funcionalidade desta, como obstáculo à entrada de animais, problemas estes que conferem às obrigações de segurança da concessionária, em tal contexto, um conteúdo que ultrapassa a simples vigilância e observação continuada de determinado troço de via. Nestes casos, a imprevisão ou o desconhecimento da entrada de um animal na via, como elemento indutor de um acidente, ainda pode ser causalmente referida à actuação da concessionária com base na omissão de obrigações de segurança relativas à própria implementação dos elementos de activa evitação do acesso de animais. Ora, neste tipo de casos (lembramos que se tratam de casos de animais na via, chamemos assim, aos casos destacados na alínea b) do nº 1 do artigo 12 da Lei nº 24/2007), um resultado de incerteza quanto ao cabal desempenho pela concessionária do dever de segurança protectiva da via quanto ao acesso de animais, cria ainda um espaço para a actuação da regra de decisão que subjaz ao artigo 12º, nº 1 da Lei nº 24/2007, nos termos acima equacionados (v. a nota 20 e o texto que para ela remete).

            Diversamente, no caso aqui configurado, concretamente dentro da facti species da alínea a) do mesmo artigo 12º, nº 1 (acidente causalmente ligado a objectos existentes nas faixas de rodagem que aí possam ter caído), a questão do desempenho probatório pela concessionária (ou seja: o que para esta significa provar um nível de desempenho suficiente das suas obrigações de segurança activa da via) adquire dimensões mais específicas – menos abrangentes que no exemplo dos animais – às quais não é indiferente a ponderação de factores como sejam o momento do conhecimento da existência do obstáculo na via e o lapso de tempo de reacção em função desse conhecimento. Referimo-nos aqui ao tempo que a concessionária demora a ter conhecimento e a reagir, sendo que para ter conhecimento exige-se que tenha implementado e que execute um sistema de patrulhamento da via ao longo do dia que, a espaços de tempo aceitáveis, lhe permita verificar as condições de circulação ao longo de todo o troço concessionado. Mais do que isto, só se pode exigir que sejam colocados ao longo da via pontos de contacto com a concessionária (SOS) que possibilitem aos utentes adverti-la das situações ocorridas.

            É com este sentido que a nossa jurisprudência, sem abandonar um quadro de exigência qualificado à concessionária, mas aferindo-o no domínio do que razoavelmente é possível, entende que “[i]lide a presunção de culpa que sobre si impende no cumprimento das obrigações de segurança a concessionária que procede à fiscalização da via com regularidade, passando pelo mesmo local de duas em duas horas, assim cumprindo o dever de vigilância e actuando com a diligência que lhe era exigida no contrato de concessão[23]. Isto, precisamente, num caso em que o acidente de viação ocorre como resultado do derrame na via de um líquido escorregadio por um pesado utente da mesma via[24].

            Ora, no caso concreto, observando os factos provados em V, W e X (e chamamos a atenção para este último em especial[25]) não pode esta Relação, valorando esses factos diversamente do que parece estar subjacente ao entendimento do Tribunal a quo, deixar de considerar ilidida a presunção de culpa impendente sobre a concessionária ora Interveniente e, em função dessa valoração, atender o recurso, absolvendo as Apelantes do pedido.

            2.6. (c) Fica assim prejudicada a apreciação da questão da referenciação no tempo dos juros devidos pela R. e pela Interveniente, sendo certo que se proferirá relativamente às duas, como se disse, absolvição do pedido.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, procedendo o recurso, é revogada a Sentença apelada, sendo que, por improcedência da acção, a R. A… Europe Limited, Sucursal em Portugal e a Interveniente B…, S.A., são absolvidas do pedido.

            Custas em ambas as instâncias a cargo da A.
Tribunal da Relação de Coimbra, recurso julgado em audiência na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 05/05/2015. 

(J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Luíz Falcão de Magalhães)


***


[1] Consta da p. i. o seguinte quanto à dinâmica do acidente:
“[…]

5. Em 03.12.2010, cerca das 18.30 horas, o dito S… conduzia o veículo seguro na A., na A25 e no sentido Oeste-Este, mais concretamente Guarda-Vilar Formoso (docs. 2 e 3 citados).

6. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e no mesmo sentido, circulava o indicado Volvo com o respectivo semi-reboque Lecinena (docs. 2 e 3 citados).

7. Ao km 181,8 da referida auto-estrada, o veículo Volkswagen (DT-…) colidiu com o semi-reboque Lecinena (L-…) – docs. 2 e 3 citados.

8. No local do embate, atento o sentido de marcha dos identificados veículos, a via apresenta-se em sentido ascendente e com três faixas de rodagem, sendo a velocidade máxima ali permitida de 120 km/h.

9. Nas circunstâncias descritas, o condutor do DT circulava atento à condução, à estrada e ao trânsito e a velocidade não superior a 110 km/h, pela faixa do lado esquerdo porque ultrapassava o EZ (e o respectivo semi-reboque), o qual, por sua vez, circulava pela faixa do meio porque efectuava também uma ultrapassagem; acontece que,

10. Enquanto realizava a referida manobra de ultrapassagem, o condutor do DT foi surpreendido pela presença de um pneumático postado no pavimento da via, na faixa de rodagem mais à esquerda, por onde circulava (docs. 2 e 3 citados).

11.Tal pneumático foi ali largado por um veículo pesado de mercadorias cujos proprietário, condutor e matrícula se desconhecem, por não ter sido possível apurar tais dados.

12. Não existia no local, nem antes dele, qualquer sinalização que advertisse os condutores da existência de obstáculos na via, designadamente um pneumático.

13. A súbita e inesperada presença do referido pneumático na faixa de rodagem durante a manobra de ultrapassagem obrigou o condutor do DT a, para evitar o embate, efectuar uma manobra de evasão e a mudar repentinamente de direcção, para o lado direito, passando a circular, parcialmente, na faixa do meio, por onde transitava, nesse momento e como se disse, o veículo EZ (com o semi-reboque); por isso,

14.Aquele condutor (do DT) não pôde evitar a colisão da frente direita do respectivo veículo com a parte traseira – lado esquerdo do semi-reboque L-…, colisão que e repetindo, se deu ao km 181,8 (docs. 2 e 3 citados e doc. 4); ora,
[…]”.
[2] Esta foi chamada – intervenção principal provocada – pela R. na contestação, sendo admitida a intervir, pelo despacho de fls. 103/108, como associada da R.
[3] Este elemento é caracterizado na p. i. nos termos seguintes:
“[…]

15.Nos termos do DL nº 142-A/2001, de 24 de Abril, foi atribuída ao consórcio L… (actualmente B…) a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada – incluindo o lanço IP5 Guarda-Vilar Formoso (nº 1 da Base II) – e conjuntos viários associados, designada por B…, a que se refere a alínea f) do nº 2 do artigo 2º do Decreto- Lei nº 267/97, de 2 de Outubro.

16.O acidente ocorreu, nos termos expostos, porque a B… não tomou as cautelas devidas nem adoptou as medidas adequadas, como lhe era exigível, no sentido de assegurar a utilização da via em condições de segurança, sendo certo que,

17.Se o tivesse feito, não teria permitido, como permitiu, que um pneumático permanecesse na faixa de rodagem de forma a obstaculizar a circulação dos veículos que, como o DT, por ali transitavam; na verdade,

18.Nos termos da Base VIII (Manutenção dos bens que integram a Concessão) do Anexo I do DL nº 142-A/2001, de 24 de Abril, “A Concessionária obriga-se a manter, durante a vigência do Contrato de Concessão e a expensas suas, em bom estado de funcionamento, conservação e segurança, nos termos e condições estabelecidos nas disposições aplicáveis do Contrato de Concessão, os bens que integram a Concessão, efectuando em devido tempo as reparações, renovações e adaptações que, de acordo com as mesmas disposições, para o efeito se tornem necessárias”;

19.De acordo com o nº 3 da Base LIII (Manutenção e disciplina de tráfego) do mesmo Decreto-Lei, com as alterações introduzidas pelo DL nº 44-D/2010, de 5 de Maio, “A Concessionária obriga-se a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e de comodidade para os utentes, a circulação ininterrupta na Auto-Estrada, salvo a ocorrência de caso de força maior, devidamente comprovado, que a impeça de cumprir tal obrigação, e sem prejuízo do disposto na Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, e respectiva regulamentação”; e,

20.Como dispõe o nº 1 da Base XLV (Manutenção da Auto-Estrada) do mesmo DL nº 44-D/2010, de 5 de Maio, “A Concessionária deve manter a Auto-Estrada, e os demais bens que integram ou estejam afectos à Concessão, em funcionamento ininterrupto e permanente, em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização e segurança, nos termos e condições estabelecidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis e no Contrato de Concessão, realizando, oportunamente, as reparações, as renovações e as adaptações que para o efeito se tornem necessárias e todos os trabalhos e alterações necessários para que os mesmos satisfaçam cabal e permanentemente os fins a que se destinam”; ademais,

21.O artigo 12º, nº 1, alínea a) da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho impõe que “nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem”.
[…]”.
[4] Transcrevemos dessa contestação:
“[…]


20º.

Convirá lembrar que aquilo que é exigido da contestante é a realização de patrulhamentos permanentes e regulares à sua Concessão, bem como a manutenção e conservação das estruturas daquela via,

21º.

Bem como, e no caso de serem detectados objectos nas vias, proceder de forma a removê-los o mais rapidamente possível.

Ora,


22º.

A Interveniente cumpre essas suas obrigações na íntegra, com zelo e mesmo dedicação, tal como, aliás, sucedeu no dia do sinistro.

De facto,


23º.

No dia do acidente, os funcionários da contestante efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da Concessão desta Interveniente, passaram por diversas vezes no local apontado como sendo o da eclosão do sinistro e não detectaram qualquer objecto, designadamente um pneumático de um pesado nas imediações daquele local.

Ora,


24º.

Tais patrulhamentos são (como, aliás, já sucedia à data do acidente) efectuados pelos funcionários da contestante, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano, tudo no estrito cumprimento do fixado no contrato de concessão que esta Interveniente celebrou com o Estado Português.

De resto,


25º.

Não é de forma alguma exigível e nem sequer razoável que os patrulhamentos efectuados pelos funcionários da Interveniente cubram, em cada instante, toda a área da via concessionada à ora contestante, mas, isso sim, que tenham – como sucedeu in casu – uma regularidade e uma cadência pré-estabelecidas, diligentes e aceitáveis,

26º.

O que, aliás, bem se percebe, pois não faria qualquer sentido, não seria minimamente razoável, como supra se disse, que a contestante devesse exercer a vigilância a que está obrigada simultaneamente, i. e., “segundo a segundo” e “metro a metro”, em todos os pontos da sua concessão.

Do mesmo modo,


27º.

A própria BT da GNR em serviço na rede da contestante também não detectou nos seus patrulhamentos normais à AE qualquer objecto nas imediações daquele local, sendo habitual, quando assim sucede, que alerte a contestante para que sejam tomadas as devidas providências, o que, diga-se, não aconteceu nesta ocasião.

Ou seja:


28º.

Antes de ter eclodido o acidente narrado pela A., a Interveniente não tinha conhecimento da existência de qualquer objecto na via nas proximidades do local onde a A. diz ter ocorrido o sinistro,

Sendo certo que,


29º.

Também não foi alertada por qualquer utente da via para a existência do aludido objecto naquele local.

Além disso,


30º.

Sempre que a contestante tem conhecimento de quaisquer objectos que possam colocar em risco a segurança e a normal circulação automóvel na sua concessão – nomeadamente, através de informações de utentes ou da própria BT da GNR -, actua de forma imediata e diligente por forma a removê-los rapidamente da via.

De modo que,


31º.

Na hipótese que ora nos ocupa é manifesto que a Interveniente procedeu com toda a diligência e cuidado que lhe seria exigível, mormente aquela prevista no artigo 487º nº 2 do Cód. Civil, não lhe podendo, por isso, ser assacada qualquer culpa na produção do acidente narrado na p. i.

Sem prescindir,


32º.

Sendo indiscutível que o objecto a que alude a A. não tem qualquer relação com a AE, mas antes com os veículos que nela circulam – como, ao que parece, a própria autoridade policial confirma - e que a Interveniente não pode impedir que nela ingressem, não é minimamente razoável (além de que isso não é exequível e/ou exigível da concessionária, como é evidente, posto que não se lhe pode pedir que tenha o dom da ubiquidade) que a Interveniente siga permanentemente (e em toda a extensão da sua concessão) com as suas viaturas de assistência atrás de todos os veículos que circulam na AE na tentativa de apurar qual desses veículos deixa cair ou abandona objectos na  via para os remover e/ou sinalizar.

É que,


33º.

Convirá não esquecer que as obrigações que impendem sobre as concessionárias de AE são obrigações de meios e não de resultado, o que bem se percebe porquanto não há qualquer possibilidade de detectar em tempo real um objecto nas vias e retirá-lo de forma imediata, sendo certo que só dessa forma seria possível evitar a deflagração de acidentes.
[…]”.
[5] Em sede de audiência prévia, foi o objecto do litígio enunciado como “[a]purar se devem as RR. serem condenadas a pagar a indemnização peticionada pela A. e, em caso afirmativo, em que termos” e os temas de prova caracterizados nos termos seguintes:
“[Apurar]
1. A dinâmica do embate em causa nos autos.
2. Os danos resultantes do embate referido em 1.
3. A sub-rogação da A. no ressarcimento dos danos decorrentes do embate referido em 1.
4. A responsabilidade civil das RR. pelos danos resultantes do embate referido em 1.
[…]”.
[6] A título de exemplo, entre outros possíveis (sem esquecer que existem opiniões diversas), indicamos aqui o Acórdão da Relação de Lisboa de 14/02/2012 (António Santos), proferido no processo nº 5715/10.2TCLRS.L1-1, disponível em:
 http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9f53fe5d49109a98802579ac004bad55.
Sumário:
“[…]
1 - Nos termos dos artigos 18º, n.º 1, e 22º, nº1, ambos da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), a competência dos tribunais da ordem judicial é residual (os tribunais judiciais são competentes para as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional), sendo que ela - a competência - “(…) fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram”.
2 - Dispõe o artº 4º, nº1, alínea i), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a “ Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.
3 - Reza o art. 1, n.º 5 do Anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12, que “ As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”; e,

4 - Atendendo a que a causa petendi da acção relaciona-se com a pretensa omissão e/ou acção da Ré enquanto entidade concessionária de IC, ou seja, aquando da execução de tarefas administrativas em sede de contrato administrativo, estando, por isso, a sua actividade regulada por disposições e princípios de direito administrativo; tudo,
5 - Conduz a que a eventual obrigação/responsabilização da Ré concessionária, por actos ou omissões decorrentes da subjacente actividade, se insere no âmbito de aplicação do artigo 1.º, n.º 5 do novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, e, como tal, por força do disposto no art. 4º, nº1, al. i) do ETAF, impõe-se que deva ser demandada perante os tribunais administrativos.
[…]” (sublinhado acrescentado).
[7] Interessa a este respeito o artigo 97º do CPC, não valendo a limitação do nº 2 deste quando a incompetência confronta, como aqui sucederia, tribunais de ordens diferentes, designadamente a jurisdição comum com a jurisdição administrativa (v. Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., Coimbra 2004, p. 125; cfr. José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. 1º, 2ª ed., Coimbra, 2008, p. 202). Quer isto dizer que a questão de incompetência material seria neste caso oficiosamente acessível a este Tribunal de recurso.
[8] Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/7de67c365f50406580257d6300496e7.
E, alias, relativamente a uma situação em tudo idêntica à que aqui se coloca (um acidente na A25, envolvendo a responsabilização da concessionária aqui Interveniente) já havíamos julgado o recurso pressupondo sempre – aí implicitamente – dever esta jurisdição tomar conhecimento de um recurso nestas condições. Referimo-nos ao Acórdão de 27/03/2012, proferido no processo nº 211/09.3TBCLB.C1:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ef9a154c74dc0766802579df004d0da3.
Sumário:
“[…]

I – A introdução pela Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, através do respectivo artigo 12º, nº 1, para a concessionária de uma auto-estrada, de um ónus da prova do cumprimento das obrigações activas de segurança do troço concessionado em termos de evitar acidentes referidos às causas indicadas nas três alíneas desse nº 1, (este regime) implica o estabelecimento de uma presunção de culpa da concessionária e que actuará como regra de decisão em caso de non liquet probatório.

II – Este regime (artigo 12º da Lei nº 24/2007) não contendo uma opção pelo enquadramento destes acidentes, em termos de responsabilidade civil da concessionária, pela “tese contratual” ou pela “tese delitual” discutidas até então na doutrina e na jurisprudência, assume uma posição quanto à alocação do ónus da prova que é tributária dessa discussão anterior, em termos que permitem configurar a escolha legislativa como uma das respostas fornecidas no quadro legal anterior à lei nº 24/2007.

III – Assim, o artigo 12º, nº 1 da Lei nº 24/2007 configura-se como lei interpretativa, sendo adequada a sua aplicação retroactiva (na questão do ónus da prova impendente sobre a concessionária), nos termos do artigo 13º, nº 1 do CC, a acidentes ocorridos antes da entrada em vigor desta Lei.
[…]”.
[9] Interpostos por partes associadas na posição de rés (a B… por via de intervenção provocada), protagonistas no processo de interesses absolutamente coincidentes quanto ao objectivo de alterar, em idêntico sentido, alguns dos factos e de induzir uma reponderação das incidências fácticas e jurídicas da questão da alocação do ónus da prova impendente sobre a concessionária, decorrente do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho.
[10] O mesmo sucedeu com a participação do acidente de fls. 70/73 na qual a versão dada pelo motorista foi coincidente com a do primeiro documento mencionado. É relevante indicar aqui o carácter imprestável dos depoimentos dos dois agentes da GNR que teriam tomado conta da ocorrência, sendo certo que nenhuma memória conservam relativamente à situação.
[11] A completa percepção do depoimento, prestado em vídeo-conferência, foi difícil para esta Relação (idêntica queixa fizeram os intervenientes presenciais). Com efeito, pareceu-nos que a testemunha descreveu sempre o acidente da mesma forma (como está recolhido nos factos I, J e N) usando, todavia, referências descritivas (segunda faixa, terceira faixa) não coincidentes com a forma (obviamente mais precisa) usada pelo Tribunal. Os Apelantes parecem pretender confundir quem ouve as gravações com questões de terminologia variável para definir a mesma realidade que a audição atenta e minimamente objectiva dessas gravações esclarece devidamente.
[12] “Aquilo era o pneu sobressalente de um camião ou semi-reboque”, disse por diversas vezes. Note-se que a testemunha seguinte, F…, o condutor do pesado, embora afirme não ter visto o pneu, confirmou que a testemunha S… referiu logo no momento a existência do pneu.
[13] Isto mesmo foi correctamente compreendido pela Senhora Juíza a quo, que pacientemente repetiu a descrição do acidente que intuía do depoimento e obteve a confirmação desse entendimento da testemunha, explicitando a questão do embate da viatura da testemunha com o pneu e a correcta localização deste na faixa de rodagem. Aliás a testemunha acabou por contextualizar o seu depoimento dizendo “foi tudo muito rápido…”, “é difícil agora explicar…”, “não tem explicação…”. Isto significa pouca precisão e não alicerça grandes extrapolações.
[14] Nada nos garante que não estivesse a referir um dado posterior ao acidente, tributário de uma memória de passagens posteriores naquele local. Aliás, a testemunha afirmou que “no máximo eu ia, vá lá, a 110Km…”.
[15] Referiu esta testemunha que se apercebeu do segundo acidente (que, como dissemos, tudo leva a crer ser o aqui em causa) pouco depois (“5 minutos…”) de ter parado mais à frente num desvio existente para um telefone de socorro SOS. Não ficou totalmente claro se o aviso para a central de segurança foi o desta testemunha ou já relativamente ao acidente aqui em causa. Foi esse aviso, todavia, o que deu conhecimento à concessionária do acidente ora ajuizado.
[16] Aqui se transcreve esse artigo 12º:

Artigo 12º
Responsabilidade

1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.
[17] Não foi enviada a gravação da sessão de 14 de Maio (acta de fls. 220). Mas nesta não foi produzida prova que qualquer dos Apelantes indique como devendo ser aqui reapreciada (esta prova, aliás, foi acolhida na Sentença com o significado que as Apelantes lhe atribuem, v. fundamentação de fls. 241, quanto ao desempenho do dever de diligência pela concessionária nos exactos termos alegados por esta e pela R. na acção).
[18] A referência a “regras de decisão” assenta, em grande medida, num entendimento tributário da chamada “teoria das normas”. Esta traduz a construção teórica que subjaz aos artigos 342º do CC e 414º do actual CPC. Tal teorização, cuja origem remonta aos trabalhos do processualista alemão Leo Rosenberg (1879-1963), no início do Século XX, e já foi mesmo qualificada como “direito consuetudinário mundial”, assenta na consideração “[…] de que nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos os seus pressupostos [, extraindo-se] daí que a recusa de aplicação sucederá tanto quando o juiz se convença da não verificação de um ou mais dos elementos da facti species (Tatbestand) da norma a aplicar, quanto quando o juiz não se convença quanto à sua não verificação. Quer isso dizer, então, que «a parte cuja pretensão processual não pode ter sucesso sem a aplicação de determinada norma jurídica suporta o ónus da alegação e da prova de que os elementos da facti species dessa norma se verificaram de facto na situação» […]” (Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, Lisboa, 2000, pp. 18 e 43/44).
Ora, as chamadas “regras de decisão” ou “normas de decisão” – e continuamos a seguir aqui a exposição de Pedro Ferreira Múrias – podem ser caracterizadas nos seguintes termos: “[…] as normas do ónus da prova, em cuja facti species se encontra a incerteza processual sobre um elemento que preenchesse a previsão da norma material […, são] normas de decisão […], são «quanto à questão da [sua] eficácia», apenas um meio auxiliar da decisão de mérito que autoriza o juiz a decidir como se tivesse obtido um resultado positivo ou negativo quanto à verificação de certo facto, i. e., através da ficção […]” ( Por Uma Distribuição Fundamentada…, cit., pp. 62/63). 
[19] Pode ver-se uma indicação exaustiva destes deveres em António Menezes Cordeiro, Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Coimbra, 2004, pp. 35/37.
[20] Interessam no Diploma as seguintes referências que nos reconduzem ao troço de auto-estrada aqui em causa:
Artigo 1.º
Bases da concessão
São aprovadas as bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Beira Litoral/Beira Alta, a que se refere a alínea f) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei 267/97, de 2 de Outubro, constantes do anexo ao presente diploma, do qual fazem parte integrante.
Base II
Objecto
1 - A Concessão tem por objecto a concepção, projecto, construção ou duplicação do número de vias, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem SCUT, dos seguintes Lanços de Auto-Estrada:
a) IP 5 Nó do IC 2-Viseu;
b) IP 5 Viseu-Mangualde;
c) IP 5 Mangualde-Guarda;
d) IP 5 Guarda-Vilar Formoso.
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[21] António Menezes Cordeiro, Igualdade Rodoviária…, cit., p. 37 e 38.
[22] A situação em causa no Acórdão desta Relação 27/03/2012 indicado na nota 10 supra.
[23] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/11/2011 (Pinto de Almeida), proferido no processo nº 2338/07.7TBPNF.P1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/3e56d263487c5832802579580053bc8.
[24] Aqui se transcreve o trecho deste aresto explicitando a asserção contida no ponto indicado do sumário:
“[…]
À semelhança do que tem sido decidido em casos semelhantes, e tomando como padrão a normal diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, cremos que à ré concessionária não era exigível uma vigilância mais intensa do que aquela que efectua normalmente e que, no caso, ficou provada.
Como já se afirmou, deve ter-se "o realismo para reconhecer que fazer vigilância não é – porque nada o impõe – ter, permanentemente, vigilantes, à vista uns dos outros, em todas as auto-estradas"; nem o é – porque nada o impõe e tal não seria em regra possível, nem comportável – fazer passar equipas de fiscalização minuto a minuto, ou outra frequência próxima, em todos os pontos das auto-estradas.
Saliente-se que o intervalo de tempo que mediou entre a última fiscalização efectuada pela ré e o acidente foi, no máximo, de 2 horas, podendo ser bem inferior; na altura da passagem dos funcionários da ré a via estava limpa.

É evidente que a concessionária não pode, por regra, detectar imediatamente o obstáculo colocado na via por outrem, seja líquido derramado no pavimento, seja um qualquer objecto aí deixado, por tal não ser materialmente possível, nem esse facto ser previsível (não sendo possível, por isso, também preveni-lo).
Mas também nos parece que não será razoável exigir da ré uma fiscalização mais frequente do que a referida: nas circunstâncias descritas ela não será, na verdade, normalmente necessária e deve reconhecer-se que só muito dificilmente seria possível fazê-la (e suportar o respectivo custo), por se tratar de vias de grande extensão e permanentemente abertas ao trânsito de veículos.
Deve, por conseguinte, concluir-se que, neste caso, a ré ilidiu a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância, tendo actuado com a diligência que lhe era exigida no contrato de concessão.

[…]”
[25] Estando aqui em causa um facto voluntário omissivo (artigo 486º do CC, por referência à obrigação de uma postura activa de segurança legalmente fixada à concessionária), não deixamos de nos situar – de ainda nos situarmos – num quadro do que é dominável pela vontade e que pode ser especificamente imputado como normal diligência reactiva (aquilo que se deve fazer e cuja omissão gera responsabilidade).