Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
68/08.1TTCBR-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ISENÇÃO DE CUSTAS
INSTITUIÇÃO PRIVADA DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 4º, Nº 1, AL. F) DO RCJ (REGULAMENTO DAS CUSTAS JUDICIAIS).
Sumário: I – A isenção mencionada no artº 4º/1 – f) do RCJ (Regulamento das Custas Judiciais) não abrange as acções interpostas contra instituições particulares de solidariedade social em que estas defendam interesses conexos com relação laboral estabelecida com uma trabalhadora.

II – Não cabem na previsão normativa em causa as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas entidades celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.

Decisão Texto Integral:    FUNDAÇÃO A..., sedeada na ..., ..., Coimbra, vem interpor recurso do decisório da sentença na parte em que a condena em custas.

   Pede que se declare que está isenta.

   Funda-se nas seguintes conclusões:

   1.A decisão deve ser rectificada corrigindo-se o erro material identificado de modo a que nos parágrafos 1 e 2 da parte decisória da sentença requerida onde se lê 47.415,06 se passe a ler-se €47.415,86.

   2. A decisão deve ser reformada/revogada porquanto a Recorrente integra a isenção subjectiva prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Judiciais, disposição genérica relativa às pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, nomeadamente para defesa dos seus interesses;

   3. Sem docentes, categoria da A., não poderia a R. prosseguir o seu desígnio estatutário da educação (cfr. artigos 2.º e 3.º dos seus estatutos);

   4. Acresce, ainda, que a decisão sempre deve ser reformada/revogada porquanto não considerou a disposição específica relativa às instituições particulares de solidariedade social, tipologia na qual se insere a Recorrente, consagrada no artigo 1.º, aliena a) do Decreto-lei n.º 9/85, de 09.01. que determina a sua isenção.

  5. Deve a decisão ser revogada, assim se fazendo JUSTIÇA!

   Não foram proferidas contra-alegações.

   O MINISTÉRIO PÚBLICO junto desta Relação emitiu parecer segundo o qual não assiste razão à apelante, pois o recurso foi interposto numa acção comum, não estando a Recrte. a litigar no âmbito das suas especiais atribuições ou a defender especiais interesses estatutários.


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   Com relevo para a decisão consignam-se os seguintes factos:

   Foi proferida decisão – saneador sentença – que julgou parcialmente procedente o incidente de liquidação tendo declarado que as custas ficam a cargo da A. e da R. na proporção de ½ para cada uma das partes, ali se sustentando que a R. não se encontra isenta do pagamento de custas por não lhe ser aplicável a previsão normativa do Artº 4º/1-f) do RCJ.

   Tal decisão foi proferida em incidente de liquidação na sequência de sentença que, em processo comum, condenou a R. a reconhecer que a A. exerce funções no âmbito de contrato de trabalho em que a R. é entidade patronal e a pagar diferenças de vencimento e outras prestações.

   A Recrte. é uma instituição particular de solidariedade social, reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, prosseguindo fins nas áreas da infância e juventude (creche, educação pré-escolar, centro de acolhimento temporário e lar de apoio) e população adulta (lar de idosos e serviço de apoio domiciliário).


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   Antes de entrarmos na análise da questão suscitada no recurso, cumpre sinalizar que o invocado erro material foi rectificado por despacho proferido pelo Tribunal recorrido, pelo que se considera sanada tal questão.


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   Pretende a Recrte. que, por força do que dispõe o Artº 4º/1-f) do RCJ, está isenta de custas, sendo esta a única questão a decidir.

   Alega que, sendo uma pessoa colectiva sem fins lucrativos e instituição de solidariedade social, cujo escopo é contribuir para a promoção da população da região centro, através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos, para prosseguir tais fins emprega trabalhadores. Nessa medida, porque a A. foi sua trabalhadora, neste processo é inevitável que a sua participação se cinge à prossecução dos seus interesses, estando preenchido o requisito do mencionado Artº 4º.

   Vejamos, então!

   O Artº 4º/1-f) isenta de custas as pessoas colectivas privadas, sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

   Nesta norma cabem, muito especialmente, as instituições particulares de solidariedade social, como é o caso da ora Recrte., que, dadas as funções altamente relevantes que desempenham na sociedade, devem beneficiar de um especial estatuto em matéria tributária.

   Motiva esta isenção a “ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum” o que aproveita á comunidade (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, Almedina, 2ª Ed., 152).

   Contudo, tal isenção está condicionada à actuação no âmbito das especiais atribuições da pessoa colectiva em causa ou da defesa dos seus interesses estatutários, pelo que a isenção “só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela lei” (ídem). Não cabem, assim, na previsão normativa “as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições” (ídem, 153) como é o caso.

   Na verdade, o que está aqui em causa é a defesa de interesses derivados da relação laboral estabelecida com uma sua trabalhadora e não interesses estatuários ou, sequer, algo relacionado com as suas especiais atribuições.

   Termos em que improcede a apelação.


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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

   Custas pela Recrte..

   Notifique.


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   Elabora-se o seguinte sumário:

   A isenção mencionada no Artº 4º/1-f) do RCJ não abrange as acções interpostas contra instituição particular de solidariedade social em que esta defende interesses conexos com relação laboral estabelecida com uma trabalhadora.

  


MANUELA BENTO FIALHO (RELATORA)

LUÍS AZEVEDO MENDES

JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA