Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1735/21.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: REQUISITOS DA USUCAPIÃO
AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 607.º, 3 E 4; 608.º, 2; 615.º, 1; 617.º, 1; 635.º, 2 E 662.º, 2, D), DO CPC
ARTIGOS 1251.º; 1253.º, A); 1258.º A 1261.º; 1263.º, A) E D); 1287.º E 1290.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: A prática de actos de posse, durante o período legalmente estabelecido, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, acarreta a aquisição deste direito, sobre a coisa possuída.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Proc.º n.º 1735/21.0T8LRA.C1

      1.- Relatório.

1.1.- AA, detentor do Nif ...81, e BB, detentora ...10, casados um com o outro,  instauram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra:  CC, detentora do Nif ...91, casada com;  DD; detentor do Nif ...83;  EE, casado com;  FF, pedindo a condenação dos RR. em:

a. Ser reconhecido e declarado o direito de propriedade dos autores, adquirido por usucapião sobre o prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana ...00 da referida freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial ... (CRP); a fracção A do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...24 da referida freguesia, descrito na CRP ...; o prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...41 da referida freguesia, não descrito na CRP ... e do prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...07 da referida freguesia, não descrito na CRP ..., declarando-se assim serem os únicos e legítimos proprietários dos referidos imóveis;

b. Serem os réus condenados a reconhecer os autores como únicos e legítimos proprietários dos referidos imóveis;

c. Ser ordenado à Conservatória do Registo Predial respectiva, o registo por usucapião dos referidos imóveis, a favor dos autores e ser ordenado que na inscrição matricial relativa aos imóveis referidos, passem os autores a constar como únicos proprietários.

Para tanto, invocam factos, que segundo eles, fazerm proceder a sua pretensão.

                                                           ***

1.2. - Devidamente citados, apenas os réus CC e DD contestam e, em síntese, refutam o alegado e todas as conclusões alcançadas pelos autores.

                                                           ***

1.3.- Após saneamento dos autos, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, tendo após esta, sido proferida sentença, onde foi decidido:

A. Declarar integralmente procedente o peticionado pelos autores AA e BB.

B. Em consequência do acima determinado em A.:---

i. Reconhecer e declarar o direito de propriedade dos autores AA e BB, adquirido por usucapião, sobre os seguintes prédios: - prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana ...00 da referida freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial ... (CRP); - a fracção A do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...24 da referida freguesia, descrito na CRP ...; - o prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...41 da referida freguesia, não descrito na CRP ...; - prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...07 da referida freguesia, não descrito na CRP ....

ii. Declarar os autores AA e BB únicos e legítimos proprietários dos acima referidos prédios.

iii. Condenar os réus CC, DD, EE e FF a integralmente respeitar os autores como únicos e legítimos proprietários dos acima referidos imóveis.

iv. Determinar que, após o trânsito em julgado da presente Sentença, a competente Conservatória do Registo Predial proceda aos registos, por usucapião dos acima referidos prédios, a favor dos autores AA e BB; bem como determino que seja ordenado que na inscrição matricial relativa a tais imóveis passem os autores a constar como únicos proprietários.

*

C.- Custas pelos réus contestantes CC e DD.

Notifique e registe.

                                                           ***

1.3. – Inconformados com tal decisão dela recorreram os RR. -  CC e DD -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “1. A, alias, douta sentença é confrangedoramente vaga de conteúdos e omissa na definição dos elementos que seriam essenciais para proferir uma decisão com acerto sobre aquisição de direitos sobre imoveis por usucapião.

2. Não se vê uma efetiva e clara definição sobre o início da posse, nem a necessária distinção entre a mera detenção e a posse efetiva.

3. Quando se procura uma pronuncia sobre o inicio da posse, parece resultar que os AA a iniciaram no dia do seu casamento; porém,

4. Seguindo o percurso da matéria de facto que terá motivado a decisão de decretar a aquisição por usucapião, constata-se que o A. marido nasceu na casa que é o objeto principal da ação, casou em 1991 e aí sempre viveu e até procriou porque aí nasceu e sempre viveu também o seu filho e a esposa após o casamento.

5. Dai, partiu-se para a decisão: decidiu-se que foram cumpridos os factos previstos no artigo 1287º do ccvil !

6. Este será o iter, o básico raciocínio seguido na sentença, tão parca na sua fundamentação, e verdadeiramente omissa na clarificação de elementos tão essenciais como a definição do inicio da posse, a perda dela pelos alegados antepossuidores, a definição do titulo de aquisição, a definição fatual e temporal da transformação da mera detenção em posse etc.

7. É que não basta afirmar, como se faz na sentença que os AA tem o corpus e o animus possidendi. É preciso também que a sentença, para cumprir os requisitos previstos no artigo 607º do Cpc descreva com objetividade o processo motivacional que permita ao leitor, aos destinatários, e à comunidade em geral perceber a relação entre os factos provados e as conclusões e nessa parte a douta sentença é absolutamente omissa.

8. Trata-se, neste particular, de uma omissão - deficiente ou mesmo total ausência de motivação - que acaba por redundar em total incongruência quando se observam factos insólitos como aqueles que constam das seguintes alíneas da sentença - factos provados:

a) Os seus progenitores, alegados antepossuidores sempre mantiveram residência na casa, no rés do chão e procederam à limpeza e cultivo dos prédios rústicos – pontos 7, 15, 20.

b) Poderá supor-se que teria sido por doação verbal dos pais por ocasião do casamento do A que se verificou a atribuição da posse, mas no facto 31 consta que nunca se falou em doação.

c) Ficaria por esclarecer a perda da posse pelos possuidores seus pais, passe a redundância, mas a verdade é que eles sempre mantiveram a posse da parte da casa correspondente ao rés do chão e dos terrenos.

d) Não havendo perda da posse pelos antepossuidores pergunta-se como adquiriram os AA uma posse sobre as mesmas coisas que é incompatível com aquela ....

e) Considerou ainda a sentença que os AA mantiveram uma “posse discreta”, entenda-se, dizemos nós, “de levezinho”, para não ferir suscetibilidades, não fossem os pais levar a mal , cfr passo da sentença “... inclusive, percecionou o Tribunal que os autores, não obstante tais efetivas condutas, sempre mantiveram uma certa discrição, em boa parte fruto do genuíno e coeso respeito que mantiveram sempre pelos seus, respetivamente, pais e sogros - GG e HH “

9. Incongruência também, ou hiato, quando se considerou não provado:

“b) Que os autores tivessem recebido amigos e familiares na habitação acima identificada nos factos provados.”

“g) Que, em vida de HH, o autor jamais se tivesse referido aos prédios acima indicados tivessem como objeto de doação.”

10. Entendem os apelantes que a posse, para valer, não se compadece com tibiezas, tem de ser ostensiva, diga-se, “doa a quem doer”. Tem de ser uma afirmação firme e sem ambiguidades com uma mensagem forte para o exterior e em especial para os destinatários que possam ser titulares de direitos incompatíveis, no caso, os pais do autor, de se estar a agir como dono.

11. Tal afirmação (firme e sem ambiguidades) foi negada pelo A., Volta 28:10 do seu depoimento:  ...: a instâncias do advogado dos RR. disse o autor:

Adv RR: O senhor disse há pouco que o senhor é que tratava das casas; e os seus pais enquanto vivos? R: Enquanto vivos, também; também tratava das arvores, cuidava... era ele que colhia as azeitonas.

Volta 29:40: ele (pai) é que construiu a casa e viveu la sempre Volta 30:10: a minha irmã ia lá todos os dias tratar da limpeza.

Volta 35,05:

Adv RR: o senhor nunca disse eu estou aqui porque isto é meu?

R: Não; não antes nem depois da morte dos pais.

O meu pai disse: isto será teu

37;15: Nunca se falou em fazer uma doação

12. E também está infirmada no facto 31: nunca se falou em doação.

13. Restaria então uma posse de muito má fé em vida dos pais, uma posse verdadeiramente originaria, radicada numa eventual ocupação, sem qualquer titulo e exercida “à má fila” que teria de se manter pelo período de 20 anos desde o seu inicio que não se sabe quando foi, mas por facilidade de raciocínio se pode reportar ao dia do casamento 18 de agosto de 1991.

14. Se fosse possível percorrer este caminho, e não se vê como, cair-se-ia noutro obstáculo intransponível, por se configurar mais uma incongruência a sugerir a nulidade da sentença com fundamento na al c) do artigo 615º do Cpc.

15. Porque não se vê conciliação possível entre o facto 23 (nunca houve oposição em vida do pai) e o facto de ele ter ido ao serviço de finanças em 28 de setembro 2007 e na qualidade de cabeça de casal da herança ter incluído como àquela pertencente os imoveis que são reclamados na presente ação.

16. Este facto aconteceu em 28 de setembro 2007, 16 anos apos o casamento dos AA.

17. E porque haveria o pai do A GG de ter contratado o fornecimento de água em 2014– Facto 15?

18. Também não se vê qualquer concerto - falando agora da sentenciada inercia dos RR na oposição à alegada posse dos AA antes de 2018 - entre o facto 23 e o que se refere no antecedente ponto 6 parte C1 desta exposição: Em 9 de março de 2016 o mesmo EE na qualidade de cabeça de casal da herança de seu pai fez o mesmo que este fez quando morreu a sua esposa e mãe: relacionou os imóveis como pertencentes a herança.

19 E já depois de 2017: o demandado EE interpelou o A por não pagar renda, em 2018, passados dois anos sobre a morte do pai GG (Factos 27 e 28).

20. Também afirmou o A. que há alguns anos a R sua irmã se rebelou contra o corte que ele fez de umas arvores e contratou um advogado que o interpelou. (cfr depoimento do A. Volta 21:15:

“Da ultima vez que eu limpei (a outra propriedade) a minha irmã foi ter com um advogado para me mandar uma carta, a dizer porque é que eu fui... cortei as arvores mal, com que autorização é que eu fui fazer limpeza; isto já foi há 7, 8 9 anos”.

21. Em síntese, e com assinalável respeito, resulta que a alias douta sentença encerra uma trapalhada de factos a redundar numa profunda confusão na aplicação do direito e que não podia ser de outra maneira face às inúmeras contradições que a fixação da matéria de facto comporta.

22. Para consertar o trabalho realizado na primeira instancia impõe-se considerar:

a) A retificação do facto 7 (contra o qual militam os meios de prova já referidos na antecedente parte B) no sentido de passar a constar que por ocasião do casamento dos AA., os pais GG e mulher HH autorizaram-nos a ir viver para a casa, no primeiro andar e usarem os prédios rústicos.

b) A anulação do facto 5: o referido “domínio total” encontra-se contrariada pelos factos 7 (2ª parte), 20, 30 e depoimento do A.

c) A anulação do facto 11 que se encontra contrariado pelo próprio A. quando disse que nunca se afirmou dono: Volta 35,05.

d) A anulação do Facto 8: Quem construiu a garagem foram os pais dos AA. que não a doaram, nem transmitiriam por qualquer titulo a favor deles.

e) O facto 19 deve ser interpretado no contexto do facto 20.

f) Devem ser anulados os factos 23, 24 e 26, na medida em que houve oposição manifestada quer em vida dos pais quer logo após o decesso do ultimo.

g) Existem dois prédios com registo de aquisição a favor dos progenitores do A marido o que lhes confere a presunção da titularidade do direito.

h) Devem dar-se como provados, por documentos juntos aos autos:

h.1) Os factos referidos supra em C1 nº 5. (imposto de selo por óbito por óbito da mãe) e nº 6 (imposto de selo por óbito por óbito do pai).

g.2) Os antepossuidores pagaram também muitas das despesas documentadas na pi.

23. Salvo melhor opinião, as deficiências anotadas apontam para uma nulidade da sentença por:

a) Falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão: indefinição na data de inicio da posse; sobre a perda da posse pelos antepossuidores; falta de caracterização da posse.

b) Oposição entre os fundamentos e a decisão: afirma-se a posse dos AA sobre as coisas, nomeadamente no uso e fruição da casa pela família dos AA ao mesmo tempo que se comprova o uso e fruição da mesma casa pela família dos seus progenitores.

c) Ambiguidades e obscuridades que tornam a decisão ininteligível: afirma-se que não houve oposição à posse exercida pelos AA ao mesmo tempo que se comprova que, quer os falecidos antepossuidores quer os seus herdeiros RR. incluíram os imóveis reivindicados na herança quando foi participado o óbito deles no serviço de Finanças. Também se comprova que um dos RR enviou uma carta aos AA através de uma advogada a reclamar a posse deles. E que logo apos a morte dos pais houve reuniões onde os RR reclamaram a posse dos imóveis pela herança.

d) Não foi emitida pronuncia sobre questões que deviam ser apreciadas: A caraterização da posse e sua distinção da mera detenção; a perda da posse pelos alegados antepossuidores, etc

24. Legislação violada:

Os artigos do código civil:

- 1251º: falta de atuação por forma correspondente ao direito de propriedade;

- 1253º al. b): mera tolerância

- 1255º: Por morte dos possuidores a posse continuou nos seus sucessores;

- 1260: a eventual posse dos AA não era titulada e, sendo exercida de forma “discreta” não podiam ignorar que lesavam os interesses dos RR.

- 1287º do Cod Civil: A usucapião não opera entre herdeiros sobre bens da herança nem enquanto não se verificar um ato explicito de posse com corpus e animus;

-1290: Não se verifica qualquer ato demonstrativo de inversão do titulo de posse;

-1296º: A posse não titulada presume-se de má fé operando a usucapião só ao cabo de 20 anos.

Os artigos do CPC:

- 615ª nº 1 als. a), b) e c): falta de fundamentação de facto e de direito, obscuridade e contradições flagrantes.

- 607º nºos 3 e 4: manifesta insuficiência dos factos provados e de analise critica das provas.

Os artigos do Cod Notariado (aplicáveis por analogia):

- 89º e 90º: Omissão da causa de aquisição e das razões que impossibilitam de a comprovar pelos meios normais;

Omissão das circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião.

25. Face à matéria de facto restante outra sorte não pode ter a ação que não seja a sua total improcedência, por violação dos comandos citados, devendo em consequência julgar-se procedente o presente recurso revogando-se a sentença que deve ser substituída por outra decisão que julgue a ação totalmente improcedente.

Justiça

                                                                       ***

            1.4. – Feitas as notificações a que alude o art-º 221.º, do C.P.C. responderam os AA. -  AA e BB -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            1. A douta e irrepreensível sentença proferida pelo Juízo Central Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., a 18-04-2023, não merece qualquer reparou ou censura, tendo o tribunal a quo feito uma correta aplicação do direito à factologia assente.

2. Para efeitos das presentes conclusões e respetiva concretização, dão-se por reproduzidos todos os depoimentos supracitados.

3. Os Autores, ora Recorridos, demonstraram perante o tribunal serem possuidores dos imóveis sub judice desde 18-8-1991, contendo a sentença em apreço todos os elementos necessários à caracterização da referida posse para efeitos de se dar como verificada a aquisição por usucapião.

4. Em concreto, resultou provado que a posse se iniciou a 18-8-1991, data do casamento dos Autores, a partir da qual os mesmos passaram a ter domínio sobre os prédios, conforme resulta dos factos provados n.º 4, 5 e 7.

5. Resultou igualmente provada a origem da posse dos Autores: ato de cedência por parte dos progenitores do Autor, por ocasião do dito casamento daqueles.

6. Quanto à descrita “garagem”, constatou-se que a mesma apenas chegou à posse dos Autores na data da sua construção, em 1995, conforme resultou também provado – vejam-se os factos provados n.º 8 e 9.

7. O Tribunal deu ainda como provado – e bem! – que desde a data indicada supra os Autores residem e dão uso aos prédios na convicção de serem donos dos mesmos, o que fizeram de forma ininterrupta durante pelo menos vinte e seis anos – vejam-se os factos provados n.ºs 10 e seguintes.

8. Mais, a sentença é clara e perentória ao distinguir a posse dos Autores daquilo que seria uma “mera detenção”, descrevendo cabalmente todas as características da posse dadas como provadas, tais como:

Factos 8 e 9 – Utilização da garagem para guardar os carros dos Autores, além de ferramentas e outros utensílios propriedade destes;

Factos 5, 10, 11, 12 – Residência e uso dos imóveis desde a data do casamento dos Autores, extensível ao filho dos mesmos, nascido a 1992;

Factos 13, 14, 15 – Assunção, pelos Autores, de todos os encargos relacionados com a contratualização e suporte das despesas pelos serviços de eletricidade, telecomunicações e água;

Factos 16, 17 e 18 – Realização, pelos Autores e a seu cargo, de obras de manutenção de imóvel, assim como à reparação do seu exterior e interior, desde 1991 até, pelo menos, 2015;

Facto 19 – Manutenção e limpeza dos terrenos dos prédios rústicos, realizada pelos Autores; Facto 21 – Instalação da sede social da sociedade constituída pelos Autores no imóvel;

Facto 22 – Pagamento dos impostos respeitantes aos imóveis em apreço.

9. Pelo que, não merece a sentença qualquer reparo na caracterização que faz da posse dos Autores, sendo nesse ponto bastante exaustiva e permitindo ao leitor compreender a data do seu início e a prática de todos os atos que revelam a convicção dos Autores em como atuavam como proprietários.

10. Da mesma maneira, é de concluir que o tribunal a quo procedeu a uma irrepreensível valoração da prova produzida, não podendo desta extraírem-se outras conclusões se não aquelas que, efetivamente, foram extraídas pelo respetivo julgador.

11. Assim, deve considerar-se corretamente valorado como provado o facto 7, já que quer o depoimento do Autor, quer toda a prova documental junta, não deixam quaisquer dúvidas relativamente à cedência, total e definitiva, dos prédios para o domínio dos Autores.

12. Isto, diga-se, sem prejuízo da expressão alegadamente dirigida ao Autor pelo seu pai, com o teor “isto será teu”, pois resulta evidente do depoimento lido na sua íntegra que tal expressão apenas se referia à realização do negócio formal de transferência da propriedade para o Autor, não tendo quaisquer implicações ao nível da posse, já cedida a 18-8-1991.

13. Ou seja, e reitera-se – com tais expressões o pai do Autor apenas queria assegurá-lo e prestar-lhe a sua garantia de que a transferência da propriedade seria “oficializada” por escritura, sem prejuízo de, na prática, tudo se passar como se os Autores fossem já os efetivos proprietários.

14. Igualmente, atuou bem o julgador ao não imputar às expressões proferidas pelo Autor “Não, eu nunca, nunca falei…”, referentes à doação, o significado pretendido pelos Recorrentes, pois que tais expressões apenas revelavam o profundo respeito e consideração que o Autor tinha pelos seus progenitores.

15. Veja-se: ao reconhecer que não havia falado da doação aos seus pais, o Autor apenas quis esclarecer que, por ocasião do estado de saúde mais débil dos mesmos, evitou preocupá-los com um assunto que considerava de menor importância.

16. E diz-se de menor importância pois, efetivamente, a cedência da posse já se havia concretizado, sendo que o Autor não se via de modo algum impedido de praticar todos os atos normalmente praticados pelos proprietários, exercendo a sua posse de forma plena e sem qualquer oposição.

17. Foi também corretamente valorado o facto 5, dado como provado, o qual não é de forma alguma incompatível com a circunstância de os pais do Autor permanecerem a residir no imóvel após 18-8-1991, ou de continuarem a praticar atos esporádicos de limpeza/manutenção dos terrenos.

18. Como se compreende, a presença dos progenitores nunca impediu os Autores de praticarem todos os atos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, logo desde 1991, inclusive: a realização de obras, limpeza e manutenção do imóvel e terrenos contíguos, contratualização de serviços, etc.

19. Tem-se também por irrelevante, para o mesmo efeito de anulação do facto 5, o disposto no facto 30 dado como provado, já que neste apenas pode ler-se que “Perante a Autoridade Tributária e Aduaneira os prédios acima identificados constam como activos da/s herança/s dos pais do autor”.

20. Evidentemente que, inexistindo um qualquer negócio formal através do qual os pais do Autor tenham transferido para os Autores a propriedade dos imóveis em discussão, então, necessariamente, tais imóveis teriam de constar como ativos da herança dos pais daquele.

21. Devem improceder as alegações dos Recorrentes com vista à anulação do facto 11, dado como provado, sendo que para a sua valoração como provado concorrem quer o depoimento esclarecedor prestado pelo Autor, quer a prova documental devidamente junta aos autos.

22. Salvo o devido respeito por opinião diversa, a circunstância de o Autor nunca ter proferido a expressão “eu estou aqui porque isto é meu” – ou outra expressão a essa análoga – não contraria o facto de ambos os Autores se terem comportado, durante pelo menos vinte e seis anos, como efetivos proprietários dos imóveis.

23. Face às circunstâncias descritas, o Autor não tinha quaisquer razões para se anunciar proprietário dos imóveis, seja perante os seus pais – cuja vontade foi, precisamente, de ceder os imóveis–, seja perante os demais irmãos – os quais, pelo menos até 2018, não manifestaram qualquer oposição à posse exercida pelos Autores.

24. De todo o modo, resulta patente que os Autores se têm afirmado e atuado como donos dos imóveis desde a data do seu casamento, inexistindo razões que justificassem qualquer verbalização adicional de uma realidade que, para os próprios, era evidente.

25. O facto 8, corretamente dado como provado, não padece de qualquer vício, já que dele apenas resulta que a garagem foi construída no ano de 1995, ano a partir do qual passou a integrar o domínio dos Autores.

26. Sendo que os Autores fazem uso da dita garagem para guardar os seus veículos pessoais e profissionais desde então.

27. De forma igualmente certeira foram dados como provados os factos 23, 24 e 26, pois que toda a prova produzida permitiu alcançar no julgador a convicção de que a posse dos Autores foi exercida sem a oposição de quaisquer interessados, seja dos progenitores do Autor ou dos demais herdeiros.

28. O próprio Autor esclareceu, no seu depoimento, que foi ele mesmo a tomar a iniciativa de procurar, junto dos seus irmãos (entre os quais a irmã, ora Recorrente), a formalização da transferência da propriedade dos imóveis para seu nome.

29. Até lá – leia-se, até 2018 – os mesmos irmãos nunca praticaram qualquer ato de oposição ao exercício da posse por parte dos Autores, independentemente daquela que fosse a sua convicção interna.

30. Uma vez mais, cumpre relembrar que, tal como resulta da douta sentença, a convicção do julgador não se formou única e exclusivamente pelo depoimento do Autor, tendo-se ainda atendido à prova documental junta, a qual revela com clareza o assentimento implícito dos demais irmãos ao exercício da posse por parte dos Autores, na medida em que se provou terem sido estes últimos os responsáveis pela contratualização de serviços e pagamento de despesas que, por regra, correm por conta daqueles que são proprietários.

31. Ao contrário do que pretendem fazer crer os Recorrentes, o facto constante do ponto C1, n.º 5 das respetivas alegações de recurso foi devidamente valorado pelo julgador do tribunal a quo, que considerou dar como provado o facto 30, segundo o qual “Perante a Autoridade Tributária e Aduaneira os prédios acima identificados constam como activos da/s herança/s dos pais do autor.”.

32. Relativamente às despesas suportadas pelos Autores e alegadas na p.i., os Réus, aqui Recorrentes, nada disseram, não se pronunciando em momento oportuno relativamente às despesas que, em tese, teriam sido por si parcialmente suportadas.

33. Não é verdade que a sentença sofra de alguma “indefinição” no que respeita à data de início da posse, já que até uma leitura perfuntória daquela permite alcançar a conclusão de que a posse dos Autores se iniciou na data do seu casamento, a 18-8-1991, data em que essa posse lhes foi cedida pelos anteriores possuidores.

34. Igualmente, é a sentença clara no que concerne à perda da posse dos antepossuidores, que ocorreu precisamente na mesma data em que a cederam, deixando, a partir daí, de se comportar como possuidores – afirmação que se afigura como mero truísmo, dando-se aqui por reproduzido tudo o já exposto a propósito da posse exercida pelos Autores.

35. A sentença é ainda bastante exaustiva na caraterização da posse, conforme já explicitado supra.

36. Não pode reconhecer-se na sentença a existência de uma oposição entre fundamentos e decisão, já que é perfeitamente conciliável reconhecer, simultaneamente, que enquanto os Autores exerciam a sua posse efetiva sobre o imóvel, os seus progenitores continuaram nele a habitar e a fazer uso do mesmo.

37. Pois que, enquanto os primeiros exerciam posse, os segundos atuavam como meros detentores.

38. A decisão não padece de quaisquer ambiguidades ou obscuridades que a tornem ininteligível, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, tendo daquela resultado explicitamente que, à data da participação dos óbitos dos pais do Autor nas finanças, não se tinha ainda celebrado nenhum negócio formal com vista à transferência da propriedade para os Autores.

39. Por esta razão, a participação do óbito não podia ser feita sem incluir no acervo dos respetivos bens os prédios em discussão nos autos.

40. Em suma, tal ato nunca podia qualificar-se como oposição ao exercício da posse pelos Autores, seja pelo pai do Autor, seja pelos demais herdeiros, não se vislumbrando, por isso, quaisquer obscuridades ou ambiguidades imputáveis à sentença no que a este assunto diz respeito.

41. Deve ainda entender-se que o julgador se pronunciou cabalmente sobre todas as questões que exigiam a sua pronúncia, nomeadamente sobre a caracterização da posse, a sua distinção da mera detenção e a perda da posse pelos antepossuidores – veja-se o já exposto supra a esse propósito.

42. A sentença em recurso cumpre integralmente toda a legislação substantiva e processual aplicável, não se encontrando violados quaisquer dos normativos invocados pelos Recorrentes.

43. Por tudo o exposto – leia-se, suficiência da factualidade dada como provada, irrepreensível valorização da prova produzida, inexistência de vícios que enfermem a sentença e cumprimento de toda a legislação em vigor – carecem de todo e qualquer fundamento as alegações dos Recorrentes.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.

Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA!”

                                                                       ***

            1.5. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

            “  Por tempestivamente interposto por quem para tal tem legitimidade, sendo a decisão recorrível, admito o recurso interposto pelos Réus por req. ref. nº 9764997 (fls. 176 e ss. do processo físico), que sobe imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo da decisão recorrida (cfr. arts. 629º, 631º, 638º, nº 1 e 644º, n.º 1, al. a), 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 3, al. b), todos do CPC).

*

Compulsados os autos, constata-se que nas alegações de recurso os recorrentes invocam que na decisão proferida foi violado o disposto no artigo 615º, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil (“É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne e a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”).

A violação da invocada disposição legal constitui nulidade, parcial ou total, da sobredita decisão.

Por razões de economia processual, desde a revisão de 1995/96, a arguição da nulidade em recurso não impede o juiz de findos os prazos para as alegações das partes, a conhecer antes da subida do processo ao tribunal superior e, em caso de procedência, completar ou alterar a sentença em conformidade (cf. art. 617º, nº 2 do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, não se vislumbra a ocorrência do alegado vício. Com efeito, o que resulta da posição da recorrente, firmada nas alegações de recurso, é um desacordo quanto à valoração da prova produzida e, consequentemente, à solução jurídica dada ao caso.

Ora, segundo se crê, tal divergência não cabe no invocado vício.

Da mesma forma, não se vê que exista qualquer outro suscetível de ser reparado nesta fase processual, na certeza, porém, de que V. Exas., com mais saber e experiência, melhor saberão aplicar a lei e fazer justiça.
*

 Notifique.

Oportunamente subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra”

                                                                       ***

            1.6.- Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                                       ***

2. Fundamentação.

De facto.

Com relevância para a presente Decisão, resultam provados os seguintes factos:

1. Os prédios acima identificados no intróito correspondem a uma habitação de rés-do-chão e primeiro andar e terraço, garagem, terras de cultivo e um quintal, nas traseiras da casa de habitação, respectivamente (aqui se dá por integralmente reproduzido o teor das cópias das certidões matriciais e certidões prediais juntas como documentos n.ºs 1 a 5 da petição inicial - PI).

2. No ano de 2013, o Município ... procedeu a uma alteração toponímica, sendo que a Rua ... passou a designar-se por Rua .... A habitação em causa deixou de ostentar o n.º 19 e foi renumerada com o n.º 31 (documento n.º 179 a 181 juntos com a PI).

3. Desde criança que o autor reside na aludida habitação.

4. Os autores casaram no dia 18-8-1991 (aqui se considera integralmente reproduzido o teor da cópia da certidão do respectivo assento de casamento junta como documento n.º 6 da PI).

5. Tais prédios integram o total domínio dos autores desde o dia 18-8-1991.

6. Os pais do autor foram GG e D.ª HH, conforme consta mencionado na certidão do assento de casamento junta como documento n.º 6 da PI.

7. Na data do referido casamento, GG e HH cederam em definitivo aos autores tais prédios; embora os mesmos tivessem mantido residência no rés-do-chão da referida habitação.

8. No que respeita à garagem tal domínio dos autores adveio no ano de 1995, ou seja desde o ano da sua construção.

9. Na aludida garagem a autora guarda o seu carro (matrícula ..-..-NZ), sendo que o autor na mesma garagem guarda o respectivo táxi (matrícula ..-..-TU), com o qual exerce a sua profissão de taxista; para além de ferramentas e de outros utensílios (cfr. fotografias juntas à PI como documentos n.ºs 159 a 164, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

10. O filho dos autores nasceu no ano de 1992; sendo que desde tal data reside na acima identificada habitação, bem como ajuda os seus pais nos cuidados de manutenção dos prédios rústicos.

11. Os autores residem e dão uso aos aludidos prédios na convicção de serem os donos dos mesmos, sempre de forma ininterrupta.

12. Desde o mês de Agosto de 1991 que os autores dormem na referida habitação, na mesma preparam refeições diárias, tendo-a mobilado com mobílias suas.

13. Em nome do autor constam celebrados os contratos de fornecimento de electricidade (desde o ano de 2018). Dá-se aqui por integralmente reproduzido as cópias de facturas emitidas pela EDP, Sa., as quais constam juntas à PI como documentos n.ºs 35 a 61.

14. Em nome do autor constam celebrados contratos de comunicações telefónicas, bem como telemóveis e serviços do âmbito multimédia (desde Maio de 1993). Dá-se aqui por integralmente reproduzido as cópias de facturas emitidas pela Portugal Telecom, Sa., pela Meo, Sa., pela Altice, Sa., as quais constam juntas à PI como documentos n.ºs 62 a 76.

15. Em nome de GG – pai do autor – consta o contrato de fornecimento de água (desde o ano de 2014 e até 2020). Dá-se aqui por integralmente reproduzido as cópias de facturas respeitantes a consumos de água juntas à PI como documentos n.ºs 7 a 24.

16. Os autores procederam, no período compreendido entre 1991 e 2015, à manutenção do imóvel, à reparação de interiores e exteriores, tudo conforme consta das facturas juntas com a PI como documentos n.ºs 97 a 158, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

17. Os valores resultantes do acima exposto nos pontos 13 a 16 foram suportados pelos autores.

18. Em 1991, os preparativos para o casamento dos autores integraram obras na aludida habitação, cujos materiais foram escolhidos pelos pais da autora, pelos pais do autor e pelos próprios autores. Com a ajuda do pai da autora, os autores procederam ao pagamento de tais obras; sendo que o pai da autora executou algumas de tais obras.

19. Os autores procederam ao longo dos anos à limpeza dos terrenos, situados também nas traseiras da casa de habitação; sendo que fotografias de tais terrenos constam juntas com a PI e estão identificadas como documentos n.ºs 77 a 84.

20. Enquanto vivos e enquanto a saúde permitiu, GG e HH também procederam à limpeza e ao cultivo dos prédios rústicos.

21. A habitação acima referida consta configura a sede social da AA, Lda., ou seja a sociedade constituída a 19-4-2001 pelos autores, na qual o autor assume a qualidade de sócio e gerente, sendo a autora sócia (contrato de sociedade junto à PI como documento n.º 177, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

22. São os autores que pagam os impostos respeitantes aos imóveis em apreço. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da documentação junta como documentos n.ºs 165 a 176 da PI.

23. As condutas acima elencadas foram empreendidas, ao longo de décadas, à vista de todos e sem qualquer oposição.

24. Os autores agiram na convicção de serem os donos de tais prédios.

25. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da Escritura Pública de Habilitação de Herdeiros outorgada a 16-5-2016, relativa ao óbito a 06-3-2016 de GG, no estado de viúvo de HH (documento n.º 182 junto com a PI). Assim, são herdeiros o autor e os seus irmãos EE e CC – ora réus -.

26. Até ao ano de 2018 o acima referido no ponto 23 também se aplicava aos réus CC, ao seu marido DD, EE e à Sra. sua mulher FF.

27. Com efeito, no ano de 2018, embora em data não concretamente apurada, acorreu uma reunião, na qual o autor falou com os seus irmãos EE e CC acerca da passagem para a sua titularidade dos prédios acima identificados.

28. Na dita reunião, EE disse ao autor, nomeadamente, que o mesmo na dita habitação residia há tanto tempo e sem pagar renda; pelo que não houve entendimento entre o autor e os seus irmãos.

29. O autor foi notificado de uma penhora do quinhão hereditário relativamente a uma dívida de um dos seus irmãos.

30. Perante a Autoridade Tributária e Aduaneira os prédios acima identificados constam como activos da/s herança/s dos pais do autor.

31. Em vida de GG, o autor jamais se referiu como os prédios acima indicados tivessem sido objecto de doação.

*

Aspectos não provados.

Com relevância para a boa Decisão da causa, e sem prejuízo da factualidade acima dada como provada, resultam como não provados quaisquer outros aspectos alegados nos articulados/requerimentos e acima não indicados, nomeadamente:

a) Que GG e D.ª HH tivessem mantido o domínio dos prédios acima identificados nos factos provados desde o ano de 1960.

b) Que os autores tivessem recebido amigos e familiares na habitação acima identificada nos factos provados.

c) Que os autores apenas tenham recebido de GG e HH uma mera autorização para habitarem parte do prédio urbano acima referido, na sequência do casamento de ambos, e para zelarem pelos prédios rústicos também acima identificados.

d) Que GG e HH tivessem condicionado a estada e acção dos autores nos acima aludidos prédios como sendo seus e, mais tarde, que os mesmos integrassem os respectivos acervos hereditários.

e) Que os autores se venham furtando à partilha dos prédios acima identificados.

f) Que GG e HH tivessem procedido ao pagamento das despesas e encargos acima referidos nos factos provados.

g) Que, em vida de HH, o autor jamais se tivesse referido aos prédios acima indicados tivessem como objecto doação.

                                                           ***

      3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir consistem em saber:

            As questões a decidir são:

            A)- Saber se a decisão é nula por violação das alíneas b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

            B) – Saber se a matéria de facto deve ser alterada.

C) – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, onde se decida julgar improcedente a pretensão dos AA., e por consequência julgar a ação totalmente improcedente.

            Assim,

            A)- Saber se a decisão é nula por violação das alíneas b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

            Antes demais, cabe referir que por erro manifesto de escrita, os  recorrentes, aludem à alínea a), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.,  quando queria escrever alínea b), como resulta claramente da leitura das conclusões no seu conjunto.

Sobre esta matéria o Tribunal “a quo” tomou posição, nos termos do n.º 1, do art.º 617.º do C.P.C., onde refere que não se verificarem as nulidades invocadas, sendo que o que resulta da posição da recorrente, firmada nas alegações de recurso, é um desacordo quanto à valoração da prova produzida e, consequentemente, à solução jurídica dada ao caso.

Dito isto, vejamos o que refere os recorrentes.

                                                           *

No que concerne à alínea b).

Referem há falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, desde logo, face à indefinição na data de inicio da posse, sobre a perda da posse pelos antepossuidores e falta de caracterização da posse, sendo que a para a fundamentação é necessário descrever com objetividade o processo motivacional que permita ao leitor, aos destinatários, e à comunidade em geral perceber a relação entre os factos provados e as conclusões o que a sentença não faz, pelo que violou assim, também o art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do C.P.C..

Opinião oposta têm os recorridos.

No que concerne à Alínea c).

Referem os recorrentes que existe contradição entre os fundamentos e a decisão, pois afirma-se a posse dos AA sobre as coisas, nomeadamente no uso e fruição da casa pela família dos AA ao mesmo tempo que se comprova o uso e fruição da mesma casa pela família dos seus progenitores.

Pois, referem os recorrentes que na sentença se refere que os seus progenitores, alegados antepossuidores sempre mantiveram residência na casa, no rés do chão e procederam à limpeza e cultivo dos prédios rústicos, poderia supor-se, referem os recorrentes, que teria sido por doação verbal dos pais por ocasião do casamento do A que se verificou a atribuição da posse, mas no facto 31 consta que nunca se falou em doação, assim, segundo eles, ficaria por esclarecer a perda da posse pelos possuidores seus pais, passe a redundância, mas a verdade é que eles sempre mantiveram a posse da parte da casa correspondente ao rés do chão e dos terrenos, não havendo perda da posse pelos antepossuidores pergunta-se como adquiriram os AA uma posse sobre as mesmas coisas que é incompatível com aquela ....

Existe, também incongruência, ou hiato, quando se considerou não provado, que os autores tivessem recebido amigos e familiares na habitação acima identificada nos factos provados, que, em vida de HH, o autor jamais se tivesse referido aos prédios acima indicados tivessem como objeto de doação.”

Mais referem não haver conciliação possível entre o facto 23 (nunca houve oposição em vida do pai) e o facto de ele ter ido ao serviço de finanças em 28 de setembro 2007 e na qualidade de cabeça de casal da herança ter incluído como àquela pertencente os imoveis que são reclamados na presente ação, facto que aconteceu em 28 de setembro 2007, 16 anos apos o casamento dos AA.

Havendo ambiguidades e obscuridades que tornam a decisão ininteligível, desde logo, afirma-se que não houve oposição à posse exercida pelos AA ao mesmo tempo que se comprova que, quer os falecidos antepossuidores quer os seus herdeiros RR. incluíram os imóveis reivindicados na herança quando foi participado o óbito deles no serviço de Finanças.

Opinião oposta têm os recorridos.

No que concerne à alínea d).

Referem os recorrentes que não foi foi emitida pronuncia sobre questões que deviam ser apreciadas: A caraterização da posse e sua distinção da mera detenção; a perda da posse pelos alegados antepossuidores, etc

Opinião oposta têm os recorridos.

            Aqui chegados cabe apreciar a questão.       

                                                           *

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.

As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (cfr. . Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)

Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).

As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (cfr. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI).

Analisemos os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:
1. O vício consagrado na al. a) reporta-se à falta de assinatura do juiz.

Que no caso em apreço não é posto em causa.

2. Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito.

Nulidade invocada pelos recorrentes.

A nulidade em causa verificar-se-á quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, encontrando-se a sua previsão em consonância com o disposto no art.º 205º, n.º 1, da Constituição que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei.

A fundamentação da decisão é indispensável, nomeadamente, em caso de recurso para se saber em que se fundou.

A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do art.º 607º, n.º 3º do C. P. C. que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art.º citado.

A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

A decisão relativa à matéria de facto não está abrangida pela nulidade invocada, pois a “decisão” cuja falta de fundamentação é tida em vista é a “decisão final” a que se refere a parte final do n.º 3 do art.º 607.º do CPC, ou a decisão contida na parte dispositiva da sentença, a que se refere o n.º 2 do art.º 635.º do CPC.

Fora do alcance da norma está a decisão relativa à matéria de facto, prevista no n.º 4 do art.º 607.º do CPC. Os vícios de tal decisão, quando consistirem na falta de fundamentação ou na fundamentação indevida (de que é exemplo a falta de exame crítico das provas, prescrito pelo n.º 4 do art.º 607.º do CPC), estão previstos na alínea d), do n.º 2 do art.º 662.º do CPC.

O remédio processual que a lei prescreve para tais vícios é o seguinte: se a falta de fundamentação ou fundamentação indevida disser respeito a algum facto essencial para o julgamento da causa, a Relação pode determinar, oficiosamente ou mediante requerimento da parte, a fundamentação da decisão, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. (cfr. Acórdão deste Tribunal de 9.5.2017 relatado por Emídio Santos e acessível em www.dgsi.pt . e Ac. do mesmo Tribunal Proc. n.º 898/22.1T8CTB-A.C1, relatado por Sílvia Pires, onde fomos primeiro adjunto).

Operando à leitura da sentença não vislumbramos a falta de fundamentação da sentença.

Na verdade, operando à sua leitura verificamos que a mesma refere a razão, em que em seu entender se verificou a posse, quando se iniciou, bem como refere a conclusão a que chegou.

Assim, nesta vertente improcede a sua pretensão.

Aliás, os recorrentes sobre esta matéria mais não fazem do que divergir da analise da prova feita pelo Tribunal “ a quo”.

            Quanto à fundamentação da matéria de facto dispõe o art.º 607º, n.º 4, do C. P. Civil que o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

Deve o juiz explicar, de forma compreensível, as razões pelas quais considerou provados determinados factos e não provados outros, sem que haja uma obrigatoriedade de redigir uma apreciação individualizada de cada facto e de cada meio de prova produzido.

            Lendo a fundamentação da decisão da matéria de facto, constante da sentença recorrida, não vislumbramos que a mesma não se encontre fundamenta, pois refere de forma muito clara onde assentou para dar provada e não provada a matéria de facto como a deu, ou seja, refere a razão que levou o tribunal a ficar convencido de tal matéria.

            Podem os recorrentes discordar, como aliás fazem, da matéria fixada pelo Tribunal “a quo”, não podem é quanto a nós invocar falta de fundamentação.

            Pelo exposto esta pretensão dos recorrentes improcede.

3. Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

 Questão invocada pelo recorrente.

Sobre esta temática cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b) (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737).
A obscuridade verifica-se «quando a sentença ou parte dela, é ininteligível» e a ambiguidade, quando «a sentença ou parte dela se apresenta total ou parcialmente, com um sentido duplo» (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, anotado, II, pg. 672).
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo» (cfr. Acórdão do S,T,J, de 28.03.2000 in (Sumários, 59.º).
A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão.
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (cfr. A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615, ainda nas palavras do citado autor, ainda que aludindo ao ar.º 668,do C.P.C.
revogado, cujo significado é o mesmo do actual art.º 615, sublinhado é nosso, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
Temos para nós, que não se verifica a nulidade invocada, desde logo, por a sentença recorrida enunciar os factos provados e não provados, aplicar as normas jurídicas que julga adequadas á situação fáctica, decidindo em conformidade, independentemente de se saber se a decisão é ou não acertiva, (mas isso, é questão que não cabe, nesta vertente, pois não gera nulidade), e fá-lo de forma coerente pois que não se vislumbra contradição entre a fundamentação e a decisão, ou seja, não existe qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.
A sentença recorrida enuncia claramente os «fundamentos de facto provados e não provados» que servem de suporte à aplicação do direito, enuncia também os «fundamentos de direito» que justificam a decisão que acaba por ser proferida, não se verificando, quanto a nós, qualquer obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível, nem vislumbramos qualquer contradição entre a matéria de facto e a decisão proferida.
Pode não se concordar quer com os factos provados quer com a subsunção jurídica (que nos parecer ser exactamente a posição do Recorrente) mas isso nunca significa que a sentença esteja ferida de nulidade, por haver ambiguidade o por ser ininteligível.
Também operando á leitura da sentença, como já referimos, não vemos onde haja contradição invocada pelos recorrentes.
Na verdade, o que resulta das conclusões dos recorrentes, é um desacordo quanto à valoração da prova produzida e, consequentemente, à solução jurídica dada ao caso, mas tal desacordo, que os recorrentes têm, não implica a nulidade da sentença.
Assim, pelo exposto esta pretensão também não pode proceder.

4. Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia.

Nulidade também invocada pelo recorrente.

Cumpre referir, quanto à omissão de pronúncia, que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737).

Sobre esta matéria refere-se no Acórdão da Rel. de Guimarães, proc.º n.º 1799/13.0TBGMR-B, Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (cfr. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143).

Assim, já referia Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (cfr. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI.).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

Operando à leitura da decisão não vislumbramos tal nulidade.

Na verdade, a sentença recorrida, apreciou a questão que lhe foi solicitada, de forma muito clara, toma posição sobre a questão que lhe foi colocada, bem ou mal, enuncia e defende a posição de existir posse por parte dos AA,, que se manteve por período de tempo que lhes permitiu adquirir o imóvel, por usucapião, pelo que, não vislumbramos qualquer omissão ou excesso de pronuncia.

Lendo a sentença, vemos que a mesma aponta os factos que a levou a referir estar-se perante posse e que os AA. detiveram a mesma num período de tempo, que lhes permitiu, segundo a mesma, adquirirem o prédio por usucapião, fixando o inicio da posse, como a data do casamentos dos AA..

Assim, pelo exposto, também nesta vertente improcede a nulidade invocada.

5. Quanto ao vício consagrado na al. e) : condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, questão não levantada pelo recorrente.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                                       *

            B) – Saber se a matéria de facto deve ser alterada.

            Segundo os recorrentes a matéria de facto fixada em 1.ª instância, desde logo, tendo por base as declarações do A. e ao teor dos documentos juntos.

Assim, afirmam que:

a)- O ponto 7 da matéria de facto deve ser retificado, no sentido de passar a constar que por ocasião do casamento dos AA., os pais GG e mulher HH autorizaram-nos a ir viver para a casa, no primeiro andar e usarem os prédios rústicos.

Opinião oposta têm os recorridos que referem, não assistir razão aos recorrentes, pois lendo o depoimento do A. na íntegra verifica-se que a expressão “isto será teu” apenas se referia à realização do negócio formal de transferência da propriedade para o Autor, não tendo quaisquer implicações ao nível da posse, já cedida a 18-8-1991. Com tais expressões o pai do Autor apenas queria assegurá-lo e prestar-lhe a sua garantia de que a transferência da propriedade seria “oficializada” por escritura, sem prejuízo de, na prática, tudo se passar como se os Autores fossem já os efetivos proprietários. O facto do A. ter referido nunca se falar em doação, não pode significar mais do que o profundo respeito e consideração que o Autor tinha pelos seus progenitores.

b)- O ponto 5 da matéria de facto provada deve ser anulado, pois o referido “domínio total” encontra-se contrariada pelos factos 7 (2ª parte), 20, 30 e depoimento do A.

Opinião oposta têm os recorridos que afirmam, não assistir razão aos recorrentes, desde logo, por o Tribunal ter valorado o mesmo corretamente, pois não há incompatibilidade de os pais do A. permanecerem a residir no imóvel após 18-8-1991, ou de continuarem a praticar atos esporádicos de limpeza/manutenção dos terrenos, como se compreende, a presença dos progenitores nunca impediu os Autores de praticarem todos os atos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, logo desde 1991, inclusive: a realização de obras, limpeza e manutenção do imóvel e terrenos contíguos, contratualização de serviços, etc. De igual forma se tem por irrelevante o facto de se dispor no facto 30, onde se pode ler que “Perante a Autoridade Tributária e Aduaneira os prédios acima identificados constam como activos da/s herança/s dos pais do autor”. Evidentemente que, inexistindo um qualquer negócio formal através do qual os pais do Autor tenham transferido para os Autores a propriedade dos imóveis em discussão, então, necessariamente, tais imóveis teriam de constar como ativos da herança dos pais daquele.

 c) O ponto 11 deve ser anulado por ser contrariado pelo próprio A. quando disse que nunca se afirmou dono.

Opinião oposta têm os recorridos ao afirmarem que, a circunstância de o Autor nunca ter proferido a expressão “eu estou aqui porque isto é meu” – ou outra expressão a essa análoga – não contraria o facto de ambos os Autores se terem comportado, durante pelo menos vinte e seis anos, como efetivos proprietários dos imóveis.

d) O ponto 8 deve ser anulado, pois quem construiu a garagem foram os pais dos AA. que não a doaram, nem transmitiriam por qualquer titulo a favor deles.

Opinião oposta têm os recorridos que referem não terem os recorrentes razão, na medida em que, não padece de qualquer vício, já que dele apenas resulta que a garagem foi construída no ano de 1995, ano a partir do qual passou a integrar o domínio dos Autores, sendo que os Autores fazem uso da dita garagem para guardar os seus veículos pessoais e profissionais desde então.

e) O facto 19 deve ser interpretado no contexto do facto 20.

Opinião oposta têm os recorridos.

f) Os factos 23, 24 e 26 devem ser anulados, na medida em que houve oposição manifestada quer em vida dos pais quer logo após o decesso do ultimo e existem dois prédios com registo de aquisição a favor dos progenitores do A marido o que lhes confere a presunção da titularidade do direito.

Opinião oposta têm os recorridos que referem que toda a prova produzida permitiu alcançar no julgador a convicção de que a posse dos Autores foi exercida sem a oposição de quaisquer interessados, seja dos progenitores do Autor ou dos demais herdeiros, tendo o A. referido que foi ele a tomar a iniciativa de procurar, junto dos seus irmãos (entre os quais a irmã, ora Recorrente), a formalização da transferência da propriedade dos imóveis para seu nome, sendo que até 2018, os mesmos irmãos nunca praticaram qualquer ato de oposição ao exercício da posse por parte dos Autores, independentemente daquela que fosse a sua convicção interna.

                                               *

Os recorrentes referem ainda que tendo por base os documentos juntos aos autos, devem ser dados como provados os factos referidos em C1 n.º 5 e n.º 6.

Bem como dar como provado que os antepossuidores também pagaram muitas despesas documentadas na p.i.

Opinião oposta têm os recorridos que referem que o facto constante do ponto C1 5 referido nas alegações foi devidamente valorado pelo Tribunal no facto 30 onde refere:  “Perante a Autoridade Tributária e Aduaneira os prédios acima identificados constam como activos da/s herança/s dos pais do autor”.

Relativamente às despesas suportadas pelos Autores e alegadas na p.i., os Réus, aqui Recorrentes, nada disseram, não se pronunciando em momento oportuno relativamente às despesas que, em tese, teriam sido por si parcialmente suportadas.

            Aqui chegados, cabe apreciar a questão.

                                                                                   *

Como se sabe, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. 

É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas Prova, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas de Prova”  II Vol. cit., p. 273).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Daí que conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, não descurando a vertente que a prova tem de ser analisada em conjunto.

É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. cfr. Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348).

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Cabe ainda referir que advogamos o defendido no Ac. desta Relação de 10/7/2018, proc.º n.º 1445/16.0T8FIG.C1, relatado por Luiz José Falcão de Magalhães, do qual somos 1.º adjunto, onde refere citando o Ac. da mesma relação de 4/4/2017, proc.º n.º 516/12.6TBPCV.C1), relatado por Jorge Arcanjo «… o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecer que o tribunal a quo, está em melhor posição.

Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento ( cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 ( proc. nº 241/05), de 1/7/2014 ( proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt ), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação (…)».

Ao que acresce que o dever de fundamentação da decisão de facto, exige actualmente a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme dispõe, no que concerne à sentença, o artº 607º, nº 4 do CPC, segundo os diversos critérios legais e jurisprudenciais, tendo em conta que, na formação da convicção do julgador rege o princípio da livre apreciação das provas, excepto nos casos previstos no nº 5 do artº 607 do C.P.C.-aqueles para cuja prova seja exigida formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já provados por acordo, documento ou confissão das partes.

É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, salvaguardando as garantias das partes e possibilitando a sua cabal reacção, em caso de discordância em relação a esta convicção, bem como assegurando que o tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para a apreensão e reapreciação da matéria fáctica.

Conforme referido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…).

Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

                                                           *

Sobre esta matéria escreve-se na sentença recorrida:

Para a fundamentação da sua convicção, e atenta a matéria de facto controvertida nos autos, o Tribunal analisou criticamente a documentação junta através dos articulados, bem como as declarações de parte apresentadas pelos autores e pelo réu DD e pelas testemunhas inquiridas.

Da análise articulada de todo o acervo documental resultam os dados acima expressos nos pontos 1, 2, 4, 6, 13, 14, 15, 21 e 25 dos factos provados.

O complexo de factos acima expresso nos pontos 3, 5 a 12, 16 a 20, 23, 24, 26 a 28 e 31 dos factos provados resultou da análise conjugada do teor da documentação com as declarações concretas e credíveis dos autores A... e BB. A forma frontal como os autores apresentaram tais declarações – em particular o detalhe e a coerência resultantes do discurso de A... – permitiram ao Tribunal alcançar convicção que, desde os preparativos para o casamento de ambos (em Agosto de 1991), tais prédios foram sempre tratados como pertencentes aos mesmos autores. Inclusive, percepcionou o Tribunal que os autores, não obstante tais efectivas condutas, sempre mantiveram uma certa discrição, em boa parte fruto do genuíno e coeso respeito que mantiveram sempre pelos seus, respectivamente, pais e sogros - GG e HH -.

Ao invés, as declarações do réu DD redundaram numa defesa substancialmente não credível do alegado e das conclusões alcançadas na respectiva contestação. Através de tal contributo, o Tribunal não pôde alcançar convicção positiva acerca da factualidade nuclear em apreço.

No que respeita aos factos centrais da presente acção, não evidenciaram suficiente nível de concretização os testemunhos prestados por II (ao longo de anos, desempenhou funções como contabilista certificado da sociedade AA, Lda.), por Sr. Dr. JJ (conhecido de todos os intervenientes na presente acção, amigo pessoal dos réus DD e CC), bem como por KK (há mais de 20 anos que conversa com alguma frequência com o autor).

Não evidenciou conhecimento directo e credibilidade o testemunho prestado por LL (filho dos réus DD e CC).

Em suma e pelas razões acima referidas, através das testemunhas inquiridas não pôde alcançar convicção positiva acerca da factualidade nuclear em apreço.

                                               *

Da audição da prova resulta.

AA, A., em declarações refere:

            Sempre viveu no prédio em questão. Viveu no mesmo até os 15 anos, idade em que foi para a África, regressando aos 24 anos, voltando a viver para o prédio em causa.

               Casou em 1991 continuando a vive na mesma casa. Nessa altura os pais referiram-lhe ter a casa para ele. Fizeram 3 mortes (sortes), tendo cada monte (sorte) ficado para cada um dos irmãos, tendo os montes da irmã e do irmão, sido logo postos em nome de cada um deles. O prédio em causa não foi logo posto em seu nome, tendo os pais referido que o iriam fazer. Porém, não o fizeram por sua mãe ter tido um AVC, A condição posta pelos pais, era o prédio em causa ficar para ele, sendo ele a acarretar com as obras, o que sucedeu logo a partir de 1991, data em que casou. Existe necessidade de outras obras, mas como não há dinheiro, vais fazendo-as pouco a pouco.

            Refere ainda que o seu filho nasceu em Coimbra e foi logo a viver para aquela casa. É ele quem paga todos os contadores, ainda que alguns estejam em nome do seu pai. Quem faz as limpezas do terreno contiguo à casa é ele e o filho.

            Os irmãos nunca se opuseram que ele vivesse na casa, nem puseram em causa tal facto.

            No que concerne à garagem refere, que o pai comprou o terreno, urbanizou-o e fez um contrato com um empreiteiro, que levantaria o imóvel ficando ele com a garagem. Na mesma coloca o seu carro, um táxi, e o carro da sua mulher. Tem uma sociedade, a qual tem a sede na casa em questão.

            A mãe faleceu em 2007 e o pai em 2016, nunca os irmãos se opuseram fosse ao quer que fosse., nem nunca pediram partilhas. Foi ele, que um dia juntou os irmãos e falou sobre a questão, isto á cerca de 5 anos. Nessa conversa a irmã, não disse nada (apenas que não queria terrenos), o irmão, o EE, referiu tu nunca pagas-te renda, tendo ele retorquido que conversa é essa, ao que o irmão referiu Há Há ….

            O Juiz perguntou-lhe se, nessa altura, falou aos irmãos em doação, referiu que sim, tendo eles voltado a dizer Há Há ….

            Em relação ao terreno refere, ainda que como o pai não tinha todo o dinheiro, ele deu metade.

            Instado pelo seu advogado,  a respeito dos montes. Mormente da casa em questão, refere que, falaram tendo sido inclusivamente feito um papel, com valores. Quando casou os apartamentos já estavam em nome da irmã e do irmão, a casa da praia de ..., pensa que não, pois era necessário fazer a propriedade horizontal.

            Quanto a esta matéria referiu, ainda, que os pais sempre referiram que aquilo, referindo-se à casa e terreno de logradouro, sublinhado é nosso, era dele, pois só a ele interessava por ainda não ter casa, coisa que a irmã e irmão já tinham. Quem suportava todos os pagamentos relativos à casa e logradouro era ele, ainda que estivessem em nome do pai.

            Afirma ainda, que as primeiras obras feitas na casa foram suportadas pelo sogro e que era ele quem suportava todos os pagamentos, como os impostos, água luz e IMI, ainda que alguns contratos estivessem em nome de seu pai.

            Refere, ainda que era ele quem tratava os prédios, o prédio rustico mais distante, que fica a cerca de 2 Km também era ele quem o limpava. Há cerca de 7/8 anos a irmã enviou-lhe uma carta a perguntar-lhe quem lhe tinha dado ordem para limpar o terreno.

            Na garagem além dos carros, colocava lenha, ferramentas e um trator. Apesar dos imóveis estarem em nome da herança é ele quem suporta todos os pagamentos.

            Perguntado se se considerava dono dos imóveis em questão, refere a partir do momento em que os meus pais assim o desejaram.

            Afirma também, que legalmente era ele o cabeça de casal. Porém o seu irmão EE foi às finanças e colocou-se como cabeça de casal, apesar de estar, no estrangeiro, em Luxemburgo.

            Instado pelo mandatário dos RR. refere que,  os pais enquanto vivos também trabalhavam no terreno anexo, isto no que concerne à vinha, depois deixaram de o fazer devido à idade. Quem colhia as oliveiras era o pai. A limpeza do quarto da mãe era feita pela irmã.

            Perguntado da razão do seu pai ter colocado tais imóveis na relação de bens quando sua mãe faleceu, afirma não saber, talvez porque alguém, o tenha influenciado.

            O irmão, referindo-se ao EE, sublinhado é nosso, um dia referiu-lhe não pagas rendas, tendo ele retorquido vendes-te os apartamentos e ficas-te com o dinheiro.

            Perguntado se alguma vez tinha referido ser a casa sua, afirma que não.

Quanto aos montes, refere que os pais fizeram três montes, sendo cada um, para cada um dos filhos. O monte dos prédios em causa nunca passaram para seu nome, mas o pai disse que continuava lá a viver. Afirma nunca ter falado com os pais para formalizarem a partilha ou a doação, e também nunca falou com os irmãos sobre tal questão.

Afirma que a mãe referiu à sua tia MM, já falecida, “aquilo é do meu filho”, referindo-se ao declarante.

BB A. em declarações refere:

            Casou em 1991, tendo o seu sogro doado a casa ao filho, seu marido, o declarante anterior (o AA), sublinhado é nosso. Afirma estar presente quando o seu sogro referiu que fazia a doação ao filho, bem como o seu pai. Fizeram trabalhos na casa, até por ser uma casa já velha, quem os fez foi o sogro, pois era pedreiro, quem pagou os trabalhos foi o seu pai, quando foram comprar os matérias, foi ela o seu pai o seu marido e o sogro, tendo este escolhido os materiais.

            Instada pelo mandatário dos AA., refere que os sogros após o seu casamento, continuaram lá a viver. Quando o sogro fez os três montes o seu pai estava presente. Quem fazia a limpeza dos terrenos eram eles e o sogro. Quem pagava as despesas da casa como água, luz era o seu marido. Na garagem além dos carros colocam lenha. A garagem tem um portão, quem tem a chave é o seu marido mais ninguém.

            Os terrenos eram limpos por eles e nunca ninguém lhe disse fosse o que fosse. O sogro disse-lhes vocês ficam com isto. O prédio em causa ainda está em nome da herança, os outros prédios foram logo para nome do cunhado e cunhada. Foi falado numa doação ou partilha mas a escritura não foi feita, por o tempo ir passado, e depois ficaram doentes, referindo-se aos sogros, sublinhado é nosso. Os sogros continuaram lá a viver por assim terem acordado.

            O cunhado EE, um dia, disse ao marido, estás aqui e não pagas renda, sendo que ele vendeu os apartamentos e o dinheiro ficou para ele.

            DD, R. nos presentes autos,

            Refere não ter ouvido ao sogro que tivesse doado fosse o que fosse, ao aqui A. O sogro fez três monte, como o do AA tinha valor superior, ficou para entrar em partilhas. O AA não concordou, com tal, segundo lhe referiu a sua mulher. Após tal reunião, ninguém disse ao AA para pagar a diferença do valor dos montes. Após a morte do sogro, houve três reuniões uma em 2017m outra em 2018 e outra em 2019 para falarem sobre as partilhas, mas não houve acordo, após nunca mais se falou no assunto. A ideia dos sogros era que a casa ficasse para ele pois já lá vivia, referindo-se ao AA, sublinhado é nosso, mas esse ponto nunca estive em discussão.  

            Instado pelo advogado dos RR., refere que a iniciativa da reunião foi do AA, porque as coisas não estavam bem. Pensa que a escritura da casa ao AA não foi feita, por o monte dele ter um valor superior ao monte da irmã e do irmão EE. Na altura do casamento do AA, em 1991, o sogro deu um arranjo na casa e o AA ficou a viver no 1.º andar continuando o sogro a viver no .... Quem tratava dos terrenos era o sogro, que apanhava as uvas e colhia a azeitona, enquanto pode. O sogro foi hospitalizado em 2016, vindo a falecer em 2017. Até à data da hospitalização foi sempre o sogro quem tratou dos terrenos. Mas não fazia tal trabalho (tratamento dos terrenos) para ajudar o filho AA. Não teve conhecimento que o AA alguma vez tivesse dito que aquilo era dele. Quem tratou dos documentos após a morte da sogra foi o sogro. Nunca ouviu dizer aos sogros vamos fazer partilhas para regularizar a questão do AA. Afirma que o AA não concordou com as partilhas que o pai queria fazer. Quem pagava a luz, água e IMI era o sogro, só mais tarde, nos últimos anos, é que começaram fazer acerto de contas. Nunca ouviu dizer ao sogro que a casa fosse era do AA. A vontade dos sogros é que a partilha fosse feito, com os montes feitos por eles, e em sua vida.

            A instancias do mandatário dos AA., refere novamente que o monte do AA tinha um valor superior. Os outros dois montes eram constituídos por apartamentos, cave e terrenos e casa de praia, na praia de ....

            Perguntado se esteve presente nas reuniões, refere que não, o que sabe foi através da esposa.

            Testemunha II, afirma ser contabilista do A. e conhecer os RR.

            Conhece a casa onde vive o AA, onde estive uma vez, no 1.º andar, isto na década de 70/80. O AA sempre viveu naquela casa.

            Admite que os AA. tenham feito obras na casa, por estar pintada e pelo aspeto, não esta abandonada.

            Testemunha KK, conhece os AA. e os RR.

            Refere que sempre conheceu o AA a viver naquela casa, a casa é dele por a ter herdado dos pais. Nunca esteve dentro da casa nem sabe se tem ou não jardim. Houve uma época que fez obras na casa e pensa ter sido ele a pagá-las.

            Testemunha KK, refere que:

            O AA disse que o pai lhe doou a casa e os irmãos ficaram com os apartamentos, para quem ficaram os terrenos não sabe.

            Ele está na casa como proprietário da mesma e nunca viu ou ouviu a alguém opor-se a tal. Tem a convicção que a casa é do AA.

Testemunha LL, refere ser sobrinho dos AA. e dos RR. EE e mulher, e filho do R. DD e sua mulher.

            Refere ter conhecido os quer o avô quer a avó, o avô faleceu em 2016 a avó faleceu antes não sabe precisar.

            A casa a garagem e os terrenos e quintal eram dos avós. Não tem conhecimento que o A. alguma vez tenha referido que o avô lhe disse-se que aquilo era dele (AA). O avô referiu-lhe queria resolver as coisas, partilha, enquanto vivo, no que concerne à avó não falou com ela sobre isso. O avô, já doente no hospital, referiu-lhe que gostava de fazer as partilhas ainda em vida.

            Havia três montes, a casa e o terreno estava no monte. O AA não estava de acordo. O avô referia que a casa tinha de ficar para os três filhos. Após a morte do avô houve reuniões para fazerem as partilhas mas não resultaram. O avô fazia a manutenção da casa e enquanto pode tratava do quintal e da vinha. O avô considerava-se dono da casa e não fez qualquer doação ao A. Este caso ficasse com a casa tinha de pagar ao seu pai e ao tio EE.

            Instado pelo advogado dos AA., refere que o A. foi viver para o 1.º andar da casa por o seu avô, pai do A., o autorizar. Após a morte do avô os AA. fizeram obras na casa. Antes não tem memória de o terem feito.

            Testemunha JJ, refere conhecer o A. e os RR.

Refere que os RR. andam aborrecidos com o A. por causa das partilhas. E o DD tinha ficado aborrecido, por o filho do A., ter cortado umas oliveiras que segundo o DD, fazia parte do terreno que tem de ser partilhado.

            Aqui chegados, cabe ver se assiste razão aos recorrentes. no que aos factos provados, que pretendem ver alterados.

            Por uma questão de método seguiremos a ordem indicada pelos recorrentes.

            Assim,

Quanto ao facto 7 da matéria provada.

            Quanto ao mesmo, temos para nós não assistir razão aos recorrentes.

            Na verdade, quanto a tal matéria resulta que os AA. nas suas declarações, de forma muito clara e convincente referem que os pais do A. marido, A..., em 1991 data do casamento referiram que a casa ficava para o AA por ser o filho que não tinha casa. Referindo também que os pais do AA continuariam a viver na mesma. Aliás, o R. DD nas suas declarações, quando interrogado, pelo Juiz, parece admitir tal, ao referir que a questão não era com a casa, dando a entender que seria com os terrenos, ainda que depois a instâncias do advogado dos RR. pareça infletir.

            Por outro lado, quer os AA. quer o R. DD quer a testemunha LL, filho do R. DD, aludem a três montes de partilha feitos pelo avô, ainda que depois cada parte inflita na forma dos montes ser distribuída.

            Os AA. afirmam que um dos montes era composto pela casa, quintal e outro terreno, sendo que o DD e o seu filho LL aqui testemunha assim não o digam, pois afirmam que o monte do A. tinha maior valor, e que a casa tinha de ser partilha pelos três filhos, como de forma clara refere o LL.

            Mas se não houve aceitação da partilha, pelo AA, como refere o declarante DD e a testemunha LL, então, pergunta-se, qual a razão de os outros irmãos aceitarem os dois montes, tendo segundo dizem os AA., aludindo ao EE ter vendido os apartamentos que recebeu.

            Pois se não houve partilhas, por o AA não ter aceite, não se compreende, que a irmã do AA tenha aceite o seu quinhão e o EE o dele, pois não tendo havido acordo, o normal, segundo as regras da experiência comum, seria ficar tudo como estava.

            Assim, temos para nós, aliás como também o foi para a 1.ª instância que a tese apresentada pelos AA., é mais consistente, à luz das regras da experiência comum é mais credível.

            Pelo supra referido, não vemos razão para alterar tal ponto. Aliás, dos documentos juntos, com a P.I. verificamos haver faturas de pagamento do AA referente a luz, água, telecomunicações, mão de obra, bem como dos mesmos resulta o trato dos terrenos.

            Nem se diga, como fazem os recorrentes, que o facto do pai do A. e da R. CC e do R. EE, após a morte da mãe dos mesmos, ter incluído os bens aqui em causa, na relação de bens, bem como o facto de o R. EE ter após a morte do seu pai, também incluído os bens em causa, na relação de bens, seja demonstrativo de que os mesmos pertenciam à herança, infirmando por isso, por si só o que consta, neste ponto, bem como no ponto 23 (adiante analisado).

Na verdade, de tal documento apenas resulta, que quer o pai do A. e dos RR. CC e EE, após a morte da mãe de A. e RR. ter incluído aqueles bens na relação de bens, nada mais, o mesmo se diga em relação ao facto de o R. EE ter incluído os mesmos na relação de bens após a morte do seu pai.

            Assim, pelas razões expostas, não vislumbramos que assista razão aos recorrentes nesta vertente.

            Quanto ao ponto 5 da matéria provada.

            Sobre esta matéria também não vislumbramos razão para alterar a mesma, desde logo face ao referido pelos AA. cujo teor, pelo referido, no ponto 7 merecer, credibilidade, face às regras da experiência comum, quer pelo facto, de serem eles que tratavam os terrenos, ainda que admitissem que o pai colhia as uvas e a azeitona, o que até se compreende. Desde logo, por continuarem a viver no res-do-chão da casa.

            Quanto ao ponto 11 da matéria provada.

            Quanto a tal matéria também não assiste razão aos recorrentes.

            É verdade que a instâncias do mandatário dos RR. o A. referiu não ter dito a ninguém ser dono. Porém, os depoimentos devem ser lidos num quadro total.

            Da audição da prova resulta que o A. ao longo do depoimento, sempre disse que os pais tinham referido que aquilo, tendo mesmo referido, que o pai tinha dito “ que aquilo era dele, pois só a ele interessava por ainda não ter casa, coisa que a irmã e irmão já tinham”

            Perguntado se se considerava dono dos imóveis em questão, refere a partir do momento em que os meus pais assim o desejaram.

            Aliás, o A. a pergunta do seu mandatário se se considerava dono, refere “a partir do momento em que os meus pais assim o desejaram”.

            Pelo exposto e como já referimos nesta vertente também não vislumbramos assistir razão aos recorrentes.

Quanto aos pontos 8 e 19 dos factos provados.

Tendo presente ao referido nos pontos anteriores, também não vemos assistir razão aos recorrentes, até porque, como já dissemos o depoimento dos AA. mostrou-se credível, face às regras da experiência comum.

Quanto aos pontos 23, 24 e 26 da matéria provada.

Quanto a tal matéria não vislumbramos assistir razão aos recorrentes.

Na verdade os AA. referem que ao longo dos tempos nunca ninguém se opôs a que eles vivessem na casa e cultivassem os terrenos.

Refere o A. que a irmã apenas uma vez há cerca de 7/8 anos lhe enviou uma carta a perguntar-lhe quem lhe tinha dado ordem para limpar o terreno, o que também é referido pelo declarante DD, seu cunhado, marido da irmã. Nunca mais a partir daí lhe foi dito fosse o que fosse.

Tendo presente que a audiência de discussão e julgamento ocorreu em 23/3/2023, 8 anos antes seria coisa mais coisa menos março de 2015, havendo reuniões posteriores, mormente 2017, 2018 e 2019, onde nada foi dito aos AA., sobre as questões em apreço nestes autos, nem a irmã se manifestou contra ou emitiu qualquer sentimento de oposição, e segundo as regras da experiência comum, a missiva enviada, não pode ser interpretada como uma oposição.

Acresce, que o A. no seu depoimento refere que a irmã numa reunião apenas referiu “que não queria os terrenos”.

Ora, da conjugação de todos os elementos, não vemos, tal como não viu o Tribunal de 1.ª instância qualquer oposição.

Nem se diga que

                                                           *

Assim, pelo exposto não vislumbramos razão para alterar a matéria de facto pretendida pelos recorrentes nesta vertente.

Aliás, advogando nós, que este Tribunal da Relação apenas deve alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, quando algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes, o que não sucede no caso em apreço, antes indo no sentido da prova feita.

Assim, como já referimos da audição da prova em conjugação com os documentos juntos aos autos não vemos razão para alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, nesta vertente como pretendiam os recorrentes.

                                                           *

Referem, ainda os recorrentes, que devem dar-se como provados, por documentos juntos aos autos, os factos referidos supra em C1 nº 5. (imposto de selo por óbito por óbito da mãe) e nº 6 (imposto de selo por óbito por óbito do pai).

No ponto C1 5 refere-se - A dita antepossuidora mãe faleceu em 30 de junho 2007 - 16 anos após o casamento dos AA. - e o cabeça de casal seu marido incluiu na relação de bens que apresentou no Serviço de Finanças os prédios em discussão”; e no ponto C1 6 refere-se Em 6 de março 2016 faleceu o dito antepossuidor pai, tendo também o seu filho EE (aqui R), na qualidade de cabeça de casal, incluído na relação de bens que apresentou no Serviço de Finanças os prédios em discussão.

Da audição da prova resulta que o A. nas suas declarações refere que o irmão EE indicou tais bens na relação, o mesmo em relação ao seu pai, tendo quanto a este referido, se o fez alguém o influenciou, tendo no art.º 6 da contestação os RR. agora recorrentes referido “Tanto assim que o cabeça de casal da herança declarou todos esses bens como pertencente às heranças por óbito quer do pai quer da mãe, tendo em ambos sido liquidado os impostos, de selo e sobre sucessões e doações”.

Operando à leitura da matéria de facto provada, temos para nós, que tal matéria consta do ponto 30, ainda que com uma redação diversa, onde se refere “Perante a Autoridade Tributária e Aduaneira os prédios acima identificados constam como activos da/s herança/s dos pais do autor”.

Ou seja, deste facto resulta que os bens em causa nestes autos, estavam referidos nas finanças como pertencentes à herança.

Assim, pelo exposto, não vislumbramos qualquer necessidade de aditar os mesmos, por já se encontrarem inseridos no ponto 30 da matéria de facto provada.

Afirmam, ainda os recorrentes que deve aditar-se à matéria provada, o seguinte facto: “Os antepossuidores pagaram também muitas das despesas documentadas na pi.”

É verdade que os RR, agora recorrentes, na sua contestação referem: “HH e GG, mãe e pai dos AA e dos RR faleceram respetivamente em 30 de junho 2007 e 6 de março 2016 e enquanto vivos habitaram no rés do chão da casa aqui reivindicada, pagando todos os encargos e despesas de todo o imóvel, como, agua, eletricidade, Imi, etc.”.

O DD, em declarações, refere que os seus sogros pagavam a luz, água e IMI e que só mais tarde, nos últimos anos, é que começaram fazer acerto de contas, sendo que por sua vez os AA. nas suas declarações referem que eram eles que pagavam as despesas, tendo o A. (AA) referido que era ele quem paga todos os contadores que as primeiras obras feitas na casa foram suportadas pelo sogro e que era ele quem suportava todos os pagamentos, como os impostos, água luz e IMI, por sua vez também a A. (BB) refere que quem pagava as despesas da casa como água, luz era o seu marido.

Assim, temos para nós não assistir razão aos recorrentes.

Por um lado, por ser mais credível, até face ás regras da experiência comum a versão dos AA., até por juntarem documentos sobre tais pagamentos. Por outro, não deixa de ser estranho, os recorrentes não identificarem a que pagamentos se referia, pois de forma muito vaga limitam-se a pretender que seja acrescentado como provado um novo facto com a seguinte redação: “pagaram também muitas das despesas documentadas na pi.”

Pelo exposto, também esta pretensão não procede, até porque a acrescentar tal matéria a mesma seria à não provada, o que era inócuo.

Aqui chegados passemos ao ponto seguinte.                                                                                                                       *

C)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, onde se decida julgar improcedente a pretensão dos AA., e por consequência julgar a ação totalmente improcedente.

            Referem os recorrentes que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, que julgue a ação totalmente improcedente.

            Para tanto, assentam desde logo, na alteração da matéria de facto, pretensão onde não obtiveram provimento.

            Assim, a matéria de facto a ter presente é a fixada em 1.ª instância.

            A questão que temos entre mãos, consiste em saber, se deve ser reconhecido aos Autores, o direito de propriedade sobre os imóveis identificados.

A sentença recorrida entendeu-se que sim, posição comungada pelos recorridos, em sentido oposto os recorrentes, defendendo que não se está perante uma posse, mas sim perante uma situação de mera detenção, por um lado e por outro não decorreu ainda o prazo para aquisição por usucapião.

Vejamos, pois, quem tem razão.

Nos termos do art.º 1251º do C. Civil, “posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

Como é sabido e consabido, e segundo a doutrina tradicional, esta disposição legal, conjugada com a alínea a) do art. 1253º, do C. Civil, consagram a conceção subjetiva da posse, segundo a qual para a existência de uma situação possessória é necessário simultaneamente dois elementos essenciais: o corpus , elemento objetivo - situação de facto correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor; e o animus – elemento subjetivo, a intenção do detentor de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa. Sem corpus não haverá posse porquanto falta a atuação de facto correspondente ao exercício do direito e sem animus não haverá posse, porque falta a intenção da titularidade do direito (Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. III, pág. 5).

De onde resulta que a mera detenção ou a posse precária não conduz à usucapião, exceto invertendo-se o título de posse – artigos 1253º e 1290º do CC

Como se diz no Acórdão do S. T. J. de 6/2/2007, Proc. n.º 06A4036, relatado por Nuno Cameira, quando se fala em posse jurídica quer-se dizer posse verdadeira e própria, e não simples detenção; posse, portanto, integrada por corpus e animus possidendi, isto é, por atos materiais praticados com intenção correspondente ao conteúdo de determinado direito real ( art.º 1251.º do C.C.).

A posse adquire-se, entre outros, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito ou por inversão do título da posse – art.º 1263.º, als. a) e d) do C. C.

“A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião” – art.º 1287.º do C. C.

Portanto, para se adquirir, por usucapião, um direito suscetível de ser adquirido por essa via, é essencial ter a posse correspondente ao direito em causa, por certo lapso de tempo, nos termos do art.º 1287º do C. Civil.
            Face aos factos provados acompanhamos a sentença recorrida quando entende estarmos perante uma situação de verdadeira posse, na medida em que se encontram verificados os dois elementos da mesma ( corpus e animus possidendi)- no que concerne à verificação do corpo, resulta, designadamente, dos factos provados vertidos nos pontos – 4 a 9, 13 a 23 e 26 -, no que concerne à verificação do animus possidendi, resulta designadamente dos factos – 11 e 23.

 Como se sabe, a posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, na definição do art.º 1258º do C. Civil, relevando as diversas modalidades, desde logo, para ser possível a aquisição por usucapião e, para além disso, para a determinação do prazo necessário para esse efeito ( cf. Acórdão do S. T. J., de 3 de fevereiro de 1999, Proc. nº 98B1043, relatado por Sousa Dinis).

Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico; o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca (art.º 1259º do CC).

A posse diz-se de boa-fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem; a posse titulada presume-se de boa-fé, e a não titulada, de má-fé; a posse adquirida por violência é sempre considerada de má-fé, mesmo que seja titulada (art.º 1260º do CC).

A posse pacífica é a que foi adquirida sem violência; considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255º (art.º 1261º do CC).

Posse pública é a que se exerce de modo a ser conhecida pelos interessados (art.º 1262º do CC).

Conforme realça Oliveira Ascensão (v), o art.º 1259º/1 esclarece que, “nem a falta do direito do transmitente, nem a falta de validade substancial do negócio jurídico excluem o título. Temos de admitir, a contrario, que a falta de validade formal impede que se fale de título. Se se vender um prédio por escrito particular, a posse em que o comprador se constitui não é titulada”.

No caso em apreço, como bem se refere na sentença recorrida estamos perante uma posse de boa fé, e por concordarmos com tal opinião, aqui transcrevemos tal segmento – “A posse dos autores não beneficiou de título, mas foi sempre exercida de boa-fé. Com efeito, agiram os autores convictos de que ao adquirir a posse, nas referidas condições, não estavam a lesar quaisquer direitos, mormente quaiquer direito dos réus, tal como estavam convictos de que não existia qualquer ónus ou encargo sobre tais imóveis.

Face à posse de boa-fé verificada na presente situação, tais imóveis foram adquiridos no decurso dos primeiros quinze anos sobre o início da posse (artigo 1296.º - 1.ª parte - do Código Civil”, desde logo, tendo por base os factos – 4 a 9, 12 a 23 e 26.

Mas mesmo a entender-se como fazem os recorrentes, estar-se perante uma posse não titulada, presumida de má fé e por isso a usucapião só opera ao cabo de 20 anos art.º 1296, tal se tinha verificado, pois os AA. iniciaram a posse em 18/8/1991 (cfr. factos 4 e 5), tendo o prazo de 20 anos ocorrido em 19/8/2011.

Face ao exposto, não vislumbramos razão para alterar a sentença recorrida, pelo que se mantem nos seus termos.

                                                           ***

                                                       4. Decisão

Face ao exposto, decide-se, por acórdão julgar o recurso improcedente e manter, nos seus termos a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 13/12/2023

Pires Robalo (relator)

Falcão de Magalhães (adjunto)

António Fernando Marques da Silva (adjunto)