Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1786/12.5TBTNV.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE RECUPERAÇÃO
LEI DO ORÇAMENTO DE ESTADO
ACORDO
ESTADO
SEGURANÇA SOCIAL
VIOLAÇÃO NEGLIGENCIÁVEL
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS – 2.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 30.º DA LGT E LEI N.º 55-A/2010, DE 31-12 (LEI DO ORÇAMENTO DE 2011)
Sumário: 1 - Após as alterações que a Lei n.º 55-A/2010, de 31-12 (Lei do Orçamento de 2011) introduziu no art. 30.º da LGT, deve considerar-se que viola as disposições tributárias o “plano” quer de insolvência quer de recuperação que contenha, sem o acordo do Estado ou da Segurança Social, perdão parcial, redução de juros, moratória ou modificação do prazo de vencimento de créditos tributários.

2 - Violação que, porém, pode ser considerada negligenciável – e não conduzir por isso à recusa de homologação do “plano” – se contiver apenas a modificação dos prazos e a redução de juros, estas forem em abstracto consentidas pelas disposições tributárias convocáveis e invocáveis e a redução de juros se traduzir, em termos financeiros, numa insignificante compressão dos créditos tributários.

3 – O que não é o caso – não é violação negligenciável – se o “plano” consagrar moratórias e prestações progressivas no pagamento dos créditos tributários, desde logo por tais situações não estarem abstractamente previstas nas disposições tributárias.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

“A..., Lda.”, com os sinais dos autos, veio requerer processo especial de revitalização.

Nomeada administradora judicial provisória, cumprida a demais tramitação e concluídas as negociações, veio a ser aprovado por credores representativos das maiorias legalmente exigidas (mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados) plano de recuperação conducente à sua revitalização; tendo votado contra, entre outros, o Instituto da Segurança Social, a Administração Fiscal e o Banco B....

Remetido o plano de recuperação aprovado ao tribunal, este, conclusos os autos, proferiu decisão a homologar tal plano de recuperação (prevendo a revitalização da devedora através da reestruturação do passivo – moratória, modificação dos prazos de vencimento, perdão e redução dos juros e perdão dos créditos subordinados).


*

Inconformados com tal decisão homologatória, vieram o Instituto da Segurança Social, o Ministério Público em representação da Fazenda Nacional e o Banco B... interpor recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que recuse a homologação do plano de recuperação aprovado, alegando, em síntese, que o plano contende com o regime geral de regularização das dívidas à Segurança Social e das dívidas de impostos, nomeadamente com a indisponibilidade de tais créditos; e, ainda, o Banco B..., invocando, em síntese, que o plano não pode conduzir à desoneração dum terceiro garante.

Terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. – A Segurança Social – Centro Distrital de Santarém:

1º O CDS apresentou requerimento, expondo, nos termos do artigo 215º do CIRE, que estavam reunidas as condições para a não homologação oficiosa do PER, alicerçadas, nomeadamente, em que o plano apresentado não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas.

2º O Meritíssimo Juiz julgou válido o PER e homologou-o por sentença.

3º De acordo com artigo 215º do CIRE, “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo (…)”

4º Ora, no caso no caso em apreço, houve violação das regras imperativas que resultam, nomeadamente, do n.º 2 do artigo 30º da LGT que dispõe “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.

5º O n.º 3 do mesmo preceito, com a redacção introduzida pela Lei n.º 55 –A/2010, de 31/12, estipula que o aludido n.º 2 prevalece sobre qualquer legislação especial.

6º Por seu turno, o artigo 125º da referida Lei n.º 55 –A/2010, veio estipular que o disposto no n.º 3 do artigo 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.

7º Ora, este regime jurídico é aplicável ao caso sub judicie, considerando a natureza tributária dos créditos da Segurança Social.

8º Acresce referir que nas situações excepcionais para a regularização da dívida previstas no Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro e no artigo 190º do Código Contributivo, nunca é permitida a redução da dívida de contribuições, mas apenas o diferimento do seu pagamento, para além de considerar como indício da inviabilidade económica do contribuinte o incumprimento do pagamento das contribuições mensais desde a data da entrada do requerimento.

9º Por outro lado, o artigo 203º do Código Contributivo estipula que “As dívidas à Segurança Social podem ser garantidas através de qualquer garantia idónea, nos termos do Código Civil” e não foi constituída nenhuma.

10º A situação da Segurança Social, enquanto credor, ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a interviria na ausência de qualquer plano, nos termos do art. 216º do CIRE, uma vez que poderia recorrer ao processo executivo.

11º O PER ao estabelecer taxa de juros vencidos não legal e não estando a cumprir a obrigação contributiva viola os princípios que norteiam a Segurança Social e todas as normas supra citadas, aplicáveis ao caso em análise, e que não foram consideradas pela decisão judicial que se limitou às normas do CIRE, errando na aplicação das normas jurídicas.

12º Assim, o despacho sub judicie devia ter sido proferido no sentido da recusa oficiosa da homologação do Plano de Insolvência em conformidade com o citado artigo 215º do CIRE, aplicável por força do nº 5 do artigo 17º-F do mesmo diploma.

13º Não obstante não terem sido invocadas normas derrogadas no Plano nos termos do artigo 195º do CIRE, tem de se interpretar que quando o CIRE admite a derrogação, trata-se de normas do próprio Código e não de legislação aplicável aos credores e em particular à segurança social. As disposições invocadas da LGT e no Código Contributivo sobrepõem-se ao CIRE.

14º Acresce que a Meritíssimo Juiz mesmo que não recusasse a homologação, devia ter considerado o Plano ineficaz em relação à Segurança Social, de forma a não se verificar violação de lei.

15º A douta decisão violou, além do mais, o disposto nos artigos 195º, 207º, 214º, 215º e 216º do CIRE, os artigos 3º e 30º da LGT, o artigo 125º da Lei n.º 55 –A/2010, de 31/12, o artigo. 3º do Decreto – Lei n.º 73/99, de 16 de Março, com a redacção dada pelo artigo 165º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o Aviso n.º 17289/2012 e os artigos 190º e 203º Código Contributivo.

2. – O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional:

1. Nos presente processo especial de revitalização, o Estado/Fazenda Nacional veio reclamar, tendo-lhe sido reconhecidos créditos no montante de € 29.430,30 correspondentes a IRS, IRC, coimas e encargos com processos de contra-ordenação, custas e juros de mora à taxa legal;

2. Nos termos do artigo 30.°/2 da LGT, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial, de acordo com o seu n.º 3;

3. A indisponibilidade do crédito tributário é aplicável, nos termos do artigo 125.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, aos processos de insolvência;

4. Salvo lei expressa nesse sentido, não é possível ao Estado conceder perdões ou moratórias no pagamento dos créditos tributários, conforme artigos 103.°/2 da CRP, 85.° do CPPT, e 30.°/2 e 36.°/3, ambos da LGT;

5. Tendo em conta que o plano de recuperação aprovado prevê o pagamento da dívida à Fazenda Nacional num número de prestações superior ao previsto na Lei Geral Tributária, estabelece uma moratória e não oferece quaisquer garantias do pagamento daquela dívida, violando as normais legais previstas nos artigos 30.°/2 e 3 e 36.°/3 da LGT, os artigos 85.°/3, e 196.° e 199.° do CPPT, prevalecendo estas disposições legais sobre quaisquer outras provenientes de legislação especial, não deveria o mesmo ter sido homologado;

6. Apesar de o artigo 17.°-F do CIRE estabelecer que a homologação do plano de recuperação por votação favorável majoritária vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, não se pode considerar que tal se aplique ao Estado/Fazenda Nacional, exactamente por estas disposições não prevalecerem sobre as regras estabelecidas na Lei Geral Tributária e no Código de Processo e Procedimento Tributário, por via do artigo 125.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro;

7. Assim, deveria o Tribunal, nos termos do artigo 215.° do CIRE, ter recusado a homologação do plano de revitalização uma vez que se verifica uma violação das regras procedimentais e das normas aplicáveis ao seu conteúdo, como são as disposições acima citadas;

8. Deste modo, a douta decisão de homologação do plano de recuperação proferida deve ser substituída por outra que recuse a homologação do plano apresentado pela devedora nos presentes autos, relativamente aos créditos fiscais, de acordo com o disposto no artigo 215.° do CIRE;

9. O princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.° da CRP, reporta-se a uma igualdade material e não meramente formal, concretizando-se na proibição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual;

10. O artigo 17.°-F, números 3 e 6 do CIRE determinam que todos os credores do devedor que apresentou o seu plano de recuperação estejam num plano de igualdade, independentemente de terem participado ou não nas negociações e independentemente do seu sentido de voto, na medida em que ficam todos vinculados ao resultado das negociações efectuadas no âmbito do processo de revitalização;

11. A Fazenda Nacional, não é um credor exactamente igual a qualquer outra entidade particular que tenha um crédito sobre o devedor, pela própria natureza do crédito que está em causa, isto é, o pagamento do crédito ao perseguir objectivos de interesse público faz com que o Estado seja diferente de todos os outros credores privados, devendo ser tratado na medida desta diferença.

12. Isto implica que o plano de recuperação, ainda que aprovado por maioria, não possa vincular a Fazenda Nacional na medida em que não cumpre com as regras estabelecidas na Lei Geral Tributária e no Código de Processo e Procedimento Tributário, que, justificadamente, definem qual a forma de pagamento bem como de prestação de garantias do seu cumprimento, a fim de assegurar a sua completa satisfação.

13. O artigo 17.-F, números 3 e 6 do CIRE padece de uma inconstitucionalidade manifesta, que se invoca, por violação do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de prever, sem qualquer justificação atendível, uma forma de pagamento dos créditos tributários igual à de todos os restantes credores, quando se sabe que a Fazenda Nacional, pelas importantes funções que desempenha na redistribuição dos rendimentos, garantindo o cumprimento das funções constitucionais do Estado, não pode, em boa verdade, ser tida como uma qualquer entidade privada.

14. Consequentemente, a douta sentença que homologou o plano de recuperação violou o disposto em normas imperativas, designadamente, os artigos 13.° e 103.°/2 da CRP, os artigos 30.°/2 e 3 e 36.°/3 da LGT, os artigos 85.°/3, e 196.° e 199.° do CPPT, o artigo 125.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, o artigo 215.° C.I.R.E., e o artigos 668.°/1/d), e 201.º do CPC.

15. Assim, deverá a decisão proferida pelo douto tribunal a quo ser substituída por outra que recuse a homologação do plano de revitalização apresentado pelo devedor nos presentes autos, relativamente aos créditos fiscais, de acordo com o disposto no artigo 215.° do CIRE.

3. – O Banco B..., Sucursal em Portugal

A) A Recorrente não se conforma com condição constante do Plano Especial de Revitalização homologado por Douta Sentença que dispõe que: “No decorrer do plano e uma vez a cumprimentos na totalidade do mesmo os credores não poderão executar os avais prestados à sociedade por parte dos seus gerentes e sócios” por a mesma violar uma norma legal imperativa.

B) Nos termos do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE: “As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação (…)”

C) Sendo a obrigação dos avalistas materialmente autónoma e uma garantia patrimonial adicional.

D) A aprovação do plano com a referida cláusula coloca a ora Recorrente numa situação previsivelmente menos favorável do que em caso de não homologação do referido plano.

E) Não pode a homologação de um plano conduzir à desoneração de um terceiro em relação ao plano homologado.

F) Uma vez que, não podendo o avalista opor os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador do título cambiário, não pode neste caso prevalecer-se de um plano especial de revitalização de um outro condevedor.

G) Nestes termos, não pode a cláusula constante do plano prevalecer sobre as normas legais imperativas constantes do C.I.R.E..

Não foram apresentadas quaisquer respostas.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto

A) O plano de recuperação aprovado foi o seguinte:

“ (…)

Reestruturação do passivo e plano de pagamentos

Propõe-se assim:

Que os montantes de dívidas aos credores sejam regularizados mensalmente da seguinte forma:

I – Créditos privilegiados:

1 – Pagamento de 100% dos créditos reconhecidos em 12 anos em prestações progressivas.

2 – Taxa de Juro fixa de 7,07%.

II – Créditos Garantidos (Iapmei e Garval):

Iapmei

1 – Pagamento a 100% dos créditos reconhecidos em 150 prestações constantes, com 6 meses de carência de capital;

2 – Diferimento de 15% do capital para o final do contrato;

3 – Taxa de juro utilizada: Euribor a 3 meses + Spread de 3%;

Garval

4 – Os créditos da Garval serão amortizados em 15 anos em prestações progressivas.

5 – Taxa de juro utilizada: Euribor a 3 meses + Spread 3%

III – Créditos Comuns:

1 – Pagamento de 100% dos créditos reconhecidos em 15 anos em prestações progressivas;

2 – Taxa de juro utilizada: Euribor a 3 meses + Spread 3%;

3 – Período de carência de 12 meses;

4 – Diferimento de 25% do capital para o final do contrato.

IV – Crédito Subordinados ou já Negociados

1 – Perdão total de capital e juros

V – Créditos Bancários

1 – Os Leasings Automóveis da Caixa Leasing e Factoring e do BMW Bank são para manter os respectivos contratos;

2 – O contrato de leasing da CFL do equipamento é para amortizar em 12 anos;

3 – O contrato de leasing do Banco B... é para ser resolvido, sendo a dívida remanescente liquidada em 12 anos em prestações constantes com 1 ano de carência de capital;

4 – Os créditos do BES serão amortizados em 15 anos;

5 – Os créditos da CGD serão amortizados em 12 anos, com 20% de diferimento de capital para o final do contrato;

6 – Capitalização dos encargos vencidos à data da homologação do PER;

7 – Taxa de juro utilizada: Euribor a 3 meses + Spread de 3%.

(…)

Plano de Amortizações Progressivas ao abrigo do PER:

                                      Natureza da Dívida

         Anos                 Comuns        Garantidos

           1                       0,00%            0,00%

           2                       1,00%            3,50%

           3                       1,50%            4,00%

           4                       2,50%            4,50%

           5                       3,50%            5,00%

           6                       4,00%            5,50%

           7                       5,00%            6,00%

           8                       6,00%            6,50%

           9                       6,25%            7,00%

           10                      6,50%            7,50%

           11                      7,00%            8,00%

           12                      7,25%            9,00%

           13                      7,50%           10,00%

           14                      8,00%           11,00%

           15                      9,00%           12,50%

           VR                     25,00%

(…)

Outras Condições

(…)

2 – A parte dos créditos que não seja satisfeita por nenhuma das formas previstas no plano de recuperação será considerada como perdoada, uma vez verificado o cumprimento integral do mesmo.

3. – Os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano de recuperação.

4. – No decorrer do plano verificando-se o cumprimento na totalidade do mesmo, os credores não poderão executar os avais prestados à sociedade por parte dos seus gerentes e sócios.

(…)”

B) A lista definitiva de créditos ascende a € 2.290.321,90 €, tendo votado credores com o valor reconhecido de € 2.094.322,01 (“quórum” de 88,26%), somando os votos favoráveis emitidos 84,70% e perfazendo mais de metade dos votos não subordinados.

C) Da lista definitiva de créditos, entre muitos outros, constam:

Do Instituto de Segurança Social:

O crédito global de € 151.133,82 (correspondente a 6,64% do total dos créditos), sendo € 135.133,82 de capital e os restantes € 16.850,12 de juros; crédito que, sendo por contribuições, foi considerado como privilegiado no montante de € 47.075 e como comum no montante de € 104.909.

Da Fazenda Nacional:

O crédito global de € 29.430,30 (correspondente a 1,28% do total dos créditos), sendo € 28.519,70 de capital e os restantes € 910,60 de juros; crédito que, sendo de impostos, foi considerado como privilegiado no montante de € 15.951,87 e como comum no montante restante de € 13.478,43.

Do Banco B..., Sucursal em Portugal:

O crédito global de € 75.841,94 (correspondente a 3,31% do total dos créditos), sendo € 75.690,59 de capital e os restantes € 151,35 de juros; crédito que foi considerado como comum.

D) O Instituto de Segurança Social, a Fazenda Nacional e o Banco B..., Sucursal em Portugal, participaram nas negociações que conduziram ao plano de recuperação referido, tendo-se pronunciado, nos termos e para os efeitos do art. 17.º-F/4 do CIRE, no seguinte sentido:

O ISS “vota contra qualquer medida excepcional de regularização das dívidas à Segurança Social, requerendo, nos termos do art. 215.º do CIRE a recusa oficiosa da homologação do plano de recuperação, com fundamento de que o plano apresentado não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, designadamente o n.º 3 do art. 30.º da LGT, o art. 125.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, e o CRCSPSS”; a proposta de PER apresentada “prevê taxa de juros vincendos não adequados à taxa de juro legal e o contribuinte não se encontra a efectuar o pagamento das contribuições mensais, após a data do despacho de nomeação do administrador judicial provisório”.

A Fazenda Nacional comunica o seu voto desfavorável ao PER, “atendendo ao regime legal aplicável à regularização dos créditos tributários, designadamente os art. 36.º da LGT e 85.º, 196.º e 197.º do CPPT”; por o PER “defender um regime de pagamento prestacional ilegal – não é possível pagar o crédito da Fazenda segundo dois regimes prestacionais, sendo que a dívida terá que ser paga num máximo de 36 prestações que terão que ser mensais, iguais (e não crescentes como é proposto no plano) e sucessivas, sendo que a primeira, dessas 36 legalmente possíveis, terá que ser paga no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do art. 17.º-D do CIRE”; e por “não prever a constituição de garantias idóneas suficientes

O Banco B..., Sucursal em Portugal, vota “contra a aprovação do PER apresentado”.

E) O crédito reconhecido ao Banco B... emerge dum contrato de locação financeira mobiliária celebrado com a devedora, segundo o qual o banco adquiriu, para locar à devedora, o veículo automóvel de marca Porsche, modelo Cayenne S Hibido II, matrícula (...); tendo, para garantir o cumprimento de tal contrato, a devedora subscrito e entregue ao Banco B... uma livrança em branco, avalizada por C... e D... .


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III – Fundamentação de Direito

Quanto aos recursos interposto pelo Instituto de Segurança Social e pelo M.º P.º/Fazenda Nacional:

Sustentam, fundamentalmente, estes recorrentes que o legislador, com os art. 123.º e 125.º da Lei do Orçamento de 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31-12), pretendeu intervir sobre os “planos” aprovados em processos de insolvência que encerrem uma redução ou um perdão de créditos tributários; que o sentido útil de tal intervenção legislativa é o de enfatizar a natureza indisponível dos créditos tributários, indisponibilidade que se mantém mesmo perante a legislação especial contida no CIRE; pelo que, representando o plano de recuperação, aprovado no caso sob recurso, uma redução dos juros e uma modificação dos prazos de pagamento dos créditos de contribuições para a Segurança Social e de impostos para o Estado, concluem que o tribunal a quo não devia ter homologado – por compreender a violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza – tal plano de recuperação.

Concorda-se em grande medida, desde já se antecipa, com o sustentado por tais recorrentes.

A propósito do “plano de insolvência”[1] – convenção ou negócio jurídico próprio do direito da insolvência, previsto no título IX do CIRE – atribuiu o legislador a força jurídica especial de afectar os direitos dos credores; uma vez que se pode através dele impor aos credores – aparentemente a todos os credores, com excepção das entidades referidas no art. 196.º/2 do CIRE (em que se incluem o BCE e os Bancos Centrais dos Estados membros) – uma compressão generalizada das suas faculdades típicas.

O que – por tal “compressão” afectar todos os credores e por, por outro lado, não constarem os créditos do Estado, das Instituições de Segurança Social e de outras entidades públicas sujeitas a regimes especiais da expressa ressalva constante do referido art. 196.º/2 do CIRE – de imediato levou a que se passasse a problematizar a questão da sujeição ou não do plano de insolvência à regra da “indisponibilidade” dos créditos tributários (estabelecida nos art. 30.º/2, 36.º/2 e 3 da LGT); ou seja, em poucas palavras, de imediato se passou a discutir se as dívidas fiscais e as dívidas à segurança social podiam ser ou não comprimidas pelo plano de insolvência, pese embora a referida regra da “indisponibilidade”, sem o respectivo acordo do Estado ou da Segurança Social.

Questão em que o STJ se veio a inclinar, maioritariamente, no sentido afirmativo[2], ou seja, no sentido de ser possível a compressão; para o que se argumentou não existir, no caso do plano de insolvência prever perdões, reduções ou moratórias no pagamento das dívidas fiscais e da segurança social, violação das normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas sim a necessidade de observar um regime especial criado pelo próprio legislador (consagrando-se a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e prevendo-se a possibilidade dos créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a sua aquiescência, inexistindo assim violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente o estabelecido no art. 103.º/2 do CRP), sendo por isso legítimas, no âmbito do plano de insolvência, quaisquer alterações aos créditos do Estado ou da Segurança Social mesmo, sem o consentimento destes.

É pois neste contexto e encadeamento que devem ser situados e “lidos” os art. 123.º e 125.º da Lei do Orçamento de 2011[3] (Lei n.º 55-A/2010, de 31-12), que no fundo e em poucas palavras – concorde-se ou discorde-se – vêm dizer que a regra geral tributária constante do art. 30.º/2 – que estabelece a indisponibilidade do crédito tributário e que diz que só no respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributárias o mesmo poderá ser comprimido – não é alterável por uma qualquer legislação ou regime especial[4]; que no fundo vêm alargar o alcance da protecção dos créditos tributários.

Mais, para que não haja lugar a dúvidas – ou veleidades interpretativas – como que se “blindou” a prevalência da regra da indisponibilidade da lei geral tributária sobre qualquer legislação especial com a introdução duma disposição transitória em que se “advertiu” o intérprete para a aplicação/observância de tal prevalência nos processos de insolvência.

Enfim, por mais pertinentes e racionais que sejam os argumentos contrários[5] – efectivamente, não se alcança o mérito do Estado/legislador que impõe aos particulares um regime de excepção, obrigando-os a um plano de insolvência que inclui o perdão ou a redução dos seus créditos sem ou contra o seu acordo, e que, ao mesmo tempo, se “abstém de contribuir para a prossecução dos fins que visou atingir com o processo de insolvência, mantendo intocáveis os seus créditos e impondo aos demais credores todo o esforço de recuperação do insolvente” – não padecendo a lei (neste caso, a Lei 55-A/2010) de patente inconstitucionalidade, impõe-se (cfr. 203.º da CRP e 4 do EMJ), a nosso ver e como sempre, respeitá-la e aplicá-la.

E o que acaba de ser exposto sobre o “plano de insolvência” vale, mutatis mutandis, para o “plano de recuperação” aprovado no âmbito do recentemente instituído (pela Lei 16/2012, de 20-04) processo especial de revitalização; aliás, o art. 17.º-F/5 diz expressamente que “o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação (…), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos art. 215.º e 216.º.”

Assim, em termos de premissa maior, tudo parece dito, uma vez que tudo se reconduz à questão de saber se pode o “plano” – seja de insolvência ou de recuperação – afectar os créditos do Estado, das Instituições de Segurança Social e de outras entidades públicas, apesar dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária consagrados nas leis tributárias e até na lei fundamental; questão a que o texto vertido no art. 30.º/3 da LGT não deixa actualmente, como se referiu, grande “margem de manobra” na resposta[6].

Restará, quando muito, a teleologia imanente à disciplina da insolvência, a função de recuperação de empresas, que é – deve ser – uma das funções irrenunciáveis de qualquer lei de insolvência; de facto, sendo o Estado sempre o mesmo, não é expectável que tenha produzido um sistema de normas algo conflituante e que se anulam, uma vez que se se mantiverem todas as regras, requisitos e precedimentos que usualmente “defendem/blindam” os créditos do Estado nenhuma empresa será recuperável e o CIRE – maxime, o recente processo especial de revitalização[7] – de pouco servirá.

Por outras palavras, não é crível/admissível que o mesmo Estado que anuncia e propagandeia medidas (legislativas) de recuperação e de revitalização das empresas (em situação de “pré-insolvência”) não queira participar nos sacrifícios que tais medidas representam; não é crível/admissível que o Estado imponha aos credores a compressão dos seus direitos creditórios e que ele permaneça, enquanto credor, incólume.

Tudo isto para dizer – sem prejuízo de termos que entender, em face do art. 30.º/2 e 3 da LGT, que violam as normas tributárias os “planos” (de insolvência ou de recuperação) que, sem a autorização/acordo do Estado, reduzam os juros ou dilatem prazos de pagamento das obrigações tributárias – que tem que haver algum espaço/margem para, por interpretação, do confronto entre o poder de império do Estado (da Administração Tributária) e o princípio da igualdade entre os credores (art. 194.º do CIRE), poder “sair/resultar” uma solução que respeite minimamente a unidade e harmonia do sistema jurídico[8].

E, dispondo-se no art. 215.º do CIRE (para que remete o art. 17.º-F/5 do CIRE) que o juiz só deve recusar a homologação em caso de “violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo”, deve considerar-se ser possível entender, em certos e concretos casos, que estaremos tão só perante violações negligenciáveis das normas tributárias.

Vem-se entendendo, é certo, que devem ser consideradas como não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretam a produção dum resultado que a lei não autoriza; todas as violações de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores.

Mas será o caso – violação não negligenciável – se a violação se traduzir numa mera modificação dos prazos de pagamento e numa redução das taxas de juros, que reflictam e exprimam uma redução global do crédito pouco expressiva e se tal modificação dos prazos e redução de juros não estiver à partida proibida pelas disposições tributárias abstractamente convocáveis e invocáveis[9]?

Pensamos/admitimos que não.

Porém – é o ponto – não é este o caso dos autos/recursos.

Como se extrai das alíneas A) e C) dos factos provados, o plano de recuperação aprovado prevê o pagamento da totalidade do valor dos créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional; sendo o montante de € 47.075 do Instituto de Segurança Social e o montante de € 15.951,87 da Fazenda Nacional pagos em 12 anos em prestações progressivas e com uma taxa de juro fixa de 7,07%; e sendo o montante de € 104.909 do Instituto de Segurança Social e o montante de € 13.478,43 da Fazenda Nacional pagos em 15 anos de prestações progressivas e com uma taxa de juro correspondente à Euribor a 3 meses + Spread 3%, com período de carência de 12 meses e diferimento de 25% do capital para o final do contrato[10].

Estamos pois perante pagamentos que compreendem uma moratória, uma modificação do prazo e uma redução de juros que, no seu conjunto, não são à partida (e em abstracto) viabilizáveis pelas disposições dos art. 189.º e 190.º do CRCSP, dos art. 80.º e 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03-01, e do art. 196.º do CPPT; os quais “grosso modo” (e preenchidas certas condições) admitem, quando tal for indispensável à viabilidade do contribuinte e este se encontre em processo de insolvência ou recuperação, que seja autorizado, prestadas garantias, o pagamento prestacional da dívida e a isenção (no caso do art. 190.º/1 do CRCSP) ou redução dos respectivos juros vencidos e vincendos.

Todavia – é o ponto – não admitem moratórias, não admitem prestações progressivas[11] (mas sim iguais – cfr. Art. 81.º/1 do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03-01, e art. 196.º/1 do CPPT) e os juros, que continuam a ser devidos, são, nos termos dos Avisos 24866-A/2011 e 17289/2012, em 2012, de 7,007% e, em 2013, de 6,112% (e não os pouco mais de 3% de juros previstos para os créditos reconhecidos como comuns).

Mais, como também se extrai das alíneas A) e C) dos factos provados, o plano de recuperação aprovado, no que diz respeito ao pagamento dos créditos da Segurança Social e da Fazenda Nacional, não é sequer claro (como o exige no art. 195.º/1 do CIRE e vale por identidade de razão para o plano de recuperação), uma vez que se diz que o crédito de € 47.075 do Instituto de Segurança Social e o crédito de € 15.951,87 da Fazenda Nacional são pagos em 12 anos em prestações progressivas, porém, não se estabelece exactamente qual há-de ser tal progressividade, visto que, no quadro reproduzido no final da alínea A), se prevêem 15 anos (sendo até o 1.º de carência), ou seja, nem se percebe como a progressividade prevista em tal quadro pode ser imediatamente aplicável a tais créditos do ISS e da Fazenda Nacional.

Não estamos pois perante um “plano” de que se possa dizer – sem prejuízo, repete-se, da apreciação de todas as condições constantes dos art. 189.º e ss. do CRCSP, 80.º e 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03-01, e 196.º a 199.º do CPPT não ser feita pela entidade competente para tal – que “apenas” incorre em violações negligenciáveis (das normas tributárias), admissíveis/toleráveis uma vez que se trataria aqui, salienta-se, não de apreciar se se verificam todas as condições do pagamento em prestações, mas tão só de avaliar da negligenciabilidade da violação das normas tributárias.

Confrontando a previsão das normas (art. 189.º e ss. do CRCSP, 80.º e 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03-01 e 196.º a 199.º do CPPT) quer com a situação de facto do plano de recuperação da requerente/devedora quer com os reflexos, em termos práticos, da moratória, da modificação dos prazos e da redução de juros, não podemos deixar de propender para considerar que estamos perante violações não negligenciáveis das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação; não havendo assim razão suficiente, a nosso ver e com o devido respeito, para homologar o plano de recuperação aprovado.

Com o processo especial de revitalização, pretende o Estado, como já referimos, favorecer a recuperação de empresas economicamente viáveis, porém, tal não pode significar que qualquer recuperação/plano se deve impor à vontade dos credores públicos; o Estado, como qualquer credor que se sinta prejudicado, pode manifestar a sua oposição à aprovação do “plano”, demonstrando/alegando que a sua situação ao abrigo do “plano” é menos favorável que aquela que adviria da ausência do “plano” ou que o “plano” interfere com a justa salvaguarda dos seus interesses/posições creditórias.

É por isto – por a compressão dos créditos globais do ISS e da Fazenda Nacional ser abstractamente proibida pelas disposições legais aplicáveis – que consideramos, no caso, não negligenciável a violação dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária consagrados nas leis tributárias e até na lei fundamental.

Em conclusão, procede o que o ISS e o M.º P.º/Fazenda Nacional concluíram nas suas alegações recursivas[12], o que determina o sucesso de ambos os recursos e a revogação da decisão que homologou o plano de recuperação.

Quanto ao recurso do Banco B...:

Estabelecida a revogação da decisão que homologou o plano de recuperação, não tem relevo prático a apreciação/desfecho de tal recurso.

Em todo o caso, muito sinteticamente, sempre se diz:

Como resulta dos factos E) e C), está reconhecido ao Banco B... – emergente dum contrato de locação financeira mobiliária celebrado com a devedora, segundo o qual o banco adquiriu, para lhe locar, o veículo automóvel de marca Porsche, modelo Cayenne S Hibido II, matrícula (...) – um crédito comum de € 75.841,94; resultando também que a devedora, para garantir o cumprimento de tal contrato, subscreveu e entregou ao Banco B... uma livrança em branco, avalizada por C...e D....

Dirigindo-se a sua divergência recursiva (não em relação ao plano de pagamento de tal seu crédito comum) contra a “condição” transcrita no final da alínea A) dos factos provados, segundo a qual “no decorrer do plano, verificando-se o cumprimento na totalidade do mesmo, os credores não poderão executar os avais prestados à sociedade por parte dos seus gerentes e sócios”.

“Condição” esta que, assiste razão ao recorrente, viola o artigo 217.º/4 do C.I.R.E. segundo o qual “as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.

Efectivamente, representando o aval – enquanto obrigação cambiária autónoma – uma garantia patrimonial adicional, na medida em que os avalistas afectam os seus patrimónios pessoais ao cumprimento da obrigação cambiária do subscritor da livrança (cujo subjacente é o contrato de locação financeira mobiliária do Porsche Cayenne S Hibido II), não pode o “plano” reduzir/destruir tais garantias/avais prestados pelos C...e D....

Enfim, o “plano” de recuperação não pode retirar ao recorrente o direito de exigir dos avalistas o pagamento da totalidade dívida a que estes se obrigaram nos termos originários; isto é, as obrigações dos condevedores da insolvente/pré-insolvente ou de terceiros garantes não podem ser afectadas pelo “plano” (como decorre claramente do art. 217º/4/CIRE e sempre decorreria dos princípios gerais).

Aliás, não se alcança, tendo em vista o objectivo dos autos – a recuperação da devedora – o “interesse” e a relevância duma tal condição inserida num “plano” de recuperação; de tal maneira que o “plano” pode sobreviver, sem qualquer quebra de equilíbrio, caso apenas tal condição seja/fosse considerada inválida.

Em todo o caso, saber se tal desfecho – manutenção/homologação do plano sem tal condição – era a solução mais correcta e adequada, é questão que está prejudicada, uma vez que – como resulta da apreciação dos dois anteriores recursos – está em definitivo estabelecida a revogação da decisão que homologou o plano de recuperação.


*

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar procedentes os recursos e revoga-se a decisão recorrida que se substitui por decisão a recusar a homologação do plano de recuperação.

Custas pela requerente/devedora.


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Coimbra, 01/10/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Seguimos neste aspecto de perto o sustentado no acórdão proferido, em 25/06/2013, na apelação 1802/11.8TBPBL-D.C1.
[2] Cfr. v. g. Ac. do STJ de 13/01/2009, 04/06/2009 e 02/03/2010, in DGSI

[3] Passando o art. 30.º da LGT a ter a seguinte redacção:

Objecto da relação jurídica tributária

1 - Integram a relação jurídica tributária:

a) O crédito e a dívida tributários;

b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição;

c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto;

d) O direito a juros compensatórios;

e) O direito a juros indemnizatórios.

2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.

3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.

Tendo o n.º 3 sido aditado pelo art. 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

Lei que também aditou, pelo art. 125.º, a seguinte disposição transitória.

O n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.

[4] Como refere Catarina Serra, in Revista do Direito das Sociedades, pág. 96, o art. 30.º/3 da LGT “atingiu, de forma ligeiramente acintosa,” o argumento principal da jurisprudência: a cedência da lei geral (a lei tributária) perante a lei especial (a lei da insolvência).
[5] A sustentar a manutenção da posição que vinha fazendo vencimento no STJ, antes da Lei do Orçamento de 2011 – cfr., v. g., Ac. da Relação de Guimarães de 18/10/2011, In CJ, Tomo IV, ano 2011, pág. 279/82.

[6] “Deitando por terra”, perdoe-se-nos a expressão, a narrativa argumentativa (jurisprudencialmente construída) no sentido de ser possível a compressão; no sentido de não estarmos perante a violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas sim perante a necessidade de observar um regime especial criado pelo próprio legislador. Narrativa argumentativa essa que é a que a decisão recorrida segue de perto para justificar a homologação do plano de recuperação.

[7] A este respeito, vale a pena atentar que é própria Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, que institui o processo especial de revitalização (destinado a permitir a qualquer devedor, que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica - 17º-A/1), que reorienta o CIRE para a promoção da recuperação, representando uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial – da protecção dos credores para a prossecução do interesse público de defesa da economia – assente na filosofia de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas” (Cfr. Proposta de Lei nº 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros) e relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação (Cfr. Proposta de Lei referida).

[8] A situação é mesmo, perdoe-se-nos a expressão, um pouco “esquizofrénica”: O Estado, na sua veste legislativa, anuncia um procedimento dirigido a manter e recuperar o devedor em pré-insolvência; ao que o mesmo Estado, agora na sua veste administrativa, diz que tal “não lhe diz respeito” e que participa na recuperação desde que devidamente cumpridas todas as regras previstas nos diplomas tributários.
[9] Embora possam não estar preenchidos todos os requisitos e procedimentos das disposições tributárias (desde logo, o da autorização pela entidade competente).

[10] Não se alcança a razão factual que levou a decisão recorrida a dizer que “somente se refere no mencionado plano que o valor do crédito acima relacionado ao “Estado e Outros Entes Públicos” e que consta nos “Créditos Garantidos” corresponde ao crédito total reclamado e reconhecido à Fazenda Nacional e ao Instituto da Segurança Social que, por via do n.º 3 do artigo 30.º da Lei Geral Tributária (com a redacção dada pela Lei n.º 55.º-A/2010, de 31 de Dezembro de 2010 – Orçamento de Estado de 2011)., terá de ser regularizado em conformidade com acordo a celebrar com as respectivas instituições”. Efectivamente, com o devido respeito, não é nada disto, que se refere na decisão recorrida, que consta do plano de recuperação; nem a totalidade dos créditos são considerados como “créditos garantidos” e muito menos se diz que são regularizados “em conformidade com acordo a celebrar com as respectivas instituições”.
[11] E as prestações progressivas representam, na prática, uma outra modalidade de moratória.

[12] Embora não se partilhe do argumento constante da conclusão 10.ª do recorrente/ISS – ser a situação da Segurança Social, enquanto credor, ao abrigo do plano previsivelmente menos favorável do que a interviria na ausência de qualquer plano, nos termos do art. 216º do CIRE, uma vez que poderia recorrer ao processo executivo – uma vez que é conhecida a álea que rodeia os processos executivos, quer singular quer universal; razão porque a sujeição do recorrente aos efeitos da morosidade e incerteza do decurso de anos para efectivo e integral pagamento dos seus créditos não poderia, por si só, servir de fundamento para a recusa da homologação do plano de revitalização (que, repete-se, privilegia a manutenção do devedor no giro comercial, relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação), nos termos do art. 216º/1/a) do CIRE.

Assim como não se partilha do argumento da violação princípio da igualdade constante da conclusão 9.ª do recurso do M.º P.º. Quer o art. 13.º da CRP quer o art. 194º do CIRE acolhem as duas vertentes em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, o que significa que ele próprio não deixa de admitir, em simultâneo, a possibilidade de tratamento diferenciado de diversos credores, desde que justificado por razões objectivas; em função da sua categoria, designadamente, em face da natureza comum ou privilegiada dos créditos e, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, não afasta a possibilidade de se estabelecerem diferenciações desde que a estas presidam visíveis circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado, designadamente, a diversidade das suas fontes. Ora, no caso, a “plano” até previa uma diferenciação de tratamento para os créditos privilegiados de impostos (e de contribuições para a Segurança Social).