Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2658/06.8TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO JESUS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
EFICÁCIA REAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Data do Acordão: 09/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 413º, NºS 1 E 2, 830º, Nº 1, DO CC
Sumário: I – O contrato promessa a que se referem os artºs 410º e segs., 441º, 442º e 830º do CC é, em princípio, um contrato de eficácia obrigacional, o mesmo é dizer que só produz efeitos entre as partes e seus herdeiros.

II – Podem as partes atribuir eficácia real (erga omnes) ao contrato promessa quando tenha por objecto a transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo.

III – Para que um dado contrato promessa relativo a um imóvel seja dotado de eficácia real é necessário que: a) o contrato conste de escritura pública; b) os seus outorgantes declarem expressamente que atribuem eficácia real ao contrato; c) que seja feita inscrição no registo predial dos direitos emergentes da promessa.

IV – Nunca uma cláusula contratual em que se estipula que “em caso de incumprimento, o contraente não faltoso poderá recorrer à execução específica” poderá valer com o sentido de ser atribuído eficácia real a esse contrato.

V – Tendo o contrato promessa eficácia meramente obrigacional, a eventual venda da coisa a terceiro não perde por isso a sua validade e esta circunstância implicará a impossibilidade de cumprimento do contrato promessa.

VI – Assim, quando as partes contratantes não celebraram o contrato promessa por escritura pública e lhe não atribuíram eficácia real, nos termos expostos, não pode o promitente comprador arrogar-se o direito à execução específica quando os réus tenham vendido posteriormente o imóvel a uma terceira pessoa.

VII – O registo da acção não confere ao promitente comprador o direito à execução específica na hipótese de, antes do seu registo, a coisa ter sido alienada a terceiro, mesmo que este não haja inscrito o negócio aquisitivo no registo.

Decisão Texto Integral: I— RELATÓRIO    


A... Ldª, com sede na ..., intentou a presente acção de condenação, com processo ordinário, contra B... e C..., residentes na ..., D... SA, com sede na ..., e E... Ldª, com sede na ..., pedindo que:

 a) Se profira sentença que produza os efeitos da declaração dos faltosos, ou seja, que declare a aquisição a favor da autora da fracção autónoma que identifica, pelo preço de 94.771,60€, do qual a autora já pagou 89.783,62€, devendo o restante ser pago aos mesmos réus ou consignado em depósito à ordem do Tribunal no prazo que for fixado judicialmente;

b) Se decrete o cancelamento de todos os registos na competente Conservatória do Registo Predial que sejam incompatíveis com o registo do direito da autora, quer os já efectuados, quer os que surgirem posteriormente, designadamente a hipoteca e penhora a favor do réu D..., de aquisição por compra também a favor deste e de locação financeira a favor da ré E...;

c) Se condenem os réus D... e E... a entregarem à autora, completamente livre e desembaraçada a fracção acima indicada e a pagarem a sanção pecuniária prevista no artº 829º-A do Código Civil, cujo montante diário deve ser fixado em quantia não inferior a 200,00€, dado o elevado valor da fracção, por cada dia de atraso na entrega da coisa.

Alega para o efeito, em síntese, que em 18 de Dezembro de 1999, os réus B... e C... prometeram vender à autora e esta comprar a fracção autónoma identificada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão esquerdo do lado Norte do prédio sito na ..., ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., mediante o preço de 19.000.000$00. A autora entregou a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 18.000.000$00, tendo ficado estipulado que o remanescente do preço seria pago no acto da escritura de compra e venda, impendendo sobre a autora a liquidação da hipoteca registada a favor do D....

A aquisição da fracção foi registada provisoriamente a favor da autora, registo este que tem sido sucessivamente renovado, sendo que foi atribuída eficácia real ao aludido contrato-promessa.

Mais alega que, na pendência e validade deste registo, o réu D... promoveu registo provisório de aquisição a seu favor por compra efectuada aos réus B... e C.... Com efeito, estes por escritura pública de 22 de Abril de 2004 declararam vender ao réu D... que declarou aceitar a venda, para locação financeira, da supra referida fracção, sendo que na mesma data, o réu D... celebrou com a ré E... um contrato de locação financeira, pelo prazo de 12 anos, o que também ficou registado provisoriamente.

Alega ainda que a autora tem prioridade do registo a seu favor.

Os réus foram citados mas só o réu D... contestou, alegando que o registo provisório de aquisição a favor da autora foi efectuado em 21.05.2005, portanto posteriormente à escritura de compra e venda, mediante a qual o réu contestante adquiriu a fracção em causa. A autora, dadas as relações familiares dos seus sócios com os réus B... e C..., quando promoveu o referido registo sabia que a referida fracção já não pertencia àqueles réus.

Mais alega que a venda do referido imóvel foi realizada no âmbito de uma negociação estabelecida entre o D... e os réus B... e C... com vista à extinção de várias dívidas destes e de duas outras sociedades, uma das quais tendo como sócio também um dos sócios da autora.

A dívida em causa não foi paga com dinheiro da autora, mas sim com parte do preço pago pelo próprio D....

Alega ainda que quando adquiriu a fracção em causa desconhecia a existência do contrato-promessa referido na p.i, estando por isso convencido que não existia qualquer ónus ou encargo que impossibilitasse ou prejudicasse tal aquisição e de que não havia qualquer obrigação de vender o mesmo imóvel, assumida anteriormente pelos vendedores.

Além do mais, ao referido contrato-promessa não foi atribuída qualquer eficácia real, este não foi celebrado por escritura pública e do mesmo não consta certificação pelo notário da existência da licença de utilização ou de construção do imóvel prometido vender, não foi inscrita no registo qualquer menção ou cláusula de eficácia real, razão pela qual o Tribunal não pode produzir sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitentes vendedores. De todo o modo, ainda que tal substituição fosse possível, a mesma não deve ser feita dado o exercício do direito invocado pela autora ser manifestamente abusivo, por contrário aos ditames da boa fé e dos bons costumes.

Conclui pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

A autora replicou, alegando ter efectuado o primeiro registo de aquisição provisória em 05.06.2000, o qual foi renovado em 12.03.2002 e 11.09.2002, registos estes que constavam das várias certidões do registo predial que o réu teve em seu poder, designadamente a que apresentou para a outorga da escritura da venda a seu favor e da locação financeira.

Mais alega que não obstante os sócios gerentes da autora serem filhos dos réus B... e C..., nunca tiveram intervenção nos negócios dos pais e só tiveram conhecimento das escrituras depois da data em que as mesmas foram apresentadas a registo, em 27.05.2004.

Admite que o contrato promessa não foi celebrado por escritura pública, bem como a falta de certificação pelo notário da existência da licença de utilização. Porém, a falta da primeira, não impede que ao contrato promessa seja atribuída eficácia real, pois que ficou expressamente clausulado que “em caso de incumprimento o contratante não faltoso poderá recorrer à execução específica”, o que permitiu aliás, o registo provisório da aquisição a favor da autora e implicou os registos provisórios da aquisição pelo réu e da locação financeira a favor da ré E.... A falta da segunda, por outro lado, não acarreta a nulidade do contrato, pois constitui uma formalidade meramente ad probatione, sendo certo que tal licença já existia aquando da celebração do contrato-promessa.

Foi elaborado despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto sem reclamações. Realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença proferida julgou a improcedência da acção, e absolveu os réus dos pedidos.

Inconformada com a decisão dela interpôs recurso de apelação a autora que das alegações apresentadas tira as seguintes conclusões:

[…]

O contestante D... contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre conhecer e decidir.



O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.

São as seguintes as questões suscitadas:

a)  Alteração das respostas à matéria de facto;

b)  Se o contrato promessa celebrado tem eficácia real;

c) Se se verificam os pressupostos da execução específica.

                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

É a seguinte a factualidade dada por assente:

[…]

DE DIREITO

[…]

B) Se o contrato promessa celebrado tem eficácia real

Alega a recorrente terem os outorgantes atribuído eficácia real ao contrato-promessa de compra e venda a que alude o nº 1 dos factos assentes, pelo que o direito emergente desse contrato é oponível erga omnes prevalecendo sobre todos os demais direitos pessoais ou reais referentes à coisa que não se encontrem registados antes do registo do contrato-promessa.

É manifesto que não assiste razão à recorrente. O contrato promessa que celebrou e cuja execução específica pretende não é um contrato com eficácia real, nos termos do que dispõem os dois números do art.413º do Código Civil.

O contrato-promessa a que se referem os arts 410º e segs., 441º, 442º e 830º do Código Civil é, em princípio, um contrato de eficácia obrigacional, o mesmo é dizer que só produz efeitos entre as partes e seus herdeiros[1].

Podem, porém, as partes atribuir-lhe eficácia real (erga omnes) quando tenha por objecto a transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo.

Estabelece a este título o art. 413º do Código Civil, no seu nº 1, que “à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo”. Por sua vez, o nº 2 preceitua que “deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral”.

Como o bem prometido vender é um bem imóvel, então, para que o contrato-promessa em causa nos autos fosse dotado de eficácia real, seria necessário que:

a) Constasse de escritura pública;

b) Os seus outorgantes declarassem expressamente que atribuíam eficácia real ao contrato;

c) Se fizesse a inscrição no registo dos direitos emergentes da promessa.

Ora, no caso em apreço, o contrato-promessa não foi celebrado por escritura pública, nem no mesmo existe uma declaração expressa das partes no sentido de atribuição de eficácia real ao contrato.

Pretendendo colmatar a primeira das deficiências argumenta a apelante que o facto de o contrato-promessa não ter sido celebrado por escritura pública não impede que ao mesmo seja reconhecida eficácia real, valendo como tal a declaração expressa na cláusula 7ª desse contrato.

O que consta dessa cláusula é que, “em caso de incumprimento, o contraente não faltoso poderá recorrer à execução específica” (nº 8 dos factos provados), o que, como é óbvio, em nada supre a inobservância da escritura pública imposta.

Mas, se em bom rigor e mais apropriadamente o que a apelante pretende com tal invocação é dizer que a declaração contida na referida cláusula deve ser tida por equivalente à de uma declaração de atribuição de eficácia real, ou que revela essa vontade, diga-se que a mesma pela sua natureza apenas produz efeitos inter partes e não em relação a terceiros, finalidade da eficácia real.

E casos há em que a possibilidade de execução específica não significa eficácia real, por exemplo se, entretanto, o promitente vendedor já vendeu o prédio a terceiro e o contrato-promessa não foi registado[2].

Porém, nunca essa cláusula poderá valer com esse sentido. Para a atribuição de eficácia real a lei impõe uma vontade e declaração manifestadas expressamente. Não se contenta com uma “declaração específica” ou “suplementar” feita de modo tácito (cfr. art. 217º, nº 1 do Código Civil), mesmo que os factos reveladores dessa vontade constem do documento exigido para a celebração do contrato prometido. “Ponderando a importância da atribuição da eficácia real à promessa e o possível desconhecimento ou inadvertência das partes quanto ao seu alcance, justifica-se que o legislador estabeleça uma declaração expressa[3].

Portanto, a estipulação de execução específica não é equiparada à eficácia real. É o que resulta claramente do preceituado no art. 413º do Código Civil.

Assim sendo, embora válido, o contrato-promessa tem apenas eficácia obrigacional e não real[4], gerando apenas o direito subjectivo a prestação de facto, consubstanciada no direito de exigir a declaração de vontade para outorga do contrato definitivo.

Não pode, porque não foi lavrado em escritura pública nem foi atribuída eficácia real ao contrato, opor a autora os seus efeitos a terceiros, concretamente aos aqui réus.

C) Se se verificam os pressupostos da execução específica

Entende a apelante que se deve proferir Acórdão que produza os efeitos da declaração dos faltosos, ou seja, que declare a aquisição a seu favor, por compra, do imóvel identificado.

De facto, peticionou a execução específica do contrato-promessa que invoca como causa de pedir, nos termos do art. 830º, nº 1, do Código Civil, ou seja, pretende que o Tribunal profira sentença que supra a manifestação de vontade dos dois primeiros réus, que deveria conduzir à celebração do contrato prometido de compra e venda do imóvel.

E procedeu a apelante/autora ao registo da acção na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... através da Ap. 21/20060516, inscrição F3, sendo que o registo é provisório por natureza (nº 23 dos factos provados).

Mas, como já vimos, o contrato celebrado tem apenas uma eficácia meramente obrigacional, e também não se transfigura em eficácia real por efeito do registo da acção.

Como já se decidiu no Ac. da RL de 17/03/94, “Os efeitos de um contrato-promessa de compra e venda, a que as partes não atribuíram eficácia real, têm natureza obrigacional, vinculam somente os seus contraentes e são inoponíveis a terceiros detentores de direitos reais incompatíveis, ainda que adquiridos posteriormente. – A acção de execução específica daquele contrato-promessa, mesmo que respeitante à alienação de imóvel, não está sujeita a registo obrigatório nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea a), do Código do Registo Predial. O registo desta acção não cria, em benefício do autor, qualquer eficácia real dos direitos meramente obrigacionais, que nela se vise exercer, tornando-os oponíveis a terceiros” (no BMJ 435º, 883).

Mais recentemente, os Acórdãos do STJ de 20/01/2009, Proc. nº 08A3800, e de 11/12/08, Proc. nº 08B1375, disponíveis no ITIJ, sufragaram este  mesmo entendimento.

Então, tendo o contrato eficácia meramente obrigacional, a eventual venda da coisa a terceiro não perde por isso a sua validade e esta circunstância implicará a impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa[5].

Assim sendo, e porque, na hipótese, as partes não celebraram o contrato-promessa por escritura pública e lhe não atribuíram eficácia real nos termos que se deixaram consignados, não pode a recorrente arrogar-se o direito à execução específica, por terem os réus vendido posteriormente a fracção a uma terceira pessoa.

Como se refere no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/98 de 5/11/98[6], “A hipótese que está em julgamento, em que o contrato-promessa não tem eficácia real, dá lugar a conflito entre o direito de crédito do promitente-comprador, destituído de eficácia erga omnes, e o direito real do terceiro adquirente da coisa; e não a conflito entre dois direitos reais.

Um tal conflito não pode deixar de ser resolvido dando prevalência ao direito real do terceiro sobre a coisa, com sacrifício do direito de crédito do promitente-comprador decepcionado à prestação dessa mesma coisa pelo promitente-vendedor faltoso, dado que este direito é ineficaz em relação àquele terceiro.”.



Noutra vertente, dos princípios registais, a questão pode ser abordada.

O registo da acção pela apelante, em 16/05/06, é posterior à aquisição do imóvel pelo D... em 22/04/04, e seu registo em 27/05/04.

Ora, o registo da acção não confere ao promitente-comprador o direito à execução específica na hipótese de, antes daquele registo, a coisa ter sido alienada a terceiro, mesmo que este não haja inscrito o negócio aquisitivo no registo. “É que o registo da acção apenas amplia os efeitos da respectiva sentença, tornando-a eficaz, não só entre as partes, mas também relativamente a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a coisa na pendência do pleito (cfr. o art. 271º, nº 3, do Cód. de Proc. Civ. e os arts. 3º, nº1, als. a) e c), 6º, nºs 1, 3 e 4, 11º, nº 2, 53º e 59º, nº 4, do Cód. do Reg. Pred….).

(...) A proposição de uma acção e o seu registo nunca modificam a natureza do direito que o autor invoca. De outro modo, criar-se-ia, com inobservância dos requisitos do referido art. 413º, uma segunda via de atribuição de eficácia "erga omnes" ao direito de crédito à realização do contrato prometido, de que é titular o beneficiário da promessa.”[7].

Por aqui se vê que a pretensão da apelante sempre teria de naufragar, pois que o réu D... procedeu ao registo da compra que efectuou, em 27/05/04, antes da proposição desta acção em 27/04/06 e seu registo em 16/05/06. Nunca seria eficaz a sentença porventura procedente a favor da apelante (promitente compradora) por força do princípio da rectroactividade do registo da sentença prescrita no nº 3 do art. 6º do CRP[8].



Mas se isso não bastasse, acresce que a inscrição da aquisição a seu favor é, como de folhas 19 se alcança, uma inscrição provisória por natureza, nos termos do art. 92º, nº 1, alínea g), do Código do Registo Predial, e a que igualmente se refere o art. 47º do mesmo Código, pois que o ordenamento jurídico português contempla a inscrição provisória de aquisição, tal como a de constituição de hipoteca a favor de pessoa certa, antes de titulado o contrato translativo da propriedade.

A circunstância de a inscrição da promessa de venda sem eficácia real ser levada aos livros como aquisição, aí permanecendo até caducar ou se consolidar por conversão em definitiva, vertida a título meramente provisório, simplesmente publicita a vinculação do titular do direito de propriedade ao cumprimento de uma promessa de venda ao titular da inscrição da aquisição provisória[9].

Para Mónica Jardim o registo provisório de aquisição traduz-se numa reserva de prioridade própria através do qual se permite que o titular registal inscrito, que pretenda alienar o seu direito apenas no futuro, limite a eficácia substantiva de actos posteriores que se revelem incompatíveis com o direito que virá a nascer na esfera jurídica daquele a favor de quem é feita a inscrição provisória. Tal limitação, todavia, apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando o futuro adquirente em face de actos praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v.g., arresto, penhora)[10].

Sempre o registo provisório de aquisição, deve ser convertido em definitivo, e a conversão é feita através da apresentação e submissão a registo do documento que titula a aquisição da propriedade (seja, por exemplo, a escritura pública de compra e venda), ou com o averbamento da decisão final da acção, procedente, logo que transitada em julgado (arts. 92º, nº1, al. g), 3º, nº1, als. a ) e c ), 101º, nº 2, als. b) e c), 103º, nº 2 e 6º, nº3 do Código do Registo Predial).

Com este mecanismo, designadamente com o que estipula o nº 3 do art.6º, o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório, assim se acautelando o periculum in mora de qualquer processo. O registo favorável ao promitente-comprador prevalece sobre o registo da aquisição de terceiro ao promitente-vendedor feito depois do registo da acção[11].

Porém, sendo a função do registo predial assegurar a quem adquire direitos de certa pessoa sobre um prédio que esta não realizou em relação a ele actos susceptíveis de prejudicar o mesmo adquirente, deve concluir-se que ele visa proteger os terceiros de boa fé, a boa fé do 2º adquirente, e não aos que actuam de má fé, aqueles que no momento da aquisição não ignoravam que o prédio fora já alienado a outrem pelo mesmo alienante, não tendo ainda tal adquirente anterior procedido ao registo da aquisição.

Em analogia com isto encontramos o art. 291º nº 1 do Código Civil segundo o qual a declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, se a acção for proposta e registada para lá dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio (nº 2), considerando-se de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável (nº 3).

Como se sumariou no Ac. da Relação de Coimbra de 8/10/96, CJ, 1996, Tomo IV, pág 34 “I - Só o terceiro adquirente de boa fé pode confiar na fé pública do registo. II - Se o terceiro adquirente sabe que o registo está em desconformidade com a situação jurídica real, não pode confiar na presunção, sendo-lhe oponível o direito não registado - compra e venda de imóvel - por, tratando-se de contrato com eficácia real, ter efeitos erga omnes”.

Recorde-se que todos os registos de aquisição provisória a favor da autora anteriores a 22/04/04, data da escritura pública de compra outorgada pelo réu D..., estavam caducados, e que a apelante cerca de um mês depois dessa venda, em 21/05/04, requereu novo registo provisório de aquisição quando sabia que o imóvel já havia sido vendido àquele réu (nº 11 dos factos provados).

Consequentemente, a venda sempre seria oponível à apelante, terceira adquirente, apesar de não estar registada antes do registo provisório que teve por fonte o contrato-promessa, uma vez que a apelante quando procedeu a esse registo provisório sabia que o imóvel em causa havia sido vendido um mês antes ao D... e que este ainda não havia promovido o registo a seu favor.

Concluindo, não faltam motivos para julgar a improcedência dos pedidos da apelante/autora. Porém, e essencialmente, já não pertencendo aos dois primeiros réus o imóvel em causa e não tendo ao contrato-promessa celebrado sido atribuída eficácia real não pode ter lugar a pretendida execução específica ao abrigo do art. 830º do Código Civil, como bem se declarou na sentença recorrida.

Improcede igualmente esta sua pretensão, e sendo assim todas as conclusões do recurso.


III-DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão impugnada.

Custas a cargo da recorrente.


Relator: Gregório Silva Jesus
Adjuntos: Desembargadores Martins de Sousa e Regina Rosa.

[1] Cfr. Antunes Varela in “Das Obrigações em geral”, 9ª ed., vol. I, pág. 317 e segs.; Abel Pereira Delgado, in “Do Contrato Promessa”, 1978, págs 29/30.
[2] Cfr. Mota Pinto, “Direitos Reais”, pág. 142.
[3] Almeida Costa,” Contrato-Promessa”, 7ª ed., Almedina, pág. 47; No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, no “Código Civil Anotado”, vol I, pág. 388, 4ª ed..
[4] Cfr. Antunes Varela, loc. cit., pág. 338.
[5] Henrique Mesquita, “Obrigações Reais e ónus Reais”, Almedina, 1990, pág. 234.
[6] Tirado para circunstância mais gravosa e não verificada nestes autos, como é a de o terceiro adquirente não haver obtido o registo da aquisição antes do registo da acção.
[7] Almeida Costa, loc. cit., págs. 63/64, e na RLJ do ano 127º, págs. 215 a 217.
[8] Cfr, neste sentido Antunes Varela, loc. cit., págs. 338 a 342; Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, 6ª ed., págs. 143 a 147.
[9] Ac da RL de 7/12/99, CJ, 1999, tomo V, pág. 118.
[10] In “O Registo Provisório de Aquisição” - Comunicação feita na F.D.U.C., no Congresso de Direitos Reais, em 29/11/03, págs. 14 e 15, in www.fd.uc.pt/cenor/textos/registoprovisoriodeaquisicao.
[11] Neste sentido o Ac. do STJ de 5/05/05, Proc. nº 05B743, no ITIJ.