Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
71/14.2YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
CIDADÃO PORTUGUÊS
RESIDENTE EM PORTUGAL
REPATRIAMENTO
CUMPRIMENTO
PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE
MEDIDA DE SEGURANÇA
GARANTIA
ESTADO REQUERENTE
Data do Acordão: 05/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: DEFERIMENTO
Legislação Nacional: ART.º 13º C) DA LEI 65/2003 DE 23/08
Sumário: 1.- Emitido mandado de detenção europeu para sujeição de cidadão português residente em Portugal, para efeitos de procedimento criminal pela prática de crime de fraude de forma repetitiva e com base lucrativa e tentativa de evasão fiscal, previsto no § 370 (1) do Cod. Penal Alemão, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de ser devolvido a Portugal para aqui cumprir pena ou medida de segurança privativas de liberdade a que venha a ser condenado na Alemanha.

2.- Para o efeito exigir-se-á como condição para a entrega, a prévia garantia de que o arguido será devolvido a Portugal para aqui cumprir pena ou medida de segurança privativas de liberdade em que venha a ser condenado no Estado da emissão do MDE

3.- Se a garantia não for prestada, a execução não terá lugar e o processo será arquivado.

Decisão Texto Integral: Acordam, no tribunal da Relação de Coimbra:

            O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio requerer, nos termos do disposto no art. 16º, nº1, da Lei nº 65/03, de 23/08, a Execução de Mandado de Detenção Europeu (doravante designado abreviadamente por MDE), emitido pela autoridade judiciária alemã relativa a A..., filho de (...) e de (...), nascido a 11/9/1967, em Viseu, com domicílio na (...) Penalva do Castelo.

            Os fundamentos da execução do MDE são os seguintes:
            - Pelos serviços do Ministério Público de Kassel, sito em Staatsanwaltschaft,Kassel, Frankfurter, Alemanha, foi emitido, para efeitos de procedimento criminal, um mandado de detenção europeu relativo ao cidadão acima identificado. Tal mandado resulta do facto de o mesmo, na sequência de candidatura ao Centro de Emprego, ter recebido ilegalmente, desde o ano de 2005, subsídios, por 12 ocasiões, do Estado Alemão, no montante global de € 49 887,20, sendo certo que nunca apresentou declaração de imposto sobre o rendimento nem declaração de imposto sobre a actividade referente aos anos 2006 a 2010, pelo que não pagou impostos no valor de € 17 000,00 e tentou não pagar no valor de € 30 000,00.

            Tais factos configuram a prática de crime de fraude de forma repetitiva e com base lucrativa e tentativa de evasão fiscal, previsto no & 370 (1) do Cod. penal Alemão e punível com pena até 15 anos de prisão.
            O ilícito em causa constitui também crime, em face da lei penal portuguesa (art 87º, nº 3 do RGIT), punível com pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão.

                                                                       *
            O requerido foi detido pela Polícia Judiciária e apresentado neste Tribunal para interrogatório.

            No interrogatório o arguido declarou opor-se à execução do mandado, não renunciar ao princípio da especialidade e requereu prazo para apresentar a sua defesa.
            Face á oposição do requerido, atenta a natureza do crime, a moldura abstracta da pena e a pena concreta aplicada, ponderadas as necessidades cautelares, o requerido foi posto em liberdade, durante a pendência do procedimento, mediante prestação de termo de identidade e residência e apresentação periódica no Posto Policial mais próximo da sua residência.

            No decurso do prazo fixado o apresentou a sua defesa, alegando que indo para a Alemanha não ficam salvaguardados os seus direitos fundamentais e, por outro lado, o crime aqui em causa já se encontra prescrito.
                                                                       *
            Notificado da oposição, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual alega, em resumo que as razões invocadas pelo requerido são insuficientes para a recusa da execução do mandado, sendo certo que em relação à prescrição do procedimento criminal, não se verifica o condicionalismo previsto na al e) do nº 1 do art 12º da Lei 65/2003.

                                                                       *
            Cumpre decidir:


            “O cumprimento do MDE funda-se no princípio do reconhecimento e respeito mútuo e da confiança entre os Estados, nos termos previstos no art. 1.º n.º 2 da Lei n. 65/2003, de 23/08, e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho da referida Lei.
            O objectivo prosseguido pela União Europeia é o de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, conduzindo à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema assente nos princípios do reconhecimento mútuo das decisões dos vários países.
            Constituindo regime do MDE a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de“pedra angular” da cooperação judiciária.
            Assim, desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União.
            As autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão da mesma forma que executariam uma decisão tomada por uma autoridade do Estado.
            Afastada a existência de motivo de recusa de execução, o MDE adquire plena exequibilidade, não sendo admissível que se recoloquem os fundamentos de facto que o informam. Tal como na transmissão de determinação judicial na ordem jurídica interna também aqui o pedido formulado é cumprido nos seus termos, adquirida que está a sua regularidade formal” (Ac RC 80/10.0YRCBR e 2315/06.5YRCBR, que seguiremos de perto).

            “Nesta base, postula o art. 21º, n.º2 da Lei 65/2003 de 23.08 que a oposição só pode ter por fundamento o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu.
            Não sendo posta em causa a identidade da pessoa, as causas de recusa são as previstas no artigo 11º da referida Lei.
São causas de recusa obrigatória de execução do mandado de detenção europeu (artº 11º):
 a) A infracção que motiva a emissão do mandado de detenção europeu tiver sido amnistiada em Portugal, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento da infracção;
b) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado membro onde foi proferida a decisão;
c) A pessoa procurada for inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;
d) A infracção for punível com pena de morte ou com outra pena de que resulte lesão irreversível da integridade física;

e) A emissão do mandado de detenção for determinada por motivos políticos.
            E constituem causas de recusa facultativa (artigo 12.º)

a) O facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu não constituir infracção punível de acordo com a lei portuguesa, desde que se trate de infracção não incluída no n.º 2 do artigo 2.º;
b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu;
c) Sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido arquivado o respectivo processo;
d) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro em condições que obstem ao ulterior exercício da acção penal, fora dos casos previstos na alínea b) do artigo 11.º;
e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;
f) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei portuguesa;

g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa;
h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que:
i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou
ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional.

            No caso vertente não existem causa de recusa de execução de presente mandado. As razões familiares apresentadas pelo requerido não são fundamento para a recusa. Trata-se de violência física e psicológica entre família que ele tem que resolver no meio familiar e nas instâncias próprias mas que, não são fundamento que levem à recusa do mandado de detenção europeu. Quanto à prescrição atendendo aos períodos aqui em questão, também não se encontra prescrito o procedimento criminal.
            Vistas as circunstâncias e as razões de emissão do mandado e observadas as condições de exigibilidade de prestação de garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em casos especiais previstas no elenco do artº 13º da Lei 65/2003, verifica-se que, em concreto não há motivos legais e circunstanciais que as imponham excepto quanto à mencionada na alª c) do artº citado pois o arguido é cidadão nacional e reside em Portugal.
            Na verdade, ali se indica que sendo nacional ou residente no Estado membro de execução a pessoa procurada (e que é o caso pois o requerido é  português e reside em Portugal), a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de ser devolvido a Portugal para aqui cumprir pena ou medida de segurança privativas de liberdade a que venha a ser condenado na Alemanha. É o que se exigirá como condição para a entrega, a solicitar oportunamente às autoridades alemãs.
            Assim, encontram-se preenchidos todas os pressupostos e condições legais e substanciais para a decisão definitiva de validação e aceitação de execução demandado nos termos da Lei de execução do MDE (Lei 65/2003)

            Pelo exposto, determina-se a execução definitiva do mandado de detenção europeu contra o arguida A..., ordenando-se o seu cumprimento em dez dias, com entrega após trânsito em julgado, às autoridades alemãs para prossecução do procedimento criminal.

            -Esta decisão de entrega fica sujeita na sua execução à condição de a autoridade requerente garantir que o arguido será devolvido a Portugal para aqui cumprir pena ou medida de segurança privativas de liberdade em que venha a ser condenado na Alemanha.

            Faz-se menção de o arguido ter declarado não renunciar ao princípio da especialidade (artº 7º da Lei 65/2003

            - Notifique o MºPº, o GNI, arguido e defensor e informe a autoridade de emissão.

            Comunique à Embaixada Alemã.

            Após trânsito, confirmada previamente a garantia supra, proceda-se à entrega combinada no prazo de 10 dias.

            Oficie desde já e independentemente do trânsito em julgado, directamente à autoridade emitente do mandado para informar se presta a garantia exigida.
Sendo prestada, a execução, mesmo que tenha transitado em julgado a presente decisão só se cumprirá depois de considerada válida tal garantia.
Se a garantia não for prestada, a execução não terá lugar e o processo será arquivado. Comunique nestes termos à referida autoridade.

            O arguido manter-se-á no regime de medida de coacção fixada, até trânsito em julgado da decisão, salvo alteração superveniente justificada dos respectivos pressupostos.
            As despesas ocasionadas pela execução em território nacional ficam a cargo do Estado Português - artº 35º nº 1 da Lei 65/2003


Alice Santos (Relatora)

Belmiro Andrade