Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1149/23.7T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRAORDENAÇÕES LABORAIS – ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 09/21/2023
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ARTº 405º CPP
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 49.º, N.º 1 E 2 DA LEI N.º 107/2009 (REGIME PROCESSUAL APLICÁVEL ÀS CONTRAORDENAÇÕES LABORAIS E DE SEGURANÇA SOCIAL).
Sumário:  I - As prestações laborais não se enquadram no conceito de «sanções acessórias» para efeitos da admissibilidade de recurso, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009 (Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social).

II - Invocando-se como fundamento para a admissibilidade do recurso o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, o tribunal de 1.ª instância deve encaminhar o recurso para o tribunal superior, para este decidir se o recurso é ou não é admissível.

III – Mas tal fundamento tem de ser invocado, sob pena de preclusão, no prazo do recurso.

Decisão Texto Integral:
Reclamação – Nos termos do n.º 4 do artigo 50.º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro), «O recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultem desta lei.»

Por conseguinte, a reclamação foi autuada nesta Relação como reclamação tramitada nos termos previstos no artigo 405.º do Código de Processo Penal porque se insere num recurso que segue a tramitação do recurso em processo penal.

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Reclamante ……………………………V..., Lda.
Reclamado……………………………...Ministério Público
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Sumário 
I - As prestações laborais não se enquadram no conceito de «sanções acessórias» para efeitos da admissibilidade de recurso, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009 (Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social).
II - Invocando-se como fundamento para a admissibilidade do recurso o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, o tribunal de 1.ª instância deve encaminhar o recurso para o tribunal superior, para este decidir se o recurso é ou não é admissível.
III – Mas tal fundamento tem de ser invocado, sob pena de preclusão, no prazo do recurso.
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I. Relatório

a) A presente reclamação insere-se num processo de recurso de contraordenação laboral –   Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro) – e é dirigida ao despacho proferido no pretérito dia 6 de junho, o qual não admitiu o recurso relativo à decisão que incidiu sobre o recurso da contraordenação.
O despacho em questão tem este teor:
«Conforme resulta da nossa decisão, a fls 118, foi a recorrente condenada ao pagamento da coima única de 9UC (918,00€)       pela prática de duas contraordenações graves, p.p no art 521º, nº 1 do Código do Trabalho.

Foi, ainda, a arguida condenada ao pagamento de créditos laborais à trabalhadora AA, bem como ao pagamento da quantia de €
3.148,87 à Segurança Social por contribuições devidas.
Salvo o devido respeito, não é o recurso admissível.

Com efeito, conforme art 49º da Lei nº 107/2009, são, nomeadamente, e no que à situação sub iudice interessa, suscetíveis de recurso, em caso de condenação da arguida, as decisões em que é aplicada à arguida coima superior a 25UC ou valor equivalente e as decisões onde se procede à aplicação de sanções acessórias – alíneas a) e b) do nº 1 do preceito.

A decisão de que a arguida recorre não se enquadra em nenhuma destas alíneas, pelo que é, assim, insuscetível de recurso.
Pelo exposto, por inadmissibilidade legal, não se admite o recurso.»

b) A Reclamante sustenta que a decisão é recorrível porque lhe foram aplicadas

sanções acessórias, ou seja, «…o pagamento dos créditos laborais devidos à trabalhadora AA no montante de €

8.098,56 e ainda o pagamento à Segurança Social da quantia de € 3.148,87 a título de contribuições devidas.», o que permite o recurso nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009.

Além disso, ocorre aplicação errada do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009 ao caso, porquanto na decisão considerou-se que se aplicava à relação laboral em questão o C.C.T. celebrado entre a ACILIS – Associação Comercial e Industrial de ..., ... e Porto ... e outras e o CESP –Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal – alteração salarial e outras e texto consolidado publicado no BTE nº 1 de 08.01.2009, por força da PE publicada no BTE nº 30, de 15.08.2009, quando é certo que não se aplicava este «C.C.T.» porquanto facilmente se constata que o CAE de atividade da ora Recorrente, que tem o n.º 47510, não corresponde a qualquer u  dos identificados  naquele «C.C.T.».

Esta errada subsunção jurídica, que pode ser feita em muitos ouros casos similares e que importa acautelar e corrigir,  implica que a presente decisão seja recorrível face ao disposto no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, onde se

dispõe que «Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.»
II. Objeto da reclamação
A presente reclamação coloca duas questões:

1.ª – Se a condenação no pagamento de créditos laborais integra o conceito de «sanções acessórias» previsto no da alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009.

2.ª – Se uma eventual e errada qualificação jurídica aplicada aos factos, que implicou a condenação da Reclamante no pagamento de créditos laborais, autoriza o recurso nos termos previstos no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009.
III. Fundamentação
1 - Primeira questão. 

Se a condenação no pagamento de créditos laborais integra o conceito de «sanções acessórias» previsto no da alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009.
A resposta é negativa, pelas seguintes razões:

(I) Os créditos laborais são prestações monetárias devidas segundo as normas que regem as relações laborais entre entidade empregadora que remunera e a ação laboral prestada pelo trabalhador.

As «sanções acessórias» são, como o nome indica, sanções que acrescem a outras sanções, ambas destinadas a penalizar comportamentos ilícitos contraordenacionais surgidos no âmbito das relações laborais.

Por conseguinte, as prestações laborais não podem ser «sanções acessórias» porque não correspondem a penalizações emergentes de contraordenações.

(II) O Código do Trabalho – Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro –, no seu artigo 562.º (Sanções acessórias), dá-nos conta das sanções acessórias aplicáveis às contraordenações laborais, ou seja:

«1- No caso de contraordenação muito grave ou reincidência em contraordenação

grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade.

2 - No caso de reincidência em contraordenação prevista no número anterior, tendo em conta os efeitos gravosos para o trabalhador ou o benefício económico retirado pelo empregador com o incumprimento, podem ainda ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:
a) Interdição do exercício de atividade no estabelecimento, unidade fabril ou
estaleiro onde se verificar a infração, por um período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por
um período até dois anos.

3 - A publicidade da decisão condenatória consiste na inclusão em registo público, disponibilizado na página eletrónica do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, de um extrato com a caracterização da contraordenação, a norma violada, a identificação do infrator, o sector de atividade, o lugar da prática da infração e a sanção aplicada.

4 - A publicidade referida no número anterior é promovida pelo tribunal competente, em relação a contraordenação objeto de decisão judicial, ou pelo serviço referido no mesmo número, nos restantes casos.»

O Regime Geral das Contraordenações – DL n.º 433/82, de 27 de outubro –, aplicável subsidiariamente às contraordenações laborais – cfr. artigo 60.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro –, também prevê sanções acessórias no seu artigo 21.º, nestes termos:

«1.  A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções acessórias, em função da gravidade da infração e da culpa do agente:
a) Perda de objetos pertencentes ao agente;
b) Interdição do exercício de profissões ou atividades cujo exercício dependa de
título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços
públicos;

d) Privação do direito de participar em feiras ou mercados;

e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objeto a empreitada ou a concessão de obras públicas, o fornecimento de bens e serviços, a concessão de serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás;
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a
autorização ou licença de autoridade administrativa;
g) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.

2 - As sanções referidas nas alíneas b) a g) do número anterior têm a duração máxima de dois anos, contados a partir da decisão condenatória definitiva.

3 - A lei pode ainda determinar os casos em que deva dar-se publicidade à punição por contraordenação.»

(III) Verifica-se, por conseguinte, face a estes exemplos de sanções acessórias, que as prestações laborais têm uma génese e finalidade distintas e não se enquadram no conceito de «sanções acessórias» para efeitos da admissibilidade de recurso, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009.
Pelo que improcede este fundamento da reclamação.
2 - Segunda questão. 

Se uma eventual e errada qualificação jurídica aplicada aos factos que implicou a condenação da Reclamante no pagamento de créditos laborais autoriza o recurso nos termos previstos no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009.
A resposta a esta questão é também negativa, pela seguinte razão:

O n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, diz que «Para além dos casos enunciados no número anterior, pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.»

Porém, para que isto ocorra há de cumprir-se o que a norma diz: «…pode o Tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso…»
Se é o Tribunal da Relação que aceita o recurso, então este tribunal tem de ser colocado na situação de ajuizar essa pretensão e tem de existir um requerimento ad hoc nesse sentido.

Existindo tal requerimento, o tribunal de 1.ª instância encaminha de seguida o recurso para o tribunal superior, para este decidir se o recurso é ou não é admissível.

E o mesmo vale para o presidente do Tribunal da Relação face a uma reclamação com tal fundamento, pois a norma é clara quando diz que essa apreciação é feita pelo Tribunal da Relação, ou seja, pelos respetivos desembargadores aos quais for distribuído o processo.
Mas há de existir um requerimento nesse sentido e neste caso não há.

Ou seja, quando a Reclamante recorreu devia ter dito que recorria ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, isto é, devia ter requerido a apreciação do recurso com esse fundamento, indicando as razões.

Então, como já foi dito, o juiz «admitia» o recurso com tal fundamento e

encaminhava-o para que o Tribunal da Relação.

Isto não foi feito pela recorrente e como não foi feito na devida altura ficou precludida a possibilidade de o fazer mais tarde, designadamente em sede de reclamação, porque decorreu o período próprio.

Como referiu Manuel de Andrade, «Há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os actos (maxime as alegações de factos ou meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos (...).

O princípio traduz-se portanto, essencialmente, na preclusão das deduções das partes» -– Noções Elementares de Processo Civil. Coimbra Editora/1979, pág. 382.

Concluindo, o requerimento devia ter sido apresentado com as alegações de recurso, ou, quando muito, no prazo do recurso, mas não como fundamento de reclamação.
Improcede, pelo exposto, este fundamento da reclamação.
IV. Decisão. 

Considerando o exposto, julga-se a reclamação improcedente e mantém-se a
decisão reclamada. 
Custas pela Reclamante.
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Alberto Augusto Vicente Ruço 
(Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por competência delegada - Despacho do
Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de março de 2022)