Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3884/12.6TJCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: REMISSÃO
PREÇO
REMUNERAÇÃO
MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 12/02/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 842 CPC, 51 CIRE
Sumário: A comissão da mediadora ou leiloeira na venda, estabelecida em 5% do preço oferecido, acordada entre aquela e o administrador da insolvência, não pode ser imposta à remidora do bem, por não ser um encargo próprio da aquisição, constituindo antes uma remuneração aceite por aqueles e uma dívida da massa insolvente, nos termos do art.51º, nº1, alínea c), do C.I.R.E.
Decisão Texto Integral:
Uma vez que a questão a decidir se mostra simples e foi já decidida nesta 2ª secção da Relação de Coimbra (ver acórdão de 18.1.2011, no processo nº222277/09, em www.dgsi.pt), ao abrigo do disposto no artigo 656.º do Código de Processo Civil, é proferida decisão sumária.

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            O recurso vem interposto da decisão que incluiu no preço previsto no art.842º do Código de Processo Civil, a considerar para o direito de remição, a comissão da leiloeira na venda.

            A recorrente apresenta as seguintes conclusões:

II Dos fundamentos do recurso propriamente dito. A. Do valor da remição.

D. A referida leiloeira não efectuou qualquer diligência , nem tão pouco a comissão se incorpora no valor da adjudicação, não podendo, tal como determinado, ser considerada no preço pelo qual foi feita a venda, nos termos e para os efeitos do artigo 842.º do CPC.

E. No âmbito das diligências destinadas à liquidação do património da massa insolvente, o Sr. Administrador da Insolvência recebeu, uma proposta apresentada por carta, datada de 28 de Março de 2014, pela qual ofereceu o valor de 140.000,00€ (cento e quarenta mil euros) pelo prédio supra identificado.

F. Não constando da mesma qualquer intervenção da parte da leiloeira já identificada, não se encontrava a decorrer qualquer leilão, nem a leiloeira teve qualquer intervenção na referida venda.

G. A proposta do indicado proponente não foi apresentada no âmbito de um leilão público promovido pela empresa M (...). Foi antes directamente ao Sr.Administrador da Insolvência.

H. A venda não foi consequência de qualquer acção por parte da leiloeira, mas sim, uma venda directa realizada pelo Administrador de Insolvência no âmbito das funções para as quais já se encontra a ser remunerado.

I. Nos termos do disposto no artigo 842.º do CPC, a remição faz-se pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda, sem que haja qualquer referência legal a qualquer acréscimo decorrente da actividade da mediação.

J. A recorrente não contratou qualquer serviço e desconhecese qual o negócio que foi celebrado com a aludida leiloeira, nem entende por ele poder ser vinculada.

L. O que define o preço da venda é o contrato promessa celebrado com o proponente, no qual é fixado preço da venda no montante de 140.000,00€, inexistindo qualquer referencia a qualquer comissão.

M. Entende assim a recorrente, que, no direito de remição, apenas poderá ser exigido o valor da adjudicação ou da venda, sem qualquer outro acréscimo.

N. O pagamento da comissão não foi efectuado directamente à massa Insolvente, mas sim à Leiloeira, pelo que nunca poderia integrar o valor da venda; Entende assim a recorrente que o valor alegadamente devido à leiloeira, não pode ser considerado para efeitos do direito de remição.

B. Da responsabilidade pelo pagamento das comissões;

O. Não podia o Tribunal a quo, ter decidido como decidiu, integrando o valor da comissão no preço de venda e julgando ser da responsabilidade do adquirente o pagamento da mesma à mediadora.

P. A tarefa de proceder à liquidação do património da massa insolvente recaí sobre o Administrador de Insolvência, sendo este remunerado para tal pela Massa Insolvente e nos termos do disposto no artº 51º, nº1 al.c) do CIRE, a lei prevê é que as despesas inerentes aos actos de liquidação, correm por conta da massa insolvente e por ela devem ser pagas.

Q. A promoção da venda do activo da insolvente é um acto de liquidação, e como tal, a menos que haja uma norma que expressamente impute essa responsabilidade a outrém, esta serão da responsabilidade da Massa Insolvente.

R. Não existem nos autos quaisquer factos que justifiquem o recurso a um serviço externo para promover a venda dos bens pertencente à Massa Insolvente, muito pelo contrário verificase do apenso de liquidação que o Sr. Administrador procedeu à venda dos bens móveis sem qualquer intermediação.

S. Se os serviços prestados pela mediadora de algum modo serviram os interesses da massa insolvente, terá de ser esta a suportar os seus custos, inexistindo fundamento jurídico para transferir para o adquirente os custos de um contrato que não celebrou.

T. Nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 55.º do CIRE inexistindo comissão de credores o AI, tem forçosamente de requerer autorização ao Juiz do processo para que possa contratar terceiros remunerados ou não, que auxiliem nas suas funções.

U. Compulsados os autos verificase que tal não foi feito, e que nunca o Tribunal a quo autorizou a referida contratação, pelo que, existe uma clara violação, pelo Sr. Admnistrador do disposto no n.º 3, do artigo 55.º do CIRE.

V. Aqui chegados, entendemos que a quantia alegadamente devida à mediadora, é uma divida da massa, e como tal, por maioria de razão, não poderá ser exigido o seu pagamento como condição do exercício do direito de remição.

X. Mal andou, também por aqui, a decisão recorrida, violando expressamente o disposto no artigo 51º, nº1 al.c) do CIRE, devendo como tal ser revogada e substituída por outra que reconheça ser da massa insolvente a responsabilidade pelo pagamento da comissão da mediadora, autorizandose a recorrente a remir, pelo valor da venda, sem qualquer acréscimo.

C. Da ilegitimidade da Massa Insolvente;

Z. Ainda que se admitisse que, efectivamente, a comissão é devida e deverá ser paga, mesmo pelo remidor, a recorrente deve ser admitida a remir, pelo valor da venda, sem qualquer incremento.

AA. Se efectivamente a leiloeira entende que prestou um serviço, sempre terá de ser a própria leiloeira a exigir esse pagamento.

AB. Se quem paga a comissão à leiloeira é o adquirente, então a massa insolvente não tem qualquer legitimidade para vir reclamar qualquer crédito.

AC. Aceitando a massa insolvente vender por um determinado valor, caso esse valor seja posto a sua disposição, tem de proceder à venda, mostrese ou não pago o valor à leiloeira, não podendo esta agir como procuradora dos interesses da Leiloeira.

AD. Quisesse a Leiloeira assegurar a sua remuneração, então deveria responsabilizar a entidade para quem presta o serviço pelo seu pagamento, e acordar que seria remunerada pelo própria massa insolvente através de uma percentagem do preço recebido.

AE. No entender da recorrente o Administrador de Insolvência não tem legitimidade para exigir o pagamento devido à Leiloeria.

AF. Devendo por conseguinte ser a sentença substituída por outra, que reconheça o direito da recorrente a remir pelo valor da venda, sem quaisquer acréscimos, ainda que a Leiloeira possa vir posteriormente exigirlhe os valores em dívida.

Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas. Superiormente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência ser a sentença proferida revogada e substituída por outra que declare que o direito de remição deverá ser exercido pelo valor de 140.000,00€, sem o acréscimo de qualquer comissão.

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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            A questão a decidir é a de saber se no preço previsto no art.842º do Código de Processo Civil deve ser incluída a comissão de venda acordada entre uma leiloeira e o administrador da insolvência.

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Devemos agora assentar os seguintes factos (documentados nos autos):

No processo, a recorrente foi admitida a exercer o direito de remição sobre um imóvel identificado.

Tomando conhecimento que tinha sido efectuada uma proposta de aquisição para o referido imóvel, em 6.3.2014, a recorrente comunicou ao Senhor Administrador que pretendia exercer o seu direito de remição nos termos do disposto no artigo 842.º do CPC, no caso de a proposta apresentada vir a ser aceite.

Por fax de 13.3.2014, o Sr. Administrador refere que o 1º leilão ficou sem efeito e que promoveria a realização de um 2º leilão pela leiloeira escolhida.

Por carta de 15.4.2014, comunicou o Sr. Admnistrador, que a proposta de valor superior ascendia a 140.000,00€ e mais informou: “Assim, caso pretenda exercer qualquer direito a que se arroga, na aquisição do prédio apreendido para a massa insolvente, deve apresentar a sua proposta no prazo de 8 dias da recepção desta”.

Nesta carta (15.4.2014), o Sr. Admnistrador não esclarece se foi feito novo leilão ou como apareceu a proposta dos 140.000 euros.

A recorrente responde ao Sr. Administrador que, nos termos do disposto no artigo 842.º, não tem que apresentar qualquer proposta , mas sim exercer um

direito que lhe é conferido por Lei, mais solicitando que informe a interessada do dia e hora para abertura de proposta de forma a poder avaliar do exercício do seu direito de remição.

Em 30.4.2014, a recorrente apresentou requerimento nos autos no qual requereu que lhe fosse reconhecido o direito de exercer o direito de remição e que fosse ordenado ao Sr. Administrador que informasse a requerente do dia e hora para a abertura de propostas, de forma a poder exercer o seu direito de remição.

Por despacho de 6.5.2014, o tribunal determinou ao Sr. Administrador que informasse a recorrente do dia e hora designados para abertura de propostas, de forma a que esta pudesse exercer, querendo o referido direito.

Em 13.5.2014, o Sr. Administrador respondeu que não há que designar dia e hora para abertura de propostas, a modalidade da venda fixada é leilão público já realizado e o consequente registo de ofertas, estando registada aquela oferta de 140.000 euros.

A recorrente, em 30.5.2014, comunicou ao Sr. Administrador que apenas poderia exercer o seu direito de remição no momento em que fosse aceite qualquer uma das propostas apresentadas, requerendo ser informada da aceitação.

Em 2.6.2014, a recorrente pede ao tribunal que ordene ao Sr. Admnistrador que informe a interessada da proposta efetivamente aceite.

 Veio o Sr. Administrador informar que havia celebrado com o proponente um contrato de promessa de compra e venda.

Notificado pelo tribunal para facultar à interessada a possibilidade de exercer o direito de remição, o Sr. Administrador comunicou à recorrente que poderia exercer o direito de remição, efectuando o pagamento do valor de 140.000,00€, correspondente à melhor proposta aceite, acrescida de 5% do valor da proposta, mais IVA, à taxa legal, destinada ao pagamento da comissão da encarregada do leilão público, a empresa M (...), Lda..

A recorrente exerceu o seu direito de remição mas reclamou para o Tribunal, pedindo que fosse declarado que os 5%, acrescidos de IVA, sob o valor da proposta, não eram devidos, devendo a remição ser aceite pelo valor da venda.

O tribunal proferiu a decisão agora em crise, defendendo que “a proposta abrange assim, não apenas os €140.000,00 oferecidos, mas também o valor da comissão da leiloeira, de €8.610,00, que deve ser considerado no preço pelo qual é feita a venda, nos termos e para os efeitos do art. 842.º do Código Civil”.

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Preceito idêntico ao artigo 912º do anterior Código de Processo Civil, o novo art.842º da nova lei preceitua:

“Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir

todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”

Nos termos da norma, a remição faz-se pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda, sem que haja referência a qualquer acréscimo decorrente da actividade da mediação.

Rui Pinto, no seu Manual da Execução e Despejo, 2013, pág.939, admite que no exercício do direito de remição se inclua não só a salvaguarda do preço propriamente dito mas, também, dos encargos a suportar com o acto, sem que desenvolva esta noção de encargos.

Veremos infra quais poderão ser alguns dos encargos a incluir no custo do remidor, adiantando desde já que a comissão em discussão não é um encargo da venda.

Por seu lado, dispõe o art.164º do C.I.R.E.:

“1- O administrador da insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer das que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.”

Como ensinam C. Fernandes e J. Labareda neste código anotado, 2009, pág.546, a decisão quanto à escolha da modalidade de alienação dos bens integrantes da massa insolvente é cometida, em exclusivo, ao administrador da insolvência, segundo o seu critério e tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores.

“O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluíndo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.”(art.55º, nº3, da lei em análise.)

            “Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: c)As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente.” (art.51º, nº1, c), do mesmo código.)

Deste conjunto normativo podemos retirar as seguintes consequências:

O administrador da insolvência escolhe a modalidade de venda;

Ele pode contratar auxiliares, remuneradamente, em vista do benefício dos credores;

Esta remuneração do auxiliar é um custo da liquidação.

Se o administrador contrata uma leiloeira, porque desta forma conseguirá vender melhor o bem, em benefício dos credores, a remuneração por aqueles combinada (a comissão) é um encargo da atividade de liquidação.

Os atos da leiloeira inserem-se no âmbito duma relação de comissão e, por isso, são imputáveis ao comitente administrador.

Em regra, a leiloeira cobrará do administrador. O serviço foi prestado a este, em representação da massa. (A recorrente questiona se a proposta apareceu fruto do trabalho da leiloeira, não tendo nós a necessidade de conferir aqui esta suspeição.) Certo é que o serviço não foi prestado à recorrente.

Mais, se os credores são os beneficiários, naturalmente terão de suportar os respectivos custos, e daí que a lei defina que são dívidas da massa insolvente as emergentes dos atos de liquidação da massa insolvente.

Porque o recurso aos auxiliares acarreta, normalmente, custos para a massa insolvente, a lei impõe a prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta daquela. (O cit.art.55º,3.)

Não é conhecida esta prévia concordância. Esta falta, porém, não afeta o ato e servirá apenas como pressuposto do juízo que seja necessário fazer da responsabilidade do administrador, a concretizar num outro plano.

Por outro lado, o acordo relativo à comissão de venda foi subscrito pelo Sr. Administrador e pela leiloeira.

A recorrente remidora não subscreveu tal acordo e sempre rejeitou pagar a comissão de venda. (Sobre a importância do acordo, na anterior lei falimentar, ver acórdão do STJ, de 15.1.2013, no processo 2538/05, em www.dgsi.pt.)

A comissão de venda não está previamente definida na lei como encargo obrigatório da compra e venda e a liquidar pelo comprador. Sem imposição legal, o normal é que seja o vendedor a suportar o custo dela porque é o beneficiário da atividade de procura de interessados na compra.

Aquela comissão, remuneração de uma específica atividade, distingue-se dos legais e obrigatórios encargos da compra, como por exemplo as despesas da escritura e dos registos.

Aquela comissão, acordada no contexto referido, não pode ser repercutida na esfera jurídico-patrimonial de terceiros, alheios a tal intervenção, como seja a recorrente remidora do bem em questão.

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Decisão.

            Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e admite-se que a recorrente exerça a remição do identificado bem pelo preço de cento e quarenta mil euros, sem o acréscimo da comissão imposta.

            Custas pela massa insolvente.

Coimbra, 2014-12-2

 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)