Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
72/10.0GAFCR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
FORMA
CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 04/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69º CP
Sumário: 1.- A pena acessória de proibição de condução abrange sempre veículos motorizados de todas as categorias, sem excepção.

2.- Tal pena acessória tem que ser cumprida de modo seguido e ininterrupto, não podendo o seu cumprimento restringir-se aos fins de semana ou férias.

Decisão Texto Integral: Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Figueira de Castelo Rodrigo, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido
CS..., casado, residente na Rua …, em ... , imputando-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada e determinativo da aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal singular, por sentença proferida a 9 de Dezembro de 2010, decidiu julgar a acusação procedente e, em consequência:
- Condenar o arguido CS... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, na pena de setenta e cinco dias de multa, à taxa diária de seis euros e cinquenta cêntimos, o que perfaz o total de quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos;
- Condenar ainda o arguido, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena acessória de três meses de proibição de conduzir veículos com motor; e
- Advertir o arguido de que, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença, deve proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá àquela ( art.500.º, n.º2, do Código de Processo Penal.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido CS..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
I) O arguido foi condenado:
A) Num crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo l52.º, n.º 3 do Código da Estrada, na pena, de setenta e cinco dias de multa, à taxa diária de seis euros e cinquenta cêntimos, o que perfaz o total de quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos;
B) Condena o arguido, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pena acessória de três meses de proibição de conduzir veículos com motor.
II) Dispõe o artigo 69.º, n.º1 ali. A) do C.P., que “é condenado na proibição de conduzir veículos a motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º do C.P, e o n.º 2 dispõe ainda que “a proibição produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”.
III) O Tribunal a quo entendeu que esta norma impõe obrigatoriamente a proibição de conduzir todos os veículos a motor, quer sejam pesados, ligeiros ou motociclos, ou seja, que a referida norma não permite o restrição da proibição de conduzir a uma categoria determinada de veículos a motor.
IV) Com o devido respeito, não entende o recorrente da mesma forma, uma vez que, a redacção do artigo, permite concluir que não é imperativo aplicar a proibição de conduzir a todos os veículos com motor, podendo ser aplicada apenas a alguns.
V) A norma em causo refere que “pode abranger” e não deve abranger todos os veículos com motor de qualquer categoria.
VI) Sendo aplicada a inibição de conduzir veículos pesados de passageiros, o recorrente não pode exercer a sua profissão, o que o conduzirá ao desemprego, atendendo que a sua única actividade desempenhada na entidade empregadora é o de motorista de veículos pesados de passageiros, e a aplicação de tal sanção constituirá justa causa de despedimento
VII) Aplicação da pena acessória de proibição de conduzir todos os veículos a motor, com excepção dos pesados de passageiros, é medida suficiente para inibir o recorrente de praticar crimes desta ou de outra natureza.
VIII) Pretende o ora recorrente, a final, que a decisão seja alterada de forma a que possa conduzir veículos pesados de passageiros para trabalhar e, assim, manter o seu emprego, para poder cumprir com todas as obrigações pecuniárias a que se encontra adstrito ou que, no caso de proceder a inibição de conduzir por um período de 3 (três) meses quaisquer tipos de veículos a motor seja permitido que o mesmo cumpra a sanção apenas aos fins-de-semana e férias, ainda que preste caução, para que o mesmo possa exercer a sua profissão e, assim, manter o seu emprego.
Termos em que, deve o presente recurso ser considerado provido, nos termos mencionados nas conclusões, com as devidas consequências legais, como é de Direito e Justiça!

O Ministério Público na Comarca de Figueira de Castelo Rodrigo respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos, declarando-se totalmente improcedente o recurso.

O Ex.mo Procurador da República neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1. No dia … de 2010, pelas … horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, na Estrada Nacional 221 em frente ao Estádio Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, área desta Comarca.
2. O arguido foi alvo de uma operação de fiscalização pelos militares da GNR de Figueira de Castelo Rodrigo que se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções de fiscalização do trânsito em geral.
3. Quando o arguido imobilizou a viatura, foi abordado pelos militares da GNR, que, a fim de o fiscalizar, lhe solicitaram que efectuasse o teste de despistagem de álcool no sangue através do aparelho qualitativo Drager Alcotest 6810, ao que o arguido acedeu.
4. O arguido acusou no aparelho qualitativo, através do ar expirado, a existência de álcool no sangue.
5. Por essa razão, o arguido foi conduzido ao Posto Territorial da GNR de Figueira de Castelo Rodrigo a fim de efectuar o teste no aparelho quantitativo.
6. Já no Posto da GNR de Figueira de Castelo Rodrigo, foi solicitado ao arguido pelos militares da GNR, que efectuasse o teste de pesquisa de álcool no aparelho quantitativo.
7. O arguido recusou-se a realizar o teste de pesquisa de álcool no aparelho quantitativo.
8. Face à recusa do arguido, o mesmo foi advertido, pelos militares da GNR, de que a sua conduta de recusa a submeter-se ao teste constituía crime de desobediência.
9. O arguido ficou consciente de que se encontrava legalmente obrigado a aceder realizar o teste de alcoolemia e, bem assim, de que a sua recusa a submeter-se ao teste constituía crime de desobediência e mesmo assim recusou-se a realizar o teste.
10. Agiu o arguido com intenção de não efectuar o teste, bem sabendo que a ordem dada pelo militar da GNR era legítima, produzida por autoridade competente, no âmbito estrito das suas funções e que lhe estava a ser regularmente comunicada.
11. Sabia o arguido ainda que a recusa de se submeter ao teste do álcool era punida por desobediência, o que lhe foi transmitido pelos militares da GNR.
12. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, o que quis com o propósito de não se submeter a exame de detecção de álcool no sangue.
Mais se provou que:
13. O arguido confessou os factos de forma livre, integral e sem reservas.
14. O arguido é motorista de passageiros, auferindo mensalmente a quantia de … €.
15. Vive em casa própria, com a esposa, que é doméstica, e dois filhos menores, pela qual paga mensalmente ao banco, a título de empréstimo, a quantia de 200,00 €.
16. O arguido possui o 6.º ano de escolaridade.
17. Não tem antecedentes criminais.
Factos não provados
Inexistem, com relevo para a decisão da causa. A restante matéria tem-se por conclusiva, de direito, irrelevante ou repetida.
Convicção do Tribunal
O tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente a prova junta aos autos, segundo as regras da experiência comum e da sua livre convicção, nos termos do artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
O tribunal atendeu a todos os documentos juntos aos autos, particularmente ao CRC de fls. 43, relevante para a formação da convicção do Tribunal quanto à ausência de antecedentes criminais por parte do arguido.
Ademais, o tribunal fundou a sua convicção na confissão livre, integral e sem reservas do arguido e na sua postura de reconhecimento dos factos e de interiorização da desconformidade dos mesmos com o direito.
No que concerne à situação pessoal e económica do arguido, o tribunal fundou-se nas declarações do próprio.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente CS... as questões a decidir são as seguintes :
- se o Tribunal a quo errou na interpretação do art.69.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do C.P., ao entender que a norma não permite a restrição da proibição de conduzir a uma categoria determinada de veículos a motor, pelo que a decisão recorrida deve ser alterada de modo a que, na inibição da faculdade de conduzir veículos com motor, se excepcionem os pesados de passageiros, para poder continuar a exercer a sua profissão; e
- se, a manter-se a condenação na inibição de conduzir quaisquer veículos a motor, deve ser permitido ao arguido que cumpra a sanção apenas aos fins de semana e férias, ainda que com prestação de caução, para poder continuar a exercer a sua profissão.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
O arguido CS...sustenta que o art.69.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Código Penal, ao estatuir que a proibição “ pode abranger” todos os veículos com motor de qualquer categoria, - e não, que deve abranger -, quis deixar em aberto a possibilidade de a inibição de conduzir ser aplicada a apenas algumas das categorias de veículos com motor. No entender do recorrente, a norma não impõe, obrigatoriamente, a proibição de conduzir relativamente a todos os veículos a motor, quer sejam pesados, ligeiros ou motociclos.
Antes de entrar propriamente na apreciação da questão, com a respectiva interpretação da norma alegadamente mal interpretada pelo Tribunal a quo, impõe-se precisar que o arguido foi condenado pelo art.69.º, n.º1, alínea c), do Código Penal, e não pela alínea a), do mesmo preceito.
A alínea a), n.º1 do art.69.º do C.P. é relativa à condenação em inibição de conduzir, designadamente, por crime de condução em estado de embriaguez.
O arguido CS…, depois de lhe ter sido dado conhecimento de que acusou álcool no sangue, no aparelho qualitativo ( ponto n.º 4 dos factos provados), recusou-se a fazer o teste de alcoolemia no aparelho quantitativo ( ponto n.º 7 dos factos provados), pelo que veio a ser condenado, em proibição de conduzir pela prática de um crime de desobediência, ao abrigo da alínea c), n.º1 do art.69.º do C.P..
O Código Penal de 1982, na sua redacção original, não previa a pena de proibição de conduzir veículos motorizados.
Tal matéria era apenas prevista no Código da Estrada.
No plano de lege ferenda, o Prof. Figueiredo Dias, veio sustentar a necessidade e urgência político-criminal de consagração, em termos de direito penal geral, de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir, que deveria ter por pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante e, por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente , o exercício da condução se revelar especialmente censurável.”. (...) Perante esta especial censurabilidade no exercício da condução, “… à proibição de conduzir deve também assinalar-se ( e pedir-se ) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205.
Com a criação de uma Comissão de Revisão do Código Penal de 1982, foi apresentado por esta Comissão, presidida pelo Prof. Figueiredo Dias, um Projecto de Revisão do Código Penal , que incluiu um preceito relativo à proibição de conduzir veículos motorizados - art.68-A , que mais tarde passou a art.69.º.
A proibição de conduzir veículos motorizados foi caracterizada, pela Comissão, como pena acessória, ou seja, como censura adicional, pelo crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário, ou com utilização de veículo cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante. - in “Código Penal - Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, edição do Ministério da Justiça, 1993, actas n.ºs 5, 8, 10 e 41.
O n.º2 , desse Projecto, tinha a seguinte redacção:
« A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada.».
Na sequência dos trabalhos daquela Comissão de Revisão, veio a ser aprovado o DL n.º 48/95, de 15 de Março, que reproduziu, no art.69.º do Código Penal revisto, designadamente, o n.º2, que constava do Projecto da Comissão de Revisão.
Perante o art.69.º, n.º2 do Código Penal, era indiscutível que o Tribunal, ao decretar a proibição de conduzir veículos motorizados, podia abranger todos os veículos motorizados ou apenas“de uma categoria determinada”.
O termo “pode abranger” surge inserido na alternativa, concedida ao tribunal, de poder optar entre uma ou outra das possibilidades ali permitidas.
Entretanto, o DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, ao proceder a alterações no Código da Estrada, tomou uma posição mais restritiva do que estabelecida no Código Penal revisto de 1995, a nível de inibição de conduzir, estabelecendo no art.139.º, n.º 3, que nas contra-ordenações rodoviárias « A sanção de inibição de conduzir é cumprida em dias seguidos e refere-se a todos os veículos como motor.» - situação que se manteve nas subsequentes alterações do Código da Estrada ( art. 139.º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, e art.147.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro).
A diferença de regime não passou despercebida ao legislador, que no preambulo do citado Decreto-Lei nº 265-A/2001 de 28-09-2001, escreveu: « A prevenção da sinistralidade constitui uma das prioridades do XIV Governo Constitucional no domínio da segurança rodoviária. Para dar cumprimento a essa prioridade, o Governo pretende aumentar a segurança rodoviária, garantindo a incolumidade de pessoas e bens que circulam nas estradas portuguesas. Assim, o Governo apresentou à Assembleia da República, através da proposta de lei n.º 69/VIII, uma proposta de alteração ao Código Penal, que abrange a agravação da pena acessória de proibição de conduzir, a descrição típica do crime de condução perigosa, a incriminação da condução sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo e a agravação das penas aplicáveis aos condutores de determinadas categorias de veículos (veículos de socorro e de emergência, de transporte escolar, ligeiros de aluguer para transporte público, pesados de passageiros ou de mercadorias, ou de transporte de mercadorias perigosas). A Assembleia da República aprovou tal proposta de alteração ao Código Penal através da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho
A Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, introduziu, efectivamente, uma profunda revisão no art.69.º do Código Penal, que passou a estatuir, designadamente, o seguinte:
« 1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos , quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º;
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido facilitada de forma relevante; e
c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob o efeito do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
2. A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.».
A Lei n.º 77/2001, quis claramente reforçar a prevenção das condutas ilícitas de condução de veículos que se revelam especialmente censuráveis, que originam a maioria dos acidentes de trânsito e assegurar a efectiva aplicação das correspondentes sanções.
Pese embora a manutenção no texto do termo “pode”, que constava da norma quando previa uma alternativa, deve entender-se hoje que a proibição de condução abrange sempre a condução de veículos com motor de qualquer categoria, ou seja, de todas as categorias de veículos.
Assim, e em conclusão, com a alteração da redacção do n.º2 do art.69.º do C.P., pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, o legislador quis excluir a possibilidade, até então existente, de a proibição de condução abranger apenas uma categoria determinada de veículos como motor e passou a abranger sempre a proibição de condução de todas as categorias de veículo motorizados.
Em anotação a este preceito, o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, sustenta, igualmente, que « A proibição tem um efeito universal, valendo a proibição para todos os veículos motorizados, mesmo para os que não necessitam de licença de conduzir”. "Comentário do Código Penal…", Unv. Católica Editora, pág. 226.
Ainda no âmbito desta questão defende o recorrente que a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, com excepção dos pesados de passageiros, é medida suficiente para inibir o recorrente de praticar crimes desta ou de outra natureza, permitindo-lhe continuar a exercer a sua profissão de motorista de veículos pesados de passageiros.
A este propósito, diremos que quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que, para a determinação da medida concreta de uma e outra, se impõe o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.
No caso em apreciação, o Tribunal a quo justificou, perante as circunstâncias concretas e razões de prevenção, a censura adicional ínsita na pena acessória.
O direito ao trabalho é um direito social, que como todos os direitos pode sofrer limitações , designadamente por outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Na perspectiva da sociedade, deve ser exigido a todos os condutores, que circulam na via pública, que se submetam às provas legalmente estabelecidas para a detecção de condução de veículo sob o efeito de álcool, pois este é um meio essencial de prevenção e protecção da segurança rodoviária, da vida e da integridade física de quem circula nas vias públicas.
A recusa voluntária à realização de testes de detecção de condução de veículo sob o efeito de álcool, violando aqueles relevantes direitos e interesses da sociedade, justifica perfeitamente uma pena acessória de proibição de conduzir para todos os veículos motorizados, que não pode ceder ao exercício particular de uma actividade profissional, designadamente à de condutor profissional de veículos com motor, sobre o qual recai, aliás, um particular dever de os respeitar .
Improcede, deste modo, a primeira questão.
A segunda questão é se, a manter-se a condenação na inibição de conduzir quaisquer veículos a motor, deve ser permitido ao arguido que cumpra a sanção apenas aos fins de semana e férias, ainda que com prestação de caução, para poder continuar a exercer a sua profissão.
O artigo 69.º, n.º 3 do Código Penal (redacção introduzida pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho), estatui que «No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo se não encontrar já apreendido no processo.».
O art.500.º, n.º3 do C.P.P. repete esta disposição, acrescentando o n.º 4 que «A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.».
Nem estas normas legais, nem qualquer outra, permite o cumprimento da proibição de conduzir veículos motorizados de forma descontínua, designadamente aos fins-de-semana ou nas férias.
Também não existe norma legal no Código Penal ou no Código de Processo Penal que permita o cumprimento descontínuo sujeito à prestação de caução, nem o recorrente a indica, pelo que a sua pretensão de cumprimento descontínuo da proibição de conduzir, com vista ao alegado exercício e manutenção do seu trabalho de condutor profissional, não pode proceder.
O arguido, como condutor profissional, tinha um dever especial de não realização a conduta ilícita-típica, e de acautelar a sua vida profissional, pelo que só de si se pode queixar.
Improcede assim o recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido CS... e manter a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Orlando Gonçalves (Relator)
Alice Santos