Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3018/08.1TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: COLISÃO DE DIREITOS
INDEMNIZAÇÃO
PLANTAÇÃO DE EUCALIPTOS
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 335, 483, 1305, 1366 CC, LEI Nº 1951, DIÁRIO DO GOVERNO, 1ª SÉRIE, DE 9/3/1037, LEI Nº 28039, DIÁRIO DO GOVERNO, 1ª SÉRIE, DE 14/9/1937, DL Nº 156/2004 DE 30/6
Sumário: 1. - A plantação ou sementeira de eucaliptos apenas é proibida a menos de vinte metros de terrenos cultivados e a menos de trinta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos relativamente a terrenos cultivados, nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos já aí existentes aquando da plantação ou sementeira.

2. - Não existe colisão de direitos de propriedade a resolver com recurso ao instituto da colisão de direitos previsto no artigo 335º do Código Civil sempre que existam normas preventivas do conflito entre esses direitos, ou que definem regras próprias para solucionar esse conflito.

3. - Não sendo ilícita a existência de eucaliptos num certo prédio e tendo o dono do prédio vizinho desse prédio a possibilidade de reagir contra a invasão do espaço subterrâneo e aéreo do seu prédio nos termos previstos no artigo 1366º, nº 1, do Código Civil, não há lugar à obrigação de indemnizar por manchas na pintura e no telhado decorrentes da falta de insolação provocada por tais eucaliptos e pelo encosto das ramagens dessas árvores às paredes do prédio vizinho.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 14 de Novembro de 2008, no Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, H (…) e M (…) instauraram acção declarativa, sob forma sumária, contra MG (…) pedindo que, na procedência da acção, a ré seja condenada:

a) a retirar os eucaliptos que detém no limite nascente do seu prédio, arrancando as raízes dos mesmos para que não voltem a desenvolver-se, devendo manter entre aqueles e essa estrema uma distância de trinta metros ou, caso assim não venha a ser entendido, a deixar uma distância suficiente a evitar a continuação dos danos que provocam;

b) a proceder ou mandar proceder à limpeza do telhado, caleiras e logradouro do prédio urbano dos autores, retirando os resíduos provenientes dos ditos eucaliptos, bem como à limpeza das varandas, parede e chaminés viradas a poente e repintando-as;

c) a eliminar as fissuras provocadas pelas raízes dos eucaliptos no muro e paredes da casa dos autores;

d) a no caso da ré não cumprir as condenações peticionadas em b) e c), no prazo de trinta dias, autorizar-se os autores a mandar executar tais trabalhos, vindo a ré a suportar os custos dos mesmos, a liquidar (sic).

Para fundamentarem as suas pretensões os autores alegam, em síntese, que são donos de um prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia de ..., freguesia da ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., da referida freguesia e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da ..., na ficha .../ ..., prédio que confina, a poente com o prédio rústico descrito sob a ficha .../ ..., de que a ré é proprietária; que no dito prédio rústico a ré tem uma plantação de eucaliptos que vai até à estrema do prédio dos autores, ultrapassando com as ramagens dessas árvores a linha de estrema com o prédio dos autores, provocando neste prédio sujidades, ruídos, danos na pintura do imóvel, fendas num muro e em paredes e risco de propagação de incêndio; que a ré, após várias insistências dos autores, cortou alguns dos eucaliptos que se situavam junto ao muro de vedação do prédio dos autores, deixando os remanescentes dos cortes no local, não tendo procedido ao arranque da maior parte das raízes, achando-se os eucaliptos onde se efectuou o corte novamente em fase de crescimento; que os trabalhos de limpeza e pintura da totalidade da casa dos autores foram orçados em € 19.850,00, sendo o custo da pintura da parede virada a poente no montante de € 5.100,00.

Efectuada a citação da ré por carta registada com aviso de recepção, com a cominação legal, a mesma ofereceu contestação alegando que os eucaliptos e cepos mencionados pelos autores na sua petição inicial aí existem há mais de vinte anos, que o prédio urbano dos autores apenas foi construído posteriormente, que os eucaliptos não invadem nem o prédio dos autores, nem o seu espaço aéreo, não atingindo a linha de estrema entre os dois prédios, que o prédio dos autores foi construído num espaço não urbanizado, estando rodeados de pinhais e eucaliptais, sendo-lhes por isso imputável o risco de incêndio, que a ré tem procedido à limpeza periódica do seu prédio, cortando ramagens, apanhando os remanescentes dos cortes e colhendo os detritos e resíduos dos eucaliptos, que a existirem fissuras no prédio dos autores, dever-se-ão a assentamentos de materiais, que a existirem manchas de fungos, decorrerão da humidade nas zonas do edifício menos expostas à insolação e da eventual não utilização de tinta antifúngica, que a proibição de plantio de eucaliptos a distância inferior a vinte ou trinta metros se refere apenas ao acto da plantação e não à manutenção de plantação efectuada sem observância desses limites quando o prédio vizinho ainda não obrigava a que fossem deixadas tais distâncias, concluindo pela total improcedência da acção.

Os autores responderam à contestação alegando que ainda que se venha a sustentar a inaplicabilidade das distâncias à plantação de espécies nocivas nos casos de plantações preexistentes à configuração do imóvel como urbano, sempre o caso deverá ser equacionado à luz das regras sobre colisão de direitos e impugnaram o relatório pericial oferecido pela ré.

Proferiu-se despacho saneador tabelar, fixando-se o valor da causa em € 5.100,00 e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos.

Após isso, as partes ofereceram prova testemunhal, requerendo ambas inspecção judicial ao local da questão e a gravação da audiência.

As provas pessoais oferecidas pelas partes foram admitidas, deferiu-se a gravação da audiência, relegando-se para a audiência a decisão sobre a necessidade de efectivação de inspecção judicial.

A prova testemunhal foi produzida em duas sessões da audiência de discussão e julgamento, realizando-se uma terceira sessão com a efectivação da inspecção judicial requerida por ambas as partes.

No decurso da terceira sessão, após a realização da inspecção judicial, o tribunal limitou-se a consignar a observação dos factos referidos nos artigos 1º a 8º, 10º a 14º, 16º, 17º, 26º a 31º, todos da base instrutória e, parcialmente, relativamente aos artigos 25º e 32º, da mesma peça processual, decidindo-se determinar a realização de uma perícia, sendo o seu objecto os artigos da base instrutória indicados pelas partes, não se divisando qualquer requerimento autónomo ou em acta em que as partes tenham indicado o objecto da perícia.

O perito nomeado para proceder à perícia apresentou o relatório pericial, o qual não sofreu qualquer reclamação.

Proferiu-se decisão sobre a matéria de facto, omitindo-se a resposta ao artigo 4º da base instrutória, omissão posteriormente suprida.

Seguidamente, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada, sendo a ré condenada a cortar os eucaliptos e as respectivas raízes de modo a criar-se entre a estrema do prédio dos autores e o seu prédio uma faixa de segurança que acautele os perigos de incêndio que podem advir da existência da árvores, distância a apurar em sede de liquidação de sentença (sic), sendo a ré absolvida dos restantes pedidos.

Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões:

“I- A Sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do art. 668º do C.P.C., assim como de violação de lei, elas razões atrás expostas e que sumáriamente infra se indicam.

II- Ao afastar a aplicabilidade da Lei 1951 ao caso vertente, por se entender que os eucaliptos foram plantados em momento anterior à construção da casa, a Sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação desta mesma lei, conforme é inclusive entendimento já  expresso pelo Tribunal da Relação de Coimbra e acima citado.

III- Advém que em 5 ou 6 anos os eucaliptos são cortados, pelo que nunca seria a mesma plantação a que estará aqui em causa.

IV- Mas ainda que se aceitasse tal inaplicabilidade e a desobrigação de que a plantação distasse 30 metros do prédio dos Recorrentes, encontrando-se peticionado subsidiariamente, que pelo menos afastasse o suficiente para evitar a continuação dos danos que provocam, além do perigo que representa, danos esses dados como provados, a sucumbência deste pedido traduz uma incorrecta aplicação da lei aos factos provados e violação de lei.

V- Tal decaimento fundamentou-se no facto de ao caso vertente não se aplicar o estatuído no art. 335º do C.Civil, por se tratarem de direitos iguais – direito de propriedade dos AA. e R. sobre os respectivos prédios – e, tal matéria ter comandos próprios, mais concretamente, a Lei 1951 e o art. 1366º do C.Civil.

VI- Contrariamente à interpretação dada ao art. 1366º do C.C. na fundamentação de direito da Sentença recorrida, na parte decisória da mesma é entendido que aos AA. resta cortarem as ramagens que invadam o seu prédio, não existindo nenhuma obrigação a impender sobre a dona das árvores.

VII- Ora, esta última interpretação, além da contradição assinalada, é incorrecta, pois aquele dispositivo legal encerra uma faculdade e, não, a obrigatoriedade do vizinho cortar as ramagens que invadam o seu prédio, nada mais podendo fazer para além disso.

VIII- Ou seja, estando em causa direitos da mesma natureza, conforme é dito na sentença, nomeadamente, o direito de cada uma das partes poder dispor e fruir dos prédios em causa, conflituantes em virtude da sua vizinhança, conduz precisamente à aplicação da matéria relativa à colisão de direitos. Ao assim não o entender, ocorreu violação de lei.

IX- Advém que provados os factos mencionados em 3 destas alegações, nomeadamente os insertos em P), Q) e HH) da Sentença recorrida, aos AA./Recorrentes assiste o direito de irem além da estatuição prevista no art. 1366º, por forma a pôr termo a tais perigos e prejuízos em definitivo, pois a exercerem a faculdade prevista naquele preceito legal, teriam de o fazer amiúde e, mesmo assim poderiam não evitar os riscos e estragos provocados na sua casa pelos eucaliptos.

X- Na verdade, atenta a matéria provada, as normas que no entendimento do Tribunal “ a quo” regulam a situação em apreço eram insuficientes para acautelarem os direitos e deveres das partes, conforme não ficaram acautelados, pelo que haveria que recorrer ao art. 335º do C.C. para o fazer.

XI- Contrariando a matéria dada como provada, veio ainda a decisão recorrida a negar a existência dos danos provocados pelos eucaliptos no prédio dos Recorrentes, invocando falta de prova de tais danos e do nexo de causalidade entre estes e as árvores.

XII- Tal asserção é contrária à matéria provada inserta nos pontos P), Q), T), HH).

XIII- Contrariamente ao que consta da Decisão recorrida, o pedido de eliminação dos danos provocados no prédio dos Recorrentes não deriva do facto dos eucaliptos não se encontrarem a mais de 30 metros daquele, mas sim no facto destes terem provocado danos, cuja reparação se peticionou.

XIV- As premissas em que assentou a improcedência deste pedido estão erradas e são contrárias aos factos provados.”

            A recorrida ofereceu contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso interposto pelos autores.

            Declarou-se, singelamente, que a decisão recorrida não enfermava da nulidade que lhe foi imputada nas alegações de recurso e admitiu-se o recurso como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Nulidade da sentença recorrida por oposição dos fundamentos com a decisão;

2.2 Erro de interpretação na conclusão da inaplicabilidade do disposto na Lei nº 1951;

2.3 Aplicabilidade ao caso do instituto da colisão de direitos iguais;

2.4 Existência de danos no prédio dos autores provocados pelas árvores da ré e que esta esteja obrigada a reparar.

3. Fundamentos de facto constantes da decisão recorrida que não foram objecto de impugnação, não impondo os elementos fornecidos pelo processo decisão diversa e não tendo sido oferecido documento superveniente que imponha alteração da referida factualidade


3.1

O prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia de ..., deste Concelho[1], inscrito na matriz sob o artigo ... da referida freguesia e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial[2] na ficha .../ ..., encontra-se aí inscrito[3] a favor dos AA., H (…) e M (…) (alínea A dos factos assentes).

3.2

O prédio rústico confinante a Poente do dos AA., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial na ficha .../ ..., encontra-se aí inscrito[4] a favor da Ré, MG (…) (alínea B dos factos assentes).

3.3

O prédio urbano referido em A) provêm[5] de três artigos rústicos (artigos matriciais sob o nº ..., ... e ...), todos da freguesia de ..., inscritos a favor do A. e descritos com pinhal e mato (alínea C dos factos assentes).

3.4

O aludido prédio passou a prédio urbano em 17 de Julho de 1998, com o número ... da respectiva matriz predial urbana, data em que foram eliminados os referidos artigos rústicos (alínea D dos factos assentes).

3.5

Em 28 de Dezembro de 1995, o A. deu entrada de requerimento na Câmara Municipal da ..., solicitando a licença de obras para construção no referido prédio (alínea E dos factos assentes).

3.6

A referida licença foi aprovada em 17 de Setembro de 1998, no Processo camarário com nº 448/95 (alínea F dos factos assentes).

3.7

A licença de utilização da casa de habitação existente no prédio dos autores foi autorizada pela Câmara Municipal respectiva em 20 de Janeiro de 2003 (alínea G dos factos assentes).

3.8

A ré detém no prédio referido em B) uma plantação de eucaliptos, cujos cepos cortados se situam a cerca de 0,50 metros da zona onde existe muro de vedação e dos vestígios da linha de estrema entre ambos os prédios (resposta ao artigo 1º da base instrutória).

3.9

Os eucaliptos e cepos a rebentar[6] na[7] distância referida no ponto anterior acabam por ultrapassar a linha divisória dos prédios, atento o porte que atingem quando adultos, e invadem com as suas ramagens o prédio dos autores, provocam ruído[8] e criam perigo de incêndio (respostas aos artigo 2º, 3º e 4º da base instrutória).

3.10

Dos eucaliptos supra referidos, à medida que forem crescendo, emanam resinas, cascas, folhas e outros resíduos que levados pela força do vento e pelo fustigar das ramagens na casa dos autores, provocam estrago na pintura do imóvel, nomeadamente da parede exterior (resposta ao artigo 5º da base instrutória).

3.11

Quando os eucaliptos atingirem o estado de adultos, por acção do vento, podem-se depositar nas varandas e no telhado as “emanações” dos eucaliptos referidas na resposta ao artigo 5º da base instrutória[9] (resposta ao artigo 6º da base instrutória).

3.12

A casa dos autores não tem caleiras (resposta ao artigo 7º da base instrutória).

3.13

Do lado do eucaliptal, propriedade da ré, o prédio dos autores encontra-se, nomeadamente o telhado, as abas[10]/mouriscas, paredes e chaminés, com manchas e sujas com resíduos esverdeados mais acentuados, o[11] que terá contribuído o facto de terem sido fustigadas pelas ramagens e atingidas directamente pelos resíduos que dos eucaliptos em estado de adulto se depreenderam[12] (resposta ao artigo 8º da base instrutória).

3.14

Tal como outras mirtácias, as folhas de eucalipto estão cobertas de glândulas que segregam óleo e provocam estragos a que se aludem[13] as respostas aos artigos 3º, 4º, 5º e 6º da base instrutória, inclusivamente no pavimento exterior do prédio dos autores quando os eucaliptos atingem o estado de adultos (resposta ao artigo 9º da base instrutória).

3.15

Neste momento o logradouro do prédio dos autores encontra-se numa situação que se pode considerar de ausência de resíduos, embora, quando os eucaliptos atingirem o estado de adultos, o logradouro do prédio dos autores virá a ser invadido pelos resíduos, nomeadamente cascas e folhas[14] por acção do vento, o que implica não só sujidade, como cria risco de propagação de incêndio[15], pois os autores, em virtude de serem emigrantes e só ocasionalmente virem a Portugal, não poderem proceder com a assiduidade necessária à sua remoção (resposta ao artigo 11º da base instrutória).

3.16

Tais factos acontecem em virtude de os eucaliptos se encontrarem à distância referida nas respostas aos artigos 1º e 2º da base instrutória, podendo em estado adulto invadir o espaço aéreo do prédio dos autores (resposta ao artigo 12º da base instrutória).

3.17

A ré cortou todos os eucaliptos adultos que se situavam junto do muro de vedação do prédio dos autores (resposta ao artigo 13º da base instrutória).

3.18

No local encontram-se cepos que se mantém[16] intactos (resposta ao artigo 14º da base instrutória).

3.19

Os autores participaram às autoridades que a ré ao proceder ao corte dos eucaliptos não terá retirado os remanescentes dos cortes no local (resposta ao artigo 15º da base instrutória).

3.20

Aquando do corte mandado efectuar pela ré não procedeu a mesma ao arranque da maior parte das raízes, sendo que dos eucaliptos cortados e que constituem a fila mais próxima do muro de vedação, só quatro desses cepos apresentam pequenos rebentos e todos[17] os outros cortados estão em fase de crescimento (resposta ao artigo 16º da base instrutória).

3.21

Os trabalhos a realizar de limpeza e pintura abrangendo todo o imóvel dos autores orçam montante não concretamente apurado (resposta ao artigo 18º da base instrutória).

3.22

A pintura da parede virada a poente ascende a montante não concretamente apurado (resposta ao artigo 19º da base instrutória).

3,23

Os eucaliptos e os respectivos cepos existentes no prédio da ré foram aí plantados em data não concretamente apurada[18], mas anterior à data referida na alínea E) dos factos assentes e aí existem de forma contínua e ininterrupta[19] (respostas aos artigos 20º e 21º da base instrutória).

3.24

Os autores construíram, em data não concretamente apurada, mas posterior à construção da casa, o muro divisório existente entre os dois prédios junto dos eucaliptos existentes no prédio da ré (resposta ao artigo 22º da base instrutória).

3.25

Até então, e desde a plantação dos eucaliptos no prédio da ré nunca existiu qualquer muro de divisão entre esse prédio e o prédio dos autores ou dos seus ante possuidores[20] (resposta ao artigo 23º da base instrutória).

3.26

O prédio dos AA. foi construído entre pinhais e eucaliptos do lado norte, nascente, sul e poente (resposta ao artigo 24º da base instrutória).

3.27

O terreno propriedade da ré e onde se encontram os eucaliptos encontra-se limpo (resposta ao artigo 25º da base instrutória).

3.28

As fissuras existentes na habitação são de pequena dimensão, aparentemente superficiais (reboco), sem qualquer interferência com a estrutura do prédio (resposta ao artigo 26º da base instrutória).

3.29

Quer a cobertura, quer as alvenarias apresentam manchas, mais acentuadas do lado poente e que terão ocorrido também por efeito de humidade nessa zona do edifício menos exposta à insolação, o que terá contribuído o porte dos eucaliptos adultos[21] (resposta ao artigo 27º da base instrutória).

3.30

O porte dos eucaliptos e cepos das árvores cortadas existentes no prédio da Ré indicam que as raízes não poderão dispor de dimensões que vençam a distância mínima de 7,60m. entre o edifício dos AA. e a estrema confinante com o terreno plantado da Ré (resposta ao artigo 29º da base instrutória).

3.31

O muro que delimita o prédio dos autores e da ré é construído em blocos de cimento rebocados e apresenta pequena fendilhação, cuja orientação e características são irrelevantes[22] e não se encontram relacionadas[23] com os eucaliptos (resposta ao artigo 30º da base instrutória).

3.32

Os eucaliptos que a ré detém no prédio aludido em B) foram cortados, sendo que os que constituem a 1ª fila, do lado do muro, com excepção de quatro cepos que apresentam pequenos rebentos, não apresentam qualquer tipo de rebentação, e todos os outros encontram-se em fase de crescimento com 5,00 a 6,00 metros de altura (resposta ao artigo 31º da base instrutória).

3.33

            Os eucaliptos que geraram os factos referidos nas respostas dadas aos pontos 2º a 6º e 8º a 11º foram cortados e os que constituem a 1ª fila, do lado do muro, com excepção de quatro cepos que apresentam pequenos rebentos, não apresentam qualquer tipo de rebentação, e todos os outros encontram-se em fase de crescimento com 5,00 a 6,00 metros de altura (resposta ao artigo 32º da base instrutória)[24].

            4. Fundamentos de direito

            4.1 Da nulidade da sentença por contradição dos fundamentos com a decisão

            Nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

            A nulidade da sentença decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando os fundamentos invocados conduziriam, logicamente, a resultado oposto ao decidido. Está em causa um vício lógico na construção da sentença.

            Apreciemos então se a sentença sob censura enferma da apontada nulidade.

Os recorrentes imputam à sentença sob censura a nulidade decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão. Este vício da sentença, se bem interpretamos o pensamento dos recorrentes, derivaria da oposição entre a prova da produção de danos na casa dos recorrentes pelos eucaliptos da ré e a conclusão da sentença recorrida de inexistência de nexo de causalidade entre os danos invocados pelos recorrentes e as árvores da ré.

Salvo melhor opinião, a questão que os recorrentes suscitam, não constitui, verdadeiramente, um vício da sentença recorrida, sendo antes, se proceder o raciocínio dos recorrentes, um erro de julgamento, por deficiente interpretação da factualidade provada.

Por isso, não se verifica a nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 668º do Código de Processo Civil.

            4.2 Da existência de erro de interpretação na conclusão da sentença recorrida no sentido da inaplicabilidade do disposto na Lei nº 1951

            A regra geral vigente no nosso direito civil quanto ao plantio ou sementeira[25] de árvores e arbustos[26] é a de que a cada um, no seu prédio, são lícitos esses actos, desde que se efectivem até à linha divisória dos prédios.

No entanto, o dono do prédio vizinho tem a faculdade de arrancar e cortar as raízes[27] que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, desde que o dono da árvore ou arbusto, depois de intimado para o efeito, judicial ou extrajudicialmente, não proceda ao arrancamento e corte das raízes e ao corte de troncos ou ramos de árvores ou arbustos que invadam, respectivamente, o espaço subterrâneo ou aéreo do prédio do vizinho.

A solução actualmente vigente já se encontrava, no essencial, consagrada no artigo 2317º do Código Civil de 1867[28] e daí que se entenda que o regime actual tem carácter interpretativo nos segmentos em que se verificaram algumas alterações meramente formais[29]. Já no direito vigente antes do Código Civil de 1867, o regime jurídico era diverso, devendo sempre deixar-se uma faixa de terreno entre o arbusto e a linha divisória, faixa cuja largura variava consoante a espécie vegetal em causa[30].

Independentemente da faculdade genérica de plantio ou sementeira de espécies arbóreas e arbustivas até à linha limite de cada prédio previstas no Código Civil de 1867 e no Código Civil actualmente vigente, dando eco a uma preocupação que vinha já dos confins dos tempos[31], o legislador decretou por meio da Lei nº 1:951, publicada no nº 56, da Iª série do Diário do Governo, de 09 de Março de 1937, a proibição da plantação ou da sementeira de eucaliptos ou de acácias a menos de vinte metros de distância de terrenos cultivados e a menos de quarenta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos, salvo se entre umas e outras mediar curso de água, estrada ou desnível de mais de quatro metros.

No mesmo ano, volvidos poucos mais de seis meses, mediante o decreto-lei nº 28:039, publicado na Iª série do Diário do Governo, nº 215, a 14 de Setembro de 1937, o legislador veio proibir a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, vulgarmente conhecida por acácia mimosa, e de ailantos, a menos de vinte metros de terrenos cultivados e a menos de trinta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos (corpo do artigo 1º, do decreto-lei nº 28:039). Exceptuou-se do disposto nesta legislação os eucaliptos, acácias e ailantos plantados ou semeados dentro das referidas faixas, se entre essas árvores e os terrenos, nascentes, terras de regadio, muros e prédios mediar estrada, via férrea e curso de água, caminho público, ou desnível de mais de quatro metros, ou no caso de se reconhecer que a forma de aproveitamento do terreno em que estiverem radicados e dos terrenos vizinhos é a arborização com aquelas ou outras espécies semelhantes (§ único do artigo 1º, do decreto-lei nº 28:039).

Previa-se quer na Lei nº 1:951, quer no decreto-lei nº 28:039 que quando estivessem em causa plantações ou sementeiras anteriores à vigência de tais normativos, o lesado teria direito a requerer o seu arrancamento, pagando uma justa indemnização (vejam-se a alínea a), da Base II da Lei nº 1:951 e o § único do artigo 2º do decreto-lei nº 28:039).

O arrancamento das espécies plantadas ou semeadas com infracção das regras legais previstas na Lei nº 1:951 e no decreto-lei nº 28:039 era adjectivado conferindo competência decisória para o arrancamento à câmara municipal, salvo se a obrigação de arrancamento fosse impugnada com fundamento em questões de posse e propriedade, caso em que a competência era deferida aos tribunais ordinários para se pronunciarem, exclusivamente sobre a matéria da impugnação (corpo do artigo 2º do decreto-lei nº 28:039), instituindo-se um júri avindor para promover a conciliação entre as partes, verificar se as árvores se encontram ou não dentro das faixas legalmente definidas e demais circunstâncias previstas na lei e ainda para fixar a justa indemnização, nos casos em que for devida (artigo 3º do decreto-lei nº 28:039).

O acórdão do Tribunal Constitucional nº 963/96, de 11 de Julho de 1996, publicado na Iª série A, do Diário da República, nº 234, de 09 de Outubro de 1996, declarou, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do princípio da reserva da função jurisdicional consagrada no nº 1 do artigo 205º, conjugado com os artigos 113º, nº 2, 114º, nº 1 e 205º, nº 2, todos da Constituição, as normas constantes da primeira parte do artigo 2º do Decreto-Lei nº 28 039, de 14 de Setembro de 1937, e dos artigos 1º, e seu § 1º, 2º e 8º, estes do Decreto nº 28 040, também de 14 de Setembro de 1937”. A partir de então, do ponto de vista do direito positivo, é inquestionável que compete aos tribunais judiciais apreciar da violação ou não da previsão legal do corpo do artigo 1º do decreto-lei nº 28:039, previsão que tacitamente derrogou a Base I da Lei n5º 1:951.

No entendimento da recorrente, a proibição de plantar ou semear eucaliptos numa faixa até trinta metros não depende da existência à data de tais actos de nascentes, terras de cultura de regadio e muros ou de que o prédio vizinho seja urbano[32], citando em abono da sua tese o acórdão deste Tribunal da Relação de 27 de Janeiro de 2000.

Na decisão sob censura, seguindo de perto o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19 de Novembro de 2009, proferido no processo nº 2194/07.5TBFAF.G1, acessível no site da DGSI[33], entendeu-se que a proibição de plantar ou semear eucaliptos a menos de trinta metros de prédios urbanos só opera se tais actos ocorrem em momento posterior ao da construção do prédio urbano.

Apreciemos.

As previsões legais que os recorrentes invocam para alicerçar o pedido de arrancamento dos eucaliptos da ré, numa faixa de trinta metros a contar da estrema poente do seu prédio, do ponto de vista literal, referem-se à proibição de plantação e de sementeira dentro de certo espaço, para certas espécies vegetais, no acto da plantação ou da sementeira.

Do ponto de vista racional, percebe-se que assim seja, porquanto os imóveis, não são uma realidade cristalizada no tempo, podendo o seu dono, no uso do seu poder de transformação, apanágio da faculdade de disposição que lhe compete (artigo 1305º do Código Civil)[34], alterar as culturas, proceder a captação de água e implementar agricultura de regadio, se possível ou até, se legalmente autorizado, construir edificações no imóvel, transformando-o de prédio rústico em urbano. Ora, a interpretação sufragada pelos recorrentes contenderia com o direito de propriedade, na sua vertente do poder de disposição e constituiria uma inadmissível restrição do mesmo.

Finalmente, quer a Lei nº 1:951, quer o decreto-lei nº 28:039 dão uma indicação preciosa de que a proibição em análise opera, como regra, no momento da plantação ou da sementeira, quando prevêem um caso de responsabilidade por facto lícito no caso de plantações ou sementeiras feitas antes da vigência da Lei nº 1:951 (vejam-se a alínea a), da Base II, da Lei nº 1:951 e o § único do artigo 2º, do decreto-lei nº 28:039). Na verdade, se apenas nestes casos é conferido o direito a requerer o arrancamento, tal significa que relativamente a plantações ou sementeiras licitamente efectuadas ao abrigo da Base I da Lei nº 1:951 e do artigo 1º do decreto-lei nº 28:039 não existe essa faculdade[35].

Importa ainda vincar que o acto de plantação ou de sementeira não se confunde com a rebentação natural de uma espécie vegetal subsequente a um corte.

O eucalipto é uma espécie vegetal cujas toiças têm aptidão para rebentar, vigorosamente, no espaço de dois ou três cortes e, numa exploração normal, o silvicultor conta com estas potencialidades da espécie, pois que evitam despesas com nova plantação e permitem um crescimento mais rápido do povoamento e menos sujeito a mortalidade. Nestes casos, a rebentação é da árvore que ali existia e que foi objecto de corte. Deste modo, a circunstância dos eucaliptos da ré já terem sofrido algum corte não significa que cada rebentação que surge após o corte deva ser tratada como uma nova plantação[36].

Num prisma de justiça material, mal seria que o conteúdo do direito de propriedade de alguém pudesse ficar dependente da prática de actos voluntários por parte de outrem. De facto, foram os autores que no uso do poder de transformação inerente ao direito de propriedade de que são titulares alteraram a destinação dos três prédios rústicos de pinhal e mato de que eram donos (números 3.1, 3.3 e 3.4 dos fundamentos de facto) e aí construíram uma casa, apesar do local de construção se achar rodeado por todos os lados de pinhais e eucaliptos (veja-se o ponto 3.26 dos fundamentos de facto). Nessa medida, bem sabiam em que condições se achava a envolvente do seu prédio, expuseram-se a um notório risco de incêndio e poderia até existir abuso de direito da sua parte, na modalidade de supressio[37], na pretensão de eliminação de uma situação que voluntariamente criaram e com a qual conviveram durante quase dez anos.

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que não houve qualquer erro de interpretação da Lei nº 1:951 e do decreto-lei nº 28:039.

4.2 Da aplicabilidade ao caso do instituto da colisão de direitos iguais

Nos termos do disposto no artigo 335º, nº 1, do Código Civil, “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”.

“Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior” (artigo 335º, nº 1, do Código Civil).

No caso dos autos, sustentam os recorrentes que estão em causa direitos de igual natureza, o direito de propriedade dos recorrentes e o direito de propriedade da recorrida, a que se aplicaria o disposto no nº 1, do artigo 335º do Código Civil.

Porém, os recorrentes olvidam a existência de normas legais que resolvem o conflito no exercício dos dois direitos em causa. De um lado, temos a licitude do plantio dos eucaliptos no prédio da ré derivado do não preenchimento da previsão proibitiva do artigo 1º do decreto-lei nº 28:039. De outro lado, temos a permissão do nº 1, do artigo 1366º do Código Civil que confere um remédio ao titular do prédio vizinho daquele onde é efectuada a plantação e que lhe permite reagir contra a invasão subterrânea de raízes e a invasão aérea de tronco e ramos.

Neste circunstancialismo, seja por existirem normas preventivas que obstam à verificação de um conflito de direitos, seja por não se verificar efectivamente uma impossibilidade de exercício simultâneo dos dois direitos de propriedade em confronto[38], não se preenche a figura da colisão de direitos, como é pretendido pelos recorrentes, não havendo por isso lugar à aplicação da terapêutica prevista legalmente para tais casos.

4.3 Da existência de danos no prédio dos autores provocados pelas árvores da ré e que esta esteja obrigada a reparar

Os recorrentes insurgem-se contra a decisão de absolvição do pedido da ré, no que respeita os pedidos de reparação de danos alegadamente causados pelas árvores da ré, porque, em seu entender, provaram-se danos causados pelas árvores da ré, sendo assim patente a existência de danos e bem assim do nexo de causalidade destes com as árvores.

Na sentença recorrida escreveu-se a este propósito:

“Os restantes pedidos dos autores resumem-se a danos que os mesmos reputam ter existido na sua casa por acção directa dos mencionados eucaliptos. Ora, tendo-se em atenção o que acima ficou dito relativamente ao direito da ré de ter os eucaliptos no mencionado terreno a única conclusão a que se poderá chegar é a de que terão que improceder todos os demais pedidos formulados pelos autores.

Em primeiro lugar porque não se logrou demonstrar um nexo de causalidade entre a existência das árvores e os danos da casa.

E, em segundo lugar porque parte significativa dos danos que os autores alegam não ficaram demonstrados.

O que se deixa escrito não colide com a disciplina prevista no artigo 1366º do CC. Ou seja, os autores sempre terão direito a exigir o corte das árvores quando as mesmas invadam o seu espaço, rectius, quando se projectem para além da estrema do prédio de origem. Mas, nada mais.

Ora, analisando-se os factos dados como provados facilmente se constata que nenhum direito dos autores foi violado porquanto nenhuma das árvores da ré invade o espaço aéreo dos autores. Tendo-se conseguido demonstrar que quando tais árvores atingirem um tamanho adulto irão invadir o referido espaço dos autores, nada existe a ordenar ou garantir no presente momento. Existe, apenas, uma expectativa de que uma determinada consequência possa vir a ocorrer se um conjunto de padrões normais se desenvolver em ritmo constante e normal.

Não obstante, sempre se dirá que cabe à ré assegurar-se de que as árvores que possui não invadem o espaço dos autores.

Em resumo, resulta do disposto no artigo 1366º do Código Civil que, o dono do prédio prejudicado com os ramos das árvores do vizinho, tem o direito de proceder ao seu corte depois de interpelar o proprietário vizinho para o efeito sem que este nada faça.

Assim, aos autores assiste tão-somente o direito de corte, que não está dependente da existência de dano concreto, podendo ser exercido antes de tal dano se verificar (cfr, neste sentido, Antunes Varela, Pires de Lima, ob. citada na sentença[39]) e apenas no estrito contexto factual do artigo 1366º.

O pressuposto sobre o qual os autores estruturam o pedido de indemnização (a ilicitude da existência das árvores a menos de 30 metros do seu terreno) não existe. Por isso, o direito à indemnização pelos danos decorrentes dessa presença não se chegou a formar.

Repare-se que estamos num momento a jusante da análise dos danos concretamente existentes.”

Apreciemos.

Efectivamente, como alegam os recorrentes, provaram-se danos na sua casa decorrentes das árvores da ré (vejam-se o factos provados em 3.13 e 3.29), tendo-se também provado a potencialidade dessas árvores, quando adultas, provocarem outros danos (veja-se os factos provados em 3.9 a 3.11 e 3.14, 3.15. e 3.16).

Porém, como é sabido, o nascimento da obrigação de indemnizar não se basta com a ocorrência de um dano e com a existência de um nexo causal entre esse dano e uma coisa imóvel da titularidade de outrem. A regra é a de que cada um suporta os danos que sofre na sua pessoa e no seu património.

A regra geral relativamente à obrigação de indemnizar com base em facto ilícito é a de que o seu nascimento depende também da ilicitude do facto e da imputação do facto ao agente que se desdobra na imputabilidade e na culpa do agente do facto (veja-se o artigo 483º, nº 1, do Código Civil).

A obrigação de indemnizar só existe independentemente de culpa nos casos especificados na lei (artigo 483º, nº 2, do Código Civil), só existindo obrigação de indemnizar por facto lícito nas hipóteses excepcionais legalmente previstas.

No caso dos autos, já antes se concluiu pela licitude da implantação dos eucaliptos no prédio da ré, o que levou à improcedência da pretensão dos recorrentes de que fossem arrancadas árvores de molde a que desde a estrema dos dois prédios ficasse uma faixa de protecção com trinta metros de largura.

O tribunal a quo condenou a ré a cortar os eucaliptos e as respectivas raízes de modo a criar-se entre a estrema do prédio dos autores e o seu prédio uma faixa de segurança que acautele os perigos de incêndio que podem advir da existência de árvores[40]. Esse segmento decisório não foi objecto de recurso por quem tinha para o efeito legitimidade e interesse em agir, tendo transitado em julgado, pelo que não está submetido à nossa reapreciação.

Não obstante isso, não está este tribunal obrigado a concluir que por força dessa decisão a conduta da ré é ilícita, tanto mais que estão fixados legalmente os requisitos exigidos aos proprietários para debelar o perigo de incêndio (veja-se o artigo 16º, nºs 2 e 3, do decreto-lei nº 156/2004, de 30 de Junho que apenas obriga a operações de limpeza e não propriamente ao arrancamento das árvores existentes nos perímetros de segurança).

Não foram alegados factos pelos ora recorrentes donde se pudesse concluir que as “emissões” das árvores da ré importam um prejuízo substancial para o uso da sua casa ou que resultem de um uso anormal do prédio da ré, pelo que está de todo afastada a possibilidade do caso se enquadrar no disposto no artigo 1346º do Código Civil.

A lei faculta aos recorrentes meios para fazer face às invasões subterrâneas e aéreas do seu prédio (artigo 1366º, nº 1, do Código Civil), pelo que devem sofrer na sua esfera jurídica as consequências da omissão das medidas adequadas e necessárias a evitar a invasão das ramagens das árvores da ré que serão em parte responsáveis por manchas no telhado, nas abas mouriscas, nas paredes e chaminés da casa dos recorrentes (veja-se a factualidade exarada em 3.13).

Finalmente, tal como já antes se referiu, os recorrentes, ao construírem uma casa de habitação num local rodeado por todos os lados por pinhais ou eucaliptos, expuseram-se voluntariamente a uma situação potencialmente danosa e assumiram o risco inerente. Ainda que houvesse base legal para o nascimento da obrigação de indemnizar – que não há porque nem existe conduta ilícita da ré, nem tão pouco culpa da mesma – sempre esta conduta dos recorrentes deveria equacionar-se em sede de culpa do lesado na medida em que o seu comportamento é decisivo para a produção dos danos de que se queixam (artigo 570º, nº 1, do Código Civil). Tendo os recorrentes optado por construir uma casa naquelas condições, querendo precaver-se dos prejuízos inerentes a essa circunstância, deveriam ter eles próprios criado uma faixa de segurança que os pusesse a coberto das “emissões” de que se queixam, bem como dos riscos de incêndio.

Noutro plano, dir-se-á ainda que é clamorosamente ofensiva das regras da boa fé a pretensão dos recorrentes de que sejam terceiros a suportar as consequências da sua imprudente se não temerária escolha quanto ao local onde construíram a sua habitação.

Por tudo quanto precede, conclui-se pela total improcedência das conclusões da apelação.

5. Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por H(…) e M (…) e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida nos segmentos impugnados e datada de 21 de Junho de 2010; custas do recurso de apelação a cargo dos recorrentes.


***

O presente acórdão compõe-se de vinte páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

CARLOS GIL ( Relator )
FONTE RAMOS
CARLOS QUERIDO


[1] Da ....
[2] Da ....
[3] Inscrição do direito de propriedade.
[4] Inscrição do direito de propriedade.
[5] O verbo não concorda com o sujeito, devendo ler-se provém.
[6] Um “cepo a rebentar” transforma-se com o tempo numa árvore.
[7] Cremos que se pretendia dizer “à distância”.
[8] Escreveu-se na alínea J) da fundamentação de facto da sentença recorrida, sem pestanejar, que os cepos provocam ruído (alínea J dos factos assentes), realidade fáctica altamente improvável e que em bom rigor não corresponde àquilo que foi quesitado e respondido.
[9] Escreveu-se na alínea N) da fundamentação de facto da sentença recorrida, sem pestanejar, que quando os eucaliptos atingirem o estado de adultos, por acção do vento, podem-se depositar nas varandas e no telhado. Ora, não existem eucaliptos voadores e essa matéria consignada como assente na alínea N), da fundamentação de facto da sentença recorrida não corresponde àquilo que foi quesitado e respondido. Se porventura houvesse o cuidado de na fundamentação de facto da sentença se indicar a proveniência da matéria que se vai consignando como provada, certamente se evitariam estas discrepâncias entre a realidade quesitada, a provada e a dada como assente na sentença final.
[10] Parece evidente a existência de um lapso na fundamentação da sentença recorrida, devendo ler-se abas mouriscas onde ficou escrito obras mouriscas, tal como consta do relatório pericial, a folhas 103, resposta ao quesito 8º e das respostas à base instrutória, a folhas 114.
[11] Parece que antes de “o”, para inteligibilidade da frase, deveria estar “para”.
[12] Parece que se pretenderia dizer “desprenderam”. Na verdade, no artigo 11º da petição inicial alegou-se a este propósito “desprendem-se”, matéria que porém foi quesitada no artigo 8º da base instrutória com lapso no verbo porquanto aí se consignou “despendem”.
[13] Ter-se-á querido escrever “a que aludem”.
[14] Na resposta ao artigo 11º da base instrutória escreveu-se em vez de “folhas”, “folgas”, lapso que foi detectado aquando da elaboração da sentença e que foi oficiosamente corrigido, mas sem se dar nota da correcção efectuada.
[15] Risco de incêndio é em rigor matéria conclusiva, podendo, nalguns casos, constituir matéria de direito, como sucede, nomeadamente, quando o perigo de incêndio constitui elemento do tipo criminal de incêndio. Porém, é também uma conclusão que se extrai do conjunto da factualidade provada, de acordo com as regras da experiência comum, conclusão sobre a qual as partes não dissentem pois não houve qualquer impugnação da matéria de facto, razão pela qual, não se justificará a aplicação analógica do remédio previsto no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil.
[16] Parece que se pretendia dizer “mantêm”.
[17] Na resposta ao artigo 16º da base instrutória escreveu-se em vez de “todos”, “tos”, lapso que foi detectado aquando da elaboração da sentença e que foi oficiosamente corrigido, mas sem se dar nota da correcção efectuada.
[18] Na resposta ao artigo 11º da base instrutória escreveu-se em vez de “apurada”, “apurado”, lapso que foi detectado aquando da elaboração da sentença e que foi oficiosamente corrigido, mas sem se dar nota da correcção efectuada.
[19] A referência à existência contínua e ininterrupta dos eucaliptos reveste-se de alguma impropriedade de expressão, na medida em que não existem eucaliptos descontínuos ou intermitentes. O que se pretendia dizer é que desde que os eucaliptos foram plantados, antes da construção da casa dos autores, não houve mais qualquer plantação e não mais aí deixaram de existir eucaliptos.
[20] Ter-se-á querido escrever antepossuidores. Suprimiu-se o ponto de interrogação que ficou a constar do ponto DD) dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
[21] Afigura-se-nos que faltará a preposição “para” antes de “o que”.
[22] Corrigiu-se o erro de concordância pois havia-se escrito “é irrelevante”.
[23] Corrigiu-se o erro de concordância pois havia-se escrito “relacionado”.
[24] Omitiu-se na fundamentação de facto da sentença esta resposta à base instrutória.
[25] O artigo 1366º, nº 1, do Código Civil apenas se refere à plantação de árvores e arbustos, omitindo a referência à sementeira de tais espécies. Porém, afigura-se-nos que a previsão em apreço, tendo em conta a sua ratio, deve ser objecto de interpretação extensiva, sendo por isso também aplicável aos casos de sementeira das mesmas espécies. É esta, segundo cremos, a razão por que no Código Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, Volume III, 2ª edição revista e actualizada com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora 1984, página 230, em anotação ao artigo 1366º, nº 1, do Código Civil, se afirma que a “faculdade de plantar (ou semear) árvores até à linha divisória do prédio, ou manter as que nasceram espontaneamente ou foram plantadas por outrem, não é solução admitida em todas as legislações modernas (…)”.
[26] Para a distinção das árvores dos arbustos, veja-se com interesse e actualidade, Tratado de Direito Civil, Volume XII, Coimbra Editora 1937, de Luiz da Cunha Gonçalves, página 48, que informa que em “botânica moderna, árvore é todo o vegetal lenhoso que, preso ao solo pelas suas raízes, fortes e profundas, às vezes extensas, se ergue por um caule ou tronco mais ou menos cilíndrico, bifurcando-se em ramos a diversas alturas do solo, como nas árvores frutíferas, até dezenas de metros, como nos pinheiros, eucaliptos, cedros e outras árvores florestais.” Por seu turno, nas palavras do mesmo autor, no lugar antes citado, arbusto “é um vegetal lenhoso de pequena estatura, que não tem tronco e se ramifica, em regra, junto do solo ou sobre suportes: tais são as vides, as roseiras e outras plantas dos jardins, as silvas, estevas, giestas e outras plantas silvestres.”
[27] Há espécies vegetais com abundantes raízes aéreas, pelo que por interpretação extensiva, se deverá entender que estas, caso invadam o espaço aéreo do prédio vizinho, serão passíveis de corte, nos mesmos termos previstos para os troncos e ramos.
[28] Previsão que era do seguinte teor: “Será lícita a plantação de árvores ou arbustos a qualquer distância da linha divisória, que separar do prédio vizinho aquêle em que a plantação for feita; mas o dono do prédio vizinho poderá arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno, e os ramos que sobre ele propenderem, contanto-que não ultrapasse, arrancando e cortando essas raízes ou ramos, a linha perpendicular divisória, e se o dono da árvores, sendo rogado, o não tiver feito dentro de três dias.”
[29] Neste sentido veja-se, Código Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, Volume III, 2ª edição revista e actualizada com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora 1984, página 231, anotação 3.
[30] Sobre este regime jurídico vejam-se, a título meramente exemplificativo, Direito Civil de Portugal, Tomo IV, Lisboa 1847, de Manuel Borges Carneiro, página 70, § 21, nº 7, que alude a que de acordo com o Direito Romano, a árvore do vizinho deve distar do prédio contíguo pelo menos cinco pés, devendo distar nove pés sendo figueira ou oliveira; no mesmo sentido veja-se, Facisculo De Dissertações Jurídico-Praticas, Lisboa 1816, de Manoel D´Almeida e Sousa, vulgo Lobão, Dissertação VIII, Capítulo III, páginas 473 a 475, §§ 19º a 22º; porém, M. A. Coelho da Rocha, in Instituições de Direito Civil Portuguez, segunda edição reformada, e muito augmentada, Tomo II, Coimbra, 1848, páginas 465 e 466 § 593, sustentava a aplicabilidade das distâncias previstas no artigo 671º do Código Civil Francês que na sua redacção original dispunha: “Il n´est permis de planter des arbres de haute tige qu´à la distance prescrite par les réglements particuliers actuellements existans, ou par les usages constans e reconnus; et, à défaut de réglements e usages, qu´à la distance de deux mètres de la ligne séparative des deux héritages pour les arbres à haute tige, et à la distance d´un demi-métre pour les autres arbres e haies vives.”
[31] No Direito Romano, informa-nos Lobão, na obra supra citada, página 477, § 25º, que a razão da maior largura da faixa livre de árvores, relativamente ao prédio vizinho, no caso de plantio de oliveiras ou figueiras, em comparação com o comum das espécies vegetais, prendia-se com a maior extensão das raízes e com o carácter alegadamente nocivo da sombra destas espécies vegetais.
[32] Atente-se que a largura da faixa em que é proibida a plantação de eucaliptos, acácias da espécie dealbata e ailantos se mede não da estrema do prédio em que é efectuada a plantação ou sementeira, mas sim do terreno cultivado, da nascente, do muro e do prédio urbano, sendo que neste último caso tal não significa que essa faixa se deva medir da construção urbana, mas sim do limite do prédio urbano definido pelos logradouros que lhe pertencem (veja-se o artigo 204º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil). Repare-se que o § 2º, do decreto nº 28:040, não afectado pela declaração de inconstitucionalidade proferida no Acórdão nº 329/96, do Tribunal Constitucional, prevê que “Consideram-se excluídos da aplicação do disposto no decreto nº 28:089 os terrenos de mato ou floresta, os muros de pedra solta que não seja parte de construção urbana, alpendrada, vedação de pátios e outros cómodos, suporte de latadas e semelhantes.”
[33] Seguiu-se tão de perto este acórdão que apenas se citou parte do mesmo, transcrevendo-se vários parágrafos deste, sem indicação da fonte, o que explica que na decisão recorrida, proferida em primeira instância, se aluda, ininteligivelmente, à decisão recorrida (veja-se o penúltimo parágrafo da página 138).
[34] Sobre o poder de transformação inerente ao denominado jus abutendi integrante do direito de propriedade veja-se, Da Propriedade e da Posse, Edições Ática 1952, Luís da Cunha Gonçalves, página 67.
[35] No sentido da proibição de plantação e sementeira emergentes do disposto na Base I da Lei nº 1:951 e no artigo 1º do decreto-lei nº 28:039 apenas operar quando no acto de plantio ou sementeira o terreno vizinho é terreno cultivado ou terra de cultura de regadio ou quando nele existem nascente, muro ou prédio urbano pronuncia-se a totalidade da jurisprudência publicada a que tivemos acesso: acórdão do STA de 29 de Fevereiro de 1952, publicado no nº 179, da segunda série do Diário do Governo de 30 de Julho de 1952; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Março de 1971, publicado no nº 114, dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, páginas 869 a 873; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22 de Março de 2006, proferido no processo nº 2479/05-1, acessível no site da DGSI; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08 de Julho de 2008, proferido no processo nº 1480/08, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXXIII, tomo III, páginas 193 a 196; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Novembro de 2009, proferido no processo nº 2194/07.5TBFAG.G1, acessível no site da DGSI.
[36] Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09 de Dezembro de 1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, tomo V, páginas 218 a 221.
[37] Sobre esta figura veja-se Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, António Menezes Cordeiro, páginas 205 a 208.
[38] Sobre a figura da colisão de direitos veja-se, Dos Pressupostos da Colisão de Direitos no Direito Civil, Lisboa, Universidade Católica Editora 2004, Elsa Vaz de Sequeira, especialmente nas páginas 15 a 20 e 164 a 173.
[39] Este parágrafo é, em parte, uma cópia, sem indicação da origem, do que se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Novembro de 2009, proferido no processo nº 2194/07.5TBFAG.G1, acessível no site da DGSI e por isso, se alude à sentença
[40] Embora os recorrentes aludissem ao perigo de incêndio causado pelas árvores da ré, a sua pretensão de arrancamento dos eucaliptos e respectivas raízes, propriedade da ré, numa faixa de trinta metros medida da estrema nascente do prédio dos recorrentes justifica-se para evitar a continuação dos danos que as árvores e raízes da ré alegadamente provocavam e não para debelar o perigo de incêndio (veja-se de modo elucidativo a alínea a), do petitório final).