Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
184/10.0TBCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PROVAS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COIMBRA VARAS MISTAS 2ª S
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.338 C, 338-E, 338 H CPI, 666 CPC
Sumário: 1. A restrição ao princípio do contraditório prevista na parte final do nº 1, do artigo 338º-E do Código da Propriedade Industrial apenas é aplicável quando sejam requeridas medidas de preservação da prova e além da alegação e prova da existência de violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, também se alegue e prove que o atraso na aplicação das medidas pode causar danos irreparáveis ao requerente ou que existe sério risco de destruição ou ocultação da prova.

2. Sendo requeridas medidas para obtenção de provas e informações ao abrigo do disposto nos artigos 338º-C e 338º-H, ambos do Código da Propriedade Industrial, a decisão judicial que aprecie tal requerimento não tem carácter provisório, pelo que com a sua prolação, esgota-se o poder jurisdicional relativamente a tais questões.

3. Por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, enferma de ilegalidade a decisão judicial que depois de ter apreciado requerimento em que eram requeridas medidas para obtenção de provas e informações, volta mais tarde a pronunciar-se de novo sobre as mesmas, confirmando a decisão inicialmente tomada.

Decisão Texto Integral: A espécie, o efeito e o modo de subida do recurso são os próprios, as conclusões das alegações não carecem de ser corrigidas, não se verifica qualquer circunstância que obste ao conhecimento do recurso e, em nosso entender, as questões a decidir são simples, pelo que estão reunidos os requisitos legais para julgamento sumário do recurso (artigo 705º, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), o que se passa a fazer de seguida.

***

1. Relatório

            A 03 de Fevereiro de 2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, C (…)Limited, comerciando como VJ (…) sociedade britânica com sede em ..., Suffolk, ..., Reino Unido, instaurou acção declarativa sob forma ordinária contra FF (…), SA, com sede na Estrada ..., Coimbra, freguesia de Santa Cruz, Portugal, pedindo:

a) que se declare que os produtos fabricados, comercializados e distribuídos pela ré constituem violação da Patente EP 1292792 da autora;

b) em consequência, que a ré seja condenada a abster-se de fabricar, comercializar e distribuir seja no país ou em exportação, tais produtos;

c) que se ordene a imposição à ré de uma medida inibitória, na forma de sanção pecuniária compulsória, em montante a apurar de acordo com o valor de uma licença razoável, destinada a assegurar a cessação da actividade ilícita por parte da ré, de fabricar, comercializar e distribuir produtos que infringem a Patente EP 1292792 da autora, por cada dia em que se verificar essa actividade ilícita, desde a data do trânsito em julgado da decisão a proferir;

d) que se declare a nulidade da Patente de Invenção nº 103946 da ré.

Efectuada a citação da ré, a mesma ofereceu contestação em que impugna a maior parte da factualidade articulada pela autora, pugnando pela total improcedência da acção.

A 19 de Abril de 2011, em requerimento electrónico notificado, via fax, a 20 de Abril de 2011, C (…)Limited, entre outras pretensões, veio requerer, “visando uma esclarecida obtenção da verdade material, para a dissipação de quaisquer dúvidas sobre a identificação dos produtos produzidos pela Ré detectados pela Autora no mercado e em instalações de clientes finais, requer-se a promoção das medidas para obtenção de prova previstas no art. 338º-C do Código da Propriedade Industrial, sendo a Ré ordenada a juntar aos autos exemplares dos produtos “Juntas Multimateriais com garras Sistema GFIX” que anuncia no seu catálogo on-line, tal como documentado pelos Docs. 13 a 16 juntos à P.I., com vista a poder ser esse exemplar igualmente submetido à perícia ordenada. Com efeito, atenta a concentração de esforços e recursos que uma perícia sempre requer, considera a Autora oportuno a junção de tal exemplar por parte da Ré em momento prévio à perícia, assim se evitando uma eventual duplicação de diligências, o que requer ao abrigo do princípio da economia processual. No mesmo sentido e contribuindo para a determinação segura da origem do fabrico dos produtos detectados pela Autora, porque estão em causa actos praticados à escala comercial, mais se requer nos termos do disposto no nº 2 do art. 338º-C, e art. 338º-H, ambos do Código da Propriedade Industrial, V. Exa. Se digne ordenar à Ré a apresentação dos documentos contabilísticos relativos à comercialização pela Ré, pelo menos desde 2007, dos produtos “Juntas Multimateriais com garras Sistema GFIX”, devendo ser ainda a Ré ordenada a prestar informação detalhada sobre as quantidades produzidas ou fabricadas, bem como o preço obtido pelos referidos produtos, e a identificação dos distribuidores, grossistas e retalhistas destinatários.

A 02 de Maio de 2011, foi proferido despacho que apreciando o requerimento da autora de 19 de Abril de 2011, entre outras questões, decidiu:

- “Deverá a Ré, em 10 dias, juntar aos autos exemplares físicos/materiais dos equipamentos produzidos/comercializados por si e que a Autora alega estarem a ser violadores da protecção conferida pela patente que alegou na P.I. (produtos identificados pelas designações “HIPERFIX”, “FUCOLI SOMEPAL 100/130 GG50” E “GFIX”), na medida em que deverá ser no confronto, análise e exame dos mesmos que a perícia será realizada, acrescendo dever a Ré, em igual prazo, juntar aos autos o conjunto de documentos contabilísticos relativos à comercialização pela mesma, desde 2007, dos produtos designados por “Juntas Multimateriais com garras Sistema GFIX”, e bem assim prestar informação detalhada sobre as quantidades produzidas ou fabricadas, bem como o preço obtido pelos referidos produtos, e a identificação dos distribuidores, grossistas e retalhistas destinatários (cf. arts. 338ºC, nºs 1 e 2, 338ºE e 338ºH, ambos do Código da Propriedade Industrial.

Inconformada com o segmento da decisão proferida a 02 de Maio de 2011 em que se ordenou à ré a junção de documentos contabilísticos e a prestação de informação comercial, em carta registada expedida a 23 de Maio de 2011, FF (…), SA interpôs recurso de apelação contra a mesma.

A 05 de Maio de 2011, FF (…), SA pronunciou-se sobre as medidas requeridas pela autora, pugnando pela sua improcedência.

A 21 de Junho de 2011 foi proferido o seguinte despacho:

Reqº de fls. 700/706 deduzido pela Ré com referência ao anterior despacho que fixou um prazo para apresentação de documentos e prestação de informações, no sentido de ser diferido tal prazo até ao momento da decisão sobre o efeito a atribuir ao recurso que a mesma irá interpor do dito despacho e “oposição” manifestada pela Ré de folhas 684 a 691 ao dito pedido de apresentação de documentos e prestação de informações integrada no citado Reqº de fls. 671 apresentado pela mesma Ré (arts. 54º a 75º do mesmo):

Neste particular queremos começar por dizer que o nosso visado despacho de 2 de Maio foi proferido depois de estar decorrido um prazo de 12 dias após a A. ter apresentado a sua pretensão no quadro dos arts. 338ºC e 338ºH do C. Propriedade Industrial, mas tal não retira que o mesmo foi proferido “sem audiência prévia da parte requerida” (cf. art. 338ºE, nº1 deste mesmo C.Propriedade Industrial).

Pelo que, ainda que a Ré não tenha configurado expressamente esta sua “oposição” neste enquadramento e a esta luz, cremos que é isso que preside à sua apresentação, pelo que, sobre tal passaremos a proferir despacho nos termos do nº 4 do mesmo normativo.

Efectivamente, determina o nº 4 do normativo em referência que “Ouvida a parte requerida, o Tribunal pode determinar a alteração, a revogação ou a confirmação das medidas aplicadas”.

Ora, confrontando os argumentos aduzidos pela Ré neste contexto, não vemos razão nem justificação para revogar ou sequer alterar o sentido do anterior despacho que ordenou a apresentação de documentos e prestação de informações.

Senão vejamos.

Quanto ao fundamento de não estar comprovada/previamente confirmada a violação de direitos de propriedade industrial, cremos que tal constitui um sofisma, na medida em que as normas em consideração apenas se referem a “indícios suficientes de violação” e “que se suspeite de violarem”, o que constitui seguramente um grau inferior nesse particular, sendo certo que no caso vertente tal está manifestamente apurado, por alcandorado numa patente de invenção (a da A.) que é de reconhecimento e registo anterior à da Ré…

Depois, que essa violação está alegadamente a decorrer à “escala comercial”, cremos ser um dado incontornável, atento o que está aduzido quanto à publicitação em redes virtuais, com o inerente objectivo de correspondente comercialização!

Finalmente, se reconhecemos que importa salvaguardar a confidencialidade como regra de princípio, não vislumbramos como tal possa ser em concreto mais alcançado no caso vertente, atendendo a que o que foi deferido já está restrito aos documentos “contabilísticos” (cf. elenco mais vasto constante do nº2 do art. 338ºC em referência) e relativamente a estes se não for prestada a informação relativamente à identificação e valores unitários e totais das transacções comerciais envolvendo os sujeitos comerciais em causa (tenha-se presente que só estão obviamente em causa os “distribuidores, grossistas e retalhistas destinatários” dos produtos ajuizados), parece-nos que não estará a ser obtida a informação mínima e imprescindível para este efeito.

Acresce que esta diligência de prova se estaria à data da propositura da acção justificada para evidenciar a existência e verificação da violação em causa, à data em que foi formulada e veio a ser decidida estava igualmente fundamentada para efeitos probatórios da dimensão e gravidade dessa mesma violação, atenta a ampliação do pedido a que nos reportámos supra, e como tal admitida.

Em todo o caso, uma eventual compressão do direito à salvaguarda da confidencialidade terá que ser naturalmente aceite, em benefício da protecção do superior direito à instrução do processo, e bem assim do regular andamento do processo e da justa composição do litígio (cf. art. 519ºA do C.P.Civil).

O que tudo serve para dizer que se entende confirmar o anterior despacho de 2 de Maio que determinou a apresentação de documentos e prestação de informações nos seus precisos termos.

Resta assim apreciar a questão do pedido do diferimento do prazo (conferido pelo despacho em causa para a apresentação de documentos e prestação de informações) para até ao momento da decisão sobre o efeito a atribuir ao recurso (que a Ré adianta ir interpor do dito despacho e que efectivamente se mostra interposto).

Nesse particular, em nosso entender, antes de decidir essa questão, impõe-se que a Ré esclareça e clarifique sobre se tal posição se mantém face ao presente despacho, e na afirmativa em que termos, pois que o mesmo, em nosso entender, constitui o despacho decisório final sobre o assunto, acrescendo o que sobre o dito recurso já interposto se determinará infra.

Not., sendo que para o efeito por último aludido se concede à Ré um prazo de 10 dias.

Inconformada com este despacho, na parte em que confirmou o despacho proferido a 2 de Maio de 2011, que determinou a apresentação de documentos e a prestação de informações, FF (…), SA interpôs recurso de apelação contra o mesmo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) Ao afirmar que o despacho de 21 de Junho de 2011 é o despacho decisório final sobre a questão das medidas de obtenção de documentação e de prestação de informação, o Tribunal a quo proferiu um despacho que constitui uma decisão de admissão de meio de prova.

B) A Ré, por uma questão de mera cautela, vê-se assim obrigada a recorrer desta nova decisão judicial que incide precisamente sobre a mesma matéria que a levou a interpor recurso, em 23 de Maio de 2011, do despacho de 2 de Maio do mesmo ano.

C) Para o caso de se vir a entender o despacho de 21 de Junho de 2011 como o despacho decisório final sobre a questão das medidas de obtenção de prova e informação – algo que a Ré rejeita mas por dever de patrocínio é obrigada a admitir - , é interposto o presente recurso e requer-se ao Tribunal a quo que ao mesmo seja atribuído efeito suspensivo, uma vez que estão preenchidos os pressupostos do nº 4 do artigo 692º do CPC.

D) A execução imediata das medidas decretadas pelo despacho de 2 de Maio de 2011 e confirmadas pelo despacho de 21 de Junho de 2011 provocará um prejuízo considerável à Ré (e a terceiros, exteriores ao presente processo), por violação de dados pessoais e segredos de negócio, sendo que a Ré se oferece para prestar caução, nos termos a determinar pelo Tribunal a quo.

E) O despacho recorrido invoca o nº 4 do artigo 338º-E do CPI para confirmar as medidas decretadas pelo despacho de 2 de Maio de 2011.

F) O regime especial do artigo 338-E do CPI só é aplicável às medidas de preservação da prova (artigo 338º-D, por remissão do nº 1 do artigo 338º-E), às providências cautelares (por remissão do nº 5 do artigo 338º-I) e ao arresto (por remissão do nº 4 do artigo 338º-J), devido à natureza cautelar destas medidas.

G) As medidas de obtenção de prova e de prestação de informação previstas, respectivamente, nos artigos 338º-C e 338º-H do CPI, não se enquadram no conceito de “medidas cautelares”, mais antes no conceito de “instrumentos destinados a obter prova”.

H) O disposto no nº 4 do artigo 338º-E do CPI não serve para suprir as nulidades de que um anterior despacho possa padecer.

I) O despacho de 2 de Maio de 2011 é nulo porque, inter alia, decretou as medidas de obtenção de documentação e de prestação de informação sem ouvir previamente a Ré (alegadamente por força da aplicação do regime do artigo 338º-E do CPI).

J) Ao continuar a aplicar o artigo 338º-E do CPI (no caso, o seu nº 4) no ora despacho recorrido, o Tribunal a quo persiste no seu erro quanto à determinação das normas aplicáveis à execução das medidas dos artigos 338º-C e 338º-H.

K) Acresce que, ao pronunciar-se sobre a mesma questão objecto do seu anterior despacho (de 2 de Maio de 2011), sem cobertura legal para tal, o Tribunal a quo violou o princípio do esgotamento do poder jurisdicional (cfr. artigo 666º, nºs 1 e 3, do CPC).

L) Mesmo que o despacho recorrido não padecesse das nulidades apontadas nos pontos supra e pudese, de facto, ser entendido como um despacho válido e final sobre a questão das medidas de obtenção de prova e de prestação de informação – algo que não se concede de modo algum -, seria forçoso concluir que ele continua a ser nulo por falta de fundamentação (artigos 668º, nº 1, alíneas b) e d), e 666º, nº 3 do CPC), nomeadamente no que respeita à indicação dos indícios suficientes ou suspeitas de violação de direitos de propriedade industrial que condicionam a aplicação dos artigos 338º-C e 338º-H do CPI.

M) É razoável supor que, ao introduzir o critério de “indícios suficientes” no artigo 338º-C e o de suspeições de violação no artigo 338º-H do CPI, o legislador nacional quis adoptar expressões com significados próprios noutros ramos de Direito (v.g., por exemplo, artigos 283º e 308º do CPP).

N) Ora, tal como tem determinado a melhor doutrina e jurisprudência nacional: “Os indícios só serão suficientes e a prova bastante que, já em face dela seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.”

O) No âmbito do Direito da Propriedade Industrial, a violação de uma patente só pode ser determinada através de uma comparação das características técnicas do produto alegadamente violador com as características técnicas elencadas nas reivindicações independentes da patente alegadamente infringida.

P) O despacho recorrido não identifica os indícios de violação valorados na tomada dessa decisão, tendo, aliás, o Tribunal, em momento anterior do processo, relegado a discussão dessas matérias técnicas para uma perícia.

Q) A anterioridade da patente da Autora face à patente da Ré não constitui um indício de violação, logo não serve como fundamento para o decretamento das medidas previstas nos artigos 338º-C e 338º-H do CPI.

FF (…), SA finaliza as suas alegações pedindo que na procedência do recurso por si interposto se declare “a nulidade do despacho recorrido, com as devidas consequências legais.

C (…) Limited ofereceu contra-alegações em que pugna pela total improcedência do recurso.

Em despacho proferido a 08 de Setembro de 2011, o Sr. juiz a quo pronunciou-se no sentido da inverificação das nulidades arguidas pela recorrente, afirmando que a decisão sob censura constitui uma decisão final proferida ao abrigo do disposto no artigo 338º-E, nº 4 do Código da Propriedade Industrial, que se acha devidamente fundamentada, não vislumbrando em que medida se pode sustentar que a mesma também enferma de nulidade de omissão ou excesso de pronúncia.

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da ilegalidade da decisão recorrida por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional;

2.2 Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.

3. Fundamentos de facto decorrentes de folhas 1 a 324 destes autos


3.1

            A 03 de Fevereiro de 2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, C (…)Limited, comerciando como VJ (…), sociedade britânica com sede em ..., Suffolk, ..., Reino Unido, instaurou acção declarativa sob forma ordinária contra FF (…), SA, com sede na Estrada ..., Coimbra, freguesia de Santa Cruz, Portugal, pedindo:

a) que se declare que os produtos fabricados, comercializados e distribuídos pela ré constituem violação da Patente EP 1292792 da autora;

b) em consequência, que a ré seja condenada a abster-se de fabricar, comercializar e distribuir seja no país ou em exportação, tais produtos;

c) que se ordene a imposição à ré de uma medida inibitória, na forma de sanção pecuniária compulsória, em montante a apurar de acordo com o valor de uma licença razoável, destinada a assegurar a cessação da actividade ilícita por parte da ré, de fabricar, comercializar e distribuir produtos que infringem a Patente EP 1292792 da autora, por cada dia em que se verificar essa actividade ilícita, desde a data do trânsito em julgado da decisão a proferir;

d) que se declare a nulidade da Patente de Invenção nº 103946 da ré.


3.2

Efectuada a citação da ré, a mesma ofereceu contestação em que impugna a maior parte da factualidade articulada pela autora, pugnando pela total improcedência da acção.

3.3

A 19 de Abril de 2011, em requerimento electrónico notificado, via fax, a 20 de Abril de 2011, C (…) Limited, entre outras pretensões, veio requerer, “visando uma esclarecida obtenção da verdade material, para a dissipação de quaisquer dúvidas sobre a identificação dos produtos produzidos pela Ré detectados pela Autora no mercado e em instalações de clientes finais, requer-se a promoção das medidas para obtenção de prova previstas no art. 338º-C do Código da Propriedade Industrial, sendo a Ré ordenada a juntar aos autos exemplares dos produtos “Juntas Multimateriais com garras Sistema GFIX” que anuncia no seu catálogo on-line, tal como documentado pelos Docs. 13 a 16 juntos à P.I., com vista a poder ser esse exemplar igualmente submetido à perícia ordenada. Com efeito, atenta a concentração de esforços e recursos que uma perícia sempre requer, considera a Autora oportuno a junção de tal exemplar por parte da Ré em momento prévio à perícia, assim se evitando uma eventual duplicação de diligências, o que requer ao abrigo do princípio da economia processual. No mesmo sentido e contribuindo para a determinação segura da origem do fabrico dos produtos detectados pela Autora, porque estão em causa actos praticados à escala comercial, mais se requer nos termos do disposto no nº 2 do art. 338º-C, e art. 338º-H, ambos do Código da Propriedade Industrial, V. Exa. se digne ordenar à Ré a apresentação dos documentos contabilísticos relativos à comercialização pela Ré, pelo menos desde 2007, dos produtos “Juntas Multimateriais com garras Sistema GFIX”, devendo ser ainda a Ré ordenada a prestar informação detalhada sobre as quantidades produzidas ou fabricadas, bem como o preço obtido pelos referidos produtos, e a identificação dos distribuidores, grossistas e retalhistas destinatários.

3.4

A 02 de Maio de 2011, foi proferido despacho que apreciando o requerimento da autora de 19 de Abril de 2011, entre outras questões, decidiu:

- “Deverá a Ré, em 10 dias, juntar aos autos exemplares físicos/materiais dos equipamentos produzidos/comercializados por si e que a Autora alega estarem a ser violadores da protecção conferida pela patente que alegou na P.I. (produtos identificados pelas designações “HIPERFIX”, “FUCOLI SOMEPAL 100/130 GG50” E “GFIX”), na medida em que deverá ser no confronto, análise e exame dos mesmos que a perícia será realizada, acrescendo dever a Ré, em igual prazo, juntar aos autos o conjunto de documentos contabilísticos relativos à comercialização pela mesma, desde 2007, dos produtos designados por “Juntas Multimateriais com garras Sistema GFIX”, e bem assim prestar informação detalhada sobre as quantidades produzidas ou fabricadas, bem como o preço obtido pelos referidos produtos, e a identificação dos distribuidores, grossistas e retalhistas destinatários (cf. arts. 338ºC, nºs 1 e 2, 338ºE e 338ºH, ambos do Código da Propriedade Industrial.


3.5

            A 05 de Maio de 2011, FF (…), SA pronunciou-se sobre o requerimento da autora que lhe foi notificado a 20 de Abril de 2011 pugnando pelo indeferimento desse requerimento ou, subsidiariamente, que seja recusada a apresentação de documentação bancária, financeira, contabilística ou comercial que seja de natureza confidencial.

3.6

A 21 de Junho de 2011 foi proferido o seguinte despacho:

Reqº de fls. 700/706 deduzido pela Ré com referência ao anterior despacho que fixou um prazo para apresentação de documentos e prestação de informações, no sentido de ser diferido tal prazo até ao momento da decisão sobre o efeito a atribuir ao recurso que a mesma irá interpor do dito despacho e “oposição” manifestada pela Ré de folhas 684 a 691 ao dito pedido de apresentação de documentos e prestação de informações integrada no citado Reqº de fls. 671 apresentado pela mesma Ré (arts. 54º a 75º do mesmo):

Neste particular queremos começar por dizer que o nosso visado despacho de 2 de Maio foi proferido depois de estar decorrido um prazo de 12 dias após a A. ter apresentado a sua pretensão no quadro dos arts. 338ºC e 338ºH do C. Propriedade Industrial, mas tal não retira que o mesmo foi proferido “sem audiência prévia da parte requerida” (cf. art. 338ºE, nº1 deste mesmo C.Propriedade Industrial).

Pelo que, ainda que a Ré não tenha configurado expressamente esta sua “oposição” neste enquadramento e a esta luz, cremos que é isso que preside à sua apresentação, pelo que, sobre tal passaremos a proferir despacho nos termos do nº 4 do mesmo normativo.

Efectivamente, determina o nº 4 do normativo em referência que “Ouvida a parte requerida, o Tribunal pode determinar a alteração, a revogação ou a confirmação das medidas aplicadas”.

Ora, confrontando os argumentos aduzidos pela Ré neste contexto, não vemos razão nem justificação para revogar ou sequer alterar o sentido do anterior despacho que ordenou a apresentação de documentos e prestação de informações.

Senão vejamos.

Quanto ao fundamento de não estar comprovada/previamente confirmada a violação de direitos de propriedade industrial, cremos que tal constitui um sofisma, na medida em que as normas em consideração apenas se referem a “indícios suficientes de violação” e “que se suspeite de violarem”, o que constitui seguramente um grau inferior nesse particular, sendo certo que no caso vertente tal está manifestamente apurado, por alcandorado numa patente de invenção (a da A.) que é de reconhecimento e registo anterior à da Ré…

Depois, que essa violação está alegadamente a decorrer à “escala comercial”, cremos ser um dado incontornável, atento o que está aduzido quanto à publicitação em redes virtuais, com o inerente objectivo de correspondente comercialização!

Finalmente, se reconhecemos que importa salvaguardar a confidencialidade como regra de princípio, não vislumbramos como tal possa ser em concreto mais alcançado no caso vertente, atendendo a que o que foi deferido já está restrito aos documentos “contabilísticos” (cf. elenco mais vasto constante do nº2 do art. 338ºC em referência) e relativamente a estes se não for prestada a informação relativamente à identificação e valores unitários e totais das transacções comerciais envolvendo os sujeitos comerciais em causa (tenha-se presente que só estão obviamente em causa os “distribuidores, grossistas e retalhistas destinatários” dos produtos ajuizados), parece-nos que não estará a ser obtida a informação mínima e imprescindível para este efeito.

Acresce que esta diligência de prova se estaria à data da propositura da acção justificada para evidenciar a existência e verificação da violação em causa, à data em que foi formulada e veio a ser decidida estava igualmente fundamentada para efeitos probatórios da dimensão e gravidade dessa mesma violação, atenta a ampliação do pedido a que nos reportámos supra, e como tal admitida.

Em todo o caso, uma eventual compressão do direito à salvaguarda da confidencialidade terá que ser naturalmente aceite, em benefício da protecção do superior direito à instrução do processo, e bem assim do regular andamento do processo e da justa composição do litígio (cf. art. 519ºA do C.P.Civil).

O que tudo serve para dizer que se entende confirmar o anterior despacho de 2 de Maio que determinou a apresentação de documentos e prestação de informações nos seus precisos termos.

Resta assim apreciar a questão do pedido do diferimento do prazo (conferido pelo despacho em causa para a apresentação de documentos e prestação de informações) para até ao momento da decisão sobre o efeito a atribuir ao recurso (que a Ré adianta ir interpor do dito despacho e que efectivamente se mostra interposto).

Nesse particular, em nosso entender, antes de decidir essa questão, impõe-se que a Ré esclareça e clarifique sobre se tal posição se mantém face ao presente despacho, e na afirmativa em que termos, pois que o mesmo, em nosso entender, constitui o despacho decisório final sobre o assunto, acrescendo o que sobre o dito recurso já interposto se determinará infra.

Not., sendo que para o efeito por último aludido se concede à Ré um prazo de 10 dias.


3.7

Em despacho proferido a 08 de Setembro de 2011, o Sr. juiz a quo pronunciou-se no sentido da inverificação das nulidades arguidas pela recorrente, afirmando que a decisão sob censura constitui uma decisão final proferida ao abrigo do disposto no artigo 338º-E, nº 4 do Código da Propriedade Industrial, que se acha devidamente fundamentada, não vislumbrando em que medida se pode sustentar que a mesma também enferma de nulidade de omissão ou excesso de pronúncia.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da ilegalidade da decisão recorrida por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional

Em primeiro lugar, a recorrente assaca o vício de nulidade à decisão recorrida em virtude de se ter de novo pronunciado sobre matéria que já havia decidido em despacho proferido a 02 de Maio de 2011, também ele objecto de censura por via de recurso.

Porém, o Sr. juiz a quo justifica a prolação de decisão recorrida por ter sido proferida ao abrigo do disposto no artigo 338º-E, nº 4 do Código da Propriedade Industrial.

Apreciemos.

No caso em apreço, a recorrida requereu medidas para obtenção de provas, ao abrigo do disposto no artigo 338º-C, do Código da Propriedade Industrial, bem como a prestação de informações, ao abrigo do disposto no artigo 338º-H, do mesmo diploma legal.

A recorrida não requereu medidas de preservação da prova previstas no artigo 338º-D do Código da Propriedade Industrial, o que justifica que tenha notificado a recorrente das suas pretensões probatórias, via fax, a 20 de Abril de 2011.

Se acaso estivesse na mira da recorrida o decretamento das medidas previstas no artigo 338º-D do Código da Propriedade Industrial, além da necessária alegação e prova de factos integradores de violação ou receio fundado de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito de propriedade industrial justificador da aplicação de medidas provisórias urgentes e eficazes destinadas a preservar provas da alegada violação, careceria ainda de alegar e provar que um eventual atraso na aplicação de tais medidas lhe poderia causar danos irreparáveis ou que existia risco sério de destruição ou ocultação da prova. É inequívoco que se porventura a recorrida tivesse a intenção de formular essa pretensão, nunca notificaria a parte contrária do requerimento em que essa pretensão viesse exarada, sob pena de pelo seu procedimento pôr em causa a finalidade visada com a imposição de medidas de preservação da prova, sem audiência da parte contrária.

Ao invés do que é sustentado pela recorrida é patente que o disposto nos nºs 2, 3 e 4, do artigo 338º-E, do Código da Propriedade Industrial apenas se aplica às medidas de preservação da prova, pois o nº 1, do citado artigo apenas remete para o artigo anterior, ou seja, o artigo 338º-D, do Código da Propriedade Industrial[1].

E bem se percebe que assim seja pois que a restrição ao princípio do contraditório só se admite na medida do necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Ora, só quando esteja em causa a eventual perda da prova ou de causação de danos irreparáveis ao requerente se justifica um contraditório diferido, não havendo qualquer justificação material para que igual regime seja aplicado quando estejam apenas em causa medidas para obtenção da prova, ou a prestação de informações.

O nº 1, do artigo 338º-E do Código da Propriedade Industrial, no que respeita a questão do exercício do contraditório, transpôs fielmente o regime previsto no nº 1 do artigo 7º da Directiva nº 2004/48/CE, de 29 de Abril de 2004, publicada no JOUE, L157, de 30 de Abril de 2004 e rectificada no JOUE, L195/16, de 02 de Junho de 2004. No que respeita as medidas de obtenção de prova e informações, como se vê dos nºs 1 e 2, do artigo 6º da Directiva nº 2004/48/CE, não está previsto qualquer desvio ao princípio do contraditório.

Não tendo sido requerida a aplicação de medidas de preservação da prova, nem tão-pouco tendo sido alegados factos que justifiquem a aplicação dessa medida e muito menos factos integradores do possível diferimento do exercício do contraditório, necessariamente se conclui que não podia ser proferida decisão provisória a 02 de Maio de 2011, nem, ulteriormente, podia ser proferida decisão a confirmar, alterar ou revogar a decisão proferida a 02 de Maio de 2011, pois que com a prolação da decisão de 02 de Maio de 2011 se esgotou o poder jurisdicional do Sr. juiz a quo relativamente às diligências probatórias peticionadas no requerimento da autora de 19 de Abril de 2011.

Na verdade, como resulta do disposto no artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil, “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, previsão legal aplicável aos despachos por força do disposto no nº 3, do mesmo artigo. Percebe-se esta previsão legal em homenagem ao instituto do caso julgado formal e material. Se não existisse uma previsão legal deste teor poderia instalar-se grande insegurança jurídica e prejuízo para um desenrolar escorreito dos autos, permitindo-se a prolação de decisões sucessivamente contraditórias, cuja prevalência se teria que resolver com recurso à regra dos casos julgados contraditórios (artigo 675º do Código de Processo Civil).

Nestes termos, a decisão recorrida enferma de ilegalidade por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional, pelo que aquela decisão deve ser pura e simplesmente revogada, eliminando-se juridicamente a mesma destes autos porquanto nunca deveria ter sido proferida.

A procedência deste fundamento do recurso prejudica o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso, pelo que não se conhecerá dos mesmos (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 713º, nº 2, do mesmo diploma legal).

5. Dispositivo

Pelo exposto, com fundamento na violação do princípio da extinção do poder jurisdicional (artigo 666º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), decide-se revogar a decisão sob censura proferida a 21 de Junho de 2011. Custas do recurso de apelação a cargo da recorrida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


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Carlos Gil ( Relator )



[1] Neste sentido veja-se, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume (4ª edição revista e actualizada), Almedina 2010, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 360 a 362.