Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2392/12.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
CONCESSIONÁRIO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO
SEGURANÇA
DEVER DE VIGILÂNCIA
ANIMAL
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: Nº 1 DO ART. 12º DA LEI Nº 24/2007, DE 18 DE JULHO
Sumário: I. No caso de ocorrência de acidente de viação em auto-estrada que teve na sua génese uma das causas previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 12.º da Lei n.º 24/2007, sobre o lesado recai apenas o ónus de alegação e prova de tais factos, a par da existência dos danos.

II. A concessionária, por seu turno, só cumpre o ónus do cumprimento ali consagrado mediante a demonstração de que, no que concerne às medidas de segurança necessárias e suficientes para prevenir e evitar aquele concreto e específico evento, elas foram cumpridas, sem o que subsiste o incumprimento culposo, ocorrendo a sua responsabilização no quadro geral da responsabilidade civil por acto ilícito.

III. No caso de acidente provocado pelo surgimento de canídeo, efectuando a travessia da via da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo, tal exigência probatória não se satisfaz com a mera demonstração de que a vedação no sublanço onde ocorreu não apresentava rupturas à data do sinistro, ou que os patrulheiros procederam a passagens no local -com cadência não especificada- sem terem detectado a presença de qualquer animal.

IV. Tratando-se à data de auto-estrada cujos nós de acesso não tinham colocada qualquer barreira física, tal circunstância conferia especial intensidade ao dever de vigilância, recaindo sobre a ré concessionária o ónus da demonstração do esgotamento de todas as medidas adequadas ao evitamento daquele específico evento, nomeadamente “senão evitar a entrada do animal na faixa de rodagem, ao menos a sua oportuna detecção e a consequente remoção ou a sinalização do perigo, por forma a evitar que constituísse um factor perturbador da circulação, fluente, desimpedida e segura que qualquer auto-estrada deve permitir a qualquer utente em condições de normalidade”.

Decisão Texto Integral:

I. Relatório

A..., Lda., com sede no Bairro (...) , Viseu, NIPC (...) , instaurou contra
B... ,, SA, com sede na Estrada (...) , Viseu, e
C.... , C.ª de Seguros, SPA, com sede na Rua (...) , em Lisboa, acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final a condenação solidária das demandadas no pagamento da quantia de 7.729,54€ (sete mil, setecentos e vinte e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Após convite ao aperfeiçoamento alegou, em síntese útil, ser a proprietária da viatura da marca Citroen, modelo Berlingo, com a matrícula (...) RX, a qual utilizava no desenvolvimento da sua actividade comercial. O veículo em causa foi interveniente num acidente de viação no dia 3 de Abril de 2010, cerca das 05:05horas, na Auto-Estrada A25, ao Km 98,2, no sentido Viseu/Mangualde, ocasião em que era conduzido pelo funcionário da demandante D... , o qual foi surpreendido com a presença em plena via de um animal da raça canina, que efectuou o atravessamento da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha da viatura, tornando inevitável o embate. Da descrita colisão resultaram a morte do animal e estragos no veículo, nomeadamente ao nível do motor, cuja substituição por um outro, usado, foi suportada pela demandante, tendo importado em €1312,50. Ao referido dispêndio acresceram os custos do parqueamento cobrado pela oficina e aluguer de um veículo de substituição, devendo ainda ser considerada a desvalorização sofrida pela viatura sinistrada, tudo ascendendo a €2 729,54, reclamando a título de indemnização pelo dano de privação do uso a quantia de € 5 000,00 (200 dias x €25,00 por dia).
A responsabilidade da primeira ré fundamentou-a no facto desta não ter cumprido com os seus deveres de concessionária da aludida auto-estrada, não se mostrando as vedações colocadas no aludido troço adequadas a evitar a entrada do animal na via, tendo ainda violado o dever de as vistoriar regularmente conforme se encontrava obrigada; a demanda da segunda ré foi alicerçada na celebração do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 008410333662, com cobertura de danos próprios, o qual se encontrava em vigor à data do acidente. 
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Regularmente citadas, contestaram ambas as RR:
A demandada B... , invocando desconhecimento sobre o modo como o acidente ocorreu, impugnou a factualidade a este respeito alegada. Mais fez notar que a referida concessão, denominada A25, tem as características (perfil) de uma auto-estrada, mas era à data uma SCUT, donde não serem fechados os nós de entrada e saída da aludida infra-estrutura viária. Alegou por último que as vedações ali existentes à data, no que respeita à sua dimensão, extensão e localização, observavam os termos do contrato celebrado com o Estado Português, encontrando-se em perfeito estado de conservação e segurança, sendo certo ainda que sempre cumpriu de forma escrupulosa e cabal as suas obrigações de vigilância, efectuando patrulhamentos regulares, tudo para concluir que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada. 
Invocando ter transferido para a seguradora F... , SA, sucursal em Portugal, a responsabilidade civil decorrente de sinistros da natureza do relatado nos autos através de contrato de seguro em vigor à data, requereu a intervenção acessória provocada da aludida seguradora, incidente que veio a ser admitido.
Quanto à demanda C... Companhia de Seguros, S.P.A., aceitou que o sinistro lhe foi participado, razão pela qual assumiu a reparação dos danos provocados pelo embate no animal verificados na chapa e pintura, tendo liquidado a este título o valor de €2509,60. Mais reconheceu ter rejeitado suportar a reparação dos danos no motor, dado que das averiguações a que procedeu concluiu que os mesmos só ocorreram devido ao facto do condutor da viatura segura não a ter imobilizado logo após o embate, tendo ainda percorrido cerca de 150 a 200 mt. Invocou finalmente ter fornecido à autora uma viatura de substituição pelo período contratualmente convencionado, donde nada poder ser-lhe exigido a este título, impondo-se a sua total absolvição.
Também a interveniente F..., SA, actualmente FF... , apresentou contestação autónoma, na qual fez notar que no termos do contrato celebrado com a ré B... , SA esta suportaria uma franquia por sinistro de € 5.000, tendo feito sua, quanto ao mais, a contestação apresentada por esta sua segurada.
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Fixado valor à causa e tabelarmente saneado o processo, prosseguiram os autos para julgamento, findo o qual foi proferida sentença que, na parcial procedência do pedido formulado, condenou as rés “ B... SA e C... Companhia de Seguros SPA a pagarem solidariamente à autora A... , Lda, a título de indemnização, a quantia de € 2964,54€ (dois mil novecentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação”, absolvendo-as da parte sobrante do pedido.
Inconformadas com o decidido, apelaram a A e ambas as RR e, tendo apresentado as suas alegações, remataram-nas com as seguintes necessárias conclusões:
A ré B... , SA:
I. Entende a R./apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere à matéria do artigo 23º da contestação; 
II. De facto, e como se alcança designadamente do depoimento de H... transcrito nestas linhas, a vedação envolvente foi vistoriada em todo o sublanço (situado entre dois nós abertos ou não fechados da A25) onde eclodiu o acidente e encontrava-se em boas condições, sem qualquer anomalia, tal como alegado pela co-R.;
III. Por isso, este item dos factos provados devia ter merecido a seguinte resposta: “a vedação da A25 encontrava-se, na data do sinistro, e em toda a extensão do sublanço compreendido entre os nós do Caçador e de Fagilde, em que se integra o local do sinistro, considerando, ademais, ambos os sentidos de marcha (ou seja, numa extensão total de cerca de 12 Km), em boas condições de segurança e de conservação, i. e., sem quaisquer falhas, rupturas, aberturas, deficiências ou anomalias de qualquer espécie”; 
IV. Depois, e quanto ao artigo 24.º (supõe-se que seja esse) da contestação da co-R. que o Tribunal entendeu considerar não provado, cremos que essa análise/decisão lhe estava vedada, na medida em que é evidente (percebe-se bem do teor daquele item) que a R. não alegou, muito menos se propôs provar, que o animal ingressou na via através de um dos nós da A25; 
V. Por isso, a sentença violou, salvo o devido respeito, o artigo 342º do Cód. porque não considerou a prova cabalmente produzida pela R. quanto ao bom estado das vedações, mas também violou o disposto no artigo 5º nº 2 alíneas a) e b) do NCPC, neste caso por não ter considerado – e devia tê-lo feito – factos importantes e/ ou instrumentais que resultaram da produção de prova (referimo-nos p. e. à extensão de vedação verificada que apesar de não alegada na contestação da co-R. resultou provada); Dito isto,         
VI. Não se vê qualquer razão válida e/ou atendível para que se chame à colação, em matéria de acidentes ocorridos em AE (e particularmente, para o que interessa, nesta A25) - e antes ou depois da entrada em vigor da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (LN) -, o instituto da responsabilidade contratual, como faz a sentença;   
VII. Na verdade, não só a Base LXXIII do DL nº 142-A/2001, de 24 de Abril (ainda hoje em vigor) contraria essa ideia de uma forma absolutamente cristalina, mas também porque não havia cobrança de portagens na data do acidente (e ainda que houvesse, acrescente-se) e portanto o A. não pagou qualquer taxa de portagem naquela ocasião (cfr., aliás, o número 26 dos factos provados); 
VIII. Mais: a concessionária R. não podia - e não pode (mesmo com a introdução das chamadas “portagens virtuais” situadas em plena via) -, com ou sem cobrança de taxa de portagem, recusar o acesso à AE a quem quer que seja, não tem liberdade de celebração e/ou estipulação do conteúdo de um tal e pretenso contrato, além de que essa solução contratualista não explica a protecção que se estende a todos os ocupantes dos veículos e a quem, sem pagar taxa de portagem, circule em AE; 
IX. Por outro lado, e como também o parece sustentar a sentença, também não faz sentido que se convoque o contrato a favor de terceiro para este âmbito dos acidentes da AE, posto que o utente da via não tem qualquer direito subjectivo que possa autonomamente exercer (e exigir) da concessionária; 
X. De modo que a única opção possível para solucionar juridicamente esta matéria dos acidentes de viação ocorridos em AE – e particularmente nesta A25, como se vê da Base LXXIII já citada que não deixa margem para outra interpretação - é a do instituto da responsabilidade extracontratual (e isto tanto antes como depois do advento da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho);
XI. Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; 
XII. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da Lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela Lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa Lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa (ou de incumprimento) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12.º nº 1 seria seguramente outra, mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil; 
XIII. Efectivamente, e quanto às ditas presunções de culpa e/ou de incumprimento, nem tal decorre da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, nem tal resulta do Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, concluindo-se tão-só que com o advento da Lei citada passou a impender um ónus de prova sobre as concessionárias de AE (e nada mais que isso), ou seja, operou-se uma inversão do ónus da prova, como dito; Segue-se que, 
 XIV. A formulação do artigo 12º nº 1 da citada Lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança (que – se bem vemos - ninguém definiu ou preencheu até hoje, mas que serão necessariamente diferentes consoante o tipo de sinistro em análise); 
XV. Ora, no caso dos autos é nítido e indiscutível que a apelante satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação numa extensão de pelo menos de 12 Km, i. e., em toda a extensão do sublanço onde ocorreu o acidente, situado – recorde-se - entre nós abertos (ou não fechados) da AE;   
XVI. Efectivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações do local do acidente (assim decorre também da conclusão II do ac. desta RC de 13.11.2012 que, aliás, considera uma situação em que esse bom estado da vedação não se verificava) – e a verdade é que essa prova foi feita pela R./apelante;
XVII. A não ser assim – i.e., a situarmo-nos num plano em que, parece, se coloca a douta sentença em matéria de exigência probatória, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objectiva, na prova impossível para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na Lei citada (veja-se, a este propósito, o que se escreveu – sem concordar, no entanto, com o enquadramento jurídico ou com a presunção de culpa – no ponto III do sumário do ac. desta RC de 10.01.2006);
XVIII. Mais: é visível que o raciocínio seguido pela douta sentença é, salvo o devido respeito, puramente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha imputável à co-R., sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. e. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for);
XIX. Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva (vide nº 34 dos factos provados), que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento;  
XX. De modo que, e não podendo a R./apelante (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico que as obrigações a seu cargo são obrigações de meios e não obrigações de resultado (ou seja, de garantir aos utentes que não vão ter acidentes durante a sua circulação em AE);
XXI. De resto, não sendo possível à apelante (especialmente, como bem se percebe, numa AE como esta, com nós abertos) evitar em absoluto que os animais ingressem na AE e, face ao que, na nossa opinião, ficou provado, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta, muito mais que indiciariamente, de resto, demonstrou que cumpriu em concreto (e não apenas “genericamente”, portanto) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança (cfr., a este propósito, também o ac. desta RC de 29.09.2009, concretamente os pontos VII e VIII do respectivo sumário que lucidamente aborda esta questão e se pronuncia sobre aquelas que são as obrigações de uma concessionária); 
XXII. Assim, no entendimento da apelante, a douta sentença violou, salvo o devido respeito, o artigo 12º nº 1 alínea b) da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.  
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A ré apelante C... , SA, por seu turno, concluiu como segue:
“1 – Atenta a prova testemunhal produzida (depoimento de E... cujas partes relevantes se transcreveram) assim como da prova documental, nomeadamente da apólice n.º 008410333662 000, resulta que os itens 12. e 21. dos factos provados deviam ter a redacção diversa. 
2 – Por conseguinte, o item 12) deveria ter a seguinte redacção: “À data do sinistro a Autora, proprietária do veículo, havia transferido para a segunda Ré C... a responsabilidade emergente de acidente de viação, por contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice n.º 0084100333662, abarcando também os “danos próprios” com os seguintes limites de capital: Em caso de Danos de Acidente Sofridos pelo Veículo € 3.000,00, em caso de Incêndio, Raio, Explosão € 3.000,00 e com uma franquia de € 300,00, bem como o fornecimento de veículo de substituição em caso de avaria no máximo de 20 dias por sinistro e ano”; Por sua vez o item 21) deve ter a seguinte redacção: “A segunda Ré forneceu viatura de substituição à Autora de 6 de Abril de 2010 a 26 de Abril de 2010.” 
3 – A obrigação de indemnizar por parte da Recorrente advém do cláusula de danos próprios contratada junto desta pela recorrida e não do regime do seguro de obrigatório de responsabilidade civil automóvel previsto no DL 291/2007 de 29 de Agosto. 
4 - Pelo que a obrigação de indemnizar decorrentes dos danos sofridos, e ao contrário do decidido na sentença ora em crise, não pode ultrapassar os limites contratados.  
5 – A considerar-se provado que o veículo seguro sofreu mais danos do que aqueles que foram regularizados pela Companhia no montante de € 2509.60, já deduzida da franquia de € 300,00, esta apenas responderá até ao limite do capital contratado de € 3.000,00, ou seja mais € 490,40. 
6 – Resulta provado que a Companhia forneceu à recorrida viatura de substituição pelo período de tempo máximo contratado (vinte dias), pelo que carece de fundamentação contratual qualquer condenação a título de veículo de substituição. 
7 - Por conseguinte, e salvo o devido respeito, mal andou o tribunal “a quo” ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de € 2.964,54, uma vez que tal ultrapassa o capital garantido. 
8- Desta forma não se encontram provados os factos consubstanciadores da condenação da ora Recorrente, uma vez que esta ultrapassa o capital contratualmente acordado a título de danos próprios, quer atentos os pagamentos efectuados pela Recorrente, quer pelo fornecimento de veículo de substituição pela totalidade do período contratado”
Com tais fundamentos, pretende a revogação da sentença proferida e sua substituição por decisão que “reflicta as condições contratuais da apólice n.º 008410333662, nomeadamente o teor da cláusula de danos próprios e de veículo de substituição, além dos pagamentos e disponibilização de veículo de substituição efectuados pela Companhia”.
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A autora, por seu turno, tendo restringido o recurso à indemnização arbitrada para ressarcimento do dano decorrente da privação do uso, que reputa de insuficiente, formulou as seguintes conclusões:
“I – Não pode a Recorrente conformar-se com a douta sentença quanto à quantia fixada para reparação do dano de privação do uso do veículo acidentado. 
II - A indemnização fixada na sentença, por corresponder a uma quantia diária de 5€, não se mostra adequada a indemnizar a Recorrente/lesada pela paralisação diária do veículo atendendo ao que deflui da panóplia fáctica apurada e aos parâmetros jurisprudenciais que vêm sendo seguidos para situações similares. 
III - Segundo o entendimento que maioritariamente vem sendo seguido a privação é geradora de dano ou prejuízo e que a privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador de obrigação de indemnizar – uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo artigo 1305º do C.Civil. 
IV - Se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda de utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense a lesada na medida equivalente. 
V - Na avaliação do dano deve-se procurar a efectivação de uma reconstituição efectiva, por equivalente valor em dinheiro, que corresponda ao montante dos danos. 
VI -  Embora não se tenha feito prova de um prejuízo efectivo, a avaliação do dano será sempre determinada com recurso à equidade (Ac. STJ de 09/06/96: BMJ, 457º-325) e deverá ter-se como ponto de referência, num juízo equitativo e de razoabilidade, vários factores, designadamente a  periodicidade de utilização do veículo; o tempo de paralisação e o valor locativo médio de veículo semelhante (Ac. RP de 05/02/04: CJ, 2004 T1, 178) e confrontá-lo com o peticionado. 
VII - Ficou demonstrado que a Recorrente, pessoa colectiva, dedica-se à distribuição diária de publicações de imprensa; utilizava, diária e continuamente, em dias úteis e não úteis, a viatura em apreço, ligeiro de mercadorias, no exercício da sua actividade profissional. 
VIII - A seguradora não assumiu a responsabilidade e não procedeu à reparação do veículo no que respeita aos danos no motor e  o veículo esteve paralisado durante 197 dias. 
IX - Nos autos apurou-se que o aluguer diário de um veículo equivalente é de cerca de 35€/dia. 
X - O montante de 5€/ dia fixado na sentença não se mostra justo, adequado e equilibrado a indemnizar a Recorrente e é muito inferior aos parâmetros jurisprudenciais que vêm a ser seguidos para situações similares ( veja-se in www.dgsi.pt) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-01-2010; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1009-2013  e AC. STJ de 09-03-2010 e AC TRC de 15-05-2012. 
XI - Tendo a sentença recorrida violado o disposto no art.º 566º nº 3 do C.Civil. 
XII - Deve, pois, a sentença recorrida ser revogada parcialmente e substituída por outra que fixe a indemnização pela privação do uso do veículo em montante diário não inferior a 25€, cifrando-se o montante de tal parcela indemnizatória no montante de 4925€”. 
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal, logicamente enunciadas, desconsiderando-se para tanto a ordem de interposição dos recursos:
i. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
ii. Da natureza da responsabilidade da demandada B... e da verificação dos respectivos pressupostos;
iii. Da indemnização pela privação do uso;
iv. Da responsabilidade da ré C... .
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i. da impugnação da  decisão proferida sobre a matéria de facto
Insurgiram-se as apelantes B... , SA e C... SA contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita ao facto alegado no art.º 23.º da contestação por si apresentada a primeira, propondo a segunda diversa redacção no que se refere aos factos dados como assentes sob os n.ºs  12. e 21.
Alega a recorrente B... que a Mm.ª juíza incorreu em erro de julgamento ao dar como não provado o alegado em 23.º da contestação, impondo-se a modificação da decisão com a consideração de que tal facto, com as precisões que pretende ver introduzidas, resultou demonstrado à luz dos depoimentos credíveis das testemunhas H... e G... , nas passagens que situou e transcreveu. Vejamos da razão que lhe assiste.
Alegou a apelante no aludido artigo que “a vedação da A25 encontrava-se, na data do sinistro, e nas imediações do local onde este terá eclodido, em boas condições de segurança e conservação, i. e., sem quaisquer falhas, rupturas, aberturas, deficiências ou anomalias de qualquer espécie”, facto que a Mmª juíza “a quo” deu como não demonstrado.
A este respeito, não pode deixar de se reconhecer alguma razão à alegante quando faz notar que, tendo a Mmª juíza conferido credibilidade às identificadas testemunhas, conforme deixou expressamente consignado, impunha-se que especificasse as razões pelas quais não reconheceu mérito aos depoimentos prestados no que concerne à matéria aqui em discussão, não satisfazendo o dever de fundamentação a mera afirmação genérica de que “A factualidade não apurada ficou a dever-se à insuficiência da prova produzida nessa parte”. E a verdade é que os aludidos H... , oficial de conservação, funções que exerce na apelante desde há 12 anos, e G... , encarregado de conservação e assistência na mesma ré, com a razão de ciência que lhes advém das ditas qualidades profissionais, confirmaram que a demandada, para lá de proceder duas vezes por ano à verificação da totalidade das vedações em toda a extensão da auto-estrada, realizou uma verificação mais na sequência do acidente dos autos, um ou dois dias depois -isto porque as condições climatéricas não permitiram que tivesse tido lugar no próprio dia. No âmbito desta diligência foi vistoriada a vedação ao longo do sublanço no qual ocorreu o sinistro, mais precisamente entre os nós do Caçador e de Fagilde, num e noutro sentidos, perfazendo cerca de 12 km de extensão, não tendo sido detectada qualquer abertura ou irregularidade na rede de modo a permitir a entrada do animal, ademais de grande porte, conforme resultou apurado. De salientar ainda que a equipa que procedeu a tal verificação foi chefiada pela aludida testemunha Artur, e se é de admitir que não tenha sido o próprio a verificar todos os 12 km de vedação, não há dúvida que, a ter sido detectada por algum dos restantes membros alguma irregularidade, disso teria tido necessário conhecimento, a fim de ordenar a respectiva reparação, o que não ocorreu. Deste modo, sendo incontornável a razão de ciência apontada, tendo as referidas testemunhas merecido credibilidade à Mm.ª juíza e não tendo as declarações prestadas sido infirmadas por qualquer outro meio de prova, não se vê razão para a inclusão do facto no elenco dos não provados, antes se afigurando a este Tribunal que a prova a propósito produzida assumiu consistência bastante para convencer da sua realidade.
Atento o exposto, reconhecendo a razão da apelante, altera-se a decisão, incluindo-se na factualidade assente o facto em causa, tal como resultou esclarecido da prova produzida, ou seja, que “À data do acidente, a vedação da A25 encontrava-se, em toda a extensão do sublanço compreendido entre os nós do Caçador e de Fagilde, no qual ocorreu o embate, e considerando ambos os sentidos, perfazendo uma extensão total de cerca de 12 Km, em boas condições de segurança e de conservação, não apresentando falhas ou aberturas”, determinando-se a sua consequente eliminação dos factos não provados.
Assinala ainda a apelante que o Tribunal deu indevidamente como não provado que o animal tenha entrado na A25 através de um dos nós desta, não porque tal prova haja sido feita mas porque se trata de matéria não alegada.
Pois bem, quanto a este ponto da impugnação deduzida, já não podemos concordar com a recorrente, a despeito da escassa relevância da questão assim suscitada. Vejamos:
No art.º 24.º da contestação a apelante alegou que “a explicação mais plausível para a presença do animal na via é exactamente aquela que nos diz que o animal terá ingressado na A25 através de um dos nós desta”. Daqui resulta, naquele que nos parece ser o sentido apreensível por um declaratário normal, que o indicado foi, no entender da recorrente, o modo provável como o animal penetrou na auto-estrada, impondo ao Tribunal que se pronunciasse sobre o facto em causa, conforme se verificou, não vindo questionada a resposta negativa que acabou por merecer.
Por outro lado, a verdade é que não se vê que da pronúncia sobre o facto em causa tenha resultado agravamento da posição da agravante. Com efeito, a entender-se que não se encontrava onerada com a alegação e prova do mesmo, nenhum prejuízo lhe advém da dita resposta negativa; quando se entenda diversamente, inexiste diferença substancial entre não ter alegado o facto ou, tendo-o alegado, não ter logrado demonstrá-lo.
Improcede, pelo exposto, e nesta parte, a pretensão recursiva da apelante B... , SA.
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No que se refere ao recurso interposto pela também condenada C... , SA, pretende esta a alteração dos factos assentes sob os n.ºs 12. e 21., o primeiro reflectindo os montantes máximos contratualmente fixados para a cobertura dos danos próprios, este último dizendo respeito ao período durante o qual a autora beneficiou do veículo de substituição.
Pois bem, no que respeita à primeira objecção, dir-se-á que, encontrando-se junta aos autos a apólice relativa ao contrato de seguro celebrado entre a autora e a apelante, documento não impugnado, nada obsta -antes se impõe- a consideração do seu conteúdo na sentença recorrida (cf. n. 5 do art.º 607.º do CPC). Deste modo, porque a transcrição da cláusula em questão tem a virtualidade de destacar o conteúdo pertinente para a decisão da questão, determina-se a alteração do facto assente em 12. nos termos preconizados pela recorrente.
Quanto ao facto assente em 21. faz-se notar que, no rigor dos rigores, a apelante não alegou qual o concreto período durante o qual disponibilizou o veículo de substituição à sua segurada. Sabe-se, todavia, por ter sido alegado pela autora e não especificadamente impugnado, que a segunda ré lhe forneceu um veículo de substituição no dia 6 de Abril (cf. art.ºs 25.º e 26.º da petição inicial). Deste modo, encontrando-se a demandada seguradora contratualmente obrigada a fornecer tal viatura pelo período de 20 dias, e tendo resultado do depoimento da indicada testemunha que assim sucedeu, impõe-se concluir, tal qual pretende na apelação interposta, que a autora beneficiou de uma viatura de substituição entre os dias 20 e 26 de Abril tal como, de resto, a Mm.ª juíza veio afinal a considerar na sentença, ainda que não tenha consignado o facto expressamente.
Deste modo, e na procedência da pretensão da apelante, determina-se a alteração da redacção do dito ponto 21. dos factos assentes nos termos aqui requeridos.
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II Fundamentação
De facto
Agora estabilizada a matéria de facto, é a seguinte a factualidade a atender, lógica e cronologicamente ordenada:
1. No dia 03 de Abril de 2010, cerca das 05:05 horas, na Auto-Estrada A25, nas proximidades do Km 98,2, no sentido Viseu/Mangualde, ocorreu um acidente de viação num local onde a via tem a configuração de curva aberta que se desenvolve para a esquerda, atento o sentido de marcha Viseu/Mangualde, sendo tal curva antecedida de uma recta.
2. D..., funcionário da Autora, conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de marca Citroen, modelo Berlingo, matrícula (...) RX, cujo direito de propriedade se encontrava, à data, registralmente inscrito a favor da autora, quando foi surpreendido por um cão vindo da via de trânsito da esquerda.
3. O cão em questão estava no meio da via, em movimento, vindo da esquerda, tentando cruzar a faixa de rodagem, e atravessou-se à frente do veículo referido em 2.
4. O condutor da viatura, assim que se apercebeu do cão no meio da via, travou, mas não conseguiu evitar o embate no animal.
5. A viatura referida em 2. circulava com as luzes ligadas, a uma velocidade não superior a 100 KM/H e pela via mais à direita.
6. O acidente ocorreu durante a noite, em local sem iluminação, encontrando-se o piso húmido.
7. Após o embate, o veículo ficou imobilizado na berma do lado direito da via, cerca de 150/200 metros à frente do local do embate.
8. Após o embate, o animal, um cão de grande porte, encontrava-se caído na berma ao Km 98,2, havendo pedaços do corpo espalhados pela via.
9. Da colisão resultaram a morte do animal e danos materiais no veículo.
10. Os serviços da primeira Ré foram chamados ao local, recolheram o animal e efectuaram a limpeza da via, tendo gasto com a lavagem desta 20 litros de “Petrolider”.
11. No local do acidente, a via é constituída por 4 faixas de trânsito, duas em cada sentido, com separador central em betão.
12. No momento da colisão, não circulavam outros veículos nas imediações do local do acidente.
13. A A25 tem o perfil de auto-estrada mas era à data uma AE sem portagens, uma SCUT, sem cobrança ao utilizador.
14. Os nós de entrada e saída da referida A25 não são fechados, não existindo barreiras físicas, nomeadamente portagens.
15. Os nós da A25 permitem a ligação da AE a estradas nacionais ou municipais, vias essas que não são habitualmente vedadas.
16. As vedações da A25 mereceram a prévia aprovação por parte do Estado Português concedente.
17. À data do acidente, a vedação da A25 encontrava-se, em toda a extensão do sublanço compreendido entre os nós do Caçador e de Fagilde, no qual ocorreu o embate, e considerando ambos os sentidos, perfazendo uma extensão total de cerca de 12 Km, em boas condições de segurança e de conservação, não apresentando falhas ou aberturas.
18. No dia do acidente, os funcionários da ré B... efectuaram diversos patrulhamentos em toda a extensão da concessão, passaram diversas vezes no local do sinistro e não detectaram qualquer animal, nem naquele local nem nas respectivas imediações.
19. Os patrulhamentos são efectuados pelos funcionários da ré B... em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano.
20. A brigada de trânsito da BT da GNR em serviço na rede da ré também não detectou nos seus patrulhamentos normais àquela via a presença de qualquer cão nas imediações do local do sinistro.
21. Quando se apercebe da presença de algum animal na via a GNR costuma alertar a central de comunicações da ré para que sejam tomadas as providências necessárias.
22. Antes do sinistro, a ré não tinha conhecimento da presença do animal na via.
23. Sempre que a ré tem conhecimento da presença de animais na via, toma as providências necessárias para expulsá-los rapidamente.
24. À data do sinistro, a ré B... tinha transferido a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da sua actividade através de um contrato facultativo de seguro do ramo “responsabilidade civil/exploração”, pela apólice nº PA09CP0040 para a F... SA, Sucursal em Portugal, actual FF..., prevendo uma franquia de 5000€.
25. À data do sinistro a Autora, proprietária do veículo, havia transferido para a segunda Ré C... a responsabilidade emergente de acidente de viação, por contrato de seguro obrigatório titulado pela apólice n.º 008410333662, abarcando também “danos próprios” sofridos pela viatura referida em 2. com os seguintes limites de capital: Em caso de Danos de Acidente Sofridos pelo Veículo € 3.000,00, em caso de Incêndio, Raio, Explosão € 3.000,00 e com uma franquia de € 300,00, bem como o fornecimento de veículo de substituição por acidente no máximo de 20 dias por sinistro e por ano.
26. Por consequência do descrito embate o veículo referido em 2. sofreu danos na chapa, na pintura e no motor.
27. Em consequência directa do embate o veículo perdeu todo o óleo, o que danificou o motor.
28. Após o embate o veículo ficou imobilizado na via e daí foi removido por um reboque dos Serviços de Assistência em Viagem da segunda Ré, tendo o veículo sido entregue na “J..., SA”, concessionário Citroen em Viseu, para reparação, pelo serviço de reboque.
29. Ao engatar o cabo do guincho para puxar o veículo por cima do reboque, o rebocador ficou com a luva cheia de óleo.
30. A Autora, por si e através do seu mandatário, interpelou ambas as Rés para procederem ao ressarcimento dos demais danos sofridos com o sinistro designadamente, e entre outros, a reparação do motor, o que não foi aceite por aquelas.
31. A segunda Ré não ressarciu a Autora dos custos da reparação do motor, tendo pago o valor de 2509,60€, após dedução da franquia contratual, pela reparação dos danos sofridos na chapa e na pintura.
32. A Autora comprou um motor usado para substituir o motor danificado na sequência do sinistro, tendo suportado o montante de 1.312,50€ (mil trezentos e doze euros e cinquenta cêntimos) pela sua aquisição e montagem.
33. A autora reparou a expensas suas o motor do veículo, ficando essa reparação concluída em 9 de Novembro de 2010.
34. Até ao referido em 33. o veículo ficou paralisado, o que privou a autora da sua utilização diária, em dias úteis e não úteis, para o exercício da sua actividade de distribuição diária de publicações de imprensa.
35. Após contacto telefónico da Autora com esta segunda Ré, logo após o acidente, a solicitar a viatura de substituição, foi por esta informada que tal não era possível em virtude de se encontrarem encerrados, mais informando que tal viatura de substituição só seria disponibilizada no dia 06/04/2010.
36. A segunda Ré só forneceu viatura de substituição à Autora a partir do dia 06 de Abril de 2010 e pelo período de 20 dias.
37. A autora recorreu ao aluguer de uma viatura com as mesmas características da sinistrada de modo a poder cumprir com os compromissos profissionais assumidos até ao referido dia 6 de Abril, tendo pago a quantia de 137,17€ à “Europcar” pelo aluguer de viatura de substituição.
38. A oficina Citroen imputou à Autora o custo de parqueamento da viatura sinistrada desde 16/07/2010 até 31/08/2010, no montante de 529,87€.
39. Em data não concretamente apurada, a autora adquiriu outro veículo para ser utilizado no seu giro comercial.
40. Desde 1-02-2011, a propriedade do veículo referido em 2. encontra-se registralmente inscrita em nome de um terceiro.
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De Direito
ii. Da natureza jurídica da responsabilidade da ré concessionária e da verificação dos respectivos pressupostos
A autora veio a juízo tendo em vista fazer valer o seu direito a indemnização pelos danos sofridos em consequência de acidente que teve lugar em auto-estrada, no qual interveio veículo de sua propriedade.
Na decisão apelada, perfilhando-se o entendimento de que a responsabilidade da concessionária assume natureza contratual e sujeitando o caso à disciplina da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, foi reconhecida razão à demandante, arbitrando-se indemnização em conformidade.
Dissente a apelante B... SA do enquadramento jurídico adoptado na sentença, por entender que a sua eventual responsabilidade enquanto concessionária se inscreve no instituto da responsabilidade civil por facto ilícito. Deste modo, consagrando o art.º 12.º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, uma mera inversão do ónus da prova do cumprimento das obrigações a que se encontra adstrita (que não uma presunção de culpa), ónus que cumpriu, impõe-se, em seu entender, um juízo absolutório.
Indaguemos pois da justeza de tal argumentação.
Considerando que o embate se deu entre a viatura e um canídeo que surgiu a via concessionada, atravessando-a, inexiste dissêndio quanto à aplicação ao caso da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, centrando-se a desavença da apelante na interpretação que na sentença recorrida foi feita da regulamentação legal, mormente do disposto no art.º 12.º daquele diploma.
É conhecida a querela doutrinária e jurisprudencial instalada a propósito da natureza jurídica da responsabilidade das concessionárias de auto-estradas: enquanto uns defendem a tese contratualista[1], entendem outros que nos movemos no domínio da responsabilidade civil por acto ilícito, mormente nos termos do n.º 1 do art.º 493.º do Código Civil[2], perspectivando-se ainda uma terceira via, aberta pela importação da figura do contrato com eficácia protectora de terceiros, de inspiração alemã -fazendo apelo, na sua estrutura, à responsabilidade contratual, e no regime à responsabilidade delitual-[3], não faltando mesmo quem perfilhe a posição da concorrência entre a responsabilidade extra-contratual (nos termos do citado art.º 493.º, n.º 1) e a responsabilidade contratual[4], cabendo ao lesado optar pela invocação de uma ou outra.
Sendo hoje claramente prevalecente, cremos, o entendimento de que a responsabilidade das concessionárias se filia na responsabilidade civil extra-contratual, a verdade é que o legislador de 2007, prescindindo de tomar posição sobre a questão dogmática[5], atacou o problema na sua vertente prática, resolvendo a questão do ónus da prova. Assim, e quiçá reconhecendo a insuficiência da protecção concedida ao lesado pelo direito até então positivado, mormente pelo citado art.º 493.º, a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, pretendendo “Definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares”, veio consagrar, no seu artigo 12.º, uma inversão do ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, que faz recair sobre a concessionária, nos casos em que a causa dos acidentes ali ocorridos digam respeito a qualquer uma das situações elencadas nas diversas alíneas do n.º 1, assim eleitas como absolutamente anómalas à circulação em infra-estruturas rodoviárias com as características das auto estradas e potencialmente muito perigosas.
Assim, “Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) atravessamento de animais; c) líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Resulta do preceito em análise ter o legislador elegido situações típicas que, pela frequência com que ocorrem e perigosidade que envolvem, entendeu dever tutelar em reforço dos direitos dos utentes das vias daquela natureza. Deste modo, e sendo o acidente causado por algum dos referidos eventos, cabe à concessionária a prova do cumprimento das obrigações de segurança, o que vale por dizer que, não se desincumbindo desse ónus, toma a lei como certo que as mesmas não foram cumpridas e por culpa daquela, assim se presumindo, não só a ilicitude da conduta, como a culpa. Na verdade, recusando embora a apelante que a estipulação legal tenha o valor de consagração de uma presunção de culpa (e, dizemos nós, também de ilicitude), outro não é, salvo o respeito que nos merece a opinião contrária, o efeito prático que decorre da existência do mencionado ónus, atendendo a quanto dispõem os artigos 344.º, n.º 1 e 350.º do Código Civil[6]. Assim sendo, como cremos que é, cabe à apelante fazer prova efectiva e cabal do cumprimento dos assinalados deveres, sem o que se terá por assente o seu incumprimento culposo, a fundamentar a responsabilização da concessionária pelo ressarcimento dos danos em relação aos quais se verifique o necessário nexo causal.
Que obrigações são então essas cujo cumprimento recai sobre a concessionária? Releva para este efeito, em nosso entender, o quadro jurídico emergente das bases de concessão outorgada à apelante, no que respeita à concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados designados por B , aprovadas que foram pelo Decreto-Lei n.º 142-A/2001, de 24 de Abril, destacando-se as seguintes:
Base XXXVII
“1 - A Concessionária garante ao Concedente a qualidade da concepção e do projecto, bem como da execução das obras de construção e conservação dos Lanços previstos no n.º 1 da Base II, bem como a qualidade da conservação do lanço referido no n.º 2 da Base II, responsabilizando-se pela sua durabilidade, em permanentes e plenas condições de funcionamento e operacionalidade, ao longo de todo o período da Concessão.
2- A Concessionária responderá perante o Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na concepção, no projecto, na execução das obras de construção e na conservação das Auto-Estradas, devendo esta responsabilidade ser coberta por seguro nos termos da base LXIX”;
Base XLV
“1 - A Concessionária deverá manter as Auto-Estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando os trabalhos necessários para que a mesma satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina.
(…) 4- A concessionária deverá respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, conservação da sinalização e do equipamento de segurança e apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no plano de controlo de qualidade”;
Base LIII
“1. A circulação pela Auto-Estrada obedecerá ao determinado no Código da Estrada e demais disposições legais ou regulamentares aplicáveis.
2- A concessionária deverá estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a identificação das condições climatéricas adversas à circulação, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da concessão (…)”.
Base LIV
“1. A concessionária é obrigada a assegurar assistência aos utentes da Auto-Estrada, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção de acidentes (…)”.
Base LXXIII
(sob a epígrafe “Pela culpa e pelo risco”, integrada no CAPÍTULO XVI (epigrafado de “Responsabilidade extracontratual perante terceiros”)
“A Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.”
Olhando as bases da concessão que deixámos transcritas (sendo os destaques da nossa responsabilidade), as quais tendemos a caracterizar como normas de protecção, assumindo assim a natureza de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, delas resulta encontrar-se a concessionária obrigada a garantir um elevado padrão de qualidade rodoviária, desdobrando-se nos deveres de vigiar e conservar a via, de forma a permitir a circulação em exigentes condições de comodidade e segurança. Deste modo, e não podendo obviamente exigir-se à demandada que garanta a não ocorrência de acidentes em todas e quaisquer circunstâncias, uma vez que não está claramente em causa uma obrigação de resultado, atentas as características das vias em causa e da circulação nelas permitida, com destaque para a velocidade máxima consentida de 120 km/hora, é-lhe todavia exigível que actue com redobrada diligência, em ordem a eliminar os perigos, nomeadamente quando controle a fonte do risco ou, pelo menos, alertar de modo rápido e diligente para a sua existência quando assim não ocorra (obrigação de meios dita reforçada).
Acresce, no que respeita aos acidentes cuja causa seja algum dos eventos contemplados na previsão das diversas alíneas do n.º 1 do art.º 12.º em referência, que a referida inversão do ónus da prova demanda da concessionária um esforço probatório acrescido, em ordem a demonstrar, quando esteja em causa o atravessamento de animais, e conforme entendimento jurisprudencial que se vem consolidando, “que a intromissão do animal não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem, e quando se estabelecer positivamente, ainda que em termos de probabilidade, qual o evento alheio à sua esfera de actuação que ocasionou a falha de segurança objectiva”[7].
Não se trata aqui, refira-se, de fazer recair sobre a concessionária o ónus de uma prova impossível, assente, para além do mais, num dever de omnipresença, demandando a sua presença vigilante e operante em cada metro de via o que, reconhece-se, para além de não resultar da lei, não seria sequer exequível; trata-se antes de exigir da concessionária que tome todas as providências adequadas a evitar as enunciadas fontes de perigo e adopte as medidas necessárias a prevenir os resultados danosos que, com origem naquelas, poderão ocorrer, disso fazendo prova em relação àquele concreto evento danoso. E a imposição de tal ónus nada tem de irrazoável quando se tenha presente que estamos perante uma actividade económica geradora de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, sendo necessariamente a concessionária quem se encontra melhor posicionada para proceder à recolha dos pertinentes elementos de prova. Pelo contrário, como justamente se acentua no aresto desta Relação de 28/4/2010, diabólico seria antes impor ao utente sinistrado a prova em questão, porquanto este é “invariavelmente alheio ao aparecimento de animal na auto-estrada, não gozando aprioristicamente de qualquer possibilidade de controlo sobre a fonte do perigo e revela a posteriori uma incapacidade quase absoluta de recolha de elementos de prova sobre a causa da presença do animal naquele local”[8]. E quanto a este último aspecto, afigura-se que a argumentação da apelante carece de razoabilidade quando pretende ver reconhecida ao lesado tal possibilidade quase em pé de igualdade com a concessionária. Com efeito, se é verdade que, como diz, as vedações têm um lado interior e exterior, é a ré quem mantém equipas experimentadas na verificação do estado das mesmas, conhecendo os locais em que tal verificação pode ser feita com a utilização de veículos e aqueles outros onde terá de fazer-se por elementos apeados, tal como resultou dos depoimentos das identificadas testemunhas, situação bem diversa daquela em que se encontra a vítima do acidente, tantas vezes um utilizador esporádico daquela infra-estrutura rodoviária. Depois, a verdade é que não se trata apenas de determinar o modo como se deu a intromissão do animal na via, mas também indagar se a concessionária actuou com diligência na sua detecção e expulsão, dever de diligência cujo ónus da prova recai inequivocamente sobre esta nos termos da opção legislativa consagrada no diploma a que nos vimos referindo e cuja conformidade à Lei Constitucional foi já afirmada (cf. os acórdãos do TC de n.ºs 596/2009 e 597/2009, ambos publicados no DR de 24/12, II Série).
Revertendo ao caso dos autos, emerge com clareza do quadro factual apurado que os estragos sofridos pela viatura segurada foram consequência do embate com um canídeo que, de forma inopinada, surgiu na via, provindo da esquerda, atento o sentido de marcha do veículo, de modo que o condutor, a despeito da velocidade regulamentar a que seguia e de ter ensaiado uma manobra de travagem, não conseguiu evitar o embate (cf. pontos 4. a 6. da factualidade provada). Estamos assim claramente no âmbito da previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 12.º do diploma a que nos vimos reportando, donde impor-se a demonstração, por banda da demandada, de que cumpriu com as suas obrigações de segurança, com o sentido e alcance que se deixou precisado, sob pena de se ter por adquirido o incumprimento culposo de tais deveres e a sua consequente responsabilização pelos danos sofridos pela demandante.
Pretende a apelante ter-se desincumbido do assinalado ónus, uma vez que logrou demonstrar o cumprimento efectivo dos seus deveres de conservação, importando neste conspecto o bom estado da vedação, e também de vigilância, posto que, tendo realizado os patrulhamentos a que se encontra contratualmente adstrita, não foi detectada a presença na via do animal, de que só na sequência do acidente veio a ter conhecimento.
Resulta efectivamente do acervo factual assente nos autos que à data do sinistro e no sublanço em que o mesmo ocorreu, as vedações da A25 não apresentavam buracos, aberturas ou rupturas, não tendo sido avistado pelos funcionários da apelante ou por elementos das patrulhas da GNR qualquer animal naquele local ou nas suas imediações. Mais ficou demonstrado que os nós da entrada e saída da A25 não tinham então portagens ou outras barreiras e os funcionários da R., a par dos elementos da GNR ao seu serviço, patrulham esta via 24 horas por dia, tendo passado diversas vezes pelo local onde o sinistro viria a ocorrer sem terem detectado a presença do animal. Será, pergunta-se, tal factualidade suficiente para que se mostre cumprido o ónus que a lei faz impender sobre a concessionária?
Cremos que não. “Prima facie”, e conforme se deixou já referido, estando nós perante um acidente concreto, que teve na sua génese uma das causas eleitas pelo legislador de 2007 -e apenas a alegação e prova destes factos, a par da existências dos danos, são ónus do lesado-, a concessionária só se desonera mediante a demonstração de que, no que concerne às medidas de segurança necessárias e suficientes para prevenir e evitar aquele concreto e específico evento, elas foram cumpridas. E esta exigência probatória não se satisfaz, em nosso entender, com a demonstração de que a vedação no sublanço onde ocorreu não apresentava rupturas à data do sinistro, ou que os patrulheiros procederam a passagens no local -com cadência também não especificada- sem terem detectado a presença de qualquer animal. Era na verdade, e em nosso entender, necessário mais, atendendo sobretudo à circunstância, que a apelante crê excludente da sua responsabilização mas que, quanto a nós, exacerba a obrigação de vigilância, dos nós de acesso não terem qualquer barreira física. A ilisão da presunção -ou, segundo o entendimento defendido pela apelante, a prova do cumprimento- passava pela demonstração de que se tratava de troço que, estatisticamente e pelas características da zona envolvente, não oferecia perigo do surgimento de animais ou, mais concretamente, de canídeos, intensidade do tráfego, atenta a hora e período do ano, vigilância concretamente exercida no troço em causa e todos os elementos tendentes a permitirem ao Tribunal ajuizar do esgotamento das medidas de segurança necessárias ao evitamento de tal ocorrência, “senão evitar a entrada do animal na faixa de rodagem, ao menos a sua oportuna detecção e a consequente remoção ou a sinalização do perigo, por forma a evitar que constituísse um factor perturbador da circulação, fluente, desimpedida e segura que qualquer auto-estrada deve permitir a qualquer utente em condições de normalidade”[9].
Com efeito, “Atenta a natureza da via concessionada, o elevado grau de sofisticação da actividade e a experiência acumulada pela concessionária, a apreciação do cumprimento do dever de diligência, segundo o padrão do “bom pai de família”, a que alude o art. 487º, nº 2, do CC, deve guindar-nos a um plano de elevada exigência, tendo em conta, além do mais, que a mesma exerce uma actividade lucrativa, devendo, por isso, mobilizar meios humanos, materiais e financeiros ajustados a evitar incidentes semelhantes”[10].
Por outro lado, visto o teor da Base LIII, no seu n.º 2, afigura-se que não basta ao cumprimento dos deveres de vigilância a que se encontra adstrita a realização pela concessionária de patrulhamentos com a cadência fixada no contrato, antes se impondo, face à constatação da insuficiência de tais meios para evitarem acidentes com a génese daquele que nos ocupa -e a frequência com que os casos chegam aos nossos tribunais atestam-na de algum modo- a adopção de medidas suplementares, tais como a vigilância de modo muito mais efectivo dos nós abertos, com recurso eventualmente a meios electrónicos. Daqui decorre que não serve os propósitos de exoneração da sua responsabilidade a prova feita pela ré de que só teve conhecimento da intromissão do animal na via após o acidente, pois o que importava era a prova de que não poderia ter tido tal conhecimento a tempo de evitar o acidente.
Atento o exposto, e à guisa de conclusão, reconhecendo embora não ser razoável -nem possível- exigir da concessionária a garantia de que não ocorrerá nunca a intrusão na via de animais que, pela sua dimensão, representem uma fonte de perigo (infelizmente o abandono dos animais em plena auto-estrada, a despeito da extrema crueldade e desumanidade de tal prática, é sempre uma hipótese a considerar) ou, em alternativa, que os mesmos serão de imediato removidos, não pode tal constatação redundar num abrandamento das exigências de redobrada diligência que sobre aquela recaem, sob pena de tal desresponsabilização ter como contraponto a penalização dos utentes das vias e terceiros que, sem culpa, e confiados nas condições de segurança garantidas, venham a sofrer danos. E a verdade é que a apelante não demonstrou ter esgotado os meios ao seu alcance para detectar a entrada do animal e providenciar atempadamente pela sua expulsão, não se tendo assim desincumbido do ónus que sobre si impendia nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 12.º da Lei 2472007, de 18 de Julho[11]. Improcedem deste modo as conclusões xv a xxii e com elas o recurso interposto pela B... , SA.
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iii. da indemnização pela privação do uso
A autora recorreu da sentença especificamente quanto ao segmento respeitante à indemnização pela privação do uso da viatura, que pretende seja fixada no quantitativo diário de €25,00, ao invés dos €5,00 arbitrados, sempre na consideração de um período de privação de 197 dias. A tal pretensão contrapôs a apelada B... , SA que a quantia global a este título arbitrada é no mínimo generosa atendendo a que, tendo a autora adquirido entretanto uma outra viatura em substituição da acidentada, não fez, em rigor, prova do período de privação, ou seja, e numa outra formulação, não fez prova do dano.
A este propósito, e tal como se ponderou no acórdão proferido o processo 324/10.9 TBCVL[12] relatado pela ora subscritora, afigura-se hoje maioritário o entendimento de que a privação do uso de um veículo em consequência de danos causados por acidente de viação importa para o seu proprietário a perda de uma utilidade, nomeadamente a de nele se deslocar quando e para onde entender, e que, em si mesma considerada, tem valor pecuniário. Constituindo assim o uso uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária é meramente consequente a conclusão de que a sua privação constitui um dano patrimonial indemnizável[13]-[14].
No caso vertente, resultou apurado que a autora utilizava o veículo acidentado diariamente -em dias úteis e não úteis- no exercício da sua actividade de distribuição diária de publicações de imprensa, dando-lhe deste modo um uso efectivo e intensivo.
Mais se apurou que, face à recusa de ambas as RR em suportarem o custo da reparação do motor, esta veio a ser efectuada a expensas da demandante, tendo ficado concluída apenas em 9 de Novembro de 2010, ou seja, 197 dias depois de ter deixado de beneficiar, em 26 de Abril desse mesmo ano, da viatura de substituição facultada pela segunda ré, a aqui também apelante C... , ao abrigo do contrato com esta celebrado, e sem considerar o período que decorreu entre a data do acidente e aquele dia 6 de Abril, durante o qual fez uso de uma viatura alugada, com o apurado custo de € 137,17.
Todavia, e conforme igualmente se apurou, a autora procedeu, a dada altura, à aquisição de um veículo de substituição, circunstância de que a ré B... pretende aproveitar-se, daqui extraindo que cessou, a partir de então, o dano. Não nos parece, porém, que lhe assista razão. Com efeito, quando o lesado procede ao aluguer de um veículo de substituição mais não faz do que repor a situação pré-existente, de modo a passar a dispor das utilidades perdidas, caso em que ninguém questiona que lhe é devido o reembolso das quantias a este título despendidas, dado que se mantém a paralisação da viatura sinistrada. O mesmo princípio é, parece-nos, de aplicar quando procede à aquisição de um veículo de substituição, num esforço aquisitivo que absorve capitais susceptíveis de produzirem rendimento quando afectados de modo diverso. É certo que as suas necessidades de uso ficam satisfeitas, mas não pelo obrigado à reconstituição natural, sendo ainda aqui de recorrer à equidade como critério de fixação do montante indemnizatório a este título devido.
Poder-se-á argumentar contra tal entendimento -e nesse sentido vão as contra alegações da ré B... - que, passando o lesado a dispor de um novo veículo, esmorece o incentivo à reparação do acidentado, sendo mais fácil sucumbir à tentação de manter “o “taxímetro” ligado”, conforme aquela expressivamente refere. Todavia, por cativante que pareça o argumento, assenta no esquecimento de que a obrigação de proceder à reposição natural recai sobre o lesante e não sobre o lesado, cabendo sem dúvida ao primeiro desligar o dito “taxímetro”.
Atendendo a quanto vem de se expor, tendo em conta os montantes usualmente arbitrados nas decisões dos nossos tribunais, que razões de justiça e igualdade mandam atender, ponderando ainda a natureza da viatura RX, afectação que lhe era dada e idade que tinha à data do sinistro -cerca de 9 anos- afigura-se que o montante de €5,00 por dia arbitrado na sentença apelada merece ser majorado, encontrando-se agora como equitativo o de €7,00, ascendendo o montante indemnizatório a este título devido à quantia de €1379,00 (mil, trezentos e setenta e nove euros), procedendo nos termos agora explanados o recurso da autora.
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iv. da responsabilidade da ré C...
No recurso interposto insurge-se esta ré contra a sua condenação solidária no pagamento da quantia de €2 964,54, assinalando que a sua responsabilidade é contratual, assentando na cláusula que prevê a cobertura dos danos próprios, donde não poder ser condenada para lá dos €3 000,00 de capital contratado. Deste modo, e porque suportou uma reparação no montante de €2 509,60, já deduzida a franquia de €300,00, só poderá responder por €490,40 mais, assim esgotando o capital seguro.
Vistos os factos assentes, e sendo indiscutível que a demanda da apelante assenta no contrato de seguro celebrado com a autora, que incluía a cobertura de danos próprios com o limite de € 3 000,00, cláusula que acolhe a pretensão aqui formulada, a responsabilidade da demandada seguradora encontra-se limitada pelo valor do capital seguro, proveniente da concertação das partes. Deste modo, tendo despendido na reparação da viatura por via do acidente dos autos a apurada quantia de € 2 509,60, só poderia ser condenada no remanescente, tal como defendeu em sede de recurso.
Entendeu todavia a Mm.ª juíza que se impunha a condenação solidária da apelante por não ter cumprido o contrato celebrado com a autora -incumprimento presumido culposo nos termos do n.º 1 do art.º 799.º do Código Civil- ao não diligenciar pela reparação do motor, originando despesas com parqueamento e o agravamento do dano decorrente da privação do uso. Não cremos, no entanto, que tal raciocínio seja de secundar.
Conforme se apurou, após a apelante C... ter suportado a reparação com a chapa e pintura, do capital contratado sobravam apenas € 490,40, quantia insuficiente para cobrir o custo da reparação do motor. Daí que, independentemente dos fundamentos que invocou para se escusar a ordenar tal reparação, para além de não poder ser responsabilizada pelo respectivo custo para lá daquele valor, parece igualmente que não lhe poderão ser imputados eventuais prejuízos originados pela demora verificada na sua realização.
Todavia, e no que se refere à quantia despendida pela autora na locação de uma viatura de substituição, já a decisão apelada nos parece ser de manter.
Resultou demonstrado nos autos que, estando contratualmente vinculada a disponibilizar uma viatura de substituição pelo período de 20 dias, a ré seguradora não o fez quando para tal foi contactada, vindo a fazê-lo apenas 3 dias após o sinistro. Tal facto é, no entender da apelante, irrelevante, uma vez que disponibilizou o veículo “no prazo previsto no DL 291/2007 de 29 de Agosto” “e pelo período de tempo máximo contratado”. Apreciemos a valia deste argumento.
Nos termos do art.º 42.º do diploma invocado pela apelante, epigrafado de “Veículo de substituição”, verificando-se a imobilização da viatura sinistrada, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente (vide n.º 1). Mas logo o n.º 5 ressalva expressamente o direito do lesado a ser indemnizado, nos termos gerais, pelo excesso de despesas em que incorreu com transporte em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs de veículo de substituição (é nosso o destaque).
É certo que o regime legal consagrado no aludido diploma se destina a regulamentar o sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e em causa nos autos está uma cobertura facultativa. De todo o modo, se a ré demorou a cumprir a sua obrigação de disponibilização do veículo -não é motivo justificativo a invocada circunstância de ter os seus serviços encerrados- obrigando por isso a um dispêndio que não teria tido lugar ou, pelo menos, não teria tido lugar nos precisos termos em que ocorreu, tornou-se responsável por indemnizar o lesado nos termos conjugados dos art.ºs 799.º e 804.º do CC, irrelevando que tenha oferecido mais tarde o cumprimento da sua prestação, uma vez que estão em causa os prejuízos causados pelo retardamento. Daí que no que concerne ao custo do aluguer da viatura de substituição no período que decorreu entre 3 e 6/4/2010, no apurado montante de €137,17, seja de manter a condenação solidária da apelante C... para além do limite do capital contratualmente fixado.
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III. Decisão
Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em:
a) julgar improcedente o recurso interposto pela ré B... , , SA;
b) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela autora A... , Lda. e, em consequência, condenam a ré B... a pagar-lhe a quantia de €1379,00 (mil trezentos e setenta e nove euros) a título de privação de uso da viatura RX, mantendo-se, quanto ao mais, o decidido na sentença quanto a esta ré;
c) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela C... , Companhia de seguros SPA, a qual vai condenada a pagar à autora, solidariamente com aquela ré, as quantias de €490,40 (quatrocentos e noventa euros e quarenta cêntimos) e €137,17 (cento e trinta e sete euros e dezassete cêntimos), acrescida dos juros contados da citação, absolvendo-se quanto ao mais.
Custas nesta e na primeira instância a cargo da autora e das rés na proporção dos decaimentos de cada uma.
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Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] Sinde Monteiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 131, pág.s 41 e seguintes; Urbano Aquiles Lopes Dias, “Da responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas em acidentes de viação” in Revista do CEJ, 1.º semestre, 2007, n.º 6, pág.s 21 e seguintes.
Na jurisprudência indicam-se, designadamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/02/2000, proc. 99B1092, de 20/05/2003, proc. 03A1296, de 22/06/2004, proc. 04A1299, todos em www.dgsi.pt.
[2] Menezes Cordeiro, “Igualdade rodoviária e Acidentes de viação nas auto-estradas; Estudos de Direito Civil Português”, 2004, em págs. 35 a 56.
Quanto à jurisprudência indicam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/2000, proc. 00B242, de 30/04/2002, proc.02A635, de 14/10/2004, proc. 04B2885, todos em www.dgsi.pt.
[3] Sobre o tema, mas concluindo que o instituto pouco traz de relevante neste domínio, Carneiro da Frada, “Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas”, acessível na página da OA, em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?ide30777&idsc45562&id.
[4] V., por todos, aresto desta Rel. de Coimbra de 10/1/2006, processo nº 2554/95, sendo Relator o Exmo. Sr. Desembargador Dr. Jorge Arcanjo.
[5] Isto se diz sem prejuízo de entendermos que a tese dominante encontra conforto na Lei 24/2007, de 18 de Julho. Com efeito, atentando na solução desenhada no art.º 12.º, mormente a exigência formulada no seu n.º 2 no sentido das causas do acidente deverem ser verificadas no local por autoridade policial competente, daqui emerge claro reforço do princípio da culpa, tanto mais que o legislador de 2007 não desconhecia a polémica que a propósito se instalara.
[6] Com efeito, parece dever admitir-se que da consagrada inversão do ónus probatório decorre uma presunção de culpa ou, pelo menos, de incumprimento, sem o que tal inversão não produziria qualquer efeito prático. Cf., sobre a distinção entre presunção e dispensa ou liberação do ónus da prova, A. dos Reis, CPC anotado, vol. III, pág. 249, sendo certo que num e noutro casos cabe à parte a prova do contrário.

[7] Tal como reconhecido no aresto do STJ de 14/3/2013, processo n.º 201/06.8 TBFAL, tendo sido a solução adoptada nos arestos desta Relação de 19/2/2013, processo n.º 1814/08.9 TBAGD.C2, e de 16/4/2012, processo n.º 1058/10.0 TBVNO.C1, e ainda nos acórdãos da Rel. de Guimarães de 23/10/2012 e de 18/4/2013, processos 218/08.8 TBBRG.G1 e 2863/11.5 TBGMR.G2, respectivamente, e recentemente também pela Relação de Lisboa, no acórdão de 29/5/2014, processo n.º 3581/12.2 TBCSC.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Acórdão de 28/4/2010, processo n.º 2644/08.3 TJCBR.C1 citado na nota anterior, e que versou precisamente sobre o surgimento de um canídeo na A1.
[9] Do acórdão do STJ de 14/3/2013 identificado.
[10] Idem.
[11] Neste preciso sentido e versando sobre caso idêntico, o aresto desta mesma Relação de 16/9/2014, processo n.º 414/10.8 TBCNT, no qual a ora relatora interveio como 2.ª adjunta.
[12] Também acessível no site antes identificado.
[13] V., no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 5/7/2007, processo n.º 07B1849 antes citado, e de 8/5/2013, processo 3036/04.9 TVVLG.P1.S1, no qual se considerou que “A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito”. Na doutrina, adoptando idêntico entendimento, Prof. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 9.ª edição, pág. 348.
[14] Segundo um entendimento mais rigoroso "o dano da privação do gozo ressarcível é a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da [mera] possibilidade de utilização do bem", exigindo-se assim a prova, pelo lesado, de que ocorreu efectiva diminuição ao nível da satisfação das suas necessidades, globalmente consideradas – cf. Paulo Mota Pinto, “Dano da Privação do Uso”, em Estudos de Direito do Consumidor nº 8, 229 e segs., estudo extraído da tese Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, e os recentes arestos acórdãos desta mesma Relação de Coimbra de 6/3/2012, processo n.º 86/10.0T2SVV.C1, e de 8/4/2014, processo n.º 1091/12.7 TBCBR.C1, ainda no identificado sítio.