Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
223/11.7TBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: REGISTO PREDIAL
REGISTO DEFINITIVO
AQUISIÇÃO
COISA COMUM
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
Data do Acordão: 04/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 16º, AL. B) E 121º, Nº 2 DO CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL
Sumário: I – O registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento comprovativo da habilitação e, tratando-se de prédio não descrito, em declaração que identifique os bens.

II – Se o registo foi requerido como se de prédio não descrito se tratasse, conduzindo à feitura de uma inscrição definitiva e posteriormente, em processo de rectificação, se conclui que tal não corresponde à verdade e que, face á descrição existente, ocorre violação do princípio do trato sucessivo, a inscrição foi indevidamente lavrada como definitiva, antes devendo tê-lo sido como provisória por dúvidas.

III – Apurando-se no processo de rectificação que a requerente daquele registo (e/ou os demais interessados) não estava(m) em condições de remover as dúvidas, por inexistência de título que permitisse a feitura das indispensáveis inscrições intermédias, o registo provisório que fosse lavrado acabaria por caducar, com a inerente inutilização da descrição feita na sua dependência.

IV – Tal inscrição foi, pois, lavrada com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado, justificando-se o seu cancelamento e a consequente inutilização da correlativa descrição.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. RELATÓRIO

M…, viúva, residente em …;

A…, divorciada, residente na Rua …; e

N…, casada, residente no Bairro…, requereram à Ex.ma Sra. Conservadora do Registo Predial de Nelas, em 30/10/2009, o cancelamento da inscrição lavrada, com base na Ap. 13/19981015[1], com referência à descrição nº … da freguesia de Senhorim e, por força desse cancelamento, a inutilização da dita descrição.

Alegaram para tanto, em síntese, que, contrariamente ao que a questionada inscrição pressupõe, o prédio em causa não integrava a herança do falecido A…, antes pertencendo em exclusivo à requerente M… que, já viúva, adquiriu ¼ - que herdara de seu pai J…, mas que, entretanto, o seu marido vendera – aos filhos de J… e ¾ a seus irmãos, que os herdaram de sua mãe, M...

Autuado o competente processo de rectificação do registo e feitas as legais citações, foi pelo interessado M…, solteiro, residente em …, neto do aludido A… (filho do filho deste, A…, entretanto falecido), deduzida oposição sustentando, em resumo, que as aquisições alegadas pelas requerentes foram efectuadas ainda em vida do seu avô paterno, que foi casado sob o regime de comunhão geral de bens com a requerente M…, sua avó, e que, assim, o prédio em questão integrava efectivamente a herança daquele seu ascendente, inexistindo fundamento para o requerido cancelamento da inscrição oportunamente efectuada.

A Ex.ma Sra. Conservadora proferiu, em 24/05/2011, a decisão que faz fls. 172 a 184 dos autos, cuja parte dispositiva se transcreve:

“Nestes termos, termino por deferir a pretensão e determino o cancelamento da inscrição de aquisição lavrada na sequência da apresentação nº 13 de 15/10/1998; após inutilize-se a descrição predial … da freguesia de … e anote-se à descrição … a sua subsistência perante a duplicação com a …”.

Inconformado, o oponente M… recorreu para o Tribunal Judicial da comarca de Nelas, concluindo o respectivo requerimento com o pedido de revogação da decisão da Ex.ma Sra. Conservadora.

Só a requerente M… impugnou os fundamentos do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi depois proferida a sentença de fls. 235 a 246, julgando o recurso improcedente e mantendo a decisão da Ex.ma Sra. Conservadora.

Continuando irresignado, o oponente M… interpôs recurso para esta Relação, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

Não foi apresentada qualquer resposta.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

                Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as seguintes questões:

                a) Nulidade, por falta de fundamentação, da decisão de rectificação;

                b) Ilegitimidade das requerentes para, desacompanhadas do A… (falecido) ou seus sucessores, sozinhas desencadearem o processo de rectificação do registo;

                c) Inoponibilidade da rectificação aos sucessores do A…;

                d) Inviabilidade de, sem a colaboração dos sucessores do A…, ser estabelecida qualquer correspondência matricial.

                2. FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. De facto

                Tendo em conta a matéria factual considerada pela Ex.ma Sra. Conservadora e pela 1ª instância, e não impugnada pelo recorrente, bem como os documentos juntos aos autos e o disposto nos artºs 713º, nº 2 e 659º, nº 3, ambos do Cód. Proc. Civil, dá-se como assente a factualidade seguinte:

                2.2. De direito

                2.2.1. Nulidade da decisão de rectificação

O recorrente imputou à decisão de rectificação proferida pela Ex.ma Sra. Conservadora o vício de nulidade por falta de fundamentação (cfr. conclusão 8ª).

                Não indicou, contudo, as premissas que o levaram a chegar a tal conclusão.

                Nem, se bem vemos, as poderia ter indicado, dada a total ausência de substrato factual para aquela imputação.

                Os artigos 205º da Constituição e 158º do Cód. Proc. Civil, aplicáveis por força do artº 120º do Código de Registo Predial, impunham à Ex.ma Sra. Conservadora o dever de fundamentação da sua decisão, sendo o desrespeito desse dever sancionado com a nulidade da mesma [artºs 659º, nºs 2 e 3, 666º, nº 3 e 668º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil e 120º do Cód. Reg. Predial].

                Basta, contudo, ler a decisão de rectificação para concluir sem margem para dúvidas que a mesma se encontra devidamente fundamentada, com clara e indiscutível discriminação dos factos em que se baseia e indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes.

                Acresce que, como ensinava o Prof. Antunes Varela[2] relativamente à sentença judicial – e se aplica, mutatis mutandis, à decisão de rectificação do registo – para que esta careça de fundamentação não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente[3]; é preciso que haja falta absoluta, o que, no caso, claramente não sucede.

Nega-se, pois, razão ao recorrente quanto a esta primeira questão.

                2.2.2. Ilegitimidade das requerentes

Se bem entendemos o recorrente, é convicção sua que, não sendo desencadeado oficiosamente por iniciativa do conservador, o processo de rectificação do registo, previsto nos artºs 120º e seguintes do Cód. Reg. Predial[4], terá de ser instaurado por todos os interessados inscritos, em litisconsórcio necessário.

Desse modo, sendo o seu pai, A…, um dos interessados inscritos através da inscrição cujo cancelamento é pedido, e tendo já falecido, faltaria legitimidade às outras interessadas inscritas – as requerentes M…, A… e M… – para, desacompanhadas daquele, pedirem a rectificação.

Não tem razão.

A rectificação do registo foi pedida com o fundamento de ter o mesmo sido lavrado com base em títulos insuficientes para prova legal do facto registado [artº 16º, al. b) e 121º, nº 2] e foi deferida com esse mesmo fundamento e ainda por haver duplicação de descrições, coincidindo, pelo menos parcialmente, o prédio objecto da descrição nº … com o prédio descrito sob o nº …, que é extracto para o sistema informático da descrição nº …, de fls. 143 do Livro B-131 da Conservatória do Registo Predial de Nelas.

De acordo com o artº 121º, nº 2, os registos indevidamente lavrados que enfermem de nulidade nos termos da alínea b) do artigo 16º podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada em processo de rectificação do registo.

Não estando, no caso, assegurado o consentimento de todos os interessados, uma vez que o A... faleceu entretanto, não restava às requerentes outra alternativa senão recorrer ao processo de rectificação.

De acordo com o nº 1 do artº 121º, “os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito”.

A letra da lei não deixa margem para dúvidas: se não for feita oficiosamente pelo conservador, a rectificação dos registos inexactos e dos registos indevidamente lavrados [categoria em que se integram os registos que enfermem de nulidade decorrente de terem sido lavrados com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado (artº 16º, al. b)] pode ser pedida por qualquer interessado, mesmo que não inscrito. O que arreda inapelavelmente a exigência de litisconsórcio defendida pelo recorrente.

É claro que no caso de a rectificação ser requerida por todos os interessados o processo ficaria facilitado. Nessa hipótese, manda o artº 124º que o conservador proceda à rectificação, sem necessidade de outra qualquer formalidade, quando considere, mediante despacho, em face dos documentos apresentados, verificados os pressupostos da rectificação pedida.

O consentimento dos interessados é ainda dispensado nos casos previstos no artº 125º.

Não sendo a rectificação pedida por todos os interessados, nem se enquadrando a situação na previsão do artº 125º, o pedido de rectificação do registo terá de seguir os trâmites dos artºs 126º e seguintes devendo, nomeadamente, de acordo com o artº 129º, ser os interessados não requerentes – ou, no caso de terem falecido, os seus herdeiros, sem necessidade de habilitação (cfr. nºs 1 e 3) – citados para deduzirem oposição e efectuarem o oferecimento de prova.

Foi, aliás, o que sucedeu com o recorrente, dada a sua apurada qualidade de herdeiro do interessado falecido A...

Nega-se-lhe, pois, razão também quanto e esta questão.

                2.2.3. Inoponibilidade da rectificação aos herdeiros de interessado falecido

O recorrente sustenta – ou parece sustentar – que, falecido qualquer interessado, fica arredada a possibilidade de rectificação do registo, porquanto qualquer inviabilidade anterior sempre precludiria perante a transmissão efectuada para os herdeiros legais, tidos como adquirentes de boa fé (cfr. conclusão 3ª).

Em apoio deste seu entendimento o recorrente invoca os artºs 9º, nº 2 e 17º, nº 2, bem como, este no corpo da alegação de recurso, o artº 291º do Cód. Civil.

O artº 9º prevê no nº 1 que os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.

E o nº 2 excepciona ao disposto no nº 1:

a) A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o arresto, a declaração de insolvência e outras providências que afectem a livre disposição dos imóveis;

b) Os actos de transmissão ou oneração praticados por quem tenha adquirido no mesmo dia os bens transmitidos ou onerados;

c) Os casos de urgência devidamente justificada por perigo de vida dos outorgantes.

Confessamos que não atingimos em que medida poderá tal norma sufragar o indicado entendimento do recorrente.

O artº 17º estabelece que:

1 - A nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado.

2 - A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade.

Contudo, como escreve Isabel Pereira Mendes[5], a rectificação de registos que enfermem de vícios determinantes de nulidades, nos termos dos arts. 120º e segs, não implica a invocação e declaração dessa mesma nulidade, podendo dizer-se que actua sobre as causas e não sobre os efeitos.

E continua a mesma autora:

“Há que distinguir os casos em que as deficiências, sendo causa de nulidade, não podem ser rectificadas, nem mesmo através do cancelamento da inscrição, antes de se recorrer às vias competentes e obter uma decisão judicial (v.g. al. c) do art. 16º), daqueles outros em que as deficiências, porque motivadoras de uma nulidade que não deixa margem de dúvida e pela qual a própria conservatória é também responsável, podem vir a ser rectificadas através de actividades desenvolvidas com vista à extirpação dos vícios que inquinam os registos.

Tais actividades, porém, não encaixam rigorosamente no conceito de «invocação da nulidade», pois o conservador do registo predial limita-se nesses casos a rectificar, prevenindo uma futura invocação e declaração judicial da nulidade. Mesmo no caso de registos indevidamente lavrados, que enfermem de nulidade nos termos da al. b) do art. 16º, o cancelamento, normalmente provocado pelo conservador e consentido por todos os interessados ou por decisão judicial em processo de rectificação, não implica declaração de nulidade mas simples providência destinada a evitá-la”.

O referenciado artº 17º não tem, pois, aplicação ao caso de rectificação do registo.

Contudo, ainda que porventura tivesse, o recorrente, enquanto herdeiro do falecido A…, não possui a qualidade de terceiro, nem adquiriu a título oneroso qualquer direito sobre o prédio registado.

O que fica dito relativamente ao artº 17º aplica-se inteiramente ao artº 291º do Cód. Civil, que assim reza:

1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.

2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.

Com efeito, também esta disposição legal se destina à protecção de terceiros de boa fé que hajam adquirido direitos sobre os bens, a título oneroso e, como se referiu, o recorrente – que, como herdeiro, ocupa, a par dos irmãos, a posição do seu pai, A… – nem detém a qualidade de terceiro, nem adquiriu, a título oneroso, qualquer direito sobre o prédio registado.

Não se reconhece, pois, ao recorrente razão no que a esta questão concerne.

                2.2.4. Inviabilidade de estabelecimento da correspondência matricial

Se bem entendemos o recorrente, defende ele na conclusão 4ª que não é viável, sem intervenção, impossível neste caso, de todos os interessados, estabelecer a correspondência matricial entre o prédio objecto da descrição nº … e o prédio objecto da descrição nº ...

A este respeito preceitua o artº 29º:

1 - Quando ocorra substituição das matrizes, os serviços de finanças devem comunicar aos serviços de registo, sempre que possível por via electrónica, a correspondência entre os artigos matriciais relativos a todos os prédios do concelho ou de uma ou mais freguesias.

2 - Nos casos em que for comunicada, oficiosamente ou a pedido dos serviços de registo, a impossibilidade de estabelecer a correspondência matricial e a mesma não resultar dos documentos apresentados, pode esta ser suprida por declaração complementar dos interessados que indique expressamente o artigo da matriz em vigor.

“A prova da correspondência entre os artigos matriciais, se não resultar do título apresentado ou de outros documentos, é feita através de certidão passada pela respectiva repartição de finanças.

Tendo sido substituída a matriz e comunicada a impossibilidade de estabelecer a correspondência relativamente a todos os prédios do concelho ou de uma ou mais freguesias, se a prova da correspondência matricial não resultar dos documentos deve ser suprida por declaração complementar dos interessados.”[6]

Como resulta do nº 2 do transcrito artº 29º, a declaração complementar dos interessados é um meio de suprimento da impossibilidade de estabelecer a correspondência matricial, a qual pode, contudo, ser possível, dispensando suprimento, seja porque os próprios serviços de finanças têm forma de estabelecê-la, seja por resultar dos documentos apresentados.

É manifesto, portanto, que a Ex.ma Sra. Conservadora não estava impedida de, com base nos documentos de que dispunha, estabelecer as pertinentes correspondências matriciais.

Nega-se razão ao recorrente também quanto a esta questão.

Resta a questão de fundo, na qual, sintomaticamente, o recorrente escassamente investiu.

Como oportunamente se referiu, as requerentes pediram o cancelamento da inscrição lavrada, com base na Ap. 13/19981015, com referência à descrição nº … da freguesia de Senhorim e, por força desse cancelamento, a inutilização da dita descrição, alegando que, contrariamente ao que a questionada inscrição pressupõe, o prédio em causa não integrava a herança do falecido A…, antes pertencendo em exclusivo à requerente M… que, já viúva, adquiriu ¼ - que herdara de seu pai J…, mas que, entretanto, o seu marido vendera – aos filhos de J… e ¾ a seus irmãos, que os herdaram de sua mãe, M...

Conjugando tal alegação com a factualidade provada (cfr. nºs 1 a 8) pode concluir-se com segurança que subjacente ao pedido das requerentes está o pressuposto implícito de que a descrição nº … é duplicação da descrição nº ... 

Com efeito, embora peçam o cancelamento da inscrição lavrada com base na Ap. 13/19981015 com referência á descrição nº …, por o prédio em causa não pertencer à herança de A…, antes sendo propriedade exclusiva da requerente M…, os actos invocados para justificar tal afirmação foram praticados relativamente ao prédio objecto da descrição nº … (que é extracto da descrição nº …).

Subjaz ao raciocínio das requerentes que o prédio objecto da descrição … é o que integrou a herança de J… e que foi adjudicado, na proporção de ¼, à requerente M… e na proporção de ¾ à viúva, sua mãe, M…, e relativamente ao qual a M… alega ter, após a morte do marido (A…), readquirido a quarta parte – que entretanto ambos tinham alienado – e adquirido aos seus irmãos as demais três quartas partes, por eles herdadas de sua mãe, M... Ora o prédio em causa, que integrou a herança de J…, é o descrito sob o nº ...

Ou seja, aquelas duas descrições teriam por objecto um único prédio, sendo a mais recente (nº …) duplicação da mais antiga (…, actualmente …).

O recorrente M… suscitou na oposição oportunamente deduzida e nos subsequentes recursos várias objecções formais (já atrás apreciadas) ao deferimento da pretensão das requerentes. Contudo, do ponto de vista substancial, nunca alegou que o prédio objecto da descrição nº … seja outro, distinto do prédio que as requerentes dizem ter integrado a herança do pai da M… (bisavô do recorrente), J... O que sustentou foi apenas e tão só que o prédio em causa integrava o património comum do casal formado pelos seus avós paternos, M… e A…, quando este faleceu, não sendo verdade que tenha sido readquirido numa parte (1/4) e adquirido noutra (3/4) pela M…, após a morte do marido. Ou seja, não negando que se está perante um só e único prédio, o oponente/recorrente aceitou tacitamente a existência de duplicação de descrições.

De resto, como muito bem foi realçado nas decisões da Ex.ma Sra. Conservadora e da 1ª instância – para as quais, com a devida vénia, se remete – os elementos fornecidos pelos documentos, nomeadamente pelas certidões da Conservatória do Registo Predial e pelas certidões matriciais (natureza, composição, localização, parte das confrontações, etc.) apontam no mesmo sentido, isto é, no sentido de que as duas descrições em confronto respeitam a uma só e única entidade predial, havendo duplicação (artº 86º).

Apurada a duplicação e assente que se trata do mesmo e único prédio, vejamos se havia fundamento para o cancelamento da inscrição lavrada com base na Ap. 13/19981015 e subsequente inutilização da descrição nº …

Da conjugação dos artºs 16º, al. b) e 121º, nº 2 resulta que os registos indevidamente efectuados que sejam nulos por terem sido lavrados com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado podem ser cancelados, nomeadamente, em execução de decisão tomada em processo de rectificação.

O registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito – como é o caso do que assentou na Ap. 13/19981015 – é feito com base em documento comprovativo da habilitação e, tratando-se de prédio não descrito, em declaração que identifique os bens (artº 49º).

Além disso, tratando-se de prédio não descrito, deve indicar-se em declaração complementar o nome, estado e residência dos proprietários ou possuidores imediatamente anteriores ao transmitente, salvo se o apresentante alegar na declaração as razões justificativas do seu desconhecimento (artº 42º, nº 6).

O registo lavrado na sequência da Ap. 13/19981015 foi feito a pedido da requerente A…, com base na escritura de habilitação referida em 12) dos factos provados e certidão do Processo de Imposto Sucessório nº 9774, aberto por óbito de A... Foi requerido como se de prédio não descrito se tratasse, não tendo sido indicados os respectivos antepossuidores, omissão que inviabilizou a realização das competentes buscas que, se feitas, teriam conduzido à descrição nº … (actual …) e á qualificação do registo como provisório por dúvidas por ocorrer violação do princípio do trato sucessivo (artºs 34º, nº 2, na redacção ao tempo em vigor e 70º).

A inscrição em causa, lavrada na sequência da Ap. 13/19981015 e em cuja dependência foi feita a descrição nº …, foi, portanto, indevidamente lavrada como definitiva, antes o devendo ter sido como provisória por dúvidas.

E, porque, como do processo de rectificação resultou comprovado, a requerente daquele registo (e/ou os demais interessados) não estava(m) em condições de remover as dúvidas, por inexistência de título que permitisse a feitura das indispensáveis inscrições intermédias – atente-se, por exemplo, no teor da escritura pública referida no nº 8 do elenco dos factos provados – o registo provisório que fosse lavrado acabaria por caducar (artº 11º), com a inerente inutilização da descrição feita na sua dependência [artº 87º, nº 2, al. g)].

Conclui-se, portanto, que a inscrição fundada na Ap. 13/19981015, na dependência da qual foi feita a descrição nº …, foi lavrada com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado, justificando-se o seu cancelamento e a consequente inutilização da correlativa descrição.

                Realça-se, contudo, que a apontada insuficiência dos títulos para prova do facto registado, fundamento da rectificação do registo, com cancelamento da inscrição e inutilização da descrição, nada adianta quanto à propriedade do prédio objecto daqueles actos registrais.

Soçobram, portanto, todas as conclusões da alegação do recorrente, o que conduz à improcedência da apelação e à manutenção da decisão recorrida.

Sumário (artº 713º, nº 7 do CPC):

I – O registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento comprovativo da habilitação e, tratando-se de prédio não descrito, em declaração que identifique os bens.

II – Se o registo foi requerido como se de prédio não descrito se tratasse, conduzindo à feitura de uma inscrição definitiva e posteriormente, em processo de rectificação, se conclui que tal não corresponde à verdade e que, face á descrição existente, ocorre violação do princípio do trato sucessivo, a inscrição foi indevidamente lavrada como definitiva, antes devendo tê-lo sido como provisória por dúvidas.

III – Apurando-se no processo de rectificação que a requerente daquele registo (e/ou os demais interessados) não estava(m) em condições de remover as dúvidas, por inexistência de título que permitisse a feitura das indispensáveis inscrições intermédias, o registo provisório que fosse lavrado acabaria por caducar, com a inerente inutilização da descrição feita na sua dependência.

IV – Tal inscrição foi, pois, lavrada com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado, justificando-se o seu cancelamento e a consequente inutilização da correlativa descrição.

                3. DECISÃO

                 Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

                As custas são a cargo do recorrente.

                                                                                             

Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo


[1] Refere-se à aquisição do prédio descrito – composto de parte urbana constituída por casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar, com superfície coberta de 370 m2 e descoberta de 30 m2, omisso na matriz, e de parte rústica constituída por terra de centeio, oliveiras, videiras, laranjeiras e rocha, com a superfície de 4000 m2, inscrita na matriz sob o artigo …, confrontando… – em comum e sem determinação de parte ou direito, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, figurando como sujeitos activos A…, divorciada, A…, solteiro, M…, viúva, e M…, casada, e como sujeito passivo A…, casado com M… no regime de comunhão geral.
[2] Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág.687.
[3] O que, manifestamente, não é o caso da sentença recorrida.
[4] Diploma a que pertencem as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[5] Código do Registo Predial Anotado e Comentado com Formulário, 13ª edição – 2003, pág. 164.
[6] Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial Anotado e Comentado com Formulário, 13ª edição – 2003, pág. 192.