Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
896/13.6TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.227, 334, 762 CC, DL Nº 178/86 DE 3/7
Sumário: 1. - Tratando-se de um contrato comercial atípico, o regime jurídico do contrato de concessão comercial apela, desde logo, ao clausulado contratual das partes e, no que ali não estiver previsto, ao regime do contrato de agência e, se necessário, ao regime geral dos contratos.

2. - A indemnização de clientela visa a compensação do concessionário pelas vantagens que o concedente pode continuar a obter, em termos de clientela alcançada por aquele, após a extinção do contrato.

3. - Para que seja atribuída indemnização de clientela ao concessionário não se exige que os benefícios para o concedente tenham já ocorrido, bastando que, em juízo de prognose, seja provável a sua ocorrência futura, relevando a circunstância de o concedente ficar posicionado para continuar a usufruir da atividade antes desenvolvida pelo concessionário.

4. - A equidade, como justiça do caso, é apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio.

5. - Os montantes de comissão do concessionário não coincidem com o lucro da sua atividade, visto ter este de fazer face ainda aos seus custos de comercialização (incluindo custos com trabalhadores e encargos bancários).

6. - Por isso, na aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial, para fixação de indemnização de clientela, deve atender-se, quanto ao elemento normativo “remunerações do agente”, não ao valor de comissões do concessionário, mas ao rendimento/lucro líquido obtido por este.

7. - O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, incluindo na extinção e liquidação da relação, designadamente para exercício do direito de denúncia do contrato de concessão comercial.

8. - Não é de ter por desproporcionado/desequilibrado ou contraditório – ao menos em termos clamorosamente ofensivos da boa-fé objetiva, de molde a constituir abuso do direito – o exercício do direito de denúncia pelo concedente, respeitado o prazo de pré-aviso (de seis meses) contratualmente fixado, decorridos oito anos de execução contratual sobre elevado investimento (e endividamento perante a banca) do concessionário, conhecido do concedente, para satisfação dos critérios de exigência deste quanto à sua rede de distribuição, sem que tenha sido tal concedente a incutir no concessionário a confiança em que o vínculo contratual subsistiria até ao integral reembolso do crédito bancário.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório ([1])

O (…) Lda.”, com os sinais dos autos,

intentou ([2]) ação declarativa condenatória, com processo ordinário, contra

P (…) Unipessoal, Lda.”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar-lhe:

a) A quantia de € 74.347,40, a título de indemnização de clientela, ao abrigo do disposto nos art.ºs 33.º e 34.º do D-Lei n.º 178/86, de 03-07, na redação do D-Lei n.º 118/93, de 13-04 (aplicável por analogia, correspondente à média das remunerações dos últimos cinco anos da distribuição (2007 a 2011) relativamente à distribuição dos produtos do «Ramo P (...) »;

b) A quantia de € 123.521,10, a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes para a A. da cessação antecipada do contrato entre ambas celebrado;

c) A quantia de € 1.003,46, a título de devolução da caução prestada aquando da celebração do contrato de concessão (€ 498,79), acrescido dos respetivos juros, contabilizados à taxa de 6% ao ano, desde a data dessa celebração e até à ao efetivo reembolso;

d) A quantia de € 4.000,00 ou outra a apurar em execução de sentença relativamente a comissões devidas e não pagas;

e) Juros moratórios, vencidos e vincendos, até integral pagamento, calculados sobre as indemnizações peticionadas.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- no âmbito da respetiva atividade, a A. manteve com a R., durante mais de vinte anos – até 08/06/2012 –, relações comerciais de colaboração reciproca, tendo estabelecido um acordo mediante o qual a A. foi distribuidora exclusiva de produtos da R. no concelho de Castelo Branco;

- assim, durante mais de duas décadas, a A., através de investimentos seus, angariou, fidelizou e aumentou a clientela na sua área de concessão para os produtos do ramo «P (...) »;

- porém, com efeitos a partir de 08/06/2012, a R. denunciou o contrato de distribuição que mantinha com a A., não compensando esta pela cessação da relação contratual com qualquer indemnização de clientela;

- nem a indemnizou pelos danos decorrentes daquela cessação, referentes ao incentivo e solicitação de diversos investimentos, cujo retorno ficou impossibilitado pela cessação do contrato;

- ao longo de mais de duas décadas de concessão, a A. implementou a marca P (...) em Castelo Branco e criou-lhe uma clientela fiel na sua área de concessão, mas também nos onze concelhos do distrito de Castelo Branco, e até Portalegre, Évora, Abrantes, Guarda e mesmo Viseu, contribuindo para que essa marca fosse hoje ali conhecida e reconhecida, ascendendo a milhares de clientes;

- para colocar o seu estabelecimento de acordo com as exigências da R., a A. teve de efetuar obras, suportando integralmente os respetivos custos, que ascenderam, à data, a cerca de € 70.000,00, tendo posteriormente efetuado outras obras de conservação e modernização, tudo por imposição da R., no que despendeu  cerca de € 65.000,00;

- a R. exigiu ainda, como condição da manutenção do contrato de concessão, a ampliação da loja, o que veio a determinar que a A. tivesse de mudar o seu estabelecimento para outro local, com os inerentes custos (de cessão da posição contratual do arrendamento da nova loja, que ascendeu a € 132.190,00, bem como de execução de obras em montante superior a € 200.000,00), e ainda a aquisição de diversos equipamentos, com o inerente investimento;

- com a cessação do contrato de concessão, não resta outra alternativa à A. que não seja a sua dissolução, em situação de endividamento perante a banca, endividamento esse a que se sujeitou confiando na manutenção, agora frustrada, da relação contratual;

- a A. teve ainda de suportar compensações pela cessação dos contratos com as suas colaboradoras, num custo na ordem dos € 12.000,00.

- vinha a A. auferindo de comissões uma média anual de € 136.397,50, que baixou posteriormente e foi, nos últimos cinco anos, de € 74.347,00, constituindo a denúncia do contrato antes de novembro de 2014 flagrante abuso de direito, com o prazo de denúncia contratualmente previsto (6 meses) a ser manifestamente insuficiente, cabendo à R. indemnizar a A. nos moldes peticionados.

Contestou a R., impugnando, no essencial, a factualidade alegada pela A. e concluindo pela improcedência da ação.

A A. apresentou réplica, mantendo o vertido na petição inicial.

Realizada audiência prévia, saneado o processo e fixados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à realização da audiência de discussão e julgamento.

Da sentença – proferida em 24/06/2015 – consta o seguinte dispositivo:

«… decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se condenar a Ré “P (…)Unipessoal, Lda” a pagar à A, “O (…) Lda”, a quantia de € 74.347,40 (…) a título de indemnização de clientela, a que acrescem juros de mora, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado».

Inconformada, vem a R. interpor recurso (fls. 918 e segs.), apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([3])

(…)

A A./Apelada contra-alegou, pugnando pela total improcedência deste recurso.

Tal A. veio ainda, por sua vez, interpor recurso subordinado da sentença, alegando e formulando as seguintes

Conclusões ([4])

(…)

Pugna, na procedência deste recurso, pela revogação da sentença na parte em que absolveu a Recorrida do pagamento da quantia de € 111.521,10 e sua substituição por acórdão que a condene em tal quantia.

A contraparte conclui pela total improcedência do recurso subordinado.


***

Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Por acórdão de 18/10/2016 foi ordenada a baixa do processo para complementação da fundamentação da convicção probatória, face ao âmbito da impugnação da decisão de facto, o que foi cumprido (cfr. fls. 1098 dos autos em suporte de papel).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento da matéria recursória, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito dos Recursos

Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito recursório, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([5]) –, incidindo a impugnação recursiva sobre matéria de facto e de direito, importa saber ([6]):

a) Em matéria de facto:

1. - Se deve proceder a impugnação da decisão de facto (pontos 89 dos factos provados e 3 dos não provados da sentença);

b) Em matéria de direito:

2. - Se assiste, ou não, à A. o direito a indemnização de clientela e qual o montante compensatório adequado;

3. - Se a conduta da R. de extinção de relação contratual consubstancia abuso do direito, constituindo-a no dever de indemnizar a contraparte, e qual o montante indemnizatório adequado ao respetivo dano.


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III – Fundamentação

         A) Impugnação da decisão de facto

(…)


***

 B) Matéria de facto

Após as alterações efetuadas pela Relação, é a seguinte a factualidade provada a considerar:

«1. A 8 de Junho de 1989 entre a autora e ré foi outorgado o acordo escrito junto a fls. 35 a 55, nos termos do qual, de entre o mais, que aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido, resulta que:

“(…)

Primeiro

1.1 O concessionário obriga-se a vender em exclusivo os artigos fornecidos pelo outorgante.

Para realizar as vendas o concessionário destinará a totalidade da superfície do local comercial situado em Rua P (...) Castelo Branco.

1.2 Como consequência o Concessionário

a) Renuncia de forma expressa a destinar o seu estabelecimento ao comércio de qualquer outro artigo, seja qual for o ramo ou especialidade, dedicando-se de forma exclusiva e excludente aos artigos do Outorgante.”

2. Entretanto, o mencionado acordo foi revogado em 22/07/1996, por documento particular designado de “acordo de revogação do contrato celebrado em 8 de Junho de 1989”, o qual foi junto aos autos a fls. 56, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

3. Tendo sido celebrado um segundo acordo entre a Autora e a Ré nesse mesmo dia 22/07/1996, cujas condições, conteúdo e sistematização eram em tudo semelhantes ao estabelecido no primeiro contrato, o qual se encontra junto a fls. 57 a 69, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

4. Ainda nessa mesma data (22/07/96), a Ré enviou à Autora um aditamento a alterar a redação da cláusula 15ª do contrato de concessão, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 70 e 71, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

5. Por carta datada de 5/12/2011, recebida pela autora, a ré comunicou à autora que “Ao abrigo do estabelecido na Cláusula 15ª.1 do Contrato de Concessão assinado com V. Exª a 22 de Julho de 1996 e com a redacção que lhe foi dada na carta n. refª 259/MC/tg da mesma data e assinada por ambas as partes, vimos por este meio denunciar o mencionado contrato para o termo do período actualmente em vigor, ou seja, para o próximo dia 8 de Junho de 2012. (…)”, tudo conforme documento junto aos autos a fl. 93, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

6. Tal denúncia operou os seus efeitos a 8/6/2012.

7. No último mês de contrato a autora efectuou vendas e tem comissões a receber no montante de, pelo menos, €2.291,53, e IVA no montante de € 524,40.

8. Pela cessação do acordo em causa nos autos, a autora tem direito à restituição da caução prestada no montante de €498,80, e os juros da caução contabilizados à taxa de 6% desde a data da celebração do negócio, no montante de €688,83.

9. No contrato mencionado em 1., cláusula 1.3, al. a), a Autora obrigou-se, desde 1989 até 08.06.2012, a “a) (…) enquanto esteja em vigor o presente contrato, a não ciar nem outorgar outra concessão na cidade de Castelo Branco para nenhuma loja nem armazém de venda a retalho dos artigos da sua especialidade definidos neste documento, nem a vender a nenhum grossista ou retalhista da dita praça” e na al. b), da mesma cláusula que “fica, não obstante, em completa liberdade para vender directamente a quaisquer clientes, inclusive quando estes tenham o seu domicílio dentro da área definida no presente contrato, sempre que receba directamente as encomendas dos ditos clientes na sua casa central ou em qualquer dos seus pontos de venda” (art.º 1.º da p.i. e artºs. 4.º a 8.º e 20.º e 21.º da contestação).

10. Os artigos fornecidos pela Ré à Autora compreendiam o denominado «Ramo P (...) », o qual podia ser dividido em duas grandes categorias: a série «Futura Mãe» e a série «Criança até 8 anos» (art.º 10.º da p.i).

11. A série «Futura Mãe» era composta por artigos de vestuário (roupas exteriores e interiores para mulheres grávidas, meias especializadas, entre outros) e artigos de higiene feminina (art.º 11.º da p.i.).

12. A série «Criança até 8 anos», por sua vez, era composta por diversos produtos, como sejam: (i) cesto e enxoval do recém-nascido; (ii) vestidos; (iii) roupa interior para crianças; (iv) carros de criança e seus acessórios; (v) mobiliário infantil e acessórios (colchões, almofadas, entre outros); (vi) artigos de higiene infantil; (vii) artigos de puericultura e segurança; (viii) perfumaria; (ix) livraria e (x) brinquedos (art.º 12.º da p.i.).

13. Em 1989, os produtos do «Ramo P (...) » eram praticamente desconhecidos na área de concessão da Autora, não havendo qualquer comercialização dos mesmos em Castelo Branco, não obstante a marca ser já muito conhecida noutros Países, como Espanha, e ser desejada, atenta a qualidade, variedade e novidade dos produtos comercializados (art.º 17.º da p.i. e 32.º da contestação; 22.º, 23.º e 27.º da réplica).

14. Ao longo de mais de 20 anos, a Autora, através da sua actividade de comercialização e distribuição, e ainda através publicidade, apresentações, seminários, exposições, formação e trabalho dos seus empregados, “promoveu” os produtos do «Ramo P (...) » em Castelo Branco e criou-lhe uma clientela fiel na sua área de concessão, e ainda através de diversas iniciativas de promoção da marca nos onze concelhos do distrito de Castelo Branco, e até Portalegre, Évora, Abrantes, Guarda e mesmo Viseu (até à data em que a P (...) abriu uma loja no Palácio do Gelo, naquela cidade) (artºs. 18.º e 19.º da pi).

15. Contribuindo, assim, para que a marca P (...) fosse hoje conhecida e reconhecida não só dos albicastrenses mas também dos habitantes daquelas áreas limítrofes como uma marca de referência (art.º 20.º da p.i. e art.º 25.º da Réplica).

16. Ciente do enorme esforço e dos resultados operados pela Autora, a Ré manifestou sempre grande satisfação pelo trabalho desenvolvido por aquela, tendo a loja de Castelo Branco da Autora ganho diversas ‘Menções de Ouro’ por ser das melhores lojas da rede, de acordo com os critérios definidos pela P (...) no que concerne a avaliação do cliente, resultados de inventário (art.º 23.º da p.i. e 45.º da contestação).

17. O estabelecimento comercial a que se alude no ponto n.º 1, sito na Rua P (...) , n.º 4, Castelo Branco, passou a ser detido pela A através do “contrato promessa de cessão de quotas” junto a fls. 76-78, celebrado em 23.05.1989, tendo sido desembolsado para o efeito a quantia de 5.000.000$00 na aquisição das quotas da sociedade proprietária do estabelecimento (art.º 25.º da pi. e arts. 48.º e 49.º da contestação).

18. De molde a colocar o estabelecimento de acordo com as exigências da Ré e do clausulado em 3.2. do contrato de concessão, a Autora efectuou obras naquele local e suportou integralmente os respectivos custos, os quais ascenderam, à data, a cerca de € 70.000,00 (art.º 26.º, 29.º e 30.º da p.i. e arts. 50.º e 52.º da contestação).

19.Posteriormente, ao longo da vigência do contrato de concessão, a Autora efectuou, a expensas suas, e por diversas vezes, inúmeras obras de conservação e modernização do mencionado estabelecimento, designadamente todo o sistema de iluminação, montras, tectos, obras de construção civil, madeiras, acabamentos, chão, sanitários e vestiários, entre outras (art.º 27.º da p.i.).

20. Todo o espaço foi remodelado, por duas vezes, e foram realizadas novas montras, foi introduzida ou incorporada a zona do armazém na loja, para aumentar a sua área (o que obrigou ao arrendamento de outros espaços para instalar o armazém), tudo de acordo com as necessidades da Ré e gastando para o efeito cerca de 65.000,00 €. (art.º 28.º da p.i).

21. Entretanto, por volta de 2002/2003, a Ré decidiu adoptar um conceito de lojas diferente do que até então vinha sendo seguido na sua rede, passando a pretender lojas com uma área de cerca de 500 m2 (arts. 31.º da p.i. e 56.º e 57.º da contestação).

22. Este novo conceito deveria ser seguido por todas as lojas a fim de, para além do mais, a área poder integrar os novos móveis da Ré, o que veio a determinar que a Autora tivesse de mudar o seu estabelecimento da Rua P (...) para a Av. G (...) , em Castelo Branco (arts.º 32.º e 33.ºda p.i. e arts. 63.º a 66.º da contestação).

23. Esta alteração determinou que a Autora tivesse que suportar encargos na ordem dos € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), isto com o pleno conhecimento da Directora Geral da Ré, Dra. M (...) (Art.º 34.º da p.i)

24. Por forma a que a Autora pudesse ingressar no espaço pretendido pela Ré, a Autora teve de suportar o custo da cessão da posição contratual do arrendamento desta nova loja, o qual ascendeu a € 132.190,00 (35º da p.i.).

25. Por outro lado, executou obras de remodelação e de adaptação do imóvel no montante superior a € 200.000,00 (36º da p.i.).

26. As obras executadas foram realizadas de acordo com um projecto de arquitectura e imagem feito e oferecido pela Ré à A, deixando para esta apenas o custo associado à execução do projecto (art.º 37.º da p.i. e arts. 79.º e 80.º da contestação).

27. Era da competência da A a decisão sobre os custos e a adjudicação das obras a efectuar, fazendo, no entanto a Ré simulações de rentabilidade dos custos a suportar pela concessionária (artºs. 54.º e 55.º da contestação)

28. A Autora teve que adquirir estantes apropriadas para armazenar grande variedade e quantidade de produtos, num armazém com cerca de 200 m2, assim como mesas de apoio e material de escritório, e, ainda, cacifos apropriados para a roupa (arts. 38.º a 40.ºda p.i.).

29. O mencionado material, porque estava totalmente afecto aos produtos «Ramo P (...) », é hoje completamente inútil (art.º 41.º da p.i. arts.º 84.º e 85.º da contestação).

30. De igual forma, o local onde funcionava o estabelecimento da Autora, porque se encontrava totalmente afecto à P (...) , detém naturalmente características muito próprias da P (...) , seja ao nível da arquitectura interior seja ao nível da sua área (mais de 500 m2), o que dificulta consideravelmente a sua colocação no mercado (art.º 42.º da p.i.).

31.Para dar cumprimento às pretensões da Ré, a Autora viu-se obrigada a endividar-se junto de uma instituição bancária, por cerca de dez anos, tudo com o conhecimento da identificada Directora Geral da Ré, (…)(art.º 44.º da p.i.).

32. Em 8/06/2012, data da revogação do contrato de concessão, a Autora detinha nos seus quadros 3 trabalhadoras, (…) (art.º 45.º da p.i.).

33. Todas as colaboradoras da Autora receberam formação adequada e direccionada para a venda de produtos do «Ramo P (...) » (art.º 46.º da p.i.).

34. Na sequência da denúncia do contrato de concessão, a Autora foi forçada a cessar os contratos de trabalho com as mencionadas funcionárias, uma vez que o negócio deixou de existir (art.º 49.º da p.i.).

35. O que implicou que a Autora tivesse de efectuar pagamentos de compensações pela cessação dos aludidos contratos um custo na ordem dos € 12.000,00 (art.º 50.º da p.i.).

36. Ao longo de mais de 23 anos, a Autora marcou presença em diversos seminários, convenções e reuniões de médicos (Castelo Branco, Proença-a-Nova, Covilhã), feiras (Castelo Branco, Covilhã), infantários e escolas primárias e em algumas empresas, patrocinando as suas festas de Natal e diversos espectáculos públicos, sendo a Ré quem custeou, tais iniciativas e o P (...) Card (artºs. 51.º e 52.º da p.i. e 42.º da contestação).

37. Os resultados obtidos pela Autora durante os últimos dez anos de contrato de concessão foram os seguintes:

ANO    VENDAS    CUSTO    COMISSÃO

2002  € 665.470  € 525.977  € 139.493

2003  € 637.473  € 502.804  € 134.668

2004  € 625.558  € 493.314  € 132.245

2005  € 600.123  € 460.940  € 139.184

2006  € 561.005  € 436.030  € 124.975

2007  € 453.381  € 345.631  € 107.750

2008  € 310.020  € 244.759  € 65.261

2009  € 332.137  € 262.604  € 69.533

2010  € 326.628  € 257.956  € 68.672

2011  € 298.970  € 238.449  € 60.521 (art.º 53 da p.i).

38. A descida das vendas a partir de 2006, deveu-se, para além de outros factores relacionados com a crise económica nacional e internacional desde 2008 (aumento da taxa de desemprego e baixa taxa de natalidade e concorrência com marcas com preços mais competitivos), à alteração da localização do estabelecimento da A, às novas políticas da Ré, sendo uma das mais prejudiciais a da Rotação de Stocks, internamente chamada de “clusterização”, sendo a Ré quem decidia as quantidades e tipos de produtos que eram colocados ao dispor da loja, sem ter em consideração a dimensão do mercado e da loja, a sua localização, a proximidade de outras lojas (arts.º 55.º, 56.º da p.i. e artºs. 123.º a 125.º, 127.º, 130.º a 137.º da contestação).

39. As decisões tomadas pela Ré de forma avulsa, eram muitas das vezes alteradas logo de seguida: a título de exemplo, menos de um ano antes da rescisão do contrato com a Autora, a Ré efectuou um “rebranding” do seu logotipo, investindo em rótulos, elementos de decoração, com vista a uma renovação da marca e a atrair clientes, com custos que ascenderam a € 11.595,58, e designadamente na loja de Castelo Branco, encerrando-se o estabelecimento poucos meses após este investimento (art.º 57.º da p.i. e artºs. 139.º e 140.º da contestação).

40. A partir de 2008, a Ré começou a realizar vendas pela internet (art.º 58.º da p.i. e 141.º e 146.ºda contestação).

41. A Autora contraiu um empréstimo no montante de € 250.000,00 (que corresponde ao empréstimo n.º 0003 00382183096) e outro no montante de € 200.000,00 (que corresponde ao empréstimo n.º 0003 00382100096), ambos com o propósito de suportar, por um lado, o custo com o trespasse do novo espaço pretendido pela Ré e, por outro, o custo com a implementação do projecto de obras pretendido e requerido pela Ré (artºs. 60.º e 61.º da p.i.).

42. Estes empréstimos foram contraídos pela A no pressuposto de que, independentemente do que vinha escrito nos contratos de concessão, a relação comercial entre a Autora e a Ré se mantivesse, pelo menos, até ao termo dos contratos de financiamento, ou seja, até Novembro de 2014, nisso confiando (arts.º 62.º e 63.º da p.i. e 50.º e 58.º da réplica).

43. Isso mesmo foi transmitido na altura à então Directora da Ré, (…) (art.º 64.º da p.i.).

44. À data da cessação do contrato de concessão, a Autora detinha ainda uma dívida perante a mencionada instituição bancária na ordem dos € 67.888,50, referente ao primeiro contrato de empréstimo atrás identificado, e € 54.310,88 relativamente ao segundo (art.º 66.º da p.i.).

45. Com a cessação do contrato, a Autora ficou desde logo desprovida dos meios financeiros para pagar os dois empréstimos contraídos com o Banco S (...) para fazer face aos investimentos pretendidos pela Ré, os quais, à data da cessação do contrato de concessão, registavam ainda um montante em dívida na ordem dos € 122.199,38 (art.º 76.º da p.i.).

46. E impediu a Autora de fazer cessar os contratos de trabalho de uma forma faseada e controlada, o que implicou que esta tivesse, de repente, de se confrontar com a obrigação de pagar as compensações às suas trabalhadoras e acima mencionadas (art.º 77.º da p.i.).

47. Após a cessação do referido contrato, a Autora não comprou à Ré nem vendeu aos clientes da Ré que angariou e fidelizou qualquer produto desta marca (art.º 109.º da p.i.).

48. Desde aquela data, a Autora deixou de exercer qualquer actividade de distribuidora da P (...) (art.º 110.º da p.i.).

49. As formações dos trabalhadores da A foram ministradas pela própria R. por altura da preparação da abertura da loja, e com os custos suportados por esta, sendo a formação posterior das vendedoras da loja de Castelo Branco contínua, de 15 em 15 dias, e ministrada pela Autora, a expensas desta e de sua exclusiva responsabilidade, e foi essa formação que permitiu que essas vendedoras participassem e dirigissem os encontros maternais e de segurança que a Autora promovia para clientes (art.º 47.º da p.i. e arts.º 10.º e 34.º da contestação e arts. 31.º, 33.º e 35.º da Réplica).

50. A P (...) procedeu ao registo e aprovação do contrato aludido no ponto n.º 3, na Comissão Europeia, Direcção Geral da Concorrência art.º 25.º da contestação).

51. A P (...) iniciou a sua actividade comercial em Portugal no ano de 1988, com a abertura de duas lojas próprias, designadamente em Lisboa, na Rua do C (...) , e no Porto, na Rua J (...) (art.º 26.º da contestação).

52. No ano de 1989 a R. abriu novas lojas em Portugal Continental (art.º 27.º da contestação).

53. Designadamente em Lisboa, em Alvalade, em Março de 1989, em Cascais, em Julho de 1989, em Portimão, em Setembro de 1989, em Castelo Branco, em Outubro de 1989 e em Braga, em Novembro de 1989 (art.º 28.º da contestação).

54. A P (...) é uma marca multinacional que tem uma existência de 50 anos em Espanha e Itália (art.º 29.º da contestação).

55. Entre o ano de 1989 e o ano de 2012, a R. procedeu a despesas e investimentos em catálogos, anúncios em revistas da especialidade, cartazes, na rádio, cartas às clientes, envio de sms às clientes, cartões de cliente e artigos, fazendo constar nas declarações anuais de informação contabilística e fiscal, via internet, sob a rúbrica “publicidade e propaganda” os seguintes valores:

- 2001 _ € 907.673,73

- 2002 _ € 939.741,20

- 2003 _ € 910.351,81

- 2004 _ € 849.578,68

- 2005 _ € 654.916,24

- 2006 _ € 687.587,60

- 2007 _ € 557.708,32

- 2008 _ € 680.152,90

- 2009 _ € 632.826,90

- 2010 _ € 713.358,10

- 2011 _ € 1.000.902,47

- 2012 _ € 181.498,83 (arts.º 30.º e 31.º da contestação).

56. Desde o ano de 1988 até 2011, entre estabelecimentos próprios e concessionados, a R. teve em Portugal os seguintes:

a) – Ano 1988 ____Lisboa, Rua do C (...)

____ Porto, J (...)

b) – Ano 1989 ____ Lisboa,

____ Cascais Shopping

____ Portimão

____ Castelo Branco

____ Braga

c) _ Ano 1990 ____ Cacém

____ Setúbal

____ Faro

d) _ Ano 1995 ____ Funchal

____ Aveiro

____ Leiria

e) _ Ano 1996 ____ Porto, Arrábida

f) _ Ano 1997 ____ Lisboa, Colombo

g) _ Ano 1998 ____ Porto, Norte shopping

h) _ Ano 1999 ____ Coimbra Fórum

____ Lisboa, Vasco da Gama

i) _ Ano 2002 ____ Lisboa, Almada

j) _ Ano 2003 ____ Porto, Parque Nascente

____ Açores, Ponta Delgada, Parque Atlântico

k) _ Ano 2007 ____ 8ª.Avenida, São João da Madeira

____ Alfragide, Allegro

l) _ Ano 2008 ____ Matosinhos, Mar Shopping

m) _ Ano 2011 ____ Sintra

____ Alcochete

____ Montijo (art.º 35.º da contestação)

57. Durante o período de 23 anos em que perdurou o contrato de concessão entre A. e R., o estabelecimento da primeira teve milhares de clientes (art.º 40.º da contestação).

58.Quer durante a vigência do contrato de concessão entre A. e R., quer após a sua cessação, a R. não abriu qualquer outra concessão ou estabelecimento na cidade de Castelo Branco nem, tão pouco, no distrito de Castelo Branco (art.º 43.º da contestação).

59. O estabelecimento comercial aludido no ponto n.º 1 tinha uma área aproximada de 210m2, sendo que desta, apenas 123m2 se destinavam a venda, e a remanescente área a escritórios e armazém (art.º 47.º da contestação).

60. No ano 2011 a R. decidiu abrir dois estabelecimentos próprios com áreas de cerca de 1.000m2, designadamente em Sintra e Montijo (art.º 58.º da contestação).

61. O novo conceito de lojas e da marca P (...) , como marca multinacional, foi criado em termos internacionais (art.º 59.º da contestação).

62. Desde o ano de 1989 e, pelo menos, até 28 de Novembro de 2012, a sociedade O (…) Lda., ora A., tinha o capital social de € 20.000,00, repartido em duas quotas, sendo uma da Sra. A (...) , no montante de €10.134,00 e outra de (…), no montante de €9.866,00 (art.º 72.º da contestação).

63. A referida sociedade, ora A., obrigava-se pela assinatura de dois gerentes, sendo essa gerência exercida por todos os sócios (art.º 73.º da contestação).

64. Para além do projecto, a R. teve um custo na ordem dos €84.136,41 com mobiliário e equipamento informático que colocou à disposição da A. para o estabelecimento identificado no ponto n.º 22 (art.º 81.º e 82.º da contestação).

65. A R. não criou nem outorgou qualquer outra concessão na cidade de Castelo Branco para nenhuma loja ou armazém de venda a retalho dos artigos da sua especialidade nem, tão pouco, se encontra a vender a nenhum lojista ou retalhista da dita praça (art.º 144.º da contestação).

66. Quando se efectuam descontos na loja on-line, os mesmos incidem, quase sempre, sobre produtos de venda exclusiva da loja online e que não se encontram nos estabelecimentos., só em casos muito excepcionais e pontuais se efectuam descontos sobre artigos que se encontram nos estabelecimentos (art.ºs 147.º 148.º da contestação).

67. Porém, e mesmo nestes casos, os custos de gastos de envio, que se cifram entre os €15,00 e os €30,00 consoante o tipo de produto, acabam por tornar o produto mais caro ao cliente que o pretenda adquirir on-line, em comparação à sua aquisição no estabelecimento (art.º 149.º da contestação).

68. A loja on-line da P (...) dispõe de um serviço de reserva e de recolha que tem por função principal atrair os consumidores aos diversos estabelecimentos situados no Território Nacional, e que se encontrem mais próximos desses consumidores (art.º 150.º da contestação).

69. Através desse serviço, o consumidor elege e reserva na loja on-line o produto que deseja, bem como o estabelecimento onde efectuará a compra (art.º 151.º da contestação).

70. O estabelecimento recebe esse pedido e reserva o artigo para proceder à venda do mesmo quando o cliente se deslocar à loja (art.º 152.º da contestação).

71. Assim, e por esta via, o estabelecimento da A., bem como os restantes da rede, receberam visitas de consumidores que não são clientes habituais da R. e que, não só adquiriram o produto reservado como, muitas das vezes, adquirem outros produtos que se encontram no estabelecimento (art.º 153.º da contestação).

72. A venda on-line efectuada através desses serviços de “reserva e recolha” é imputada ao estabelecimento onde a venda for efectuada, com o consequente direito à margem por parte do concessionário (art.º 154.º da contestação).

73. O referido “sitio” onde se efectuam as vendas via internet oferece, ainda, outras vantagens aos concessionários (art.º 155.º da contestação).

74. De entre estas salienta-se o serviço Google Maps, que facilita ao cliente perceber onde se encontra a loja mais próxima, morada, contacto telefónico, coordenadas e indicações, permite ainda conhecer os horários da loja e métodos de pagamento utilizados, as promoções em vigor nas lojas, quais os artigos com desconto e oportunidades, informação sobre os encontros maternais, etc., etc (art.º 156.º da contestação).

75. O “sitio” constitui, também, uma ferramenta de enorme importância para divulgação da marca P (...) , potenciando a aquisição de novos clientes para os estabelecimentos mais próximos das suas residências (art.º 157.º da contestação).

76. A Sra.(…)sempre reduziu a escrito todos os acordos celebrados na R., incumbindo o advogado da R. de os efectuar e, por si só, não obrigava a R. (art.ºs. 170.º e 171.º da contestação)

77. A R. obrigava-se com a assinatura de dois gerentes ou a assinatura de um gerente e um procurador, nos termos e limites do mandato (art.º 172.º da contestação).

78. No momento da cessação do contrato, foi efectuado um inventário de toda a mercadoria existente no estabelecimento da A., a qual estava à consignação no mencionado estabelecimento da A (arts. 215.º e 216.º da contestação).

80. Tendo sido detectada uma diferença de inventário de € 8.603,13 (art.º 219.º da contestação).

81. Em 29 de Junho de 2012 a R. enviou à A. a liquidação do inventário efectuado após a cessação do contrato de cessação (art.º 220.º da contestação).

92. Nessa carta a R. concedeu à A. um prazo de 30 dias para esta justificar as faltas apuradas (art.º 221.º da contestação).

82. Por carta datada de 20 de Julho de 2012, mas apenas recepcionada em 27 de Julho de 2012, a A. respondeu à carta da R. de 29 de Junho de 2012, insurgindo-se com tal resultado (art.º 222.º da contestação).

83. Já em 23 de Julho de 2012, e ainda antes de haver recepcionado a carta da A., a R. remeteu-lhe a carta junta a fls. 208, onde comunica à A., no que diz respeito à diferença de inventário, que a R. apenas a iria debitar pelo valor excedente ao habitualmente apurado a esse título, tendo por base a média dos últimos 4 anos, bem assim, ter sido efectuada a compensação entre os créditos de ambas as empresas, tendo o saldo apurado resultado em €0,00 (arts.º 223.º a 225.º da contestação).

84. A R. não tem qualquer estabelecimento ou concessionário em Belmonte, Covilhã, Fundão, Penamacor, Idanha-a-Nova, Vila Velha de Rodão, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei, situando-se o estabelecimento ou concessionário da R. mais próximo de Castelo Branco em Coimbra (arts. 237.º e 238.º da contestação).

85. Entre 01 de Abril de 2011 a 30 de Junho de 2012 as vendas de artigos P (...) através da internet (e-commerce) no distrito de Castelo Branco, ascenderam a €4.796,83, e corresponderam a 107 produtos (art.º 240.º da contestação).

82[-A]. Essas mesmas vendas no período de 01 de Junho de 2012 a 01 de Junho de 2013, ou seja, no decorrer de um ano, ascenderam a €7.693,61 (art.º 241.º da contestação).

83[-A]. E no período de 01 de Janeiro a 08 de Junho de 2012 a A. efectuou vendas de € 192.000,00 (art.º 254.º da contestação).

84[-A]. A Autora aceitou o contrato de concessão e investiu na marca P (...) : por acreditar no potencial desta em Portugal (art.º 24.º da Réplica).

86. As trabalhadoras da A eram pessoas empenhadas, simpáticas com a clientela e formavam uma boa equipa de vendas (artºs. 29.º e 36.º da réplica).

87. O que implicava que a Autora aproximava o público-alvo da loja (famílias) e dos produtos da Ré, demonstrando não só a utilidade dos mesmos, mas também que a preocupação da marca não era apenas fazer negócio: antes passou a imagem de uma P (...) que queria contribuir activamente para o sucesso das suas responsabilidades parentais – uma P (...) pessoalmente investida na felicidade dos clientes (art.º 34.º da Réplica).

88. Foi a Ré quem ficou a controlar todos os dados de clientes recolhidos pela Loja de Castelo Branco (identidade, telefone, morada e e-mail), os quais utiliza para contactos para divulgação dos seus produtos (arts.º 40.º e 41.º da Réplica).

89. A R. detinha, no seu sistema informático, os dados dos clientes, designadamente os fidelizados pela A., usando-os para, designadamente, campanhas promocionais. [alterado]».

E são os seguintes os factos julgados não provados:

«1. Pela circunstância de o negócio não libertar as receitas necessárias para fazer face aos compromissos assumidos pela Autora, as sócias da Autora viram-se forçadas a efectuar suprimentos na Autora na ordem dos € 112.908,94, os quais não foram, até à presente data, reembolsados (arts. 67.º e 68.º da p.i.).

2. A Ré despendeu em publicidade nos anos de 1989 a 2000 os valores mencionados no art.º 30.º da contestação, bem assim, os valores ali mencionados com referência aos anos de 2001 a 2012 (parte do art.º 30.º da contestação).

3.[suprimido].

4. A Autora foi informada de que em 2011 e 2012 o sistema informático da Ré teve vários problemas, entre os quais se detectou um que consistia na duplicação pelo sistema de algumas das existências – fazendo com que inventário fictício, nunca entregue às concessionárias, aparecesse em falta no sistema informático da P (...) (art.º 17.º da Réplica).

5. A R. não foi consultada sobre o custo de quaisquer obras que a A. tenha realizado (parte dos art.º 54.º e 55.º da contestação)».


***

C) O Direito

1. - Do direito a indemnização de clientela e adequado montante compensatório

1.1. - A primeira questão de direito coloca-se, pois, em sede de indemnização de clientela, que foi concedida na sentença, perante pedido indemnizatório da A./Apelada, com o que se não conforma a R./Apelante.

Já se viu quais os requisitos legais do direito a indemnização de clientela, à luz do disposto no art.º 33.º do DLei n.º 178/86, de 03-07, alterado pelo DLei n.º 118/93, de 13-04, sendo que, como as partes aceitam e é jurisprudência pacífica, este regime legal, característico do contrato de agência, é aplicável, com as devidas adaptações, aos contratos de concessão comercial ([7]), como o dos autos ([8]).

Na verdade, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que, tratando-se de um contrato comercial atípico, o regime jurídico do contrato de concessão comercial se define pelo apelo, desde logo, ao clausulado contratual das partes e, quanto ao que ali não estiver previsto, pela aplicação, sucessivamente, do regime do contrato de agência, constante do dito DLei n.º 178/86, e do regime geral dos contratos ([9]).

É também líquido, perante este enquadramento, que «O direito de indemnização por clientela corresponde a uma compensação da concessionária pelas vantagens de que a concedente pode continuar a beneficiar mesmo depois da extinção do contrato, aplicando-se-lhe o preceituado no art. 33º, nº 1, do Dec. Lei nº 178/86, quanto aos pressupostos desse direito», com virtualidade de aplicação ao contrato de concessão, «atento o leque e a amplitude das tarefas assumidas e o nexo funcional que une os sujeitos. Afinal, prosseguindo o concessionário objectivos relacionados com a distribuição ou venda dos produtos ou com a prestação de serviços, a sua actividade é susceptível de se projectar também positivamente na esfera do concedente». Assim, o reconhecimento do direito de indemnização de clientela do concessionário depende de: «a) Ter o concessionário angariado novos clientes para a concedente ou ter aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) Verificar-se que, após a cessação do contrato, o concedente beneficiará consideravelmente da actividade desenvolvida pelo concessionário» ([10]).

A R./Apelante defende que, no caso, não logrou a Demandante provar quaisquer factos demonstrativos do requisito da al.ª b) do n.º 1 do citado art.º 33.º, ou seja, que a concedente (R./Recorrente) tenha beneficiado consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pela concessionária (A./Recorrida).

Na sentença exarou-se a seguinte fundamentação jurídica:

«… logrou a A provar que contribuiu de forma relevante para a angariação da clientela da marca da A. É certo que também resulta provado que se tratava de uma marca multinacional com uma existência de 50 anos em Espanha e Itália (ponto n.º 54) e que despendeu muitas verbas de dinheiro em publicidade (ponto n.º 55), mas também é certo que em 1989, os produtos do “Ramo P (...) ” era[m] praticamente desconhecidos, tendo a A, ao longo de mais de 20 anos, através da sua actividade de comercialização e distribuição, bem assim, através de publicidade, apresentações, seminários, exposições, formação e trabalho dos seus empregados, não só promoveu os seus produtos como lhe criou e fidelizou uma clientela de forma relevante. É de notar que é a própria Ré quem, no art.º 40.º da contestação, ressalta a circunstância de que durante o período em que perdurou o contrato de concessão entre A e R, o estabelecimento da primeira teve milhares de clientes.

Por outro lado, e tendo-se provado que a Ré ficou com todos os dados dos clientes recolhidos na loja da A e os utiliza para contactar para divulgação dos seus produtos (ponto n.º 88), resulta igualmente provado o segundo dos requisitos mencionados.».

Vejamos.

Quanto à atividade de angariação de clientela através de esforço continuado da concessionária, vem provado que:

- Em 1989, os produtos do «Ramo P (...) » eram praticamente desconhecidos na área de concessão da A., não havendo qualquer comercialização dos mesmos em Castelo Branco, não obstante a marca ser já muito conhecida noutros Países, como Espanha, e ser desejada, atenta a qualidade, variedade e novidade dos produtos comercializados (ponto 13 dos factos provados);

- Ao longo de mais de 20 anos, a A., através da sua atividade de comercialização e distribuição, e ainda através publicidade, apresentações, seminários, exposições, formação e trabalho dos seus empregados, “promoveu” os produtos do «Ramo P (...) » em Castelo Branco e criou-lhe uma clientela fiel na sua área de concessão, e ainda através de diversas iniciativas de promoção da marca nos onze concelhos do distrito de Castelo Branco, e até Portalegre, Évora, Abrantes, Guarda e mesmo Viseu (até à data em que a P (...) abriu uma loja no Palácio do Gelo, naquela cidade) – facto do ponto 14);

- Contribuindo para que a marca “P (...) ” fosse hoje conhecida e reconhecida não só dos albicastrenses mas também dos habitantes daquelas áreas limítrofes como uma marca de referência (facto 15);

- Ciente do enorme esforço e dos resultados operados pela A., a R. manifestou sempre grande satisfação pelo trabalho desenvolvido por aquela, tendo a loja de Castelo Branco da A. ganho diversas ‘Menções de Ouro’ por ser das melhores lojas da rede, de acordo com os critérios definidos pela “P (...) ” no que concerne a avaliação do cliente, resultados de inventário (facto 16);

- De molde a colocar o estabelecimento de acordo com as exigências da R. e do clausulado contratual, a A. efetuou obras naquele local e suportou integralmente os respetivos custos, os quais ascenderam, à data, a cerca de € 70.000,00 (facto 18);

- Posteriormente, ao longo da vigência do contrato de concessão, a A. efetuou, por diversas vezes, obras de conservação e modernização do estabelecimento, a expensas suas (facto 19);

- Todo o espaço foi remodelado, por duas vezes, e foram realizadas novas montras, foi introduzida ou incorporada a zona do armazém na loja, para aumentar a sua área (o que obrigou ao arrendamento de outros espaços para instalar o armazém), tudo de acordo com as necessidades da R. e gastando para o efeito cerca de 65.000,00 € (facto 20);

- Ao longo de mais de 23 anos, a A. marcou presença em diversos seminários, convenções e reuniões de médicos (Castelo Branco, Proença-a-Nova, Covilhã), feiras (Castelo Branco, Covilhã), infantários e escolas primárias e em algumas empresas, patrocinando as suas festas de Natal e diversos espetáculos públicos, sendo a R. quem custeou tais iniciativas e o “P (...) Card” (facto 36);

- As formações dos trabalhadores da A. foram ministradas pela própria R. por altura da preparação da abertura da loja, e com os custos suportados por esta, sendo a formação posterior das vendedoras da loja de Castelo Branco contínua, de 15 em 15 dias, e ministrada pela A., a expensas desta e de sua exclusiva responsabilidade, e foi essa formação que permitiu que essas vendedoras participassem e dirigissem os encontros maternais e de segurança que a A. promovia para clientes (facto 49);

- Durante o período de 23 anos em que perdurou o contrato de concessão entre A. e R., o estabelecimento da primeira teve milhares de clientes (facto 57);

- A R. não tem qualquer estabelecimento ou concessionário em Belmonte, Covilhã, Fundão, Penamacor, Idanha-a-Nova, Vila Velha de Rodão, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei, situando-se o estabelecimento ou concessionário da R. mais próximo de Castelo Branco em Coimbra (facto 84);

- As trabalhadoras da A. eram pessoas empenhadas, simpáticas com a clientela e formavam uma boa equipa de vendas (facto 86);

- O que implicava que a A. aproximava o público-alvo da loja (famílias) e dos produtos da R., demonstrando não só a utilidade dos mesmos, mas também que a preocupação da marca não era apenas fazer negócio: antes passou a imagem de uma P (...) que queria contribuir ativamente para o sucesso das suas responsabilidades parentais (facto 87).

Dúvidas não podem restar, ante este factualismo provado, quanto à relevância da vasta e continuada atividade de angariação de clientes pela A., com o que só pode concordar-se com a argumentação da sentença nesta parte.

Quanto, por sua vez, ao benefício futuro para a concedente decorrente de tal atividade desenvolvida pela concessionária, temos que:

- Após a cessação do contrato, a A. não comprou à R. nem vendeu aos clientes da R. que angariou e fidelizou qualquer produto desta marca (facto 47);

- Desde aquela data, a A. deixou de exercer qualquer atividade de distribuidora da P (...) (facto 48);

- A R. ficou a controlar todos os dados de clientes recolhidos pela Loja de Castelo Branco (identidade, telefone, morada e e-mail), os quais utiliza para contactos para divulgação dos seus produtos (facto 88);

- A R. ficou a deter, no seu sistema informático, os dados dos clientes, designadamente os fidelizados pela A., usando-os para, designadamente, campanhas promocionais (facto 89).

Quer dizer, afastada a A., a partir da cessação de contrato que unia as partes, a R. não perdeu os meios de contacto com a vasta clientela angariada e fidelizada em resultado da atividade da Demandante, posto que ficou com o controlo dos dados dos clientes recolhidos pela Loja de Castelo Branco (identidade, telefone, morada e e-mail), utilizando-os para contactos de divulgação dos seus produtos e campanhas promocionais, dispondo desses dados no seu sistema informático, permitindo-lhe, assim, facilmente chegar a esses clientes, designadamente para efeitos de vendas à distância (através da internet), tornando dispensável o concessionário local.

Dúvidas não podem restar, pois, salvo o devido respeito, de estar a R./Apelante (concedente) em posição de (poder) beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pela concessionária (A./Recorrida), independente do valor, maior ou menor, das vendas à distância conseguido, transitoriamente, no curto prazo subsequente à extinção da relação contratual ([11]), pois que importa, desde logo, estabelecer um juízo de prognose de que resulte, como na situação dos autos, uma clara probabilidade de que, em condições de normalidade, os benefícios virão a ocorrer  ([12]) ([13]).

Donde que deva concordar-se com a conclusão da sentença quanto à verificação dos pressupostos do direito a indemnização de clientela, improcedendo, salvo o devido respeito, a argumentação da R./Apelante em contrário.

1.2. - Quanto ao adequado montante indemnizatório, se a sentença quantificou a compensação, à luz do disposto no art.º 34.º do diploma legal mencionado, na quantia de € 74.347,40 ([14]), como peticionado pela A., tendo em conta a média anual de remunerações recebidas, a R./Apelante contrapõe que não foi feita a adequada ponderação de todas as circunstâncias relevantes do caso à luz dos critérios da equidade, antes se acolhendo o montante máximo da bitola legal, quando é certo que também a R. contribuiu, suportando elevados custos, para a alcançada angariação de clientes da loja de Castelo Branco (designadamente, com ações publicitárias, promocionais, de marketing e de formação por si realizadas/suportadas, para além do importante poder atrativo da marca) e que foram muito baixas as vendas alcançadas após a cessação do contrato, tornando irrisórios os benefícios da R./Recorrente, a não dever, também por isso, ser sacrificada com uma tão elevada indemnização de clientela.

E acrescenta tal Recorrente que não poderia fazer-se – como fez a sentença – uma correspondência exata entre comissões da A./Apelada e lucros da mesma, pois que o respetivo lucro é determinado pelo valor das receitas (comissões) deduzido de todas as despesas a seu cargo no exercício da sua atividade (rendas com o arrendamento do espaço da loja, custos com trabalhadores e encargos bancários), desconhecendo-se, in casu, à míngua de factos (não alegados), se a concessionária alcançava lucros e em que montante.

Dispõe aquele art.º 34.º que a indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos.

Assim, o Tribunal recorrido fixou a compensação ([15]) no montante/limite máximo previsto pela lei.

Imporá a equidade, reportada à justiça do caso, vistas as circunstâncias deste, a fixação de um montante inferior? Ou, por falta de factos, não deverá atribuir-se indemnização alguma?

Quanto à equidade, como justiça do caso, vem sendo entendido que ela se mostra apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica – permitindo parâmetros de julgamento para além dos limites da legalidade estrita –, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ([16]).

Neste âmbito, concorda-se que a sentença em crise, concedendo o montante que vinha peticionado, se cingiu, como refere a R./Apelante, ao critério da média anual de remunerações/comissões auferidas nos cinco anos antecedentes ao terminus do contrato.

Ora, salvo o devido respeito, a equidade, demandando a ponderação de todas as circunstâncias relevantes do caso concreto, em termos de razoabilidade e equilíbrio, aconselharia à valoração de elementos a que alude a R./Apelante, a qual, como resulta da factualidade apurada, também contribuiu ativamente para a captação de clientela, seja suportando custos, designadamente, com ações publicitárias, promocionais e de formação (cfr., entre outros, os factos 36, 49 e 55), seja pelo consabido poder atrativo da marca – de si bem conhecida – e vantagens por esta proporcionadas (cfr., entre outros, os factos 51 a 54, 56, 64 e 68 a 75).

Donde a conclusão no sentido de deverem estes elementos ser objeto de valoração para determinação em concreto da discutida compensação.

Quanto, agora, à pretendida exclusão da compensação por falta de factos de suporte quantitativo, tem de concordar-se que dos autos não constam – alegados nem provados – factos demonstrativos do montante dos lucros líquidos da A., mas apenas o valor anual das comissões (do ponto 37 constam os valores anuais de “vendas”, “custo” e “comissões”, correspondendo estas últimas aos montantes que a R. prestava à A. perante os valores de vendas conseguidos, deduzido o valor do custo).

E, assim sendo, tem de concordar-se que os montantes apurados de “comissão” não coincidem com o lucro da concessionária ([17]), posto que esta tinha ainda de fazer face, como chama a R./Apelante à colação, aos custos da sua atividade de comercialização, incluindo custos com trabalhadores e encargos bancários.

Na verdade, se o “contrato de concessão comercial envolve uma relação contratual duradoura entre o concedente e o concessionário, em que este actua em nome e por conta própria, obrigando-se a promover a revenda dos produtos daquele na zona a que se reporta, e o último a celebrar com o primeiro sucessivos contratos de compra e venda e a fornecer-lhe alguns dos meios necessários ao exercício da sua actividade”, também vem sendo entendido que a “aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial implica que a expressão retribuição do agente seja entendida como o rendimento líquido auferido pelo concessionário no exercício da sua actividade comercial no mencionado período” ([18]).

Donde que a comissão do concessionário não constitua equivalente, para o efeito em causa, à retribuição do agente (esta a corresponder ao ganho decorrente da sua atividade), havendo de alcançar-se o montante do rendimento obtido pelo concessionário, o seu rendimento líquido ou lucro líquido ([19]), obrigando, pois, à dedução dos custos da sua atividade, embora com o possível tempero da equidade, sem o que não é possível estabelecer o limite máximo de compensação de clientela a considerar.

É certo que no caso não vem apurado factualismo que permita, mediante cálculo aritmético, determinar os custos concretos da atividade de comercialização da A. no período em causa, apenas se dispondo do quantum das respetivas comissões anuais, sendo que o lucro líquido teria de ser significativamente inferior ao valor dessas comissões (perante a necessária dedução daqueles custos, designadamente com trabalhadores e encargos bancários).

Mas – repete-se – estamos num campo onde tem largamente de operar a equidade, parecendo-nos consentâneo com as exigências e flexibilidade inerentes ao juízo de equidade, vistas as circunstâncias do caso concreto – mormente o largo tempo de duração da relação contratual de distribuição, o modo empenhado como a A. desenvolveu a sua atividade, o que lhe conferiu reconhecimento, bem como o investimento realizado para o exercício da sua atividade comercial de distribuidora, e, por outro lado, a notoriedade da marca da R. e seu poder atrativo, a publicidade por esta realizada e os apoios que concedeu à distribuidora –, o critério que passa pela ponderação do lucro líquido da A./concessionária extrapolado em metade a partir da média da margem bruta de comercialização (comissão apurada), isto é, a mesma bitola acolhida no mencionado Ac. STJ de 12/05/2016.

A esta luz, considera-se adequada a indemnização de clientela no montante de € 37.173,70, termos em que procede parcialmente a apelação da R., havendo de alterar-se em conformidade a decisão recorrida.

2. - Do abuso do direito de extinção da relação contratual e decorrente dever indemnizatório

O Tribunal a quo não concedeu a pretendida indemnização por abuso do direito de extinção do vínculo contratual, extinção essa operada de acordo com o clausulado do contrato.

No seu recurso subordinado, esgrime a A./Recorrente que, para satisfazer as pretensões da R./Recorrida, tinha celebrado em novembro de 2004 dois contratos de mútuo necessários ao investimento a fazer (quase meio milhão de euros), confiando poder vir a amortizar tais investimentos, o que era do conhecimento da contraparte, a qual, por outro lado, premiava a atuação da Recorrente e a sua equipa de vendas.

Acrescenta que foram 23 anos de excelente relacionamento, confiando a concessionária que o relacionamento entre as partes não acabaria de forma tão abrupta, sendo prepotente, injustificado e desproporcionado um aviso de extinção contratual no último dia do prazo, o que fere o sentido de justiça e de boa-fé e confiança que se esperaria, mormente atendendo aos ditos investimentos realizados e ainda não amortizados.

Na sentença, por sua vez, depois de abundante e pertinente enquadramento jurídico, assumiu-se a seguinte perspetiva:

«A A reconduz a violação do princípio da boa fé à observância por parte da Ré do prazo de denúncia (6 meses) por ambas convencionado, por entender ser manifestamente insuficiente em face dos interesses em presença, designadamente neste tipo de contratos de duração duradoura.

De todo modo, uma coisa é certa, mesmo que a A visse cessado o contrato em Novembro de 2014, como diz dever ter sido, ou noutra data qualquer, sempre teria que suportar os custos com a cessação dos contratos de trabalho com as suas trabalhadoras, de forma faseada ou não. Portanto, esta questão é irrelevante para a questão que agora nos ocupa.

Quanto ao pagamento dos empréstimos que contraiu na banca para fazer face ao trespasse do novo espaço e à implementação do projecto de obras, já a solução não é tão líquida.

Com efeito, os contratos de mútuo foram celebrados em 05.11.2004. Desta data até à data da cessação do contrato – 08.06.2012, decorreram 8 anos, pelo que, neste conspecto, não nos parece podermos falar num corte abrupto, pois, afinal, já haviam decorrido vários anos desde a data do investimento, com as respectivas amortizações. Mas será que a Ré deveria esperar até que a A terminasse a amortização completa de tal financiamento?

Ou melhor, há desproporcionalidade entre o exercício do direito de denunciar o contrato por parte da Ré, direito que d[e]corre da cláusula 15.ª.1 do contrato celebrado, e a situação em que a A fica com a cessação do contrato? Designadamente, com o encargo de pagar ao Banco as restantes prestações devidas pelo empréstimo feito 8 anos antes?

(…) O risco da comercialização é apenas do concessionário, bem assim, os custos da organização.

O empréstimo que a A contraiu não é mais que um custo de organização, o qual, como referimos, é da esfera do concessionário.

Vistas as coisas desta forma, temos, por um lado (o da acção): o investimento que a A fez com a mudança para uma nova loja, o que fez com incitamento e conhecimento da Directora Geral da Ré, (…), no convencimento de que a ligação contratual duraria independentemente do clausulado no contrato, por outro (o da defesa): ser esse investimento um “custo da organização”, o qual deve ser suportado pelo concessionário que assume o risco da comercialização, tendo já decorrido cerca de 8 anos desde a data em que foi feito tal investimento até à data da cess[aç]ão do contrato.

Em face de tal quadro fáctico e circunstancial e atendendo à natureza do contrato de concessão, ponderando os interesses em causa, não nos parece que a conduta da Ré ao exercer o direito de denúncia do contrato celebrado assuma uma desproporcionalidade tal que permita concluir ter a Ré agido de forma ostensivamente contrária ao princípio da boa fé e em manifesto abuso de direito[.]

A acolher-se uma posição genérica e abstracta, poder-se-ia esbarrar com a constatação de nunca ser o “momento certo” para denunciar o contrato, sempre e todas as vezes que a concessionária fizesse um investimento no seu negócio, ou com remodelações, ou obras ou outros custos de organização, custos estes que, repete-se, de acordo com o contrato de concessão, são do encargo do concessionário. Já não seria assim se, por exemplo, a Ré denunciasse o contrato logo após o empréstimo feito pela A ou nos três/quatro anos seguintes, por exemplo.».

Quem tem razão?

Como explicitado no já citado Ac. STJ de 15/11/2007:

«Dir-se-á, em síntese, por um lado, ser a boa fé uma exigência do direito imposta pela necessidade de impedir que a obrigação sirva para a consecução de resultados intoleráveis para as pessoas de consciência razoável.

E, por outro, que age de boa fé quem o faz com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, por via de uma conduta honesta e conscienciosa, com correcção e probidade, sem prejudicar os interesses legítimos daquela ou proceder de modo a alcançar resultados não toleráveis por uma consciência razoável.

(…)

Expressa a lei ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do Código Civil).

Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, em contrário da boa fé ou dos bons costumes, proibindo essencialmente a utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de interesses exorbitantes do fim que lhe inere.

(…)

O entendimento da jurisprudência, no seguimento da doutrina, tem sido no sentido de que este instituto funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.

Uma das vertentes do abuso do direito é o designado venire contra factum proprium, no confronto com o princípio da tutela da confiança, como é o caso de ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta, positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade.

Dir-se-á, nessa hipótese, que o titular do direito opera o seu exercício no confronto de outrem depois de a este fazer crer, por palavras ou actos, que o não exerceria, ou seja, depois de gerar uma situação objectiva de confiança em que ele não seria exercido.».

Ora, tanto na negociação/formação como no cumprimento/execução dos contratos e, bem assim, no exercício de direitos correspondentes (designadamente, o direito de denúncia do contrato), devem as partes conformar-se com o princípio da boa-fé (cfr. art.ºs 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, ambos do CCiv., respetivamente), adotando, nesse âmbito, conduta honesta, correta e leal, e, a mais disso, comprometida, não só com a confiança gerada na contraparte (com correspondente investimento desta última), mas em geral com o interesse contratual de ambas as partes (aquele que visam atingir/satisfazer com o cumprimento do negócio), de molde a que não resulte desnecessária e intoleravelmente prejudicado/comprometido o interesse contratual de qualquer delas.

Cabia, pois, à R./Apelante, neste contexto de relacionamento comercial, não frustrar a confiança da contraparte na razoável manutenção do vínculo contratual.

É que o princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabili­dade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, indicando um certo modo de atuação dos sujeitos, considerado conforme à boa-fé ([20]), a qual deve estar presente no âmbito das tarefas valorativas e aplicativas aos casos concretos, tendo em conta a natureza e função económico-social do contrato ([21]) a que se visa aplicar ([22]) e da relação jurídica estabelecidas entre as partes.

Assim, é hoje patente o papel relevante do princípio da boa-fé, fundando, por vezes, mormente em situações de desigualdade entre as partes ([23]), designadamente quando uma delas esteja sujeita a deficit informativo, a imposição legal de deveres de informação, mas ainda de lealdade e prote­ção, de uma parte à outra, por forma a salvaguardar o fim contratual tido em vista por esta última – aqui o princípio da boa-fé “constitui o fundamento jurídico”, enquanto o “fundamento material” se encontra “na desigualdade ou desnível da informação” (esta de caráter técnico e complexo), em situação de “particular necessidade de protecção” de um dos interlocutores ([24]), no escopo de, na medida do possível, deixar, afinal, compensada, em termos substanciais, aquela desi­gualdade anterior.

Bem se compreende, assim, que, no contexto das relações civis e, mais ainda, das de índole comercial, onde predomina, de certo modo, o individualismo, abrindo horizontes, através da influência conformadora do princípio da liberdade contratual, a que cada uma das partes nos contratos aja por forma a obter para si, dentro dos limites da lei, o máximo possível de vantagens ou utilidades, sem se preocupar com os interesses da outra parte, que podem, por isso, ficar subalternizados ou até inviabilizados, podendo levar, por essa via, a um saldo da execução da relação contratual, vista a finalidade do contrato, manifestamente desequilibrado, surja já por vezes uma outra atmosfera relacional, em que o campo contratual se abre como espaço de novas interpenetrações de interesses, com inovadoras perspetivas dos direitos e deveres a cargo de cada parte, onde postulados ético-jurídicos de lealdade, correção e honestidade, e até solidariedade, corresponsabilizam todos os contraentes no levar da relação duradoura estabelecida, até ao seu final, por caminhos de razoabilidade, equilíbrio e máximo proveito comum possível.

Neste âmbito já não haverá lugar para o estrito egoísmo individualista, em que cada parte se preocupa apenas consigo própria, na obtenção e consolidação de todos os seus interesses motivadores da contratação, se necessário à custa do total sacrifício do escopo contratual da outra parte, mas, em vez disso, para um novo paradigma de todo o caminho da execução do pacto contratual, sujeito já a exigências de indeclinável eticização, em que o fim global da relação contratual pretendida só se atinge quando ambas as partes dela logram retirar, uma vez plenamente executada, as utilidades mínimas expectadas e recíproca e comummente aceites como intencionadoras do programa contratual, pelo que as partes, que se juntaram na celebração em comum do contrato, em vez de se oporem uma à outra na pretensão de satisfação exclusiva por essa via de interesses egoísticos próprios, são chamadas antes a concorrer, co-responsabilizando-se, no imprimir de uma direção de execução contratual duradoura que, de forma equilibrada, possa dar os frutos contratuais expectados típicos para ambas, numa liquidação materialmente justa do cumprimento da relação estabelecida.

Ora, nesta perspetiva de eticização no âmbito do Direito dos contratos, é patente a importância do princípio da boa-fé, como veículo essencial concretizador insubstituível dos postulados ético-jurídicos do sistema, impressores de tal dimensão ética, dominantes na nossa ordem jurídica.

Os mecanismos que atualmente podem ser usados neste âmbito, tendentes a projetar sobre as diversas dimensões e fases da relação contratual as necessárias valorações ético-jurídicas, através da mediação concretizadora da boa-fé objetiva, são vários.

Entre eles conta-se a tutela da confiança, que tem pressupostos bem definidos na doutrina ([25]), por marcada influência germânica, e acolhidos na jurisprudência. Com efeito, é pacífico que a proteção jurídica da confiança sempre implica: a) uma situação de confiança, conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva ([26]) e ética, característica da pessoa que, não violando os deveres de cuidado que se lhe imponham ante as circunstâncias do caso, ignore estar a lesar direitos de outrem ou quaisquer posições alheias; b) uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível, segundo o padrão do homem normal, c) um investimento de confiança, consistente em ter havido, da parte do sujeito que confia, um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; d) a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção conferida ao confiante – tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante ou ao fator objetivo que a tal conduziu (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil …, cit., I, t. I, ps. 186 e seg.) ([27]).

Por sua vez, outro daqueles mecanismos, o chamado princípio da primazia da materialidade subjacente – focado na finalidade contratual projetada –, parte da ideia de que o Direito tem como escopo a obtenção de soluções efetivas, não se bastando, pois, com aparências, como a mera adoção de condutas apenas formalmente conformes aos objetivos jurídicos, antes exigindo uma conformidade no plano material, substancial. Os exercícios jurídicos devem ser avaliados, segundo a boa-fé, em termos materiais, de acordo com as suas efetivas consequências. Daí a primazia ou prioridade para soluções jurídicas de materialidade ou substância – a justiça material – em vez de soluções meramente formais (de justiça apenas formal), importando ao caso a exigência de equilíbrio/proporção no exercício de posições jurídicas, postulando a necessidade de sindicar condutas, mesmo se permitidas, à luz do sistema, vedando as atuações gratuitamente danosas para outrem ou as gravemente desequilibradas – condutas que, em vista de uma vantagem mínima para o próprio, provocam um dano máximo para outrem ([28]).

No caso dos autos, tratando-se de relação contratual de concessão comercial duradoura (teve início em 1989 e terminus em 2012, prolongando-se por mais de 23 anos), foi convencionalmente estabelecido um prazo de pré-aviso de denúncia de seis meses, o qual a R. observou.

Neste âmbito contratual, a concessionária investiu fortemente nas instalações destinadas à comercialização dos produtos da concedente, para o que teve de recorrer ao crédito bancário, o que fez no pressuposto, transmitido à então diretora da R., de a relação contratual perdurar até ao termo dos contratos de financiamento (novembro de 2014).

Porém, não se prova factualidade que permita concluir que a R. se vinculou/comprometeu nesse sentido, nem se logra estabelecer um nexo de imputação à aqui R. da situação de confiança assumida pela A., sem o que não se justifica que aquela seja atingida na sua esfera patrimonial para proteção da parte confiante.

Como clarifica a sentença, os contratos de mútuo bancário foram celebrados em 2004, oito anos antes da cessação do contrato firmado entre A. e R..

E se resulta que a A. deu conhecimento à R. daquele seu “pressuposto” (de que partia), nada faz crer que a R. se vinculou a tal pressuposição, tanto mais que se manteve na sua integralidade o convencionado quanto à faculdade de extinção do contrato (o dito prazo de pré-aviso de seis meses, que era bem conhecido de ambos os contraentes).

Donde que aquela pressuposição se mantivesse unilateral e sem consonância com a disciplina contratual expressa.

Acresce que tal investimento, a cargo da A. e por ela efetivamente realizado, integra os indicados “custos da organização”, logo, por regra, um risco a cargo da concessionária.

E também é certo que decorreram os aludidos oito anos até à extinção contratual, sendo que uma denúncia do contrato com observância da disciplina de prazos convencionada não deve ser vista como surpreendente, já que contratualmente estabelecida pelas próprias partes.

Poderia a A., ante o largo investimento efetuado, ter procurado junto da contraparte a alteração desta disciplina contratual, o que não ocorreu, pelo que ficou onerada com o risco do investimento face à possibilidade da R. de extinção potestativa do vínculo contratual.

Não se vê que os factos provados constituam respaldo para se concluir que a R. incutiu confiança à A. no sentido de a relação contratual permanecer intocável até finais de 2014, nem que o seu comportamento seja contraditório, no relevante e significativo, perante a concessionária.

E também não parece desproporcionado/desequilibrado o ocorrido terminus contratual – ao menos em termos clamorosamente ofensivos da boa-fé objetiva, de molde a constituir abuso do direito de exercício da denúncia –, uma vez respeitado o prazo previsto de pré-aviso, ao fim de oito anos de atividade comercial consecutiva, com o respetivo retorno, após o investimento e endividamento, o qual, ademais, não deixou de ter contrapartida imediata, que se não perdeu (cfr. as vantagens do trespasse a que alude o facto 41).

Assim, ponderada a economia e os riscos do contrato, a disciplina convencional livremente adotada pelas partes, e os legítimos interesses das mesmas, tal como as condutas adotadas ao longo do tempo de execução contratual, não vemos que mereça censura a decisão recorrida, ao entender não se justificar sancionar a R., em termos indemnizatórios, por abuso do direito, não se mostrando consubstanciada, salvo o devido respeito, conduta clara e intoleravelmente ofensiva dos ditames da boa-fé.

Em suma, nada haverá a alterar nesta parte, improcedendo as conclusões da A./Apelante em contrário.

                                               *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Tratando-se de um contrato comercial atípico, o regime jurídico do contrato de concessão comercial apela, desde logo, ao clausulado contratual das partes e, no que ali não estiver previsto, ao regime do contrato de agência e, se necessário, ao regime geral dos contratos.

2. - A indemnização de clientela visa a compensação do concessionário pelas vantagens que o concedente pode continuar a obter, em termos de clientela alcançada por aquele, após a extinção do contrato.

3. - Para que seja atribuída indemnização de clientela ao concessionário não se exige que os benefícios para o concedente tenham já ocorrido, bastando que, em juízo de prognose, seja provável a sua ocorrência futura, relevando a circunstância de o concedente ficar posicionado para continuar a usufruir da atividade antes desenvolvida pelo concessionário.

4. - A equidade, como justiça do caso, é apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio.

5. - Os montantes de comissão do concessionário não coincidem com o lucro da sua atividade, visto ter este de fazer face ainda aos seus custos de comercialização (incluindo custos com trabalhadores e encargos bancários).

6. - Por isso, na aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial, para fixação de indemnização de clientela, deve atender-se, quanto ao elemento normativo “remunerações do agente”, não ao valor de comissões do concessionário, mas ao rendimento/lucro líquido obtido por este.

7. - O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, incluindo na extinção e liquidação da relação, designadamente para exercício do direito de denúncia do contrato de concessão comercial.

8. - Não é de ter por desproporcionado/desequilibrado ou contraditório – ao menos em termos clamorosamente ofensivos da boa-fé objetiva, de molde a constituir abuso do direito – o exercício do direito de denúncia pelo concedente, respeitado o prazo de pré-aviso (de seis meses) contratualmente fixado, decorridos oito anos de execução contratual sobre elevado investimento (e endividamento perante a banca) do concessionário, conhecido do concedente, para satisfação dos critérios de exigência deste quanto à sua rede de distribuição, sem que tenha sido tal concedente a incutir no concessionário a confiança em que o vínculo contratual subsistiria até ao integral reembolso do crédito bancário.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, na improcedência do recurso subordinado (da A.), julgar parcialmente procedente a apelação da R./Recorrente e, em consequência:
a) Alterar a decisão apelada em matéria de indemnização de clientela, reduzindo para o montante de € 37.173,70 (trinta e sete mil, cento e setenta e três euros e setenta cêntimos) tal compensação de clientela a favor da A./Recorrida, acrescida de juros moratórios, como fixado na sentença;
b) Mantendo no mais a decisão recorrida.

Custas da apelação da R. (recurso principal) e na 1.ª instância a cargo de R./Apelante e A./Apelada, na proporção do respetivo decaimento, dependente de mero cálculo aritmético.

Custas do recurso subordinado (da A.) pela respetiva Recorrente, atento o seu decaimento nesta parte.


Coimbra, 04/04/2017

Escrito e revisto pelo relator

Elaborado em computador

Versos em branco

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo (1.º Adjunto)

Fernando Monteiro (2.º Adjunto)


([1]) Segue-se, no essencial, nesta parte, por economia de meios, o relatório da decisão recorrida.
([2]) Em 28/05/2013 (cfr. fls. 116 dos autos em suporte de papel).
([3]) Que se transcrevem.
([4]) Que também se deixam transcritas.
([5]) Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. sentença de fls. 822 a 916 dos autos, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, este por argumento de maioria de razão, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente, mas não anteriores a 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursiva, o regime do NCPCiv.).
([6]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.

([7]) Assim, por todos, o Ac. do STJ, de 17/05/2012, Proc. 99/05.3TVLSB.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), em www.dgsi.pt, segundo o qual “Com as necessárias adaptações, é aplicável ao contrato de concessão comercial o regime do direito de indemnização de clientela previsto no art. 33º, nº 1, do Dec. Lei nº 178/86, de 3-7, para o contrato de agência”.
([8]) Assim, pois, foi também entendido, de forma incontroversa, na sentença recorrida.
([9]) Cfr. o aludido Ac. do STJ, de 17/05/2012.
([10]) Vide referido Ac. do STJ.
([11]) Nada faz concluir que esse valor não sofresse incremento subsequente, após a fase de transição, nem que os clientes em causa deixassem de consumir produtos da “P (...) ”, incluindo noutras lojas comercializadoras da marca (existentes noutras partes do País). Aliás, seria irrazoável, à luz dos critérios de racionalidade económica, orientados para o lucro, a cessação de uma concessão com um bom desempenho continuado sem alternativa de comercialização que satisfizesse o respetivo mercado (procura), não se vendo que a R. atuasse por forma a perder/desperdiçar a valiosa carteira de clientes angariada com o contributo da A. (que sentido teria a extinção de uma concessão com tão bons resultados e a perda, sem alternativa, da respetiva clientela, que tanto custou a angariar e que permitia elevado volume de vendas?).
([12]) Como consta do sumário do Ac. STJ, de 18/06/2014, Proc. 2709/08.1TVLSB.L1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos), em www.dgsi.pt: «(…) 5. Para que se verifique o requisito da indemnização de clientela (…), não se mostra necessário que os benefícios tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar» (itálico aditado).
([13]) É que “releva essencialmente neste ponto a circunstância de o concedente ficar em condições de continuar a usufruir da actividade anteriormente desenvolvida pelo concessionário” – cfr. Ac. STJ de 15/11/2007, Proc. 07B3933 (Cons. Salvador da Costa), disponível em www.dgsi.pt (itálico aditado).
([14]) Montante exatamente correspondente à média anual do valor das comissões dos anos de 2007 a 2011 (cinco anos civis anteriores à cessação do contrato), de acordo com os valores apurados no ponto 37 dos factos provados.
([15]) Cfr. ainda o citado Ac. STJ de 18/06/2014, segundo o qual: «6. A indemnização de clientela não é uma verdadeira “indemnização”, não revestindo a característica sancionatória ou reparatória que nos levaria a fazer coincidir o seu montante com os prejuízos que o concessionário teve com a cessação do contrato. 7. Na verdade, o que se pretende é “compensar” o concessionado, não pelos prejuízos que teve, mas antes pela “mais-valia” que proporcionou ao concedente graças à atividade por si desenvolvida. 8. O que conta são os benefícios proporcionados pelo concessionário ao concedente, pelo que a quantificação da indemnização de clientela tem por base, não o prejuízo sofrido pelo concessionário com a cessação do contrato, mas tão só o enriquecimento que o concedente auferiu ou vai auferir com o aproveitamento da clientela anteriormente angariada pelo concessionário».
([16]) Nas palavras do Ac. STJ, de 04/04/2002, Proc. 02B205 (Cons. Neves Ribeiro), in www.dgsi.pt, “A equidade que atravessa todo o juízo valorativo para o calculo possível de um dano que corresponde, afinal, à situação virtual da diferença entre o antes e o depois da verificação do evento (artigo 562.º) – a equidade, dizíamos – e para que assuma verdadeiramente essa natureza de justiça do caso, na conhecida definição aristotélica, tem de funcionar nos dois sentidos, como é disso afloramento o que diz o artigo 494.º, do Código Civil. Deve tratar-se igual o que é igual; e diferente o que é diferente!”. E como também já explicitado na jurisprudência, citando doutrina autorizada, «“a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto… A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da jurisdicidade… A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto… não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação… é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal”» – cfr. Ac. Rel. Lisboa, de 29/06/2006, Proc. 4860/2006-6 (Rel. Carlos Valverde), in www.dgsi.pt, citando Dário Martins de Almeida.
([17]) Como referido no Ac. STJ de 17/11/2015, Proc. 4671/06.6TBMTS.P1.S1 (Cons. Nuno Cameira), em www.dgsi.pt: “São elementos estruturantes do contrato de concessão comercial (i) a assunção da obrigação de compra para revenda e a imediata definição entre as partes dos termos em que esses futuros negócios serão feitos; (ii) o facto de o concessionário agir em seu nome e por conta própria, assumindo os riscos da comercialização; e, (iii) as partes vincularem-se a outro tipo de obrigações – além da obrigação de compra para revenda –, sendo através delas que verdadeiramente se efectua a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente” (itálico aditado).
([18]) Assim o já citado Ac. STJ de 15/11/2007 (Cons. Salvador da Costa). Ali se esclarece que a «diferença entre a posição do concessionário e a do agente ocorre essencialmente porque o primeiro age em nome próprio e por conta própria, auferindo o lucro e assumindo o prejuízo decorrente da sua actividade, e o último age, em regra, em nome próprio e por conta do principal, mediante retribuição de actividade», pelo que a «similitude da estrutura do contrato de concessão comercial e de agência justifica que ao primeiro sejam aplicáveis, por analogia, algumas normas do diploma que se reporta ao último (artigo 10º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil)», sem esquecer que «o concessionário compra ao concedente produtos para revenda, por sua conta e risco, portanto à margem de qualquer tipo de remuneração a cargo deste último a favor do primeiro». E, em complemento, refere-se que a «diferença entre o montante resultante da venda dos produtos (…) transaccionados pela concessionária, por um lado, e o custo desses produtos na origem e das matérias consumidas, por outro, é insusceptível de significar o rendimento líquido ou lucro líquido por ela auferido», levando à conclusão de que os «factos disponíveis não revelam o referido rendimento líquido no período de tempo acima referido, indispensável para se estabelecer o limite máximo de compensação de clientela a considerar».
([19]) Assim também o Ac. STJ de 12/05/2016, Proc. 2470/08.0TVLSB.L1.S1 (Cons. Maria da Graça Trigo), em www.dgsi.pt, concluindo que, no cálculo da indemnização de clientela, constitui orientação reiterada do STJ que a média anual das remunerações recebidas seja aferida pelo lucro líquido do concessionário, e admitindo, ainda assim, a bitola, que havia sido adotada pela Relação no acórdão ali recorrido, traduzida em «considerar o lucro líquido da A., extrapolado em metade a partir da média da margem bruta de comercialização».

([20]) Vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, Almedina, Coimbra, 1999, p. 180.
([21]) O contrato é visto na sua função instrumental de realização de interesses, falando­‑se a este propósito em “economia do contrato” – cfr. Sousa Ribeiro, “Economia do Contrato”, Autonomia Privada e Boa Fé. BFD, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, ps. 969 e ss.. Como refere este Autor, a boa-fé pode ser perspetivada como “fonte normativa dos comportamentos devidos para o atingimento dos fins contratuais”, aparecendo os seus ditames como instrumento apontado à conformidade da execução contratual aos objetivos negociais das partes (cfr., op. cit., p. 974).
([22]) Cfr. Judith Martins-Costa, Os campos normativos da boa-fé objetiva: as três perspectivas do Direito privado brasileiro, em Estudos de Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, n.º 6, 2004, p. 105.
([23]) Cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, Coimbra, 1989, p. 165.
([24]) Cfr. Sinde Monteiro, op. cit., ps. 360 e ss..
([25]) Salientando-se nesta sede – no entendimento tradicional da tutela da confiança no âmbito da boa-fé – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português cit., t. I, ps. 175 e segs., mormente 184 e segs., e Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 3.ª reimp., 2007, ps. 1248 e seg.. Já com uma outra construção da teoria da confiança, autonomizando a responsabilidade específica pela confiança da responsabilidade pela violação de deveres de conduta segundo a boa-fé, cfr. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, ps. 431 e segs..
([26]) A boa-fé subjetiva contrapõe-se à boa-fé em sentido objetivo. Assim, a boa-fé objetiva reporta-se a princípios, regras, ditames ou limites por ela transmitidos ou para um modo de atuação dito “de boa-fé”, enquanto regra ou padrão de conduta dos sujeitos. A boa-fé atua, pois, nesta sua dimensão, como uma regra de conduta imposta do exterior e que os sujeitos devem observar. Ela pode atuar como corretivo de normas passíveis de comportar aplicação concreta contrária ao sistema ou, diversamente, como a única norma atendível no caso; mas concretiza-se sempre em regras objetivas de atuação (assim Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., p. 180). Já a boa-fé subjetiva, por sua vez, reporta-se a um estado interior/subjetivo da pessoa (diz-se em relação àquele sujeito que atua “de boa-fé”, contrapondo-se, assim, à atuação “de má-fé”), comportando dois sentidos possíveis: um sentido psicológico e um sentido ético. No nosso ordenamento jurídico, porém, a boa-fé subjetiva é sempre ética, só a podendo invocar, e dela beneficiar, quem, sem culpa, desconheça certa ocorrência. Não basta, pois, aqui, um mero desconhecimento, sendo necessário, ainda, que o mesmo não seja culposo ou censurável – cfr. Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., p. 182.

([27]) Assim, se aquele primeiro pressuposto (al. a)) se reporta à boa-fé subjetiva, o segundo (al. b)) prende-se com a ideia de razoabilidade, o terceiro (al. c)) com a de desenvolvimento de atividades baseadas na confiança, as quais não podem ser desfeitas sem prejuízos, e o último (al. d)) com a de responsabilidade, pela situação criada, da pessoa que vai ser onerada.
([28]) Cfr., ainda, Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., t. I, ps. 189 e seg..