Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3232/10.0T2AGD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
IMPUGNAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 4º, Nº 3; 821, Nº 1 E 3; 822, C); 828, Nº 7; 834, Nº 2; 835, Nº 1 DO CPC; 601º E 817º DO CC
Sumário: I – A acção executiva visa assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, seja através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais daquele devedor ou da realização, por terceiro devedor, em favor da execução, da prestação (artºs 4 nº 3 do CPC e 817 do Código Civil).

II - Com esse objectivo e dado que o património do executado constitui a garantia geral das suas obrigações, procede-se à apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado ou à colocação à ordem da execução dos créditos daquele sobre terceiros, de modo a que se proceda, ulteriormente, à venda executiva daqueles bens e direitos patrimoniais ou à realização, a favor da execução, das prestações de que são devedores aqueles terceiros (artºs 601 do Código Civil e 821 nº 1 do CPC).

III - A penhora é objectivamente excessiva quando atinge bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam responder pela satisfação do crédito exequendo; a penhora é subjectivamente excessiva quando tiver por objecto bens ou direitos que não são do executado. No primeiro caso, a penhora é objectivamente ilegal; no segundo é-o apenas subjectivamente.

IV - A impugnação da penhora fundamenta-se num vício que afecta esse acto e, caso seja julgada procedente, importa o levantamento, no todo ou em parte, dessa penhora. A oposição à penhora constitui o meio específico de oposição à penhora objectivamente ilegal (artºs 863-A nº 1 do CPC).

V - A violação dos limites objectivos da penhora pode decorrer, desde logo, da violação do princípio da proporcionalidade a que esse acto está submetido, i.e., da apreensão de mais bens do executado do que os necessários para assegurar o pagamento da divida exequenda e das despesas prováveis da execução.

VI - O acto de constituição da garantia patrimonial em que a penhora se resolve está submetido a um princípio estrito de proporcionalidade.

VII - De harmonia com o princípio da proporcionalidade devem ser penhorados apenas os bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda e das despesas previsíveis da execução, cujo valor de mercado permita a sua satisfação (artºs 821 nº 3, 822 c), 828 nº 7, 834 nº 2 835 nº 1 do CPC).

VIII - Se, porém, houver lugar à intervenção dos credores do executado – embora só daqueles que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados ou do exequente que tenha obtido uma segunda penhora sobre esses bens numa outra execução, a suficiência – rectior, a proporcionalidade - da penhora para a satisfação da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução deve, evidentemente, ser aferida tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes (artºs 834 nº 3 a) e b) 864 nº 3 b), 865 nºs 1 e 5 e 871 nº 1 do CPC).

Decisão Texto Integral: I. Forma de julgamento do recurso.

Dado que a questão objecto do recurso é notoriamente simples, declaro que este será julgado, liminar, singular e sumariamente (artº 701 c) e 705 do CPC).

II. Julgamento do recurso.

1. Relatório.

A executada M… deduziu, na execução comum que corre termos no Juízo de Execução de Águeda, da Comarca do Baixo Vouga, oposição à penhora, pedindo o seu levantamento no tocante aos bens imóveis identificados no respectivo auto sob as verbas nºs 2 a 5.

Fundamentou o requerimento – no qual apenas se propôs produzir prova testemunhal - no facto de para garantir o pagamento do pedido exequendo, no valor de € 10 769,26, acrescido de juros à taxa anual de 8%, se terem penhorado cinco prédios urbanos, cada um dos quais vale, pelo menos, € 70 000,00, bastando, por isso, a penhora de um deles para garantir o pagamento da quantia exequenda e dos juros.

A exequente, Construções …, Lda., afirmou, em contestação, que a penhora não garante apenas o pagamento da quantia exequenda e juros, mas também as custas e despesas prováveis do processo, que ignora se os prédios valem o valor indicado pela oponente, que o valor patrimonial actual dos prédios, já calculado à luz do CIMI, é manifestamente inferior ao alegado por aquela, excepto no tocante à verba nº 5, sendo de € 28.432,68, 26.389,75, 26.389,75, 28.559,05 e 73.690,00, no tocante às verbas nºs 1 a 5, respectivamente, e que sobre eles incide hipoteca voluntária a favor do BANCO … SA, que já reclamou o respectivo crédito, pelo que a penhora não é excessiva.

O Sr. Juiz de Direito – sem que se tenha produzido qualquer prova, designadamente, a prova testemunhal proposta pela executada - com fundamento em que o valor dos prédios penhorados é inferior ao dos créditos reclamados, que as regras de experiência nos dizem que as mesmas a serem vendidos, não o serão pelo valor de mercado, que o valor a anunciar será de 70% do valor base encontrado e que face à actual situação económica que o país atravessa não é garantido que sejam efectivamente vendidos por tal valor, julgou improcedente a oposição.

É esta decisão de improcedência que a executada impugna no recurso, no qual pede a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a oposição procedente.

A recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões:

...

Não foi oferecida resposta.

2. Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes:

􀂷 No âmbito a execução a que estes autos correm por apenso, foram penhorados em 12.05.2011 os imóveis descritos no auto de penhora de fls. 12 PP e ss dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

􀂷 O valor patrimonial global dos imóveis penhorados nos autos ascende a 183.455,24€

􀂷 Foram reclamados créditos pelo Ministério Público em representação da Fazenda Nacional no valor de 9.147,10€.

􀂷 Pelo ISS foram reclamados créditos no valor de 399,45€.

􀂷 Pelo Banco … SA foram reclamados créditos que ascendem a 446.576,59€.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e das alegações da recorrente, é só uma a questão concreta controversa que esta Relação é chamada a resolver: a de saber se a oposição deduzida pela recorrente à penhora deve ser julgada procedente e, portanto, se aquela diligência executiva deve ser levantada no tocante aos bens imóveis descritos, no respectivo auto, sob as verbas nºs 2 a 5.

A resolução deste problema vincula naturalmente ao exame, ainda que breve, de um dos princípios estruturantes da penhora: o princípio da proporcionalidade.

3.2. Princípio da proporcionalidade.

A acção executiva visa assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, seja através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais daquele devedor ou da realização, por terceiro devedor, em favor da execução, da prestação (artºs 4 nº 3 do CPC e 817 do Código Civil).

Com esse objectivo e dado que o património do executado constitui a garantia geral das suas obrigações, procede-se à apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado ou à colocação à ordem da execução dos créditos daquele sobre terceiros, de modo a que se proceda, ulteriormente, à venda executiva daqueles bens e direitos patrimoniais ou à realização, a favor da execução, das prestações de que são devedores aqueles terceiros (artºs 601 do Código Civil e 821 nº 1 do CPC).

O acto de penhora pode, porém, mostrar-se objectiva ou subjectivamente excessivo.

A penhora é objectivamente excessiva quando atinge bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam responder pela satisfação do crédito exequendo; a penhora é subjectivamente excessiva quando tiver por objecto bens ou direitos que não são do executado. No primeiro caso, a penhora é objectivamente ilegal; no segundo é-o apenas subjectivamente.

A impugnação da penhora fundamenta-se num vício que afecta esse acto e, caso seja julgada procedente, importa o levantamento, no todo ou em parte, dessa penhora. A oposição à penhora constitui o meio específico de oposição à penhora objectivamente ilegal (artºs 863-A nº 1 do CPC).

                A oposição à penhora constitui um incidente da execução e baseia-se sempre num fundamento que releva da violação dos limites objectivos desse acto (artº 863-A nº 1)[1].

A violação dos limites objectivos da penhora pode decorrer, desde logo, da violação do princípio da proporcionalidade a que esse acto está submetido, i.e., da apreensão de mais bens do executado do que os necessários para assegurar o pagamento da divida exequenda e das despesas prováveis da execução.

Realmente, o acto de constituição da garantia patrimonial em que a penhora se resolve está submetido a um princípio estrito de proporcionalidade.

A penhora pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mas bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda.

A agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património. Essa ponderação conduz a que a natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode fundamentar uma completa indiferença pelos do executado, dado que a posição jurídica do credor, embora prevalecente, não pode ser considerada absoluta[2].

O princípio da proporcionalidade possui, de resto, uma nítida raiz constitucional.

A faculdade de penhorar bens do devedor – ou de terceiros – representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação constitucionalmente conforme, impõe o respeito do princípio constitucional da proporcionalidade referido às restrições aos direitos, liberdades e garantias (artºs 817, 818 e 821 do Código Civil, 18 nº 2 e 62 nº 1 da Constituição da República Portuguesa Constituição da República Portuguesa). Em qualquer caso, à actividade dos tribunais – particularmente aquela que possui carácter executivo – é aplicável, ao menos por analogia, o princípio da proporcionalidade imposto aos órgãos e agentes administrativos (artºs 10 do Código Civil e 266 nº 2 da Constituição da República Portuguesa).

O princípio da proporcionalidade não pode, porém, fundamentar a não realização coactiva da prestação, i.e., não pode por em causa a realização da prestação que documentada no título executivo, conclusão que vale mesmo para o caso em que o valor do crédito exequendo seja diminuto.

De harmonia com o princípio da proporcionalidade devem ser penhorados apenas os bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda e das despesas previsíveis da execução, cujo valor de mercado permita a sua satisfação (artºs 821 nº 3, 822 c), 828 nº 7, 834 nº 2 835 nº 1 do CPC).

Se, porém, houver lugar à intervenção dos credores do executado – embora só daqueles que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados ou do exequente que tenha obtido uma segunda penhora sobre esses bens numa outra execução, a suficiência – rectior, a proporcionalidade - da penhora para a satisfação da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução deve, evidentemente, ser aferida tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes (artºs 834 nº 3 a) e b) 864 nº 3 b), 865 nºs 1 e 5 e 871 nº 1 do CPC).

Todavia, o princípio da proporcionalidade não se projecta, exclusivamente, na constituição da garantia patrimonial, i.e., na efectivação penhora. Ele vale, igualmente, para o momento da satisfação dos créditos, designadamente através da venda executiva.

Realmente, é o princípio da proporcionalidade que justifica que, no processo executivo, não devam ser vendidos mais bens dos que os estritamente necessários para proceder à liquidação das despesas da execução, da dívida do executado e dos credores com garantia real sobre os bens já vendidos – princípio da instrumentalidade da venda (artº 886-B nº 1 do CPC)[3]. A mesma razão justifica que, tendo havido fraccionamento do prédio penhorado, o executado possa requerer que a venda se inicie por alguns dos prédios resultantes da divisão, cujo valor seja suficiente para o pagamento (artº 886-B nº 3 do CPC). Esse mesmo princípio da proporcionalidade deve também ser observado sempre que seja necessário arrombar portas ou vencer resistência para obter a posse dos bens penhorados (artº 840 nºs 1 a 3 do CPC).

A violação do princípio da proporcionalidade justifica a oposição do executado (artº 863-A, a) do CPC). Esta oposição é instrumentalizada de um incidente a que são aplicáveis as disposições gerais relativas aos incidentes da instância (artº 863-B nº 1 do CPC). Entre essas regras avulta, no tocante à indicação meios de prova de que o autor do incidente pretende fazer uso, a da concentração ou da preclusão: todas as provas hão-de ser produzidas ou propostas logo no requerimento em que se suscita o incidente, pelo que fica irremediavelmente precludida a produção ou a proposição ulterior de qualquer prova que o não foi naquele requerimento (artº 303 nº 1 do CPC).

No caso que constitui o universo das nossas preocupações, e justamente a ofensa do princípio da proporcionalidade da penhora que fundamenta a oposição a essa diligência executiva deduzida pela recorrente e, face à decisão de improcedência dessa oposição, o recurso.

Mas é patente que a recorrente não tem razão.

É para o detalhe desta proposição que dirigem as considerações subsequentes.

3.3. Concretização.

Para a constituição da garantia patrimonial do crédito da exequente, no valor de € 10.769,26, acrescido de juros vincendos, foram penhorados cinco prédios urbanos, com o valor patrimonial global de € 183.455,24.

Em face do valor da dívida do exequente, considerada isoladamente, é evidente que à recorrente foi imposta uma sobre-penhora, dado que a constituição da garantia patrimonial se mostra nitidamente excessiva para assegurar a satisfação do crédito da exequente e das despesas da execução.

Simplesmente, por força da intervenção, na execução, dos demais credores da executada, os bens penhorados, considerado o valor por que o foram, revelam-se afinal, manifestamente insuficientes para satisfazer a dívida exequenda, os créditos reclamados e as custas e demais despesas da execução.

É exacto que o valor pelos quais os bens foram penhorados é o correspondente ao seu valor patrimonial.

O valor patrimonial tributário dos prédios, determinado de harmonia com regras específicas, constitui simplesmente a base de incidência do imposto municipal sobre imóveis (IMI) (artºs 1, 12 e 14 e 15 nºs 1 e 2 do CIMI, aprovado pelo DL nº 287/03, de 12 de Novembro).

                A profunda desactualização das matrizes prediais, a par da inadequação do sistema de avaliações prediais, constituíam as principais causas da profunda injustiça do regime de tributação do património imobiliário, de carácter marcadamente estático, resultante do Código de Contribuição Autárquica, aprovado pelo DL nº 442-C/88, de 30 de Novembro e da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo DL nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, revogados, o último na parte ainda vigente, pelo artº 31 nº 1 do DL nº 287/2003, de 12 de Novembro.

                A enorme valorização nominal dos imóveis, em especial dos prédios urbanos destinados a habitação e comércio e dos terrenos para construção, causados por sucessivos surtos inflacionistas, pela aceleração do crescimento económico, por ausência de uma política coerente, estruturada e sustentável de gestão dos solos e de ordenamento do território, conduziu a distorções e iniquidades, notoriamente incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno e, sobretudo, a uma sobretributação dos prédios novos ao lado de uma desajustada subtributação dos antigos.

                Seja como for, a verdade é que o valor patrimonial tributável, tanto por força da sua intencionalidade como por virtude das perversidades do funcionamento concreto do sistema fiscal continua ainda, em regra, a não corresponder ao valor real patrimonial dos prédios.

                Apesar dos progressos trazidos neste domínio pelo CIMI, a realidade é que as avaliações fiscais dos imóveis fazem em regra, situar o respectivo valor abaixo do valor real, apontando-se, correntemente, para tal atitude esta justificação: o propósito de impedir que o IMI atinja um valor insuportável para a generalidade dos sujeitos passivos, como sucederia, certamente se a avaliação fiscal reflectisse o valor real dos prédios.

Nestas condições, não é desrazoável presumir que o valor dos penhorados – por corresponder ao seu valor patrimonial tributário – é realmente, inferior ao seu valor real.

Porém, também não é menos verdade – como mostra a simples observação do quotidiano judiciário – que a venda executiva é, em regra, ruinosa, i.e., é realizada por um preço muito aquém do valor real dos bens. A esta regra de experiência – derivada id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede – soma-se o facto notório da contracção violenta da actividade económica, designadamente no sector imobiliário, resultado directo de uma política pública deliberadamente orientada para a desvalorização social e salarial, que traz consigo, como consequência irrecusável, uma drástica depreciação do valor dos prédios rústicos e urbanos. A actuação combinada destes dois factores inculca, para além de qualquer dúvida que se tenha razoável, que, realmente, é altamente improvável que o produto da venda executiva daqueles bens se mostre suficiente para solver o crédito exequendo, os créditos reclamados e as despesas da execução e, portanto, que não há razão fundada para suspeitar que a penhora dos bens da executada foi realizada com infracção do apontado princípio da proporcionalidade.

Mas o que, em todo o caso, não está demonstrado é que todos os bens imóveis penhorados valham, unitariamente, mais de 70.000,00 e, portanto, que a penhora de um deles seja suficiente para garantir a satisfação tanto do crédito exequendo – e das despesas da execução – como dos créditos reclamados.

A isto obtempera a recorrente que, em caso de dúvidas, face à existência de ónus sobre os imóveis, designadamente, a favor do Banco … que reclamou créditos no processo, se deveria ordenar a avaliação dos bens imóveis penhorados, a fim de ser apurar se se justificava a penhora de todos eles ou se bastaria a penhora de alguns deles para garantir toda a dívida (a exequenda e a dos créditos reclamados).

Todavia, se no entender da recorrente se justificava que se procedesse à perícia da avaliação dos bens penhorados, para se formular um juízo seguro sobre a suficiência ou o excesso da penhora, então estava indicado que, no requerimento em que deduziu o incidente de oposição a ela, tivesse requerido a produção dessa prova. Inexplicavelmente, porém, a recorrente não requereu, no momento e no lugar próprios, a produção dessa prova, limitando-se a propor prova testemunhal e, portanto, não há razão sólida para que se queixe, no recurso, da omissão da sua produção.

É exacto que o incidente foi decidido sem que tivesse sido produzido qualquer prova, designadamente a prova testemunhal proposta pela recorrente. Todavia, a omissão de produção desta prova, ou de qualquer outra, bem pode explicar-se pela actuação do princípio a que estão submetidos todos os actos, tanto das partes como do tribunal: o princípio da utilidade, que vincula a que no processo não seja praticados actos inúteis pelas partes ou pelo tribunal, i.e., actos que sejam desnecessários para a tutela da situação subjectiva invocada em juízo (artºs 137 e 448 nº 2 do CPC).

É que mesmo que, eventualmente, qualquer daquelas provas constituendas demonstrassem a veracidade da alegação da recorrente, de que o valor unitário de qualquer dos prédios penhorados era de € 70.000,00 – ainda assim, o seu valor global - € 350.000,00 – seria insuficiente para a satisfação do crédito da exequente e dos credores reclamantes, dado que o valor de um só dos créditos reclamados – o do Banco …, SA - é nitidamente superior - € 446.576,59.

A conclusão a tirar é, portanto, que os bens penhorados não excedem aqueles que, de harmonia com um juízo prudente de prognose, são necessários para a satisfação da prestação exequenda, dos créditos reclamados e das despesas previsíveis da execução.

Note-se, em todo o caso, que não está absolutamente excluída a possibilidade de a recorrente requerer a avaliação dos prédios penhorados, ao menos daqueles cuja avaliação fiscal tenha sido efectuada há mais de três anos. Simplesmente, essa avaliação, por força de um efeito de preclusão, já só poderá ter lugar na fase – da preparação - da venda executiva e, portanto, com o escopo de determinar o valor base dos bens a vender e, não já, com aquela que é a finalidade primeira da oposição à penhora: a do seu levantamento, i.e. de por acto subsequente a essa penhora fazer cessar os seus efeitos.

A venda executiva, seja qual a modalidade considerada, deve orientar-se por um princípio estrito de transparência e assegurar a maior rentabilização possível dos bens penhorados, o que só será conseguido se o preço dos bens vendidos corresponder ao seu valor de mercado. A obtenção pela venda de um valor o mais aproximado possível do seu valor de mercado satisfaz, do mesmo passo, os interesses do exequente - dado que lhe garante a satisfação integral do seu crédito - e do executado - visto que permite reduzir o sacrifício patrimonial aos bens estritamente necessários para garantir a satisfação da obrigação exequenda.

A transparência da venda executiva e a rentabilização dos bens penhorados exigem - além de uma publicidade adequada e, na sua realização, uma efectiva concorrência entre os interessados - que o valor base dos bens a vender corresponda, na maior extensão possível, ao seu valor de mercado. Valor base que, note-se, nem sequer corresponde ao preço mínimo a venda, dada admissibilidade da aceitação de propostas pelo valor correspondente a 70% desse valor e mesmo – havendo acordo de todos os interessados – de montante inferior (artºs 889 nº 2 e 894 nº 3 do CPC).

Na preparação da venda compete ao agente de execução, depois de ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantias reais sobre os bens a vender, designadamente, fixar o valor base dos bens a vender (artº 886-A nºs 1 e 2, b) do CPC).

No tocante aos imóveis, esse valor base é igual ao seu valor patrimonial tributário, se a respectiva avaliação tiver sido efectuada há mais de três anos e, nos casos restantes, ao seu valor de mercado (artº 886-A nº 3, a) e b). Para a determinação do valor de mercados dos bens imóveis, cuja avaliação tenha sido feita há mais de 3 anos, a recorrente poderá requerer ao agente de execução que promova a sua avaliação (artº 886-A nº 5 do CPC).

Deve recordar-se que qualquer interessado pode reclamar para o juiz da execução das decisões do agente de execução relativas, por exemplo, à fixação do valor base dos bens a vender, embora, no caso concreto, da decisão deste juiz não caiba recurso (artº 886-A, nº 7 do CPC).

Em todo o caso, qualquer seja a modalidade da venda executiva escolhida, são-lhe aplicáveis, designadamente, as disposições relativas ao princípio da proporcionalidade ou da instrumentalidade da venda. Como se notou já, a venda executiva também rege-se por um princípio da proporcionalidade, pelo que não devem ser vendidos mais bens do que os necessários para se proceder ao pagamento do exequente e dos credores graduados. Assim, a recorrente pode requerer que a venda se suspenda logo que o produto dos bens vendidos seja suficiente para o pagamento das despesas da execução - nomeadamente das custas desta – do crédito exequente e dos credores com garantia real sobre os bens alienados (artº 886-B, nº 1 do CPC).

Independentemente da exactidão desta últimas considerações, a conclusão acima tirada sobre a proporcionalidade da penhora permanece exacta. E, em face dela, a falta de bondade do recurso e, portanto, a sua improcedência, são meramente consequencial.

A recorrente sucumbe no recurso. Deverá, por isso, satisfazer as custas dele (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nego provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da Tabela I-B integrante do RCP.


Henrique Antunes

                              

[1] J.P. Remédio Marques, A Penhora e Reforma do Processo Civil, em especial a penhora de depósitos bancários e do estabelecimento, Lex, 2000, pág. 106.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, págs. 641 e 642, e Acção Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998, págs. 33 e 34.

[3] A pessoa directamente interessada na observância do princípio da proporcionalidade é, claro, o executado. Mas isso não impede que o agente de execução, logo que reconheça que os bens já vendidos são suficientes para o pagamento das custas e dos créditos, faça cessar, ex-officio, a venda dos bens penhorados.