Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
698/08.1GCVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: FALTA DE COMPARÊNCIA
AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 266º-B DO CPC
Sumário: Não é aplicável em processo penal o disposto no nº 4 do artº 266º-B do Código de Processo Civil, que permite a dispensa automática dos advogados, partes e demais intervenientes processuais, quando dentro de trinta minutos subsequentes à hora designada para o início da diligência, não lhes sejam comunicados os obstáculos que impediram a sua realização pontual, porquanto tal dispositivo não se harmoniza com o espírito e natureza do processo criminal.
Decisão Texto Integral: A..., arguido melhor identificado nos autos, recorre do despacho - exarado em acta, certificado a fls. 15-18 - no qual a Mª Juíza indeferiu a arguição, pelo Recorrente, da nulidade da audiência de julgamento realizada em 20 de Setembro de 2010, bem como dos despachos nela proferidos, nomeadamente o de condenação do arguido e testemunhas em multa por falta injustificada e o de nomeação de defensora oficiosa, para intervenção ocasional, em substituição dos mandatários constituídos.
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Na respectiva motivação, formula o recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
I) Vem o presente recurso interposto do despacho da Exma. Sra. Juiz a quo, que indeferiu a arguição, pelo ora Recorrente, da nulidade da audiência de julgamento realizada em 20 de Setembro de 2010, bem como dos despachos nela proferidos, nomeadamente o de condenação do arguido (e testemunhas) em multa por "falta injustificada" e o de nomeação de defensora oficiosa, para intervenção ocasional, em substituição dos mandatários constituídos;
II) Ao abrigo do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 266º-B do CPC, não tendo sido feita a comunicação aí prevista, pela Exma. Sr." Juiz ou pelos Srs. Funcionários Judiciais aos mandatários, arguido e testemunhas, indicando o motivo do atraso no início da diligência, ocorreu a dispensa automática dos mesmos, motivo pelo qual se ausentaram do tribunal;
III) A abertura, posterior, da audiência de julgamento, pela Exma. Sra. Juiz a quo ­não obstante aquela dispensa automática, está pois, ferida de nulidade insanável, nos termos do disposto na al. c) do art. 119º do C.P.P., em virtude da presença do defensor e arguido ser obrigatória, estando, igualmente, feridos do mesmo vício os despachos nela proferidos;
IV) Contrariamente ao decidido no despacho recorrido, o art. 266º-B do C.P.C. é aplicável ao processo penal, ex vi do art. 4° do C.P.P., pois que, sendo a obrigação de comunicação, ali prevista, um dever de conduta processual, imposto à secretaria e aos magistrados perante as partes, testemunhas e mandatários, respectivamente, é a mesma exigível em qualquer processo judicial e não apenas nos de natureza civil (Cfr. Parecer de 2 de Março de 2000, do Sr. Procurador-Geral-Adjunto, Dr. João Rodrigues do Nascimento Vieira (PGD Lisboa));
V) Olvida a Exma. Sr.ª Juiz a quo, bem como os acórdãos, nos quais esteou o entendimento por si perfilhado, que também os processos-crime, quando em causa estiverem crimes semi-públicos e particulares, estão, igualmente, na disponibilidade das partes, podendo livremente desistir do procedimento ou mesmo transigir quanto ao seu objecto;
VI) O Tribunal a quo, não teve, ainda, em consideração que em processo civil existem acções (a sua maioria) em que o patrocínio forense é obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 32º e 33º do CPC, e que, de resto, também naquele as testemunhas e as partes, quando pedido o seu depoimento de parte, têm igualmente o dever de permanecer à ordem do Tribunal, até que sejam dispensados pelo juiz da causa, não contendendo, também nesses pontos, o preceituado no art. 266º-B com a ratio das normas do C.P.P., atinentes ao patrocínio obrigatório por advogado e às faltas do arguido e testemunhas, evocadas no despacho recorrido, sendo, antes perfeitamente harmonizáveis;
VII) Sucede que, naturalmente, a obrigação quer do arguido, quer das testemunhas, de se manterem à ordem do Tribunal até serem por este dispensados, pressupõe sempre, quer em processo civil, quer em processo penal, que, caso não seja iniciada a diligência na hora agendada, seja feita a comunicação prevista no art. 266º-B do CPC, que não foi feita in casu e que traduz, contrariamente ao referido no despacho recorrido, não apenas um dever de pontualidade mas, sobretudo, um dever de conduta processual no sentido de dignificar e disciplinar o funcionamento dos Tribunais, assegurando o respeito e consideração devidos entre todos os intervenientes processuais;
VIII) A não ser assim, dificilmente se compreenderia que tal dever de conduta processual imposto a todos os sujeitos processuais apenas operasse em processo civil e não em processo penal, abrindo-se, assim, caminho a eventuais situações de abuso ou desconsideração pela disponibilidade e dignidade daqueles, o que colidiria, inexoravelmente, com a ratio do disposto nos aludidos nºs 3 e 4 do art. 266º-B do C.P.C.;
IX) Também a nomeação de defensor oficioso ao arguido, não obstante a aludida dispensa automática dos mandatários do mesmo, a que procedeu a Sr.ª Juiz a quo por despacho, naquela audiência, além de ferida de nulidade, foi efectuada de forma irregular;
X) Não só não se verificou qualquer "falta" dos mandatários constituídos que justificasse a sua "substituição", como também a própria nomeação, de advogado que, contactado directa e telefonicamente, se prontificou a aceitar o mandato, em clara violação das regras e sistema de escolha dos profissionais inscritos no acesso ao direito (SINOA), segundo um critério de prioridade, ocorreu de forma absolutamente irregular, violando, nomeadamente o disposto no art. 41º da Lei nº 34/2004, de 29/07 e nos artigos 2° e 3º da Portaria 10/2008, de 03/01;
XI) É, salvo o devido respeito, notória a falência da "fundamentação" constante do despacho recorrido quanto a esta matéria que, além de persistir na inobservância dos preceitos legais relativos ao sistema de escolha dos profissionais no âmbito do acesso ao direito, não encontra ou indica, na lei, qualquer esteio que conceda tal entendimento, violando-se também o princípio da legalidade a que os Tribunais estão vinculados, sobretudo em processo penal;
XII) De resto, da consulta dos autos, não resulta sequer a existência do aludido "print", referido na acta da aludida audiência de 20 de Setembro de 2010, comprovativo da inoperabilidade do SINOA;
XIII) Acresce que, caso a aludida defensora, irregularmente nomeada, tivesse prescindido do prazo para preparação da defesa, tal teria, certamente, influído na decisão da causa por não se encontrar preparada para assegurar tal patrocínio, produzindo a nulidade prevista no art. 201º do C.P.C.;
XIV) Pelo exposto, decidindo como decidiu, o Sr. Juiz a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto, nomeadamente nos artigos 4º, al. b) do nº 3 do art. 61º, al. c) do art. 119°, 116°, al. a) do nº 1 do art. 132º e n.ºs 1 e 4 do art. 332º, todos do C.P.P., n.ºs 3 e 4 do art. 266º-B do C.P.C., art. 41º da Lei nº 34/2004, de 29/07 e arts. 2° e 3° da Portaria 10/2008, de 03/01;
XV) Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que declare a nulidade da audiência de julgamento realizada em 20 de Setembro de 2010 e, concomitantemente, dos despachos nela preferidos, nomeadamente o de condenação do arguido (e testemunhas) em multa por falta injustificada e o de nomeação de defensor oficioso para "acto isolado", em substituição dos mandatários constituídos pelo arguido.
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Na resposta apresentada em 1ª instância, o digno magistrado do MºPº rebate, ponto por ponto, a motivação do recurso, alegando, designadamente, que: - é inaplicável ao processo penal o disposto no art. 266º-B, n.º 4 do CPC, atenta a sua natureza pública e indisponível; - ainda que assim não fosse, tal como consta da respectiva acta, o abandono do tribunal dos ilustres advogados, arguido e testemunhas, nunca teria fundamento, porquanto o arguido não respondeu à chamada e não haviam decorrido 30 minutos entre a sua posterior comparência e o posterior início da audiência. Conclui que o recurso deve improceder.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual alega, em síntese que: - não tendo sido interposto recurso da sentença final não deve ser admitido o recurso relativamente à substituição do defensor e realização da audiência; - deve ser admitido apenas para apreciação da parte em que mantém a condenação na multa processual, devendo, nesta parte, ser-lhe negado provimento.
O recorrente respondeu ao douto parecer, renovando a argumentação aduzida na motivação do recurso.
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O recurso em questão, ao contrário do que transparece na primeira abordagem, tem interesse prático limitado. não afectando a sentença final entretanto prolatada.
Com efeito, não está em causa a validade de qualquer das múltiplas sessões da audiência de discussão e julgamento durante as quais foi realizada a produção e discussão da prova. Cuja nulidade nem é pedida no presente recurso.
Mas apenas uma sessão da audiência que apenas teve como efeito útil, além do sancionamento dos faltosos, o seu adiamento, a fim de permitir à ilustra defensora nomeada no acto ao recorrente “preparar a sua defesa”.
Resulta, aliás, da conclusão XIII quecaso a aludida defensora, irregularmente nomeada, tivesse prescindido do prazo para preparação da defesa, tal teria, certamente, influído na decisão da causa”.
Pressuposto que se não verificou, uma vez que a defensora nomeada não prescindiu de prazo, motivo pelo qual a audiência foi adiada. Não se verificando pois, sequer, o pressuposto da hipotética (“certamente”, alega o recorrente) influência na decisão da causa.
Com efeito, resulta dos actos subsequentes do processo que, durante as múltiplas sessões de produção e discussão da prova, alegações finais, leitura da sentença, o recorrente esteve sempre representado pelos seus ilustres mandatários/defensores constituídos nos autos, cuja substituição constitui o fundamento nuclear do recurso - cfr., designadamente, as actas de fls. 467, 512-517, 530-533, 565-566, 619-620, 685-687, 718-719.
Por outro lado, o ora recorrente, assistido pelos seus ilustres mandatários constituídos durante todas as sessões de produção e discussão da prova e leitura da sentença, não recorreu da sentença final entretanto proferida.
A eventual procedência do recurso quanto á substituição de defensor tem como objecto uma sessão da audiência que se limitou a determinar o adiamento, sem a realização de qualquer acto de produção de prova ou julgamento.
Constatação que nos conduz, direito, à questão da admissibilidade do presente recurso, por não ter sido interposto recurso da sentença final, cuja apreciação, por imbricada no objecto do recurso, foi relegada para este momento.


Ora, no caso em apreço, o recurso foi interposto e motivado em tempo oportuno.
Por outro lado o recorrente não pede a nulidade dos actos posteriores à sessão em que foi nomeado defensor e redundou no adiamento para preparação da defesa. Muito menos dos actos de produção de prova e/ou da discussão da causa. Ou de qualquer acto que possa contender com a sentença.
Apenas questiona a substituição do defensor para a sessão em que, antes de iniciado qualquer acto de produção e/ou discussão de prova, foi adiada a audiência e das condenações em multa ao arguido e testemunhas faltosas.
O que está em causa, materialmente, é apenas o sancionamento do arguido e das testemunhas faltosas em multa. Sendo certo que a substituição de defensor não teve qualquer efeito – a audiência foi adiada porque o defensor nomeado pediu prazo para a preparação da defesa.
O que não afecta, em nada, a produção da prova e o julgamento propriamente dito.
Por outro lado, tendo em atenção a natureza instrumental do processo e a regra geral do direito ao recurso, que apenas admite as excepções previstas na lei, entende-se que o recurso instaurado e minutado em tempo oportuno apenas deixará de subsistir por efeito de facto superveniente que prejudique a sua apreciação.
Afigura-se que é nesse sentido que deve ser interpretado o disposto no art. 412º, n.º5 do CPP – que, no caso de curso da sentença final, havendo recursos retidos obriga o recorrente a especificar quais os que mantêm interesse.
Além do mais não faz sentido justificar o interesse de um recurso que, objectivamente, não contende com o acto superveniente (sentença) impugnado.
Assim, nada tendo a ver o recurso retido com o recurso da decisão final – como sucede no caso, manifestamente, sendo insusceptível de poder prejudicar o seu efeito útil – não pode exigir-se ao recorrente, que minutou e motivou o recurso em tempo oportuno, que recorra de uma decisão final de que não lhe interessa recorrer, apenas com a finalidade de ver apreciado um recurso interlocutório em relação ao qual foram cumpridas todas as formalidades legais em devido tempo e cujo efeito se esgota em incidências materialmente estranhas e inócuas para a decisão final.
O interesse e efeito útil mantêm-se independentemente do que venha a ser decidido quanto ao mérito da causa, na sentença final. Uma vez que o objecto do recurso retido se resume ao sancionamento dos faltosos.
Somente tratando-se de questão interlocutória, instrumental, com reflexo/efeito/incidência na decisão final – com perspectivas de ficar prejudicada com a sentença, superveniente, e a resolução do fundo ou do mérito da causa que de alguma forma pudesse ser afectado pelo recurso interlocutório e (por isso) não recorrendo o interessado da sentença possa entender-se que o recorrente perdeu interesse na apreciação de questões incidentais sublimadas pela sentença final, como acto nobre por excelência, síntese, cume e plenitude de todo o processo que exaure todos os actos que a antecedem.
Assim, no caso, sendo a questão – sanções aplicadas aos faltosos – estranha e dotada de total autonomia em relação ao objecto do processo, entende-se que, apesar de não ter sido interposto recurso da sentença final, o recurso deve ser, como vai ser, apreciado.
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Cumpre salientar, liminarmente, que o recorrente carece de legitimidade para questionar as sanções (multas) aplicadas a terceiros – as duas testemunhas sancionadas.
No entanto, sendo a sessão da audiência considerada nula e de nenhum efeito, daí decorre a destruição de todos os seus efeitos, incluindo a condenação de terceiros, como consequência inelutável.
Como fundamento da invocada nulidade da audiência vem invocada a sua realização (melhor dizendo, o seu adiamento com sancionamento dos faltosos) sem a presença do recorrente e do seu defensor, nos termos do art. 119º, al. c) do CPP.
Alega-se que, não tendo sido iniciada a audiência dentro de 30 minutos, ficaram automaticamente dispensados, nos termos do art. 266º-C do PCC, tendo-se ausentado, como tal, legitimamente, sendo assim nula a substituição dos mandatários constituídos por defensor, nomeado para o acto (mero adiamento da audiência) e a condenação dos faltosos em multa.

Para proceder à apreciação dos fundamentos do recurso, importa contextualizar o despacho recorrido, exarado na ACTA (CFR. FLS. 2 a 7 do recurso, certificando fls. 424-430) – documento autêntico, não arguido de falso.
Ora, resulta da aludida acta de adiamento da audiência (reprodução com destaques dos excertos tidos por mais relevantes):

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FALTOSOS:
Mandatário: F.. .
Testemunha: L...
Testemunha: R…
Arguido: A...
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Quando eram 10 horas e 15 minutos, pela Mm.ª Juiz foi aberta a audiência, e nesse momento informei o Tribunal do seguinte:
Efectuada a chamada pelas 9:35, à mesma responderam as testemunhas e os arguidos do rol dos presentes e acima identificados tendo sido informado pelas testemunhas presentes que o arguido A... estaria na parte exterior do edifício, a fumar.
No decurso da leitura de sentença entretanto iniciada às 9.40 horas, no processo Comum Singular 2810/07.9TAVIS, deste Juízo criminal, na sala de audiências afecta a este juízo, efectuada pela Mm.ª Juiz Dr.ª …(juíza auxiliar deste juízo) e onde se encontrava presente o único procurador-adjunto afecto a este juízo, entrou na sala de audiências a Dr.ª P..., mandatária do arguido A... (com procuração nos autos) informando que aquele arguido já se encontrava presente no interior do edifício do tribunal.
Finda a leitura da sentença, pelas 10:10 minutos tive conhecimento e informei a Mm.ª Juiz de que os ilustres mandatários do arguido A..., Dr. D... e Dr.ª P... se haviam dirigido à secretaria tendo o primeiro informado que se iriam ausentar do Tribunal por já terem decorrido 40 minutos da hora marcada para a diligência e que não tinham sido informados de nada, e que o arguido A... e as testemunhas H... e M... iriam consigo.
Efectuada a chamada novamente às 10:10, constatei que se encontravam presentes as pessoas acima indicadas como presentes, à excepção do arguido A..., dos seus mandatários Dr. D... e Dr.ª P... e das testemunhas H... e M....
Cerca das 10:00 compareceu o Dr. F… neste tribunal uma vez que, segundo afirmou, pensava que a sessão de julgamento estaria agendada para as 10:00 horas.
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Em seguida, pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte: --­
DESPACHO
Em face dos factos agora relatados proceda ao contacto telefónico com os ilustres mandatários do arguido A..., para o seu escritório, no sentido de informarem se regressarão a este tribunal, a fim de assegurarem a defesa do arguido que representam. ---
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Feito o contacto para o escritório dos mandatários do arguido A... (232488471) a funcionária informou que os mesmos não se encontravam presentes mas que iria contactá-los nesse sentido. Contactado novamente o escritório, cerca de 10 minutos mais tarde, a funcionária disse não ter ainda falado com os ilustres mandatários, por os mesmos não estarem contactáveis. Solicitei então que, caso os mesmos fossem contactados, fosse informado este juízo, o que até esta hora (10:45) não foi efectuado. ---
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Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte: --­
DESPACHO
Considerando que são, neste momento, 10:45 e não tendo sida obtida qualquer informação do escritório dos ilustres mandatários do arguido A... e ao abrigo do disposto no art. 330º, nº 1 do C. P. Penal, proceda-se à nomeação através do SINOA, de defensor para este acto, ao arguido A.... ---
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De imediato, foi tentada a nomeação de defensor oficioso ao arguido, através do SINOA, não o tendo conseguido, conforme print que se anexa. Tentado o contacto telefónico para a Delegação da Ordem dos Advogados de Viseu, o mesmo mostrou-se impossível pelo que foi contactada a Dr.ª N..., pertencente a esta mesma ordem, que se disponibilizou ela mesma a ser nomeada defensora oficiosa ao arguido A..., e que demoraria cerca de meia hora a comparecer neste tribunal, tendo a Mm.ª Juiz ordenado a interrupção da instância até às 11:25. ---
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Quando eram 11 horas e 25 minutos, pela Mm.ª Juiz foi reaberta a audiência, tendo, de seguida, proferido o seguinte: ---
DESPACHO
Nomeio defensora oficiosa ao arguido A..., para esta intervenção ocasional, a ilustre advogada Dr.ª N.... _
Oficie à Ordem dos advogados, em conformidade. _
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Dada a palavra à ilustre defensora oficiosa do arguido pela mesma foi dito não prescindir de prazo para preparação da defesa.
(…)
Em seguida, pela Mm.ª juiz foi proferido o seguinte: --­
DESPACHO
As testemunhas H... e M..., regularmente notificadas, não obstante terem comparecido neste tribunal na hora em que foi efectuada a chamada, ausentaram-se sem que, para tanto, tenham sido desobrigadas, nos termos previstos no art. 132°, nº 1, al. a) do C. P. Penal. Como tal, julgam-se injustificadas as suas faltas, condenando-se as mesmas numa soma que fixo em 2 UC, cada uma - art. 116°, nº 1 do C.P. Penal. ---
O arguido A..., regularmente notificado, não compareceu no início da audiência nem efectuou qualquer comunicação no sentido de justificar a sua falta, pelo que se condena o mesmo numa soma que fixo em 2 UC (art. 116°, nº 1 do C. P. Penal). -
Notifique, sendo o arguido e as testemunhas através da autoridade policial competente, nos termos promovidos. ---
Ao abrigo do disposto no art. 330°, nº 1 do C. P. Penal, conforme solicitado, concede-se à ilustre defensora nomeada ao arguido A... o prazo de 8 dias para preparação da defesa, designando-se o próximo dia 29 de Setembro de 2009, pelas 9:30 horas para continuação da audiência de julgamento.
Notifique, sendo ainda os ilustres mandatários do arguido A... da data agora designada para continuação da audiência de julgamento.
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O fundamento capaz de afectar a condenação do recorrente em multa é a circunstância de a audiência não se ter iniciado dentro de 30 minutos a partir da hora designada – art. 266º-B, n.º3 do CPC, por remissão do art. 4º do CPP.
Adianta-se que na questão da aplicação no processo penal do disposto no art. 266-B do CPC, na esteira, designadamente do Ac. TRC de 30.05.2001, CL, tomo III/2001, p 51-53 e do Ac. TRL de 24.05.2000, CJ, tomo III/2000, p. 138-141, entende-se que tal dispositivo não se harmoniza com o espírito e natureza do processo penal – pressuposto enunciado no art. 4º do CPP para a aplicação subsidiária do CPC.
Não se harmoniza com a natureza pública, com largo espectro constitucional, do processo penal.
Em decorrência da natureza do direito penal, substantivo, de tutela do núcleo mais restrito de bens jurídicos definidos como o mínimo ético imprescindível e essencial à vida em sociedade.
Onde vigora o «princípio» da dignidade penal ou da carência de tutela penal - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, 2004, p. 621 e Costa Andrade RPCC, 1992, p. 173 a 205.
Constituindo o direito processual o instrumento de realização do direito material - princípio da instrumentalidade do processo em relação ao direito substantivo (cfr. F. Dias Direito processual Penal, ed. de 1974, p. 33).
Devendo a lei adjectiva adequar-se ao direito substantivo - art. 265º-A do CPC.
Aliás o sistema de nomeação e de assistência de defensor é distinto no processo penal - onde, em regra, é obrigatória de nomeação de defensor (cfr. art. 61º, 1. f) e art. 64º do CPP) e no processo civil - onde a constituição de mandatário - se encontra na disponibilidade das partes (cfr. designadamente art.32º, 33º e 34º do CPC).
Bem como com o regime de substituição do defensor: – no processo penal, em caso de falta ou ausência, “é imediatamente nomeado outro defensor” (cfr. art. 67º do CPP); - no processo civil a falta dá lugar, sem mais, ao adiamento se o advogado tiver comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos previstos no art. 155º, n.º5 (cfr. art. 651º, n.º1, al. d) do CPC.
O mesmo sucede com o regime de comparência compulsiva dos intervenientes no processo no processo penal – cfr. designadamente o disposto no art. 273º do CPP.
Que se não verifica no processo civil.
Sendo certo que no processo penal, por regra, estão em causa direitos fundamentais - frequentemente a liberdade do arguido - que não pode ficar à mercê da ausência ou ausentação do advogado.
Entende-se assim não ser aplicável no processo penal o dispositivo legal invocado.

De qualquer forma, visto o enquadramento que resulta da acta, supra reproduzido, entende-se que nunca estariam verificados os pressupostos materiais, do seu funcionamento.
Com efeito, atenta a natureza instrumental do processo penal, afigura-se que o normativo do CPC em causa só pode ter como pressuposto a constatação de que o juiz está em falta – não está ou não quer saber de quem está presente.
Ora, no caso, como emerge de todo o contexto descrito na acta, o juiz não estava, manifestamente, “em falta”. Nem se despreocupou ou ignorou com quem estava presente.
Pelo contrário, esteve sempre no “seu posto”, à vista de todos, com todo o espírito de colaboração. Mantendo-se em permanente gestão dos meios disponíveis - sala de audiências, onde, as 9h.40m. se iniciou a leitura da sentença de outro processo.
Bem como acompanhando a chegada dos intervenientes que iam e vinham chegando - desde o arguido/recorrente que foi fumar o seu cigarro e que a distinta advogada que o patrocinava – entrando na Sala de audiência já após as 9h.40m. em que iniciara a leitura da sentença de outro processo – veio informar que já se encontrava dentro do tribunal.
Repare-se ainda que até às 10 horas o tribunal esteve (também) à espera do distinto mandatário da outra parte – Dr. F… Ilustre advogado que apenas chegou às 10 h. – atraso esse que, diga-se, não incomodou nem o recorrente nem os seus distintos mandatários!
Os quais, como resulta da acta supra reproduzida, estiveram sempre ao corrente das diligências em curso que foram sendo realizadas pelo tribunal e de que a acta dá conta.
Tal como emerge da descrição, minuciosa, das diligências efectuadas, efectuada na acta, o tribunal esteve sempre em funcionamento, em público, na sala de audiências, aberta ao público!!!
A própria distinta advogada que agora reclama entrou na Sala de Audiências (já após as 9h.40m. - em que iniciara a leitura da sentença de outro processo) onde estava a funcionar o tribunal, comunicando com à oficial de justiça que ali se encontrava a chegada do arguido.
Assim, a distinta advogada ausentou-se do tribunal pelas 10:10, depois de, já após as 9h.40m., ter entrado na Sala de Audiências do tribunal a dar conta que o arguido/recorrente já tinha entrado (depois de acabar de fumar o seu cigarro!), bem sabendo que o tribunal estava em funcionamento, em audiência pública que ela própria interrompeu para comunicar a chegada do recorrente.
Acresce que não se limitou a ausentar-se. Assumiu-se como gestora do tribunal ao levar consigo o arguido e as testemunhas!
De onde decorre que, mesmo que se considerasse aplicável o disposto no art. 266º-B, n.º3 do CPC, nunca se teria verificado, no caso, o seu pressuposto material de funcionamento. Não só por não terem decorrido mais de 30 minutos de “silêncio” do tribunal. Como ainda porque, mantendo-se o tribunal permanentemente em funcionamento, em audiência pública, à vista dos intervenientes, onde os reclamantes chegaram, inclusivamente, a entrar, não carecia de comunicação aquilo que era evidente, público e notório, do conhecimento dos interessados.

Não têm, tão-pouco, qualquer fundamento, as alusões ao sistema SINOA.
Pois que o tribunal efectuou todas as diligências ao seu alcance. Com efeito, na impossibilidade de nomeação de defensor através do “sistema”, contactou telefonicamente a Delegação da O.A. da comarca. Tendo comparecido pessoalmente a Dra. N..., representante da Ordem na comarca (o que consta da acta e nem o recorrente questiona). Representante da Ordem que, com essa presença e aceitação da defesa reconheceu o não funcionamento do sistema electrónico.
Assim, além de infundados, os fundamentos da motivação manifestam desconsideração dos subscritores pela representante da sua própria Ordem.
Sendo certo que a representante da Ordem assumiu, aliás, em relação aos reclamantes, uma atitude elegante, quando, para além de comparecer pessoalmente, pediu o adiamento da audiência para preparar a defesa – e a audiência foi efectivamente adiada com esse motivo - mantendo assim a ausência dos reclamantes o mero efeito do adiamento.
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Tendo improcedido a nulidade da audiência, improcedem os pedidos relativos às sanções ali aplicadas que a tinham como único e exclusivo fundamento.
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Nos termos e com os fundamentos decide-se negar provimento ao recurso. -
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atenta a complexidade, em 6 (seis) UC.

Belmiro Andrade (Relator)
Abílio Ramalho