Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
379/08.6PBVIS.C
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: CRIME DE AMEAÇA
ELEMENTOS DO TIPO
Data do Acordão: 06/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 153º, Nº1 DO CP
Sumário: 1. São elementos constitutivos do crime de ameaça: o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal futuro, dependente da sua vontade e que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor e que esse anúncio seja adequado a provocar na pessoa a quem se dirige medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
2. Não comete o crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153º do CP o arguido que agarran no bastão que o agente de autoridade tinha na mão e lhe diz:eu tiro-te o bastão e aí é que vais ver como é”.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal, para além do mais[ O tribunal decidiu ainda condenar P pela prática do crime de um crime de injúria agravada, previsto e punido no art. 181.º, 184.º e 132.º 2, al. l), do Código Penal, na pena de setenta dias de multa no quantitativo diário de seis euros, condenar A pela prática do crime ameaça agravada previsto e punido no art. 153.º, 155.º, n.º 1, al. c) e 132.º, n.º 2 al. l) do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar nas condições que vierem a ser definidas no plano de execução a elaborar, oportunamente, pelos serviços de reinserção social e absolver A da prática da prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido no art. 181.º, 184.º e 132.º 2, al. l), do Código Penal por que vinha acusado], condenar o arguido V[ V, casado, nascido a 23-1955, natural de Viseu, filho de AU e de M, residente na Rua …, em Viseu] pela prática do crime ameaça agravada previsto e punido no art. 153.º, 155.º, n.º 1, al. c) e 132.º, n.º 2 al. l) do Código Penal, na pena de cento dez dias de multa no montante diário de cinco euros e absolvê-lo da prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido no art. 181.º, 184.º e 132.º 2, al. l), do Código Penal por que vinha acusado.
Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

A douta sentença deve ser declarada nula, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 379° do CPP, por violação do disposto na parte final do n.º 2 do art. 374°, do mesmo diploma legal;

A douta sentença, mais precisamente, «a convicção do julgador quanto aos factos provados» (ponto II.2_a), falha, redondamente, na motivação da matéria de facto, não procedendo ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo, quanto à prática, pelo ora aqui recorrente, do crime sub judice;

No que diz respeito ao recorrente, a motivação da decisão proferida encontra-se, apenas, vertida no 6° parágrafo da mesma (ponto II.2_a), donde resulta que o Tribunal a quo «atendeu ainda no depoimento das testemunha H para a afirmação da abordagem, por este, aos arguidos, e as expressões que estes individualmente, após essa abordagem lhe dirigiram e em que circunstâncias, tal qual se provou, secundado, quanto à autoria de cada uma delas, e às expressões em concreto ditas, pelo depoimento da testemunha João Pedro, que as presenciou»;

Não obstante a fraca, para não dizer escassa, motivação da decisão, e partindo do princípio que a douta sentença se esteja a referir aos acontecimentos que envolvem o recorrente (sendo certo que o parágrafo 5° não lhe diz respeito), volta a falhar na sua fundamentação;

É que, tendo o Tribunal a quo atendido «no depoimento da testemunha H, para formar a sua convicção, em hipótese alguma poderia ter dado como provados os factos referentes ao recorrente;

Sendo certo que, a testemunha H nada presenciou, quanto aos factos ocorridos com o recorrente, conforme resulta do seu depoimento;

A douta sentença, no que concerne ao recorrente, omite o exame crítico da prova testemunhal, rectius, do depoimento da testemunha H, que serviu para formar a convicção do Tribunal a quo;

O princípio da livre apreciação da prova, não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamentar, pelo que, o juiz tem de orientar a produção da prova para a busca da verdade material e, ao decidir, deve fundamentar as suas decisões (cfr. os arts. 97°, n.o 5 e 410°, n.º 2, do CPP e o art. 205°, n.º 1, da CRP);

Ao julgador exige-se a exposição dos elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados em audiência de julgamento (cfr. art. 374°, n.o 2 do CPP);
10ª
Ao não se proceder a um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, a douta sentença viola o disposto no nº 2 do art. 374° do CPP, devendo ser considerada nula nos termos do disposto na aI. a) do n.o 1 do art. 379° do mesmo diploma legal;
11ª
Da análise da prova produzida resulta que não ficou demonstrado que o recorrente tenha efectivamente "agarrado" no bastão do agente MF, dizendo-lhe "eu tiro-te o bastão e aí é que vais ver como é";
12ª
Não podia o Tribunal a quo ter dado como provado que o recorrente tenha agarrado no bastão do agente MF e que lhe tenha dito tal expressão, até porque, se tal tivesse, realmente, acontecido, o mais certo seria que o agente MF reagisse, de imediato, com a arma que transportava, no sentido de evitar que lhe tirassem o bastão;
13ª
N a hipótese de o recorrente ter procedido de tal forma, podia, perfeitamente, tê-lo feito para se defender do agente MF, já que este chegou a retirar o bastão da sua pala de suporte, como referiu no seu depoimento
14ª
Admitindo-se que o recorrente tenha actuado da forma descrita na sentença recorrida, impunha-se ao Tribunal a quo, decisão diferente da que foi proferida, já que, não resultou dos autos, nem da prova produzida, matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente tenha cometido um crime de ameaça;
15ª
O bem jurídico protegido pelo art. 153º do CP é a liberdade de decisão e acção, sendo que, neste tipo de crime "(. . .) as ameaças, ao provocarem um sentimento de segurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade" (Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999);
16ª
O tipo objectivo de ilícito do crime de ameaça engloba o conjunto de três características que se traduzem num mal futuro, cuja ocorrência depende da vontade do agente;
17ª
A expressão "eu firo-te esse bastão e aí vais ver como é", mais não significa do que o anúncio de algo iminente, e nunca um mal futuro, como requer este tipo de crime;
18ª
Sendo certo que o bem jurídico tutelado é a liberdade de decisão e de acção, ninguém deve ser colocado em situação de não poder decidir ou fazer algo por receio de um mal que lhe foi prometido, pelo que, isso é indissociável do carácter futuro, ainda que a prazo muito curto, do mal anunciado;
19ª
Se a "ameaça" é iminente, a liberdade de determinação nunca chega a ser afectada, ou seja, se se concretizar, terá sido praticado o crime anunciado, se não se concretizar, a vítima não fica inibida ou receosa de decidir ou fazer o que quer que seja, porque a possibilidade de sofrer o mal é algo que já não existe, por fazer parte do passado;
20ª
O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois, que nesse caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. (Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 343);
21ª
«I - Sendo a ameaça um crime contra a liberdade individual, para que ocorra é necessário que o agente provoque no sujeito passivo medo ou inquietação, ou prejudique a sua liberdade de determinação e é ainda necessário que o mal anunciado, objecto da ameaça, seja futuro. Sendo iminente, está-se perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento. 11 - Não comete o crime de ameaça, a pessoa que profere a expressão, em tom de voz alto e sério, "parto-te a cara ", por mais não ser do que o anúncio de um mal iminente.» (Ac. do TRP de 23/02/2005);
22ª
A ameaça terá que ser conhecida pelo seu destinatário e terá de revelar-se, segundo um critério objectivo-individual, adequada a provocar medo ou inquietação, isto é, respectivamente, temor, receio de que o mal ameaçado ou prometido venha efectivamente a acontecer ou então intranquilidade, desassossego que a ameaça provoca no destinatário;
23ª
A ameaça adequada é assim a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as suas características, conhecidas pelo agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado, isto é, "(. . .) o que é preciso é demonstrar uma intenção de causar medo ou intranquilidade ao ofendido, e que a promessa se revista de aspecto sério. Ou seja, que o agente dê a impressão de estar resolvido a praticar o facto" (Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3a ed., 2° voI., Editora Rei dos Livros, 2000, p. 306), constituindo o ilícito em apreço um crime de perigo concreto" (Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 349);
24ª
Também neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 02/05/2002, proferido no proc. n.O 611/02-3a Secção;
25ª
Ainda que se admita, por mera hipótese, a existência de uma "ameaça", por parte do recorrente, não foi a mesma nunca susceptível de ser tomada a sério pelo "ameaçado", desde logo, pelo facto de o agente MF erre ira não ser o dito "homem comum", depois, porque o mesmo não se encontrava sozinho, estando protegido pelos colegas, encontrando-se num local público, certo que em momento algum sentiu medo da "ameaça", continuando a passar e a patrulhar o mesmo local;
26ª
In casu, o Tribunal a quo fez uma apreciação errada dos factos dados como provados, subsumindo-os ao crime de ameaça;
27ª
A matéria de facto dada como provada não constitui um crime de ameaça, porquanto, a admitir-se que o recorrente tenha dito "eu tiro-te esse bastão e aí vais ver como é", tal expressão mais não significa do que o anúncio de algo iminente, e nunca um mal futuro, como requer este tipo de crime;
28ª
Nenhum dos elementos do tipo legal de crime analisados se encontram preenchidos, pelo que, o Tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime de ameaça, previsto no art. 153° do CP, com a agravação constante dos arts. 155°, n.o 1, aI. c) e 132°, n.o 2, aI. 1), do CP;
29ª
A sentença ora objecto de recurso encontra-se, assim, ferida de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos da aI. b), do n.o 2 do art. 410° do CPP;
30ª
Deve, pois, a douta sentença ser revogada, absolvendo-se o recorrente da prática do crime em que foi condenado.
Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o       nada disse.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
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Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):
a) Os factos provados
No dia 1 de Abril de 2008, pelas 17h.30m, na Rua 21 de Agosto, em Viseu, quando o Agente da Policia Municipal H se encontrava em serviço, devidamente uniformizado e enquanto procedia à identificação de uma condutora, os arguidos referindo-se à sua actuação, diziam, “só sabem multar”.
Após proferirem esta expressão, e quando este mesmo agente passava pelos arguidos, na mota onde se fazia transportar, estes continuaram a referir-se á sua actuação proferindo expressões não concretamente apuradas.
Perante este comportamento, H parou a mota e abordou os arguidos, perguntando-lhes se precisavam de alguma coisa.
De imediato, o arguido P dirigindo-se ao agente H, disse-se “você é um parvo”.
Perante isto, o agente H solicitou ao arguido P a respectiva identificação, o que inicialmente este recusou, tendo sido incentivado pelos outros dois arguidos a não se identificar, só mais tarde tendo acatado essa ordem.
Entretanto, o agente H havia já solicitado, via rádio a comparência de outros colegas no local, o que aconteceu.
E, estando ainda o agente H a tentar proceder á identificação do arguido P, o agente M chegou ao local, logo se abeirando dos arguidos e pedindo para estes se acalmarem.
Nessa altura, para além de outras expressões não concretamente apuradas, o arguido V agarrou no bastão que o agente M tinha na mão e disse-lhe “eu tiro-te o bastão e aí é que vais ver como é”.
Por sua vez o arguido A, dirigiu-se também ao agente M e disse-lhe que o fazia “em niquinhos” que lhe fazia “o funeral de graça”.
O arguido P sabia que a expressão dirigida ao agente H era injuriosa e ofensiva da sua honra, consideração e brio profissional, actuando por querer proceder dessa forma, o que conseguiu.
Os arguidos V e A agiram com o propósito de produzir medo ou susto ao agente M, sabendo que as expressões proferidas eram adequadas a provocar medo e receio e afectar a sua liberdade de movimentos e autodeterminação, tendo actuado querendo proceder dessa forma.
Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
Os agentes H e M estavam fardados e uniformizados e no exercício das suas funções, facto que era do conhecimento dos arguidos.
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Quanto à situação pessoal do arguido provou-se que o arguido P é solteiro, vive com o pai em casa arrendada e, actualmente, está emigrado na Suíça, onde trabalha em actividade não apurada.
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Por sua vez quanto ao arguido V, provou-se que trabalhava na construção civil mas está desempregado há mais de 3 anos.
A esposa trabalha por conta de outrem, em trabalhos domésticos, auferindo remuneração não concretamente apurada.
O arguido, por sua vez, aufere subsídio de desemprego, em montante que ronda os 400,00€.
Vive com a esposa em casa arrendada, pela qual paga de renda mensal o montante que ronda os 250,00€.
Frequentou a escola até ao 6.º ano de escolaridade.
O arguido é tido pelos seus amigos como pessoa respeitadora.
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Quanto à situação pessoal do arguido A, provou-se que está divorciado.
Trabalha esporadicamente na construção civil, por conta de outrem, e bem assim, numa funerária de que já foi dono, auferindo remuneração não concretamente apurada.
Vive em casa de uma filha.
Tem a 4.ª classe.
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Os arguidos P e V não têm antecedentes criminais.
O arguido A tem inscrita, no seu registo criminal as seguintes condenações:
Em 28-01-2001, na pena de multa pela prática de um crime de desobediência;
Em 9-03-2006, na pena de 13 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal;
Em 21-02-2007, na pena 18 meses de prisão suspensa por 3 anos pela prática do crime de falsificação;
Em 14-12-2007, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por 4 anos, sob condição, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal;
Em 11-04-2008, na pena de multa pela prática do crime de simulação de crime;
Em 17-06-2008, na pena de 4 meses de prisão substituída por multa, pela prática do crime de descaminho.
II.1_
Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):
b) Os factos não provados
Todos os demais elencados na acusação e não enunciados na matéria de facto.
O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
II.2_
A convicção do julgador
a) Quanto aos factos provados:
A afirmação dos factos provados, imputados na acusação e que resultaram provados, resultou de uma apreciação critica, conjugada e ponderada da prova produzida em julgamento naquilo que de coerente se mostrou e se pode aproveitar.
Os depoimentos das testemunhas de acusação, dois deles ofendidos e queixosos, mostraram-se inteiramente credíveis e coerentes, por si só e quando confrontados uns com os outros, tendo todos os agentes da Policia Municipal demonstrado inteira objectividade e isenção no que afirmaram, não deixando de admitir não saberem precisar aquilo que já não se recordavam, de frisar aquilo que já não tinham certeza e de assegurar aquilo que tinham por certo, sempre de forma desprendida, desprendimento este de que é sintomático o facto de, apesar de ofendidos, não terem sequer formulado pedido de indemnização civil. Nenhuma intenção vingativa ou outra se vislumbrou que pudesse abalar a veracidade daquilo que afirmavam.
Por seu lado, as declarações dos arguidos, no que à matéria da acusação respeita, só mereceram credibilidade quanto às circunstâncias de tempo e lugar, mas no demais não mereceram qualquer credibilidade, tendo apresentado uma “história” do sucedido completamente diversa da versão dos factos que se provou e que teve por sustentação o depoimento das referidas testemunhas. Obviamente, não só o que disseram foi contrariado de forma credível pelas testemunhas de acusação como, independentemente do que estas afirmaram, a versão do sucedido, por si só, não mereceria jamais credibilidade, pois que nela não se descortinou qualquer sentido possível para que, sem mais, os elementos da Policia Municipal os interpelassem e, no fundo, se “metessem” com eles (como, em suma, sustentaram), interpelando-os, sendo certo que, como todos disseram, estavam só “por ali” na rua e a falar “alto” uns com os outros.
Isto considerado, e em concreto, admitiram os arguidos as circunstâncias de tempo e lugar do sucedido, coincidentemente, aliás, como o que declaram as testemunhas de acusação.
Quanto às afirmações feitas pelos arguidos de que só sabiam multar, referindo-se à actuação do ofendido H, atendeu o tribunal nas declarações deste, que assim declarou. Também nas declarações desta testemunha para a afirmação do momento subsequente, até à abordagem dos arguidos, depois, da expressão proferida pelo arguido P, a si dirigida, como o referiu (dita na “minha cara”), da forma como, após essa afirmação, pediu aquele arguido que se identificasse, o que este recusou, disse, e como os demais arguidos instigavam o arguido P a não se identificar. Neste particular (da identificação) foi secundado pelos depoimentos das testemunhas M e J, que ainda presenciaram este momento.
Atendeu ainda no depoimento das testemunha H para a afirmação da abordagem, por este, aos arguidos, e as expressões que estes, individualmente, após essa abordagem lhe dirigiram e em que circunstâncias, tal qual se provou, secundado, quanto à autoria de cada uma delas, e às expressões em concreto ditas, pelo depoimento da testemunha J, que as presenciou.
As circunstâncias da acção revelam, inequivocamente, atentas as regras da lógica, o comportamento voluntarioso dos arguidos na acção que tomaram e, bem assim a intenção havida, que não poderia ser qualquer outra, até pela natureza dos próprias expressões ditas e o contexto em que o foram.
As testemunhas de acusação, referidas, afirmaram estar fardados, facto que é ostensivo e os arguidos não podiam deixar de conhecer, assim como, que também estavam em serviço, facto que, aliás despoletou a situação e que, naturalmente, os arguidos não ignoravam: efectivamente foi um acto de serviço, como se provou, que levou os arguidos a dizer que só sabiam multar e foi essa situação de serviço que despoletou todos os posteriores factos, o que os arguidos, obviamente, não só não ignoravam como por ela se motivaram para agir como agiram.
O conhecimento da ilicitude penal das condutas é do conhecimento comum das pessoas, atenta a carga valorativa que os bens jurídicos postos em causa carregam.
Quanto à situação pessoal dos arguidos, atendeu-se, em relação ao arguido P, nas declarações do próprio, na parte em que referiu ser solteiro, no seu requerimento de fls. 165, onde disse ir ausentar-se em trabalho, para o estrangeiro, na Suíça, e bem assim no depoimento da testemunha L, para afirmação das demais condições da vida do arguido em Portugal, como se provou, tendo esta testemunha demonstrado ser sabedor do que afirmava (com quem e onde vivia o arguido).
Quanto á situação pessoal do arguido V, atendeu o tribunal nas declarações do próprio e, bem assim, nas declarações das testemunhas F, L e J, estes no que se refere à afirmação de como o arguido é tido pelo seus amigos, todos eles convivendo proximamente com o arguido e revelando conhecê-lo.
Quanto à situação pessoal do arguido A, atendeu-se nas declarações do próprio.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, atendeu-se ao CRC de fls. 128, 129 e 137 a 141.
b) Quanto aos factos não provados
Resultam eles da falta da necessária prova para a sua afirmação, tendo a produzida permitido, apenas, a afirmação daquela provada nos termos anteditos, com a concretização, relativamente às demais expressões imputadas, que apesar de as testemunhas de acusação as terem referido como ditas algumas delas pelos arguidos V e A não souberam precisar a autoria respectiva, isto qual dos dois arguidos disse o quê.
Daí que, na falta da necessária certeza quanto á autoria das expressões, tenha essa factualidade redundado como não provada.
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Da leitura das conclusões resulta que são três as questões colocadas a esta Relação:
1) Nulidade da sentença por falta de fundamentação (artºs 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a., ambos do Código de Processo Penal)
2) Erro na apreciação da prova e
3) Erro na integração jurídica dos factos dados por provados na sentença
É por esta ordem que as questões são apresentadas e seria também por esta ordem que as mesmas deveriam ser decididas.
No entanto, passaremos de imediato à terceira questão uma vez que a decisão sobre a integração jurídica dos factos prejudicará o conhecimento das restantes.
Vejamos:
O tribunal a quo entendeu que a factualidade apurada integra o crime previsto e punido no art. 153.º, 155.º, n.º 1, al. c) e 132.º, n.º 2 al. l) do Código Penal (tal como o Ministério Público em 1ª instância e junto desta Relação) mas o arguido considera que se não verifica o elemento “mal futuro”.
E tem razão.
Explicando:
O artigo 153º do Código Penal, prevê o crime de ameaças, na situação de alguém “ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”, ou seja, são elementos constitutivos do mesmo, o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal futuro, dependente da sua vontade e que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, que esse anúncio seja adequado a provocar na pessoa a quem se dirige, medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação e que o agente tenha actuado com dolo.
Ora, no que ao caso interessa, ficou provado que numa situação de desentendimento entre os arguidos H, agente da PSP,
“(…) o agente M chegou ao local, logo se abeirando dos arguidos e pedindo para estes se acalmarem.
Nessa altura, para além de outras expressões não concretamente apuradas, o arguido V agarrou no bastão que o agente Marco Paulo tinha na mão e disse-lhe “eu tiro-te o bastão e aí é que vais ver como é”.
Perante este quadro fáctico não há dúvidas de que se verificam os elementos anúncio de mal “contra a integridade física” e que esse mal estava “dependente da própria vontade” do arguido.
Contudo, não foi anunciado um mal futuro, que é elemento constitutivo do crime de ameaça, mas sim um mal de execução iminente[ Neste sentido, v.g., Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Julho de 2004, de 30 de Março de 2005, de 25 de Janeiro de 2006, de 22 de Novembro de 2006, de 20 de Dezembro de 2006, de 28 de Janeiro de 2007, de 28 de Novembro de 2007 e de 28 de Maio de 2008 (todos em www.dgsi.pt), do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Março de 2009, de 3 de Novembro de 2009 e de 9 de Março de 2010 (todos em www.pgdlisboa.pt), do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Janeiro de 2008, de 26 de Maio de 2009 e de 23 de Setembro de 2009 (todos em www.dgsi.pt)].
Nenhuma outra conclusão se pode retirar da factualidade supra descrita pois que, ocorrendo os factos numa situação de discussão e estando o arguido a agarrar no bastão empunhado pelo agente da PSP, o anúncio que lhe dirigiu (“eu tiro-te o bastão e aí é que vais ver como é”) não pode deixar de ser entendido como aviso da execução imediata de uma agressão.
O uso daquela expressão não foi feito de forma isolada e as palavras, ainda que ameaçadoras, foram proferidas num contexto de discussão localizada no tempo e no momento em que o arguido agarrou o bastão que o agente da PSP tinha na mão, o que nos leva a concluir que o anúncio de agressão física se esgotou logo que o arguido o largou.
Daí que o mal ameaçado fosse de execução imediata e não futura, como se exige no artº 153º, nº 1 do Código Penal.
Assim sendo, há que concluir que não tendo ficado provado um dos elementos do crime de ameaça (anúncio de mal futuro), terá o recorrente que ser dele absolvido, o que se decide.
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Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões levantadas pelo recurso.
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Nesta conformidade, acorda-se em dar provimento ao recurso e consequentemente absolve-se arguido do crime ameaça agravada previsto e punido no art. 153.º, 155.º, n.º 1, al. c) e 132.º, n.º 2 al. l) do Código Penal
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Coimbra,

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