Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
553/14.6PBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE COIMBRA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 59.º DO CP
Sumário: I - No domínio de aplicação da primeira parte da alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º do CP («se o agente se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho»), o condenado rejeita ou evita prestar o trabalho que lhe foi determinado, no âmbito do plano de execução previamente solicitado aos serviços de reinserção social; consequentemente, não pode proceder-se à revogação da dita pena de substituição quando a recusa em prestar o trabalho é desculpável, designadamente, por razões de ordem médica, familiar, profissional, social, ou outra considerada atendível.

II - No caso previsto no segundo segmento normativo da alínea b) do n.º 2 do artigo 59.º do CP, o condenado viola, de forma grosseira, os deveres que para si decorrem da aplicação da pena de PTFC, ou seja, as obrigações de trabalho, o acatamento das orientações relativas à forma de execução das tarefas assinaladas, as regras de conduta eventualmente cumuladas com a prestação e ainda as obrigações e deveres previstos no artigo 7.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 375/97, de 24 de Dezembro.

III - Todavia, a revogação da PTFC é prematura e, por conseguinte, injustificada, quando são desconhecidos os motivos que estiveram na base da conduta do condenado, designadamente, se existiu de sua parte conduta culposa.

Decisão Texto Integral:                                                                                  

            Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No âmbito dos autos de Processo Abreviado registados sob o n.º 553/14.6PBCBR, da Comarca de Coimbra, Coimbra – Instância Local – Secção Criminal – J2, em 1/3/2016, foi proferido o seguinte Despacho:

“Nos presentes autos, foi o arguido A... condenado, por sentença proferida em 2/10/2014, transitada em julgado em 3/11/2014, pela prática, como autor material, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e, visto o disposto no artigo 58.º, nºs 1, 2, 3 e 5, do Código Penal, determinada a substituição da pena de prisão pela pena de 120 (cento e vinte) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Solicitada aos serviços de reinserção social a elaboração de plano de execução da pena substitutiva, a mesma não se logrou porquanto, de acordo com informações desses serviços, apesar das diligências empreendidas, o arguido, não obstante diversas vezes convocado, jamais compareceu.

Por conseguinte, foram designadas datas para tomada de declarações ao arguido, tendo o mesmo, injustificadamente, faltado.

Não se logrou, não obstante as diligências empreendidas, a sua comparência mediante a emissão de mandados de detenção.

Até ao presente, não cumpriu quaisquer horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

O Ministério Público promoveu a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e a determinação do cumprimento da pena de prisão principal.

Não se logrou, não obstante as diligências empreendidas, consoante supra referido, a audição do arguido, nos termos dos artigos 495.º, n.º 2, e 498.º, n.º 3, do CPP.

Assegurado o contraditório, quanto à promoção de revogação, o arguido veio aos autos, através do seu ilustre defensor oficioso, pronunciar-se no sentido da não revogação da pena de substituição, em conformidade com o teor da douta peça processual cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido.

Apreciando e decidindo.

Dispõe o artigo 59.º, n.º 2, do Código Penal: «O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;

b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou

c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»

Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 375/97, de 24/12, «o prestador de trabalho deve cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações do supervisor quanto à forma como as tarefas devem ser executadas».

«Para além das obrigações referidas no número anterior», segundo os preceitos das alíneas do n.º 2 do artigo citado, «o prestador de trabalho deve:

a) Responder às convocações do tribunal competente para a execução da pena e dos serviços de reinserção social;

            b) Informar os serviços de reinserção social sobre quaisquer alterações de emprego, de local de trabalho ou de residência, bem como sobre outros factos relevantes para o cumprimento da pena;

d) Informar a entidade beneficiária sempre que estiver impossibilitado de comparecer no local de trabalho conforme o horário previsto;

e) Justificar as faltas ao trabalho nos termos previstos na legislação aplicável à entidade beneficiária;

f) Não consumir bebidas alcoólicas, estupefacientes, psicotrópicos ou produtos com efeito análogo no local de trabalho, bem como não se apresentar sob a influência daquelas substâncias, de modo a prejudicar a execução das tarefas que lhe sejam distribuídas.»

Ora, o comportamento do arguido traduz uma recusa injustificada a prestar trabalho, bem como uma grosseira violação dos deveres decorrentes da pena a que foi condenado, não respondendo às convocatórias, nem comparecendo em juízo, nem comunicando, atempadamente, a alteração de residência (que alegou no seu último requerimento).

Está, pois, arredado um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento do arguido, demonstrado está que tanto a reafirmação do direito perante a comunidade como a socialização do arguido não se alcançaram com suficiência com a pena substitutiva, não podendo, portanto, o Tribunal deixar de a revogar.

Aliás, só agora, aquando da iminência do cumprimento da pena detentiva veio o arguido procurar justificar o facto de, durante todo este lapso temporal, se ter eximido à execução da pena substitutiva.

Pelo exposto, visto o preceituado no artigo 59.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, determino a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, consequentemente, determinando o cumprimento da pena principal de 4 (quatro) meses de prisão.

                                                           *

Após trânsito em julgado:

a) Emitam-se os pertinentes mandados de detenção e condução ao estabelecimento prisional, a fim de o arguido cumprir aquela pena de prisão -

b) Comunique aos serviços de reinserção social.”

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Inconformado com tal despacho, dele recorreu, em 18/4/2016, o arguido, defendendo a sua revogação, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido, foi condenado por sentença proferida em 02-10-2014, transitada em julgado em 03-11-2014, pela prática, como autor material, de um crime de furto, previsto e punido pelo artº 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, substituída pela pena de 120 (cento e vinte) horas de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade.

2. O arguido, pelos motivos aduzidos no articulado, não lhe foi possível cumprir, de forma satisfatória, os 120 dias de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade.

3. O arguido foi notificado por duas vezes, na residência que consta no Processo, - Rua x...Coimbra - para ser ouvido em Tribunal, a fim de justificar os motivos do não cumprimento da Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade. No entanto dado ter alterado a sua residência, sem que tenha comunicado aos serviços de reinserção social, bem como ao Tribunal a quo, o mesmo não viria a ter conhecimento de tais convocatórias.

4. Na sequência da promoção do Digníssimo Ministério Público, de 15-01-2016, no sentido da revogação da pena de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, o Meritíssimo Juiz a quo, por seu despacho de 20-01-2016, determinou a notificação do arguido para se pronunciar sobre a dita promoção.

5. Vindo o arguido a pronunciar-se, através de requerimento, indicado em 13º, fundamentando pela não revogação da pena de substituição. No entanto,

6. O Meritíssimo Juiz a quo, por seu despacho de 01-03-2016, nos termos do artº 59º, nº 2, als. a) e b), revogou,  a referida pena de substituição de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade por um período de 120 horas, determinando o consequente cumprimento da pena de quatro meses de prisão ao arguido.

7. O arguido considera que, não se colocou intencionalmente em condições de não poder trabalhar, nem se recusa a prestar trabalho a favor da comunidade, pelo contrário, pretende cumprir a pena se substituição com que foi condenado e está disponível para colaborar com os serviços de reinserção social.

8. O arguido estava desempregado há mais de três anos e desde Junho de 2015, encontra-se a trabalhar na empresa, H... DLª, sita em w... Coruche, ligada à atividade de criação de bovinos e produção de leite.

9. Tendo uma vida estabilizada e estando integrado no meio onde vive, bem como o seu agregado familiar, composto pela companheira e uma filha de 13 anos, residindo no lugar de w...Coruche. Assim,

10. Com o devido respeito, considera o douto despacho que revoga a pena de substituição de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, uma decisão excessiva e desproporcionada, violando o princípio prático subjacente e constante no artº. 70º do Código Penal, segundo o qual o Tribunal dá preferência à aplicação da pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

11. Porquanto, poderão resultar consequências mais gravosas do que o próprio cumprimento da prisão efetiva, nomeadamente com o eventual despedimento por parte da entidade empregadora, bem como outras consequências sociais, como deterioramento das relações familiares e consequências materiais, como seja a falta de rendimento para sustento da família.

Termos em que e nos melhores de direito, que Vossas Excelências melhor suprirão, por todas as conclusões aduzidas, deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple a concessão de mais uma oportunidade ao arguido, quiçá, a derradeira, a fim de, em liberdade poder cumprir a pena de substituição, de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, por um período de 120 horas, com que foi condenado, na área da sua nova residência – lugar de w...Coruche.

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O recurso, em 21/4/2016, foi admitido.

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O Ministério Público, em 6/6/2016, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, contra-alegando, em resumo, que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação da lei, salientando que “a postura do arguido, ao não comparecer em juízo para apresentar as razões do incumprimento do trabalho a favor da comunidade a que foi condenado nem deixar «vestígios» por forma a ser localizado para o efeito, só pode ser compreendida como total indiferença pela condenação que sofreu nestes autos.
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Nesta Relação, em 19/10/2016, a Digníssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, sem prejuízo da aplicação de uma outra pena de substituição (prisão por dias livres ou semidetenção), nos termos do artigo 45.º, do Código Penal.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tendo sido exercido, em 2/11/2016, o direito de resposta em que foi reiterado o alegado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.

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II. Apreciação do Recurso:

De harmonia com o disposto no n.º 1, do artigo 412.º, do CPP, e conforme jurisprudência pacífica e constante, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), é a seguinte a questão colocada pelo recorrente à apreciação deste tribunal:

- Saber se estão reunidos os pressupostos para a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade.

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Nos termos do artigo 59.°, n.º 2, do Código Penal, são requisitos para revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade e impor ao arguido o cumprimento da respetiva pena de prisão:

a) Colocação intencional em condições de não poder trabalhar;

b) Recusa, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado;           

c) Prática de crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Daqui resulta, salvo o devido respeito, que, no caso de haver revogação, é ordenado o cumprimento da pena de prisão determinada e não a aplicação de outra pena de substituição, como vem defendido, a fls. 41 e 42, pela Digníssima Procuradora-Geral Adjunta.

Mais, nos termos do citado nº 2, supra transcrito, a revogação da PTFC, pressupõe sempre uma conduta culposa do condenado.

Por sua vez, o artigo 7.º, n.º 1, do DL n.º 375/97, de 24/12, impõe ao arguido que o mesmo deve cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações para e durante a sua execução.

Por sua vez, de acordo com o n.º 2, deste artigo, como é salientado no despacho recorrido, o arguido para além daquelas obrigações em geral, está especificamente obrigado a certos procedimentos relativamente ao tribunal e entidades que supervisionam o cumprimento da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, para que se torne possível o início e a adequada execução.

No caso em apreço, o despacho recorrido decidiu revogar a PTFC invocando para tanto a alínea b), do n.º 2, do artigo 59.º, do Código Penal, a qual comporta duas situações: a) recusa sem justa causa em prestar trabalho; b) infração grosseira dos deveres decorrentes da pena.

Na primeira, o condenado rejeita ou evita prestar o trabalho que lhe foi determinado, no âmbito do plano de execução previamente solicitado aos serviços de reinserção social.

Não há lugar à revogação da PTFC quando a recusa em prestar o trabalho é desculpável, designadamente, por razões de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra considerada atendível.

Na segunda, o condenado viola, de forma grosseira, os deveres que para si decorrem da aplicação da pena de PTFC ou seja, as obrigações de trabalho decorrentes da sentença, o acatamento das orientações relativas à forma de execução das tarefas assinaladas, as regras de conduta eventualmente cumuladas com a prestação e ainda as obrigações e deveres previstos no artigo 7.º, n.º 2, do Dec. Lei nº 375/97, de 24 de Dezembro.

Não basta uma qualquer violação destes deveres e obrigações, exigindo-se antes que ela ocorra em grau particularmente elevado, assumindo-se como intolerável, face aos fins que determinaram a aplicação da pena.

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Aqui chegados, é nosso entendimento que não resulta evidente dos autos que o arguido se recusou de forma injustificada a prestar trabalho e que tenha violado grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado, impedindo a sua execução.

É certo que o condenado não respondeu às convocatórias, nem compareceu em juízo, nem comunicou, atempadamente, a alteração da residência (alegada no seu requerimento datado de 8/2/2016), o que é, sem dúvida, censurável, por indiciar incúria, estando em causa a sua liberdade.

E também é verdade que tal requerimento só foi junto aos autos após o ora recorrente ter sido notificado para se pronunciar quanto à promoção do Ministério Público no sentido de ser revogada a prestação de trabalho a favor da comunidade.

Dele consta o seguinte:

“(…).

4. Em data que não sabe precisar, depois de ter sido convocado pelos serviços de reinserção social para iniciar o trabalho a favor da comunidade, já acordado ser na Junta de Freguesia de y..., em Coimbra, o arguido encontrou-se doente, vindo a ser inclusivamente hospitalizado, dando do facto conhecimento à Dra. B... dos serviços de reinserção social, sendo que esta terá dado conhecimento ao Presidente da Junta referido.

5. Após ter tido alta, deu novamente conhecimento à Dra. B..., informando esta da sua disponibilidade para a prestação do trabalho a favor da comunidade na mencionada Junta de Freguesia, tendo a Drs. B... informado o arguido para esperar até ser convocado, porquanto o Presidente da Junta, naquela altura, teria muita gente lá a trabalhar, pelo que ficou à espera.

6. Porém, em julho do ano passado, foi convidado para trabalhar numa Firma denominada “ H... Ld”, sita em w...Coruche, cuja atividade económica é criação de bovinos para produção de leite.

7. Dado que o arguido se encontrava desempregado há mais de três anos, conforme consta da sentença, o mesmo viria a aceitar o convite, pelo que ainda se encontra ali a trabalhar.

8. Em face do exposto, o arguido teve necessidade de alterar a sua residência, passando a residir em w...Coruche.

9. Assim como teve necessidade de alterar o seu n.º de telemóvel, sendo o atual 932887853, em virtude de residir num local que ainda não tem cobertura da rede 91.

10. Porém, para salvaguardar uma eventual rescisão do contrato de trabalho, continua a manter a residência anterior, em Coimbra, onde ainda guarda grande parte dos seus bens.

11. Contudo, dado o compromisso que tinha para com a justiça, nomeadamente na prestação de trabalho a favor da comunidade, incumbiu uma pessoa da sua confiança, C..., residente no k... Coimbra, a qual aceitou vigiar, diariamente ou com uma certa regularidade, a sua caixa do correio, na sua residência em Coimbra, dando-lhe conhecimento posteriormente da correspondência que entretanto fosse chegando, conforme aconteceu com algumas cartas remetidas pelo hospital e da segurança social respeitante ao rendimento mínimo.

12. O C..., pelo menos por duas vezes, aproveitando o facto de ser padrinho da sua filha, deslocou-se à nova residência do arguido e entregou-lhe alguma correspondência, não sendo nenhuma do Tribunal nem dos serviços de reinserção, tendo este afirmado que nunca recebeu na caixa do correio qualquer correspondência nesse sentido.

13. Também o arguido se deslocou à sua residência em Coimbra em data que não sabe precisar, não existindo na sua caixa do correio correspondência a que se alude.

14. Apesar de o arguido estabelecer contacto telefónico com o C..., nomeadamente, quando este constatava a existência de correio na residência do arguido, em Coimbra, declara o arguido que tal indivíduo nunca lhe deu conhecimento da receção de qualquer carta proveniente do tribunal, ou dos serviços de reinserção social, apesar de o arguido o interpelar nesse sentido.

15. Apesar de todas as vicissitudes invocadas, o arguido confessa que, na altura em que lhe foi formulado o convite para trabalhar, implicando a mudança de residência, não informou o tribunal nem os serviços de reinserção social, devido ao que foi referido em 5.

(…).

19. O arguido sempre esteve disponível, conforme o descrito em 5, e continua a estar disponível para prestar serviço a favor da comunidade, agora na área da sua nova residência e local de trabalho, sendo que é sua intenção cumprir com regularidade e eficácia o trabalho que lhe vier a ser determinado, tendo em conta as suas competências e qualificações.

20. O arguido, pelo facto de estar a trabalhar, veio, por conseguinte, melhorar substancialmente as suas condições de vida, bem como do seu agregado familiar, encontra-se integrado na sociedade do meio onde vive, gosta da sua atividade, a qual se insere na criação de bovinos para produção de leite, bem como na atividade de ordenha, pelo que é sua pretensão continuar a desempenhar tais funções, de uma forma estabilizada.

                                                           ****

É preciso ter bem presente que a revogação da PTFC configura uma alteração da sentença condenatória, já que, sendo aquela uma verdadeira pena (uma pena de substituição), a sua revogação traduz-se sempre no cumprimento pelo condenado de outra pena - a pena de prisão.

Assim sendo, a revogação é um ato decisório que contende com a liberdade do arguido, que o atinge na sua esfera jurídica, o que implica o reconhecimento legal do direito constitucional de contraditório.

O Tribunal deve fazer todas as diligências possíveis para evitar a aplicação de curtas penas de prisão.

No caso em apreço, se é certo que, como já dissemos, estamos na presença de indícios de incúria do condenado, não é menos verdade que a versão que veio trazer aos autos, em 8 de fevereiro de 2016, origina, pelo menos, a ideia de que não houve da sua parte uma total falta de vontade em prestar trabalho a favor da comunidade.

Aliás, é reiterada a vontade de levar a cabo a PTFC na área da nova residência.

A partir daquela data, não mais é possível considerar que o ora recorrente continuava em paradeiro desconhecido e que não era possível ouvi-lo.

Justificava-se, então, no mínimo, pela gravidade das eventuais consequências ao nível da privação da sua liberdade, a sua audição presencial, assim como a confirmação, junto dos serviços de reinserção social, do alegado quanto à referida Doutora B..., e a inquirição de C...(testemunha indicada no requerimento).

O direito ao contraditório não pode ser cumprido ao nível do meramente formal, antes pressupõe um desenvolvimento com os elementos que surgem em concreto nos autos.

Ora, o arguido, no seu requerimento, introduziu novos dados para apreciação que, pura e simplesmente, foram ignorados, tornando inócua, salvo o devido respeito, a finalidade da notificação entretanto ocorrida.

O Tribunal a quo podia e devia apurar se o arguido esteve efetivamente doente, se deu disso conhecimento aos serviços de reinserção social, se a Doutora B... lhe comunicou que esperasse até ser convocado, se C...foi incumbido da missão referida no requerimento, se nunca foi recebida a correspondência relevante para o caso presente, na residência do arguido e se este continuava a trabalhar em Coruche e até quando.

Só assim seria possível saber se A... se recusou injustificadamente a cumprir a pena substitutiva da pena de prisão.

Enfatize-se que estamos face a uma decisão que põe em causa um direito fundamental do arguido, isto é, a sua liberdade.

O que equivale a dizer que a revogação da PTFC pelo tribunal a quo, neste momento, é excessiva para a conduta do arguido, desde logo por ser prematura, face ao desconhecimento em concreto dos reais motivos que estiveram na base da conduta do condenado, designadamente, se existiu da sua parte uma conduta culposa.

Se assim for, então sim, deverá ser ponderada a revogação da PTFC com a implicação do cumprimento da pena de prisão aplicada.

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IV. Decisão:

Face ao exposto, decide-se conceder provimento ao recurso do recorrente e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, devendo o tribunal a quo apreciar o comportamento do arguido, após obter os elementos necessários quanto à real causa para a não PTFC.

Sem custas.

                                                           ****

(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator).

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Coimbra, 15 de dezembro de 2016

(José Eduardo Martins - relator)

(Maria José Nogueira - adjunta)