Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1671/18.7T8FIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGULAÇÃO PELOS TRIBUNAIS FRANCESES
RESIDÊNCIA DOS MENORES EM FRANÇA
RETENÇÃO ILÍCITA EM PORTUGAL
INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 59.º E 259.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 10.º, COMBINADO COM O ARTIGO 8.º, N.º 1, E 12.º, N.º 3, ALÍNEA A), DO REGULAMENTO (CE) N.º 2201/2003, DO CONSELHO, DE 27 DE NOVEMBRO
Sumário: I – Tendo a justiça francesa fixado, em processo de regulação das responsabilidades parentais, a residência dos menores em França, no domicílio do pai, após o que a mãe reteve os filhos, na sequência de período de férias, em Portugal, contra a vontade do pai, que pediu o regresso dos filhos a França, deve considerar-se ilícita a retenção e incompetentes os tribunais portugueses para processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, interposto pela mãe em Portugal, para que os menores passem a residir com ela neste Estado.

II – Tendo em conta o disposto no n.º 2 do art.º 259.º do NCPCiv. – no caso, a proposição da ação só produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação – e considerando que o requerido/pai, quando foi proferida a decisão impugnada, ainda não havia sido citado para a ação, a consequência da incompetência absoluta é o indeferimento do pedido e não a absolvição do réu da instância.

Decisão Texto Integral:
Relator: Emídio Francisco Santos
1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves
2.ª Adjunta: Maria João Areias


Processo n.º 1671/18.7T8FIG-B.C1

Acordam na ... Secção Cível do Tribunal da Relação ...

AA, residente na rua ..., ..., ..., ..., requereu contra BB, residente em 16 ..., 45100, ..., ..., no Juízo de Família e Menores ... do tribunal de Comarca ..., a alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores CC e DD, pedindo que os mesmos ficassem à guarda e cuidados da requerente, em Portugal, sem prejuízo do convívio com o pai, supervisionado por técnicos competentes.

O pedido foi deduzido ao abrigo do artigo 13.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em ..., em 25 de Outubro de 1980.

Para o efeito alegou em síntese:
1. A requerente e requerido, ambos de nacionalidade portuguesa, são os progenitores dos menores, os quais têm residido em ... desde Agosto de 2013, primeiro e até 2015 em coabitação com o pai e com a mãe, depois, só com a mãe até ao Verão de 2018 e, a partir de Novembro de 2018 e até Julho do corrente ano, apenas com o pai;
2. Neste momento encontram-se em Portugal com a requerente e, não querem regressar a ... e à guarda e cuidados do pai;
3. Em 8/10/2017, o Tribunal de Grande Instância ... decidiu que o exercício das responsabilidades parentais caberia em conjunto a ambos os progenitores, sobre as questões de particular importância para a vida dos filhos - educação e orientação profissional, saídas do território nacional, religião, saúde, autorização para a prática de desportos perigosos - e fixou definitivamente a residência dos menores com a mãe e regulou o regime de convívios com o pai;
4. O requerido requereu em ... a alteração da regulação das responsabilidades parentais, no sentido de lhe ser atribuída a guarda exclusiva dos menores e fixada a residência dos mesmos no seu domicílio;
5. A aqui requerente contestou o pedido do progenitor e pediu, entre o mais, que fosse determinado o exercício conjunto das responsabilidades parentais dos menores e que fosse fixada a residência dos mesmos no domicílio dela em Portugal, sem prejuízo das visitas e convívios com o pai;
6. Os menores estão a passar férias com a mãe em Portugal, desde o dia .../.../2023 e deveriam ter sido entregues ao pai em 1de Agosto;
7. Apesar de estarem muito felizes por estarem com a mãe, os menores estão muito ansiosos, nervosos e receosos com o seu regresso a ... e à companhia do pai e recusaram-se a ir embora, implorando à requerente para que não os leve;
8. A Requerente não levou as crianças de regresso a ..., porque estas se recusaram a ir;
9. Existe o risco grave dos menores, no seu regresso a ... e à guarda do pai, ficarem sujeitos a perigos de ordem física e psíquica intoleráveis;
10.No superior interesse dos menores que impedir que os menores regressem à guarda e companhia do pai, em ..., onde correm risco sério quer quanto à sua integridade física, quer mental e que aos mesmos fiquem à guarda e cuidado da mãe, em Portugal, com quem se sentem seguros e tranquilos, regulando-se aqui o exercício das responsabilidades parentais.

A Meritíssima juíza do tribunal a quo julgou o tribunal português internacionalmente incompetente e, em consequência, absolveu o requerido da instância.

Justificou a decisão dizendo:
1. Que as crianças residiam em ...;
2. Que o seu regresso a ... já havia sido determinado no âmbito do processo n.º 1671/18.... (regresso na sequência da retenção ilícita ao abrigo da Convenção de ... de 1980 e do Regulamento (CE) n.º 2201/2033;
3. Que a questão da competência era regulada pelo Regulamento (CE) n.º 2201/2033, de 27 de Novembro;
4. Que a competência internacional pertencia ao Estado-Membro da residência habitual da criança, com referência à data da instauração do processo;
5. Que a norma invocada pela requerente não se aplicava à presente situação;
6. Que as considerações tendo em vista o não regresso das crianças a ... apenas podiam se deduzidas no processo de entrega dos menores a ...;
7. Que a competência internacional pertencia aos tribunais franceses;
8. Que as excepções previstas no Regulamento à regra da residência habitual da criança não se verificavam no caso;
9. Que a autora também não justificava a atribuição da competência aos tribunais portugueses com base no artigo 62.º, alínea c), do CPC.   

A requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e substituísse a decisão recorrida por outra que julgasse o tribunal recorrido internacionalmente competente para julgar a causa.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões consistiram na imputação à decisão recorrida da violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 1.º, n.º 2 e artigo 12.º, n.º 1 al. al a), do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, e no artigo 13.º da Convenção da ... de 1980, de 25 Outubro de 1980, e ainda nos artigos 6.º, 59.º e 547.º do CPC (por remissão do art.º 33º, nº 1, do RGPTC).

Esta imputação assentou, em síntese, na seguinte alegação:
1. Que o tribunal a quo era internacionalmente competente para julgar a acção ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003;
2. Que sendo o tribunal a quo competente, ao abrigo do artigo 13.º da Convenção de ... de 25 de Outubro de 1980, para recusar o regresso das crianças ao país da residência da criança, caso exista "um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável", e/ou se a criança, com idade e maturidade para que as suas opiniões sejam consideradas, se opuser ao regresso, por maioria de razão, também é competente para alterar a regulação das responsabilidade parentais da criança que resida noutro estado contratante, in casu a ..., onde se encontra em perigo de ordem física e/ou psíquica ou para onde a criança se recusa a regressar;
3. Que foram alegados factos que, a provarem-se, indicavam com clareza que as crianças tinham ligação particular com Portugal, que, em ..., junto do pai, a saúde física e psíquica dos menores corria perigo e que o superior interesse das duas crianças era conseguido com a sua residência em Portugal e a viverem com a mãe, pelo que só após a produção da prova podia saber se era ou não competente para decidir o pedido formulado;
4. Que estando já nos autos, à data da sentença, o pedido para que o Tribunal ordenasse o regresso dos menores a ..., deveria o Tribunal recorrido fazer uso do disposto nos artigos 6.º e 547.º do CPC, na tramitação desse pedido, admitir a produção da prova oferecida pela requerente e decidir se estão ou não preenchidos os requisitos do artigo 13.º da Convenção da ... de 1980, de 25/10, que confere competência ao Tribunal a quo para o caso de se provarem os factos alegados pela requerente.

O Ministério Público respondeu ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Para o efeito alegou em síntese:
1. Que no que diz respeito à competência internacional dos Tribunais portugueses para conhecerem das questões suscitadas pela presente acção, havia que atender ao Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho da União Europeia, de 27 Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental;
2. Que nos termos do artº 8.º, nº 1, do citado Regulamento “os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.
3. Que as crianças têm a sua residência habitual em ..., dominam a língua francesa estavam a frequentar a escola em ..., foi aí que foi regulado o exercício das responsabilidades parentais e foi também em ... que lhes foi instaurado um processo de promoção e de proteção, onde foram sujeitas a medida protetiva.
4. Que no caso presente não deve ter lugar a regra da ”extensão da competência” resultante do artº 12º, nº 3, al. a) do Regulamento, pelo simples facto dos menores serem de nacionalidade portuguesa, porque as citadas regras de proximidade e do superior interesse da criança ditam que sejam os tribunais franceses os competentes internacionalmente para conhecer das questões da presente demanda e os melhor posicionados para aferirem da pretensão da Requerente e encetarem as diligências tidas por necessárias para esse efeito.

O requerido, citado para os termos do recurso e da causa, não respondeu ao recurso.


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Questões suscitadas pelo recurso:

Saber se, ao julgar internacionalmente incompetente o tribunal a quo, a decisão recorrida violou as disposições legais indicadas pela recorrente e, em afirmativo, se deve ser substituída por decisão a julgar internacionalmente competente o tribunal a quo para julgar o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores.


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Factos relevantes para a decisão do recurso
1. CC, nasceu a .../.../2007, sendo natural da freguesia ..., concelho ....
2. DD, nascida a .../.../2009, é natural da freguesia ..., concelho ....
3. Os menores são filhos de BB e de AA, ambos de nacionalidade portuguesa.
4. Os pais dos menores estão separados.
5. Os menores residem em 36 rue ... St. EE, ....
6. De acordo com a decisão do tribunal de Grande Instância ..., de 22-10-2019, os menores ficaram confiados ao pai, mas exercendo os pais em conjunto as responsabilidades parentais, tendo sido fixada a residência das crianças junto do pai em ... e estabelecido um regime de convívios com a mãe.
7. Os menores vieram em 4 de Julho do corrente ano a Portugal com a mãe, para passar férias, e deviam ter sido entregues ao pai em 1de Agosto;
8. A requerente não levou as crianças para ....
9. Em 14 de Agosto de 2020, o requerido solicitou às autoridades francesas o regresso das crianças a ....

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Descritos os factos passemos à apreciação dos fundamentos do recurso.

A recorrente começa por censurar a decisão recorrida com a alegação de que a competência internacional do tribunal recorrido decorre do artigo 12.º, n.º 3, alínea a) do Regulamento (CE) n.º 2201/2033, do Conselho, de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental [supõe-se que, por erro, a recorrente invocou o artigo 12.º, n.º 1, alínea a)].

 A linha argumentativa do recurso é a seguinte:
1. A competência do tribunal, em geral, deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurada pelo autor;
2. A determinante fundamental a ter em conta para aferir da competência internacional do tribunal recorrido para julgar a causa é o da efectiva ligação dos menores e dos seus progenitores a Portugal, país da nacionalidade de todos e ao qual os menores têm "ligação particular";
3. O artigo 12.º, n.º 3 alínea al a) do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, ex vi artigo 8.º n.º 2 do mesmo Regulamento (CE), estende, especificamente, a competência aos tribunais de um Estado-Membro "em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.º 1, quando a criança tenha uma ligação particular com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado- Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro";
4. Conforme alegado pela requerente, os menores têm uma ligação particular a Portugal, quer porque a requerente tem residência em Portugal, na área do tribunal recorrido, quer porque ambos os progenitores e os menores são nacionais do Estado Português;
5. Para além disso, conforme alegado no requerimento inicial e resulta dos documentos a ele juntos, nomeadamente os documentos n.ºs ..., ...2, ...3, ...4, ...5 e ...6, os menores têm e sentem maior ligação familiar e afectiva a Portugal. Este é o seu país. É aqui que vivem a mãe, o irmão, a avó materna, os tios e os primos. É aqui que se sentem bem e seguros e é aqui que querem viver, na companhia da mãe;
6. Nas declarações que prestaram em 2018, no tribunal da ..., no âmbito do procedimento de entrega judicial de menor, e nas cartas que escreveram ao juiz do tribunal francês que determinou a residência deles em ..., com o pai, os menores apelam para que os deixem ficar em Portugal com a mãe;
7. Dizem peremptoriamente que não gostam de viver em ... com o pai, que não querem voltar para lá e que querem viver em Portugal, com a mãe.

Apreciação do tribunal:

Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

Em primeiro lugar, importa dizer que, apesar de a requerente não ter identificado a fonte da regulação das responsabilidades parentais que pretende alterar, nem ter instruído o requerimento com a certidão dessa fonte, como prescrevem as subalíneas i) e ii) do n.º 2 do artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC], é isento de dúvida que tem em vista a decisão do tribunal de Grande Instância ..., de 22-10-2019, que decidiu, em síntese, o seguinte em matéria de responsabilidade parental dos menores:
1. Que a requerente e o requerido exerciam em conjunto as responsabilidades parentais;
2. Que a requerente e o requerido deviam tomar de comum acordo as decisões importantes relativas à vida das crianças, nomeadamente a escolaridade e a orientação profissional, as saídas do território nacional, a religião, a saúde, e as autorizações para a prática de um desporto perigoso;
3. Fixar a residência das crianças no domicílio do pai;
4. Estabelecer um regime de visitas da requerente.

Em segundo lugar importa dizer que também é isento de dúvida que o pedido de alteração tem conexão com a ordem jurídica portuguesa e com a francesa. Tem conexão com a ordem jurídica portuguesa porque as partes e os menores têm nacionalidade portuguesa e a requerente reside em Portugal. Tem conexão com a ordem jurídica francesa porque a regulação das responsabilidades parentais que se pretende alterar foi estabelecida por sentença de um tribunal francês, porque o requerido reside em ..., porque a residência dos menores foi fixada no domicílio do requerido e porque alguns dos factos que fundamentam o pedido de alteração passaram-se em ....

Quando a acção proposta em Portugal tenha elementos de conexão, objectivos ou subjectivos, com outras ordens jurídicas, coloca-se a questão da competência internacional dos tribunais portugueses.

Questão cuja resposta, segundo o artigo 59.º do CPC, resulta do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais ou da verificação de alguns dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.

No caso, a resposta à questão da competência internacional dos tribunais portugueses é dada pelo Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental. Com efeito:
1. O regulamento é aplicável à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental [artigo 1.º, n.º 1, alínea b)];
2. As matérias referidas na alínea b) do n.º 1 dizem respeito, além do mais, ao direito de guarda e ao direito de visita [artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do regulamento] e o pedido de alteração deduzido pela requerente contende com o direito de guarda e de visita, na definição que é dada a estes direitos pelos números 9 e 10 do artigo 2.º do Regulamento;
3. O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados-Membros em conformidade com o tratado que institui a Comunidade Europeia [artigo 72.º do Regulamento] e Portugal e ... são Estados-Membros da União Europeia.

Quanto à norma do regulamento que é aplicável à determinação da competência ela é a do artigo 10.º, combinada com o artigo 8.º, n.º 1, e não a do artigo 12.º, n.º 3, alínea a), como sustenta a recorrente. Vejamos.

Segundo o citado artigo 10.º, “Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção, continuam a ser competentes para a regulação das responsabilidades parentais até a criança passar a ter a residência habitual noutro Estado membro e:
a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou
b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no se novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:
i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida;
ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i);
iii) o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do n.º 7 do artigo 11.º;
iv) Os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.

Resulta da norma acabada de transcrever que, em caso de retenção ilícita de uma criança num Estado-Membro, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia imediatamente antes da retenção continuam a ser competentes em matéria de responsabilidade parental até a criança passar a residir noutro Estado.

Esta regra, que está em conformidade com a regra geral enunciada no n.º 1 do artigo 8.º do regulamento, segundo a qual “os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”, visa, por um lado,  dissuadir as deslocações e as retenções e ilícitas e, por outro, impedir que quem desloque ou retenha ilicitamente as crianças obtenha vantagem com esse facto.

O artigo 10.º prevê, no entanto, excepções à regra da manutenção da competência dos tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção, mediante a atribuição de competência aos tribunais do Estado-Membro onde a criança passou a ter a sua residência habitual em consequência da sua deslocação ou retenção ilícita. Excepções que só valem quando se verificarem as situações previstas nas alíneas a) ou b) do mencionado artigo 10.º.

A competência para a apreciação do pedido da requerente cai sob a alçada da regra enunciada no artigo 10.º porque o pedido foi deduzido num momento em que a permanência dos menores em Portugal configurava uma situação de retenção ilícita das crianças, quer à luz do artigo 3.º, alínea a), da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em ..., em 25 de Outubro de 1980 [entrada em vigor em Portugal em 1-12-1983], quer à luz do artigo 2.º, n.º 11, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003.

Com efeito, segundo o artigo 3.º, alínea a), da Convenção, “a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção”.

Por sua vez segundo o artigo 2.º, n.º 11, alínea a), para efeitos do Regulamento entende-se por «deslocação ou retenção ilícita de uma criança», a deslocação ou a retenção de uma criança quando viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito, ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro, onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção.

Visto que o tribunal de Grande Instância ..., decidiu, por sentença proferida em 22-10-2019, confiar a guarda das crianças ao requerido, fixando a residência delas no domicílio dele, em ..., a decisão unilateral da requerente de não entregar as crianças ao requerido, residente em ..., e de permanecer com elas, em Portugal, na sua residência, configura uma violação do direito de guarda conferido por decisão judicial.

Como se escreveu acima, as alíneas a) e b) do artigo 10.º prevêem excepções à regra de que, em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção continuam a ser competentes em matéria de responsabilidade parental.

Excepções que são no sentido de reconhecer competência em matéria de responsabilidade parental precisamente aos tribunais do outro Estado-Membro onde a criança passou a ter a sua residência habitual.

Nenhuma das excepções é aplicável ao caso. Assim:

A excepção prevista na alínea a) não é aplicável porque ela pressupõe que o titular do direito de guarda dê o seu consentimento à deslocação ou retenção e o requerido não dá tal consentimento, como o atesta o facto de ter pedido, ao abrigo da Convenção, o regresso das crianças a ....

A prevista na alínea b) também não é aplicável porque ela pressupõe, antes de mais, que os menores tenham estado a residir no Estado-Membro para onde foram deslocados ou retidos durante pelo menos um ano após o titular do direito de guarda ter tomado ou devesse tomar conhecimento do paradeiro das crianças, e, no caso, quando o requerido tomou conhecimento do paradeiro das crianças estas ainda não residiam em Portugal com a mãe há um ano.

Vejamos, agora, as razões pelas quais o artigo 12.º, n.º 3, do regulamento não dá cobertura à competência dos tribunais portugueses para julgarem pedido de alteração das responsabilidades parentais.

Segundo o considerando 12 do regulamento, “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.

Uma das excepções ao critério de que a competência cabe aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual do menor [critério enunciado no n.º 1 do artigo 8.º do regulamento] está prevista no n.º 3 do artigo 12.º, cujos termos são os seguintes:

 “Os tribunais de um Estado-Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.º 1, quando:

a) A criança tenha uma ligação particular com esse Estado- -Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro; e

b) A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança”.

Resulta da norma acabada de transcrever que a competência nele atribuída aos tribunais de um Estado-Membro, em matéria de responsabilidade parental, diferente do Estado-Membro onde a criança reside habitualmente, pressupõe:
1. Que a criança tenha uma ligação particular com esse outro Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro;
2. Que a competência desse outro Estado-Membro tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal;
3. Que a competência seja exercida no superior interesse da criança.

Sobre o conceito de “aceitação explícita ou de qualquer outra forma inequívoca”, o Tribunal de Justiça da União Europeia afirmou no acórdão proferido no processo n.º ...3, proferido em 12 de Novembro de 2014, que, o mesma lido à luz do referido no n.º 1 do artigo 16.º do regulamento, “impõe que esteja demonstrada a existência de um acordo explícito ou pelo menos unívoco sobre a referida extensão de competência entre todas as partes no processo, o mais tardar na data da apresentação ao tribunal escolhido do acto introdutório da instância ou de acto equivalente”.

No mesmo sentido se pronunciou o mesmo tribunal no acórdão proferido em 19 de Abril de 2018, no processo n.º ...6, ao afirmar que o artigo 12.º, n.º 3, alínea b), “impõe que esteja demonstrada a existência de um acordo explícito ou pelo menos unívoco sobre a extensão de competência entre todas as partes no processo”.

Quanto ao sentido a dar à expressão “todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal”, o acórdão proferido em 19 de Abril de 2018, no processo n.º ...6, afirmou que, quando um procurador, segundo o direito nacional, é parte de pleno direito no processo instaurado pelos pais, é uma parte no processo na acepção do artigo 12.º, n.º 3 do regulamento n.º 2201/2003.

 Interpretado o artigo 12.º, n.º 3, do regulamento com o sentido e alcance expostos, é seguro afirmar-se que ele não dá cobertura à competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento do pedido da alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores.

Com efeito, se se pode dizer que os menores têm uma ligação particular a Portugal, devido ao facto de serem portugueses e de a requerente, sua mãe, ser portuguesa e residir habitualmente em Portugal, já não se pode dizer que, quando foi instaurado o pedido de alteração das responsabilidades parentais, todas as partes no processo tinham aceitado explicita ou inequivocamente a competência dos tribunais portugueses. Não só não há prova de que o requerido e o Ministério Público tenham aceitado tal competência, como a intervenção no processo destas partes aponta precisamente em sentido contrário.

Segue-se do exposto que à luz do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, os tribunais internacionalmente competentes para conhecerem do pedido de alteração das responsabilidades parentais dos menores são os tribunais franceses por serem os tribunais do Estado-Membro onde eles residiam habitualmente imediatamente antes da sua retenção ilícita em Portugal e por a regra geral de competência em matéria de responsabilidade parental é a de que são competentes os tribunais do Estado-Membro onde a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal [n.º 1 do artigo 8.º do regulamento].

Em consequência do exposto, improcede o fundamento do recurso ora em apreciação.

II)

A segunda linha argumentativa da recorrente radica no artigo 13.º da Convenção e é apoiada na seguinte alegação:
1. A requerente alegou que os menores sofrem de violência física e verbal, por parte do pai, em ..., que isso é do conhecimento das autoridades francesas, que nada fazem ou pretendem fazer para o evitar e que o regresso a ... sujeitará os menores a perigos de ordem física e psíquica, colocando-os numa situação intolerável, que porá em causa a sua segurança e desenvolvimento saudável.
2. Alegou, ainda, que os menores têm idade e maturidade suficientes para opinar sobre o seu regresso a ..., tendo manifestado peremptoriamente que se recusam a regressar a esse país;   \
3. Nos termos do artigo 13.º da Convenção da ... de 1980, de 25/10/1980, o tribunal de um estado contratante pode recusar-se a ordenar o regresso da criança ao país da residência, nomeadamente, se existir um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável, se verificar que a criança se opõe ao regresso e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto;
4. Podendo o tribunal recorrido não ordenar o regresso dos menores a ..., por maioria de razão, também é competente para alterar a regulação das responsabilidades parentais dos menores residentes em ..., onde se encontram em perigo de ordem física e/ou psíquica e para onde se recusam a voltar.

Apreciação do tribunal

Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

Em primeiro lugar deve dizer-se que é exacta a alegação da recorrente segundo a qual nos termos do artigo 13.º da Convenção, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

E é ainda exacta a alegação de que, segundo o mesmo preceito, “A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto”.

Porém, já não tem amparo na Convenção ou em qualquer outra norma a alegação da recorrente de que, tendo o tribunal recorrido competência para não ordenar o regresso dos menores a ..., por maioria de razão, também é competente para alterar a regulação das responsabilidades parentais dos menores residentes em ..., onde se encontram em perigo de ordem física e/ou psíquica e para onde se recusam a voltar.

Com efeito, nem a norma do artigo 13.º da Convenção é uma norma de competência em matéria de responsabilidade parental, nem a decisão sobre o regresso da criança, qualquer que seja o seu sentido, é uma decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais. Com efeito, nos termos do artigo 19.º da Convenção, “a decisão sobre o regresso da criança, tomada ao abrigo da presente Convenção, não afecta os fundamentos do direito de custódia.  

E é por a decisão sobre o regresso da criança não ser uma decisão quanto ao mérito da guarda que:
1. O artigo 16.º da Convenção estabelece que: “Depois de terem sido informadas da transferência ilícita ou da retenção de uma criança no contexto do Artigo 3.º, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de custódia sem que seja provado não estarem reunidas as condições previstas na presente Convenção para regresso da criança, ou sem que tiver decorrido um período razoável de tempo sem que haja sido apresentado qualquer requerimento em aplicação do prescrito pela presente Convenção”;
2. Que o n.º 8 do artigo 11.º do regulamento estabelece: “Não obstante uma decisão de retenção proferida ao abrigo 13.º da Convenção de ... de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança”.

Não há, assim, entre a competência para recusar a entrega da criança, que cabe às autoridades do Estado-Membro onde a criança está retida ilicitamente, e a competência dos tribunais de um Estado, em matéria de responsabilidade parental, uma relação de “mais” e “menos”. Por outras palavras, a competência prevista na Convenção para recusar a entrega do menor não é uma competência maior do que a competência em matéria de responsabilidade parental, de modo que a autoridade que tivesse aquela competência também teria esta. Trata-se de competências sobre questões que, embora relacionadas entre si, estão sujeitas a normas diferentes.

Improcede, pois, o argumento ora em apreciação.

III)

A terceira linha argumentativa da recorrente é constituída pela seguinte alegação:
1. Foram alegados factos que, a provarem-se, indicam com clareza que as crianças têm uma ligação particular com Portugal, que, em ..., junto do pai, correm perigo para a saúde física e psíquica e que o superior interesse das duas crianças é conseguido com a sua residência em Portugal e a viverem com a mãe;
2. Tinha, pois, o Tribunal recorrido a obrigação de admitir a produção da prova oferecida;
3. Após apreciação dela, estava o Tribunal a quo em condições de decidir se perante os factos apurados era ou não competente;
4. Não podia o Tribunal a quo declarar-se incompetente sem previamente averiguar se há factos que lhe imponham a competência.
5. Só após a produção da prova, podia saber se era ou não competente para decidir o pedido formulado.

Apreciação do tribunal:

Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

Ao alegar no sentido acima exposto, a recorrente não invoca verdadeiramente nenhuma regra de competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento do pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais diferente das que invocou e que já foram apreciadas por este tribunal.

O que alega é que, antes de decidir a questão da competência internacional, o tribunal a quo tinha o dever de averiguar os factos que ela, recorrente, alegou sobre a ligação particular das crianças com Portugal, sobre os perigos que as crianças correm com o seu regresso a ... e sobre o interesse das crianças em residirem em Portugal, com ela, requerente. A recorrente argumenta, pois, como se a decisão sobre a competência internacional dos tribunais portugueses estivesse dependente da prova dos factos que ela alegou.

Como é bom de ver, se este argumento tivesse fundamento legal, a decisão a proferir por este tribunal não seria, como pretende a recorrente, a de julgar o tribunal recorrido internacionalmente competente para julgar a causa. A decisão apropriada seria a anulação da decisão recorrida a fim de se produzir prova sobre o que alegou a recorrente.

Salvo o devido respeito, não há fundamento para tal anulação.

A produção de prova sobre a ligação particular das crianças a Portugal é inútil. Com efeito, a ligação particular de uma criança com um Estado-Membro tem relevância para a regra de competência em matéria de responsabilidade parental prevista no artigo 12.º, n.º 3, do regulamento, mas já vimos que tal regra não é aplicável ao caso.

A produção de prova sobre os efeitos prejudiciais para as crianças do seu regresso a ... e sobre o interesse delas em permanecerem em Portugal releva apenas para a decisão sobre o pedido de devolução (artigo 13.º da Convenção), mas é irrelevante para aplicação das regras de competência constantes do regulamento, concretamente para a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, 9.º, 10.º e 12.º.

Em consequência, improcede a alegação da recorrente.

IV)

Por último, alega a recorrente que, estando já nos autos, à data da sentença, o pedido para que o tribunal ordenasse o regresso dos menores a ..., deveria o tribunal recorrido fazer uso do disposto nos artigos 6.º e 547.º do CPC, na tramitação desse pedido, admitir a produção da prova oferecida pela requerente e decidir se estão ou não preenchidos os requisitos do artigo 13.º da Convenção da ... de 1980, de 25/10, que confere competência ao Tribunal a quo para o caso de se provarem os factos alegados pela requerente.

Esta alegação não colhe contra a sentença.

Em primeiro lugar, ela compreende uma denúncia de incumprimento do dever de gestão processual no pedido de entrega da criança formulado pelo requerido ao abrigo da Convenção, quando tal incumprimento, a existir, é totalmente irrelevante para a decisão sobre a competência internacional.

Em segundo lugar, a alegação da recorrente de que, caso se provem os factos alegados por ela, o artigo 13.º da Convenção confere competência ao tribunal a quo para o conhecimento da alteração das responsabilidades parentais, não tem amparo legal. Como se escreveu acima, a norma do artigo 13.º da Convenção não é uma norma sobre competência em matéria de responsabilidade parental e a decisão sobre o regresso da criança, qualquer que seja o seu sentido, não é uma decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais.

Diga-se por fim, contra a pretensão da recorrente, que não tem sentido imputar à decisão recorrida a violação do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento, e os artigos 6.º, 59.º e 547.º do CPC, pois resulta das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC que só tem sentido imputar à decisão recorrida a violação das normas que constituíram fundamento jurídico da decisão e é isento de dúvida que nenhuma das mencionadas normas serviu de fundamento à decisão de julgar o tribunal português incompetente internacionalmente. E se, na realidade, o que a recorrente quis dizer foi que tais normas deviam ter sido aplicadas e que, caso o fossem, a decisão apropriada seria a de julgar o tribunal a quo internacionalmente competente, a sua pretensão, como resulta do exposto acima, também não teria amparo legal.

Por todo o exposto, é de manter a decisão recorrida que julgou internacionalmente incompetente os tribunais portugueses para a alteração da decisão.

O que não é de manter é a consequência da incompetência absoluta. Visto que, segundo o n.º 2 do artigo 259.º, do CPC, salvo disposição em contrário, que não existe no caso, a proposição da acção só produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação e que o requerido, quando foi proferida a decisão impugnada ainda não havia sido citada para a acção, consequência adequada da incompetência absoluta é o indeferimento do pedido e não a absolvição do réu da instância.

Decisão

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência:
1. Mantém-se a decisão de julgar o tribunal recorrido internacionalmente incompetente para conhecer do pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais;
2. Indefere-se o pedido de alteração de regulação das responsabilidades parentais.


*

Responsabilidade quanto a custas:

Visto o n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrente ter ficado vencido no recurso, cabia à mesma suportar as custas do recurso. Considerando, no entanto, que a mesma goza do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não se condena a mesma no pagamento das custas

..., 30 de Maio de 2023