Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS REGULAÇÃO PELOS TRIBUNAIS FRANCESES RESIDÊNCIA DOS MENORES EM FRANÇA RETENÇÃO ILÍCITA EM PORTUGAL INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ALTERAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 05/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 59.º E 259.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 10.º, COMBINADO COM O ARTIGO 8.º, N.º 1, E 12.º, N.º 3, ALÍNEA A), DO REGULAMENTO (CE) N.º 2201/2003, DO CONSELHO, DE 27 DE NOVEMBRO | ||
Sumário: | I – Tendo a justiça francesa fixado, em processo de regulação das responsabilidades parentais, a residência dos menores em França, no domicílio do pai, após o que a mãe reteve os filhos, na sequência de período de férias, em Portugal, contra a vontade do pai, que pediu o regresso dos filhos a França, deve considerar-se ilícita a retenção e incompetentes os tribunais portugueses para processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, interposto pela mãe em Portugal, para que os menores passem a residir com ela neste Estado.
II – Tendo em conta o disposto no n.º 2 do art.º 259.º do NCPCiv. – no caso, a proposição da ação só produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação – e considerando que o requerido/pai, quando foi proferida a decisão impugnada, ainda não havia sido citado para a ação, a consequência da incompetência absoluta é o indeferimento do pedido e não a absolvição do réu da instância. | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Emídio Francisco Santos 1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves 2.ª Adjunta: Maria João Areias Processo n.º 1671/18.7T8FIG-B.C1
Acordam na ... Secção Cível do Tribunal da Relação ...
AA, residente na rua ..., ..., ..., ..., requereu contra BB, residente em 16 ..., 45100, ..., ..., no Juízo de Família e Menores ... do tribunal de Comarca ..., a alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores CC e DD, pedindo que os mesmos ficassem à guarda e cuidados da requerente, em Portugal, sem prejuízo do convívio com o pai, supervisionado por técnicos competentes. O pedido foi deduzido ao abrigo do artigo 13.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em ..., em 25 de Outubro de 1980. Para o efeito alegou em síntese: A Meritíssima juíza do tribunal a quo julgou o tribunal português internacionalmente incompetente e, em consequência, absolveu o requerido da instância. Justificou a decisão dizendo: A requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse e substituísse a decisão recorrida por outra que julgasse o tribunal recorrido internacionalmente competente para julgar a causa. Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões consistiram na imputação à decisão recorrida da violação do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 1.º, n.º 2 e artigo 12.º, n.º 1 al. al a), do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, e no artigo 13.º da Convenção da ... de 1980, de 25 Outubro de 1980, e ainda nos artigos 6.º, 59.º e 547.º do CPC (por remissão do art.º 33º, nº 1, do RGPTC). Esta imputação assentou, em síntese, na seguinte alegação: O Ministério Público respondeu ao recurso, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Para o efeito alegou em síntese: O requerido, citado para os termos do recurso e da causa, não respondeu ao recurso. * Questões suscitadas pelo recurso: Saber se, ao julgar internacionalmente incompetente o tribunal a quo, a decisão recorrida violou as disposições legais indicadas pela recorrente e, em afirmativo, se deve ser substituída por decisão a julgar internacionalmente competente o tribunal a quo para julgar o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores. * Factos relevantes para a decisão do recurso 1. CC, nasceu a .../.../2007, sendo natural da freguesia ..., concelho .... 2. DD, nascida a .../.../2009, é natural da freguesia ..., concelho .... 3. Os menores são filhos de BB e de AA, ambos de nacionalidade portuguesa. 4. Os pais dos menores estão separados. 5. Os menores residem em 36 rue ... St. EE, .... 6. De acordo com a decisão do tribunal de Grande Instância ..., de 22-10-2019, os menores ficaram confiados ao pai, mas exercendo os pais em conjunto as responsabilidades parentais, tendo sido fixada a residência das crianças junto do pai em ... e estabelecido um regime de convívios com a mãe. 7. Os menores vieram em 4 de Julho do corrente ano a Portugal com a mãe, para passar férias, e deviam ter sido entregues ao pai em 1de Agosto; 8. A requerente não levou as crianças para .... 9. Em 14 de Agosto de 2020, o requerido solicitou às autoridades francesas o regresso das crianças a .... * Descritos os factos passemos à apreciação dos fundamentos do recurso. A recorrente começa por censurar a decisão recorrida com a alegação de que a competência internacional do tribunal recorrido decorre do artigo 12.º, n.º 3, alínea a) do Regulamento (CE) n.º 2201/2033, do Conselho, de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental [supõe-se que, por erro, a recorrente invocou o artigo 12.º, n.º 1, alínea a)]. A linha argumentativa do recurso é a seguinte: Apreciação do tribunal: Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente este fundamento do recurso. Em primeiro lugar, importa dizer que, apesar de a requerente não ter identificado a fonte da regulação das responsabilidades parentais que pretende alterar, nem ter instruído o requerimento com a certidão dessa fonte, como prescrevem as subalíneas i) e ii) do n.º 2 do artigo 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC], é isento de dúvida que tem em vista a decisão do tribunal de Grande Instância ..., de 22-10-2019, que decidiu, em síntese, o seguinte em matéria de responsabilidade parental dos menores: Em segundo lugar importa dizer que também é isento de dúvida que o pedido de alteração tem conexão com a ordem jurídica portuguesa e com a francesa. Tem conexão com a ordem jurídica portuguesa porque as partes e os menores têm nacionalidade portuguesa e a requerente reside em Portugal. Tem conexão com a ordem jurídica francesa porque a regulação das responsabilidades parentais que se pretende alterar foi estabelecida por sentença de um tribunal francês, porque o requerido reside em ..., porque a residência dos menores foi fixada no domicílio do requerido e porque alguns dos factos que fundamentam o pedido de alteração passaram-se em .... Quando a acção proposta em Portugal tenha elementos de conexão, objectivos ou subjectivos, com outras ordens jurídicas, coloca-se a questão da competência internacional dos tribunais portugueses. Questão cuja resposta, segundo o artigo 59.º do CPC, resulta do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais ou da verificação de alguns dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º. No caso, a resposta à questão da competência internacional dos tribunais portugueses é dada pelo Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental. Com efeito: Quanto à norma do regulamento que é aplicável à determinação da competência ela é a do artigo 10.º, combinada com o artigo 8.º, n.º 1, e não a do artigo 12.º, n.º 3, alínea a), como sustenta a recorrente. Vejamos. Segundo o citado artigo 10.º, “Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção, continuam a ser competentes para a regulação das responsabilidades parentais até a criança passar a ter a residência habitual noutro Estado membro e: Resulta da norma acabada de transcrever que, em caso de retenção ilícita de uma criança num Estado-Membro, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia imediatamente antes da retenção continuam a ser competentes em matéria de responsabilidade parental até a criança passar a residir noutro Estado. Esta regra, que está em conformidade com a regra geral enunciada no n.º 1 do artigo 8.º do regulamento, segundo a qual “os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”, visa, por um lado, dissuadir as deslocações e as retenções e ilícitas e, por outro, impedir que quem desloque ou retenha ilicitamente as crianças obtenha vantagem com esse facto. O artigo 10.º prevê, no entanto, excepções à regra da manutenção da competência dos tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção, mediante a atribuição de competência aos tribunais do Estado-Membro onde a criança passou a ter a sua residência habitual em consequência da sua deslocação ou retenção ilícita. Excepções que só valem quando se verificarem as situações previstas nas alíneas a) ou b) do mencionado artigo 10.º. A competência para a apreciação do pedido da requerente cai sob a alçada da regra enunciada no artigo 10.º porque o pedido foi deduzido num momento em que a permanência dos menores em Portugal configurava uma situação de retenção ilícita das crianças, quer à luz do artigo 3.º, alínea a), da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em ..., em 25 de Outubro de 1980 [entrada em vigor em Portugal em 1-12-1983], quer à luz do artigo 2.º, n.º 11, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho de 27 de Novembro de 2003. Com efeito, segundo o artigo 3.º, alínea a), da Convenção, “a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção”. Por sua vez segundo o artigo 2.º, n.º 11, alínea a), para efeitos do Regulamento entende-se por «deslocação ou retenção ilícita de uma criança», a deslocação ou a retenção de uma criança quando viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito, ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro, onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção. Visto que o tribunal de Grande Instância ..., decidiu, por sentença proferida em 22-10-2019, confiar a guarda das crianças ao requerido, fixando a residência delas no domicílio dele, em ..., a decisão unilateral da requerente de não entregar as crianças ao requerido, residente em ..., e de permanecer com elas, em Portugal, na sua residência, configura uma violação do direito de guarda conferido por decisão judicial. Como se escreveu acima, as alíneas a) e b) do artigo 10.º prevêem excepções à regra de que, em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção continuam a ser competentes em matéria de responsabilidade parental. Excepções que são no sentido de reconhecer competência em matéria de responsabilidade parental precisamente aos tribunais do outro Estado-Membro onde a criança passou a ter a sua residência habitual. Nenhuma das excepções é aplicável ao caso. Assim: A excepção prevista na alínea a) não é aplicável porque ela pressupõe que o titular do direito de guarda dê o seu consentimento à deslocação ou retenção e o requerido não dá tal consentimento, como o atesta o facto de ter pedido, ao abrigo da Convenção, o regresso das crianças a .... A prevista na alínea b) também não é aplicável porque ela pressupõe, antes de mais, que os menores tenham estado a residir no Estado-Membro para onde foram deslocados ou retidos durante pelo menos um ano após o titular do direito de guarda ter tomado ou devesse tomar conhecimento do paradeiro das crianças, e, no caso, quando o requerido tomou conhecimento do paradeiro das crianças estas ainda não residiam em Portugal com a mãe há um ano. Vejamos, agora, as razões pelas quais o artigo 12.º, n.º 3, do regulamento não dá cobertura à competência dos tribunais portugueses para julgarem pedido de alteração das responsabilidades parentais. Segundo o considerando 12 do regulamento, “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”. Uma das excepções ao critério de que a competência cabe aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual do menor [critério enunciado no n.º 1 do artigo 8.º do regulamento] está prevista no n.º 3 do artigo 12.º, cujos termos são os seguintes: “Os tribunais de um Estado-Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.º 1, quando: a) A criança tenha uma ligação particular com esse Estado- -Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro; e b) A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança”. Resulta da norma acabada de transcrever que a competência nele atribuída aos tribunais de um Estado-Membro, em matéria de responsabilidade parental, diferente do Estado-Membro onde a criança reside habitualmente, pressupõe: Sobre o conceito de “aceitação explícita ou de qualquer outra forma inequívoca”, o Tribunal de Justiça da União Europeia afirmou no acórdão proferido no processo n.º ...3, proferido em 12 de Novembro de 2014, que, o mesma lido à luz do referido no n.º 1 do artigo 16.º do regulamento, “impõe que esteja demonstrada a existência de um acordo explícito ou pelo menos unívoco sobre a referida extensão de competência entre todas as partes no processo, o mais tardar na data da apresentação ao tribunal escolhido do acto introdutório da instância ou de acto equivalente”. No mesmo sentido se pronunciou o mesmo tribunal no acórdão proferido em 19 de Abril de 2018, no processo n.º ...6, ao afirmar que o artigo 12.º, n.º 3, alínea b), “impõe que esteja demonstrada a existência de um acordo explícito ou pelo menos unívoco sobre a extensão de competência entre todas as partes no processo”. Quanto ao sentido a dar à expressão “todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal”, o acórdão proferido em 19 de Abril de 2018, no processo n.º ...6, afirmou que, quando um procurador, segundo o direito nacional, é parte de pleno direito no processo instaurado pelos pais, é uma parte no processo na acepção do artigo 12.º, n.º 3 do regulamento n.º 2201/2003. Interpretado o artigo 12.º, n.º 3, do regulamento com o sentido e alcance expostos, é seguro afirmar-se que ele não dá cobertura à competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento do pedido da alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores. Com efeito, se se pode dizer que os menores têm uma ligação particular a Portugal, devido ao facto de serem portugueses e de a requerente, sua mãe, ser portuguesa e residir habitualmente em Portugal, já não se pode dizer que, quando foi instaurado o pedido de alteração das responsabilidades parentais, todas as partes no processo tinham aceitado explicita ou inequivocamente a competência dos tribunais portugueses. Não só não há prova de que o requerido e o Ministério Público tenham aceitado tal competência, como a intervenção no processo destas partes aponta precisamente em sentido contrário. Segue-se do exposto que à luz do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, os tribunais internacionalmente competentes para conhecerem do pedido de alteração das responsabilidades parentais dos menores são os tribunais franceses por serem os tribunais do Estado-Membro onde eles residiam habitualmente imediatamente antes da sua retenção ilícita em Portugal e por a regra geral de competência em matéria de responsabilidade parental é a de que são competentes os tribunais do Estado-Membro onde a criança resida habitualmente à data em que o processo seja instaurado no tribunal [n.º 1 do artigo 8.º do regulamento]. Em consequência do exposto, improcede o fundamento do recurso ora em apreciação. II) A segunda linha argumentativa da recorrente radica no artigo 13.º da Convenção e é apoiada na seguinte alegação: Apreciação do tribunal Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente este fundamento do recurso. Em primeiro lugar deve dizer-se que é exacta a alegação da recorrente segundo a qual nos termos do artigo 13.º da Convenção, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar: E é ainda exacta a alegação de que, segundo o mesmo preceito, “A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto”. Porém, já não tem amparo na Convenção ou em qualquer outra norma a alegação da recorrente de que, tendo o tribunal recorrido competência para não ordenar o regresso dos menores a ..., por maioria de razão, também é competente para alterar a regulação das responsabilidades parentais dos menores residentes em ..., onde se encontram em perigo de ordem física e/ou psíquica e para onde se recusam a voltar. Com efeito, nem a norma do artigo 13.º da Convenção é uma norma de competência em matéria de responsabilidade parental, nem a decisão sobre o regresso da criança, qualquer que seja o seu sentido, é uma decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais. Com efeito, nos termos do artigo 19.º da Convenção, “a decisão sobre o regresso da criança, tomada ao abrigo da presente Convenção, não afecta os fundamentos do direito de custódia”. E é por a decisão sobre o regresso da criança não ser uma decisão quanto ao mérito da guarda que: Não há, assim, entre a competência para recusar a entrega da criança, que cabe às autoridades do Estado-Membro onde a criança está retida ilicitamente, e a competência dos tribunais de um Estado, em matéria de responsabilidade parental, uma relação de “mais” e “menos”. Por outras palavras, a competência prevista na Convenção para recusar a entrega do menor não é uma competência maior do que a competência em matéria de responsabilidade parental, de modo que a autoridade que tivesse aquela competência também teria esta. Trata-se de competências sobre questões que, embora relacionadas entre si, estão sujeitas a normas diferentes. Improcede, pois, o argumento ora em apreciação. III) A terceira linha argumentativa da recorrente é constituída pela seguinte alegação: Apreciação do tribunal: Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente este fundamento do recurso. Ao alegar no sentido acima exposto, a recorrente não invoca verdadeiramente nenhuma regra de competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento do pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais diferente das que invocou e que já foram apreciadas por este tribunal. O que alega é que, antes de decidir a questão da competência internacional, o tribunal a quo tinha o dever de averiguar os factos que ela, recorrente, alegou sobre a ligação particular das crianças com Portugal, sobre os perigos que as crianças correm com o seu regresso a ... e sobre o interesse das crianças em residirem em Portugal, com ela, requerente. A recorrente argumenta, pois, como se a decisão sobre a competência internacional dos tribunais portugueses estivesse dependente da prova dos factos que ela alegou. Como é bom de ver, se este argumento tivesse fundamento legal, a decisão a proferir por este tribunal não seria, como pretende a recorrente, a de julgar o tribunal recorrido internacionalmente competente para julgar a causa. A decisão apropriada seria a anulação da decisão recorrida a fim de se produzir prova sobre o que alegou a recorrente. Salvo o devido respeito, não há fundamento para tal anulação. A produção de prova sobre a ligação particular das crianças a Portugal é inútil. Com efeito, a ligação particular de uma criança com um Estado-Membro tem relevância para a regra de competência em matéria de responsabilidade parental prevista no artigo 12.º, n.º 3, do regulamento, mas já vimos que tal regra não é aplicável ao caso. A produção de prova sobre os efeitos prejudiciais para as crianças do seu regresso a ... e sobre o interesse delas em permanecerem em Portugal releva apenas para a decisão sobre o pedido de devolução (artigo 13.º da Convenção), mas é irrelevante para aplicação das regras de competência constantes do regulamento, concretamente para a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, 9.º, 10.º e 12.º. Em consequência, improcede a alegação da recorrente. IV) Por último, alega a recorrente que, estando já nos autos, à data da sentença, o pedido para que o tribunal ordenasse o regresso dos menores a ..., deveria o tribunal recorrido fazer uso do disposto nos artigos 6.º e 547.º do CPC, na tramitação desse pedido, admitir a produção da prova oferecida pela requerente e decidir se estão ou não preenchidos os requisitos do artigo 13.º da Convenção da ... de 1980, de 25/10, que confere competência ao Tribunal a quo para o caso de se provarem os factos alegados pela requerente. Esta alegação não colhe contra a sentença. Em primeiro lugar, ela compreende uma denúncia de incumprimento do dever de gestão processual no pedido de entrega da criança formulado pelo requerido ao abrigo da Convenção, quando tal incumprimento, a existir, é totalmente irrelevante para a decisão sobre a competência internacional. Em segundo lugar, a alegação da recorrente de que, caso se provem os factos alegados por ela, o artigo 13.º da Convenção confere competência ao tribunal a quo para o conhecimento da alteração das responsabilidades parentais, não tem amparo legal. Como se escreveu acima, a norma do artigo 13.º da Convenção não é uma norma sobre competência em matéria de responsabilidade parental e a decisão sobre o regresso da criança, qualquer que seja o seu sentido, não é uma decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais. Diga-se por fim, contra a pretensão da recorrente, que não tem sentido imputar à decisão recorrida a violação do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento, e os artigos 6.º, 59.º e 547.º do CPC, pois resulta das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC que só tem sentido imputar à decisão recorrida a violação das normas que constituíram fundamento jurídico da decisão e é isento de dúvida que nenhuma das mencionadas normas serviu de fundamento à decisão de julgar o tribunal português incompetente internacionalmente. E se, na realidade, o que a recorrente quis dizer foi que tais normas deviam ter sido aplicadas e que, caso o fossem, a decisão apropriada seria a de julgar o tribunal a quo internacionalmente competente, a sua pretensão, como resulta do exposto acima, também não teria amparo legal. Por todo o exposto, é de manter a decisão recorrida que julgou internacionalmente incompetente os tribunais portugueses para a alteração da decisão. O que não é de manter é a consequência da incompetência absoluta. Visto que, segundo o n.º 2 do artigo 259.º, do CPC, salvo disposição em contrário, que não existe no caso, a proposição da acção só produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação e que o requerido, quando foi proferida a decisão impugnada ainda não havia sido citada para a acção, consequência adequada da incompetência absoluta é o indeferimento do pedido e não a absolvição do réu da instância. Decisão Julga-se improcedente o recurso e, em consequência: * Responsabilidade quanto a custas: Visto o n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrente ter ficado vencido no recurso, cabia à mesma suportar as custas do recurso. Considerando, no entanto, que a mesma goza do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não se condena a mesma no pagamento das custas ..., 30 de Maio de 2023
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