Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
286/10.2TBSPS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÃO PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 305.º, N.º 1 E 318.º DE CPC
Sumário: 1. Não é pelo facto de o autor pedir o reconhecimento da propriedade de todo o seu prédio que o valor da acção passa necessariamente a ser o de todo esse prédio. Se afinal o A. apenas pretende que se reconheça que certa faixa faz parte do seu prédio por força da linha divisória que o separa de outro, há um “contraste manifesto entre o pedido formulado pelo autor e o objectivo real da acção”.

2. O interesse do autor é, tão só, a resolução do litígio e este cinge-se à porção de terreno que é negada pelo réu. Quanto ao restante - isto é, quanto à propriedade do terreno restante do prédio do autor - não há qualquer diferendo a dirimir. Daí que não haja qualquer utilidade para o autor na declaração de tal extensão.

3. Assim, uma vez fixado por arbitramento o valor da faixa de terreno controvertida, nos termos do art.º 318 do CPC, como já sucedeu, nada mais importa averiguar para o apuramento da utilidade da acção.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e mulher B... intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de S. Pedro do Sul uma acção declarativa sob a forma de processo sumário contra C... e mulher D..., alegando, em suma:

Que são donos de determinado prédio rústico, por haverem adquirido por usucapião, o qual confina com certo prédio urbano dos Réus, pelo nascente e sul deste; que a linha divisória entre os dois prédios ficou definida através de uma linha de cor vermelha traçada no levantamento topográfico junto pelos RR. à acção ordinária 464/03.0TBSPS, expressamente aceite pelas partes na transacção que aí veio a ser homologada; acontece que, desrespeitando tais limites, os RR. construíram um muro de blocos e cimento, com um portão apoiado em estruturas metálicas, com o que ocuparam uma faixa com a forma de um triângulo-rectângulo situada já dentro da área do prédio dos AA., a poente, em mais de 0,55 m; para impedir a devassa do restante do seu prédio, edificaram por sua vez os AA. um outro muro tosco. Terminam formulando um conjunto de pedidos que, em síntese, e porque neles se detectam vária repetições, se subsumem ao seguinte:

Reconhecimento e declaração de que o limite do prédio dos RR. na zona onde “entesta” com o dos AA. é o que resulta da linha traçada a vermelho no levantamento topográfico referido; que o alinhamento do muro, a estrutura metálica para portão e o portão que os Réus edificaram, não respeitam essa linha, ocupando parte do prédio dos AA., com a forma de um triângulo rectângulo nos moldes previamente indicados; que os RR. não têm direito a aceder, seja por que forma for, ao seu prédio, senão pela “abertura em leque” identificada naquele levantamento; que aos AA. cabe o direito de vedar o seu prédio, respeitando a servidão judicialmente já reconhecida a favor do prédio dos RR.;

A condenação dos RR.:

1. A retirar o muro, estrutura metálica e portão que ergueram no prédio dos AA.;

2. A não praticar qualquer acto que limita, dificulte ou impeça o exercício integral do direito de propriedade dos AA. sob pena de incorrer na sanção pecuniária compulsória de € 100,00/dia por cada violação cometida.

No despacho que veio a ser proferido a fls. 160, considerando-se que “a pretensão dos AA. contende com a alegada ocupação pelos Réus, de parte do prédio dos primeiros”, que “está em causa uma área de 4,13 m2”, que o pedido reconvencional se apresenta na sua essência como simétrico daquele formulado pelos AA., que o valor dado à acção de € 8.000,00 se afigurava “em flagrante oposição com os critérios legais”, designadamente com o disposto nos “art.ºs 305, nº 1, e 311, nº 1, ambos do CPC”, teve por bem determinar a realização de um arbitramento, nos termos do art.º 318 do CPC, para aquilatar o valor do tracto ou faixa de terreno mutuamente reivindicado.

Realizada tal diligência, veio o perito nomeado a atribuir ao tracto de terreno referido o valor de € 82,60, seguindo-se despacho a fixar o valor da acção em € 82,60.

Inconformados, deste veredicto interpuseram recurso os Autores, recurso admitido como de apelação, com subida imediata, em separado.

Dispensados os vistos cumpre decidir.

                                                                           *

A apelação.

Nas conclusões com que encerram a respectiva alegação os recorrentes centram o objecto do seu dissídio à proposição de que, “muito mais do que o simples espaço de terreno situado a nascente do prédio dos Autores”[os ora apelantes], está em causa no pedido o direito de propriedade sobre todo o seu prédio identificado no art.º 1º, o direito a verem definida toda a sua extrema poente com o prédio dos RR., a vedar o seu prédio, a declarar a inexistência de outras servidões e a condenar os RR. a uma sanção pecuniária compulsória.

No despacho recorrido, pelo contrário, entendeu-se que o “núcleo essencial” do petitório é que identificava a utilidade económica do pedido, e que, consistindo esse núcleo na parcela de terreno que os AA. consideram integrar o seu prédio, era apenas por aí que se devia medir aquela utilidade e, consequentemente, o valor da causa.

Não houve contra-alegação.

Cremos, porém, que a razão está efectivamente do lado da decisão recorrida.

Se não vejamos.

O critério geral da determinação do valor da acção é aquele que se baseia na imediata utilidade económica que para o autor dela advém - art.º 305, nº 1 do CPC.

No caso da acção de reivindicação - que, obviamente, pode abranger a totalidade de um prédio ou apenas uma faixa ao longo de uma das suas estremas - a lei concretiza aquela utilidade económica fazendo-a coincidir com o valor do objecto da reivindicação - art.º 311, nº1, do m.d..

Na presente acção os AA. não aludem a uma incerteza de estremas face ao prédio dos RR..

Não há, aqui, um escopo demarcatório.

Dando já por perfeitamente definida a estrema poente com este prédio, os AA. apenas querem demonstrar que os RR. se assenhorearam indevidamente de uma certa porção do seu prédio, indo além da linha demarcadora que, a nascente do prédio deles RR. (e a poente do deles AA.), já foi delimitada em acção que anteriormente correu entre eles.

É este o pedido fundamental ou principal da acção, de tal sorte que todos os outros agora enunciados pelos recorrentes não passam de pedidos secundários ou acessórios do reconhecimento da propriedade dos AA. sobre aquela faixa no limite poente do seu prédio.

Como já advertia Alberto dos Reis[1], não é pelo facto de o autor pedir o reconhecimento da propriedade de todo o seu prédio que o valor da acção passa necessariamente a ser o de todo esse prédio. Se afinal o A. apenas pretende que se reconheça que certa faixa faz parte do seu prédio por força da linha divisória que o separa de outro, há um “contraste manifesto entre o pedido formulado pelo autor e o objectivo real da acção”. O interesse do autor é, tão só, a resolução do litígio e este cinge-se à porção de terreno que é negada pelo réu. Quanto ao restante - isto é, quanto à propriedade do terreno restante do prédio do autor - não há qualquer diferendo a dirimir. Daí que não haja qualquer utilidade para o autor na declaração de tal extensão. O método prático de aferir a utilidade da acção é, pois, o de crivar ou cotejar o pedido com os factos que integram a causa de pedir, sendo o valor da causa o que resultar da conjunção dos dois elementos (fórmula de Chiovenda).

Daqui já decorre que as pretensões a ver reconhecida a linha divisória do prédio dos AA. com o dos RR. e do direito destes o vedarem (por esse lado, naturalmente), ver declarada a inexistência de outras servidões (para além de uma que não é questionada por AA. ou RR.), e, bem assim, os RR. condenados no pagamento de certa sanção pecuniária compulsória, são meras consequências ou inerências do reconhecimento da propriedade da faixa de terreno referida. Não revestem qualquer interesse ou utilidade suplementar para os AA..

Assim, uma vez fixado por arbitramento o valor da faixa de terreno controvertida, nos termos do art.º 318 do CPC, como já sucedeu, nada mais importa averiguar para o apuramento da utilidade da acção.

Pelo que é inexorável a improcedência do recurso.    

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins     


[1] Citando e comentando dois Acórdãos do STJ (de 13 de Maio e 7 de Novembro de 1941) que apreciavam a utilidade das acções com este configuração de pedido, in Comentário ao Código de Processo Civil, V. III, pág.s 594 e seguintes.