Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
610/08.8TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: RECURSO
ADMISSÃO DO RECURSO
INADMISSIBILIDADE
ALEGAÇÕES
RECLAMAÇÃO
TRIBUNAL SUPERIOR
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 637º, 641º E 643º NCPC.
Sumário: I – De acordo com o nº 1 do artº 643º do nCPC, “Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão”.

II - A admissão do requerimento de recurso pressupõe que este e, por consequência, a alegação que, obrigatoriamente, o mesmo deve conter, possam ser atendidos (artºs 637º, nº 1 e 2, 638º e 641º, nº 2, do NCPC).

III - E para serem atendidos o requerimento de recurso e a alegação respectiva devem, em princípio, ser apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos dos artºs 144º, nºs 1 e 2, 132º, nº 1, do NCPC e da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto.

IV - Porque sem a respectiva alegação o requerimento de interposição de recurso não pode ser admitido (citado artº 637º, nº 2 e artº 641, nº 2, b)), decidindo-se que as alegações não podem ser admitidas, deve considerar-se que, embora implicitamente, se está a rejeitar tal requerimento, viabilizando-se, assim, ao recorrente, a reclamação desse despacho, nos termos do citado artº 643º.

V - O justo impedimento só pode ser invocado nas situações em que ainda não tenha decorrido o prazo normal para praticar o acto, devendo a parte, logo que cesse o impedimento, praticar o acto alegando simultaneamente o justo impedimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - Na acção declarativa, de condenação, com processo ordinário, que A... e outros, intentaram, no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, contra J... e outros, a acção foi julgada improcedente e os RR foram absolvidos dos pedidos, por sentença de 15/11/2013, proferida pelo Mmo. Juiz do 2º Juízo desse Tribunal.

B) - Os AA recorreram dessa decisão, apresentando as respectivas alegações, mas, por despacho de 4/03/2014, invocando-se o disposto no artº 144° n.°1 do CPC, na sua actual redacção (doravante NCPC), aplicável aos autos por força do disposto no art. 5º n° 1 da Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, decidiu-se que não se poderia ter por praticado o acto processual em causa - o de apresentação pelos AA. das alegações de recurso - tendo-se determinado que, oportunamente, se desentranhassem e devolvessem as mesmas ao ilustre mandatário apresentante.

C) - Desse despacho vieram os AA., através de requerimento apresentado por correio electrónico, em 27/05/2014, reclamar para este Tribunal da Relação, nos termos do art.º 643º do NCPC, mas tal reclamação, por despacho do Relator proferido em 18/11/2014, veio a ser indeferida.

II - A) - Após vicissitudes processuais que ora não relevam (relacionadas com impedimento do ilustre mandatário dos AA), vieram os reclamantes interpor recurso da referida decisão do Relator para o Tribunal Constitucional (TC).

B) - O Relator, entendendo que esse recurso para o TC não era admissível proferiu despacho cujo teor ora se reproduz na parte que ora releva[1]:

«…este recurso não pode ser admitido.

Efectivamente, diz-se no Acórdão do TC de 25/10/2010, processo n.º 560/10, da 3ª Secção (Relator: Conselheiro Vítor Gomes)[2]:

“…o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º da LTC está subordinado ao requisito ou pressuposto de esgotamento dos meios ordinários, nestes se incluindo as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência (n.º 2 do artigo 70.º da LTC).

(…)

Se na Relação não se admitir um recurso interposto de acórdão aí proferido reclama-se para o Supremo Tribunal de Justiça (ou para o Tribunal Constitucional, se for o caso - n.º 4 do artigo 76.º da LTC) e não para a conferência da Relação. Mas da decisão do relator que aprecia a reclamação de despacho de não admissão de recurso para o próprio tribunal reclama-se para a conferência (Neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil - Reforma de 2007, pág. 112; Abrantes Geraldes, “Reforma dos recursos em processo civil”, in Julgar, n.º 4, Janeiro-Abril de 2008, pág. 68; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Tomo I, 2.ª ed. pág. 75).

Assim sendo, tem de concluir-se que a recorrente não esgotou os meios ordinários que no caso cabiam de reacção contra a decisão recorrida, pelo que o recurso não é admissível (n.º 2 do artigo 70.º da LTC”.

Assim, cabendo da decisão do Relator não o recurso, mas antes a reclamação para a conferência (nos termos do artº 652º, nº 3, do NCPC, aplicável “ex vi” do artº 643, nº 4 “in fine”, do mesmo código) não é concebível, “in casu” interpor recurso para o TC do despacho do Relator de fls. 135 e ss..

Sucede, porém, que, a nosso ver, “mutatis mutadis”, tem plena aplicação ao caso - porque os preceitos aplicáveis, embora respeitando a códigos diferentes (ao pretérito CPC e ao NCPC), têm o mesmo conteúdo -, a doutrina da Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/2010, de 20 de Janeiro de 2010 (DR Iª SÉRIE, nº 36, 22-02-2010, PÁG. 494 - 500), que preceitua:

“Fora dos casos previstos no artigo 688.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º303/2007, de 24.9), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º, n.º 3 daquele código.”.

Por outro lado, estabelece o artº 193º, nº 3, do NCPC que, “O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.”.

Em resultado do exposto, embora não se admita o recurso interposto para o TC mediante o requerimento de fls. 156 e ss., convola-se tal requerimento de interposição de recurso para reclamação para a conferência, para ser apreciado pelo colectivo de juízes, nos termos do artº 652º, nº 3, do NCPC, aplicável “ex vi” do artº 643, nº 4 “in fine”, do mesmo código.».

III - Exposta a razão de ser do presente Acórdão, importa decidir nele se é de manter a decisão do Relator de 18/11/2014, que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC.

A) - Essa decisão, que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC, é, na parte da respectiva fundamentação, a que se passa a reproduzir:
«De acordo com o nº 1 do artº 643º, “Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.”.
A admissão do requerimento de recurso pressupõe que este e, por consequência, a alegação que, obrigatoriamente, o mesmo deve conter, possam ser atendidos (artºs 637º, nº 1 e 2, 638º e 641º, nº 2, do NCPC).
E, para serem atendidos, o requerimento de recurso e a alegação respectiva, devem, em princípio, ser apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos dos artºs 144º, nºs 1 e 2, 132º, nº 1, do NCPC e da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto.
Esta Portaria, efectivamente, regulando a apresentação “de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, incluindo a apresentação do requerimento de interposição de recurso, das alegações e contra-alegações de recurso e da reclamação contra o indeferimento do recurso e a subida dos recursos, nos termos dos artigos 643.º, 644.º, 646.º, 671.º, 688.º e 696.º do Código de Processo Civil” (Artº 1, al. b)), determina que “A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados por mandatários judiciais é efetuada através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes.” (artº 5º, nº 1).
Para além de outras situações que aqui não estão em causa, a parte que esteja representada por advogado pode, havendo justo impedimento para a pratica dos actos processuais por transmissão electrónica de dados, praticar tais actos mediante entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia (nºs 8 e 7, alínea a), b) e c), do citado artº 144).
Com se vê, o correio electrónico nem é equivalente à transmissão electrónica de dados,[3] referida nos artºs 144º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 1, do NCPC, nem é alternativa susceptível de ser utilizada na situação de justo impedimento prevista no nº 7 do referido artº 144º.
A posição assumida no despacho de 3/6/2014 (cfr. supra), parece seguir o entendimento de que só quando o despacho se pronuncia sobre a interposição do recurso, não o admitindo expressamente, é que se verifica a condição que o artº 643º do NCPC prevê e que habilita o recorrente a reclamar para o Tribunal Superior, do não recebimento do seu recurso.
Nessa prespectiva, a reacção ao despacho onde a Mma. Juiz, invocando o disposto nos artºs  144° n.° 1 e 132, nº 1, do (novo) CPC, decidiu não se poder ter por praticado o acto processual em causa,  de apresentação, pelos AA. das alegações de recurso - ordenando, também, que, oportunamente, estas fossem desentranhadas e devolvidas  ao ilustre Mandatário apresentante -, seria, ainda, a interposição de recurso e não a reclamação prevista no artº 643º do CPC.
Se assim fosse, a presente reclamação não poderia ser deferida porque o que nela se visaria não seria, verdadeiramente, um despacho que não tivesse admitido o recurso interposto pelos ora reclamantes.
As considerações acima referidas têm alguma consistência, mas, salvo o devido respeito, não merecem a nossa inteira concordância.
Em primeiro lugar salienta-se que a situação que ora se versa é diferente daquelas em que tendo o recurso já sido admitido, se determina o desentranhamento do mesmo, haja, ou não, declaração simultânea da deserção deste. Nessas situações entende-se como líquido que a reacção a uma tal decisão seja a interposição de recurso e não a reclamação do despacho que assim decidiu.[4]
De acordo com o artº 637º, nº 2, do NCPC, “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente”.
Assim sendo e porque sem a respectiva alegação o requerimento de interposição de recurso não pode ser admitido (citado artº 637º, nº 2 e artº 641, nº 2, b)), decidindo-se que as alegações não podem ser admitidas, deve considerar-se que, embora implicitamente, se está a rejeitar tal requerimento, viabilizando-se, assim, ao recorrente, a reclamação desse despacho, nos termos do citado artº 643º.
Importa considerar, no entanto, que sendo possível aos recorrentes, como deixamos exposto, lançar mão da reclamação para reagir ao despacho de 14/03/2014, tal reclamação, que ora está em causa, não deveria ser considerada uma vez que não foi apresentada nos termos conjugados dos citados artºs artºs 144º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 1, do NCPC, 1º, alínea b) e 5º nº 1, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, não podendo considera-se como justo impedimento, adiante-se, o que foi vertido no requerimento que acima se refere no nº 8.
Não obstante, sempre se dirá:
A argumentação jurídica dos reclamantes assenta, essencialmente, em três vectores, que se vão apresentar por ordem lógica:
Uma das argumentações dos reclamantes é a de que o recurso e respectivas alegações já haviam sido aceites pelo Tribunal, “conforme a informação do estado dos autos dada por via eletrónica em 17/01/2014, ao Sr. Dr. Juiz do 3º juízo deste Tribunal da Figueira da Foz.”.
Ora, o que vincula - designadamente, nos termos dos artºs 625, nº 2 e 613º, nº 1, do NCPC -, o Juiz do Tribunal que tem competência para receber o recurso, é o despacho em que o admite (ou o rejeita), não a informação de índole processual que, porventura, haja sido dada a um outro juízo desse, ou de um outro Tribunal.
Ainda assim, diga-se, no caso do recebimento do recurso, essa decisão sempre seria provisória, pois que, nos termos do artº 641, nº 5, do NCPC, poderia ser modificada - como sucederia, certamente, no presente caso, atento o quadro legal acima definido - pelo Tribunal de recurso.
Mais argumentam os reclamantes que por via do disposto no artº 3º da lei 41/2013 e do principio do inquisitório, plasmado no art.º 411º, o Tribunal deveria “ordenar aos reclamantes que apresentassem novas alegações tramitadas electronicamente”.
A Lei nº 41/2013 de 26 de junho, dispõe no seu artº 3º:
No decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da presente lei:
a) O juiz corrige ou convida a parte a corrigir o erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação das normas transitórias previstas na presente lei;
b) Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte age em erro sobre o conteúdo do regime processual aplicável, podendo vir a praticar ato não admissível ou omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.
Ora, a situação a que respeita a presente reclamação não preenche a previsão de qualquer das alíneas, pois que a questão da apresentação do recurso e respectiva alegação sem ser pelos devidos meios de transmissão eletrónica de dados não era coisa que pudesse ter sido antevista pela Mma. Juiz pela “leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais” e que assim pudesse ser evitada por tal Magistrada, promovendo “a superação do equívoco”.
É patente, por outro lado, que a situação em causa não poderá considerar-se resultar de “erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação das normas transitórias” da lei 41/2013.

A solução estabelecida no nº 8 do artº 144º, ao fazer depender o uso, pelo advogado da parte, dos meios previstos nas alíneas do nº 7, da existência de justo impedimento, afasta a possibilidade do convite que os ora reclamantes defendem e remete-nos para o regime estabelecido no artº 140º do NCPC.

E é precisamente o justo impedimento um dos outros argumentos que os reclamantes invocam, defendendo que se aceitem “as alegações por meios físicos” ou as alegações enviadas por meios eletrónicos em 2014/03/03.

Ora a única situação de justo impedimento que dispensa a parte de alegar os factos que a integrem e de oferecer logo a prova dos mesmos, é a que constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.

No caso, o que se sabe é o Exmo. mandatário dos recorrentes não alegou logo qualquer causa que configurasse justo impedimento de apresentação das alegações pelos meios de transmissão eletrónica de dados, quando as enviou, por via postal registada, e só após ser requerido o respectivo desentranhamento, quando remeteu ao Tribunal, por correio electrónico, a 02.03.2014, as supra referidas alegações de recurso, é que veio invocar o lapso de ter entregue as ditas alegações “por meios físicos”.

Ora um lapso, um engano, ainda para mais sem se concretizar o que o originou, não integra uma situação de justo impedimento, pois não constitui um evento “não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste”, neste caso, à apresentação do recurso e respectivas alegações pelos meios de transmissão eletrónica de dados (cfr artº 140, nº 1, do NCPC).

Por outro lado, um tal lapso, sem génese conhecida, não é, evidentemente, facto notório, nos termos definidos no artº 412º, nº 1, nem pode ser tido como não imputável ao ilustre mandatário dos recorrentes, ora reclamantes.

É claro que o Exmo. advogado dos reclamantes vem agora alegar litígios de diversa ordem entre ele e familiares seus, alegando, simultaneamente, que, “embora conhecesse o art.º 132 do C.P.C, aguardava a publicação da portaria”, não se tendo apercebido da sua publicação por causa desse impedimento” e que isso era do conhecimento do Tribunal por virtude das suas funções.

São motivos que se respeitam, mas que nada valem para o efeito de integrar justo impedimento que possa ser escrutinado por este Tribunal, não só porque o mesmo não pode dar como assente os respectivos factos, como, sobretudo, porque estes não foram submetidos à apreciação do Tribunal de 1ª Instância.
Não se olvide, também, que, como se disse no sumário do Acórdão da Relação do Porto, de 19.05.97 (recurso nº 9651429), publicado no BMJ nº 467, pág. 632, “: o justo impedimento só pode ser invocado nas situações em que ainda não tenha decorrido o prazo normal para praticar o acto, devendo a parte, logo que cesse o impedimento, praticar o acto alegando simultaneamente o justo impedimento”.
Os recorrentes apresentaram o recurso e as respectivas alegações sem que alegassem qualquer situação que integrasse justo impedimento (ou que assim pudesse ser considerada pelo Tribunal, sem necessidade de alegação) para a sua não apresentação pelos meios de transmissão eletrónica de dados, pelo que razões não existem, assim, para revogar o despacho reclamado e deferir a reclamação em causa.».

B) - Por sua vez, os Reclamantes, no aludido recurso que interpuseram para o TC, alegaram:

«1°

Os Recorrentes inconformados com a improcedência da reclamação, dela vêm interpor Recurso para este alto Tribunal pelos seguintes fundamentos:

a) Ao abrigo da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho foi criado o Código Processo Cível que dela faz parte.

Por esta Lei, o Código entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013 - veja-se artº 8.

O artº 3 desta Lei 14/2013 diz:

a) No decurso do primeiro ano o juiz corrige ou convida a parte a corrigir o erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação das normas transitórias previstas na presente lei.

b) Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou mais peças processuais resulte que a parte age em erro sobre o conteúdo do regime processual aplicável, podendo vir a praticar ato não admissível ou omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.

Isto, com o devido respeito, quando a parte omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.

Parece que isto ainda quer dizer que o juiz, com este "deve" é obrigado a fazê-lo.

Ora, dentro deste 1º ano de vigência do código os recorrentes atempadamente enviaram para o Tribunal, umas alegações de recurso por meios físicos.

Chegados a Tribunal, julga-se que brotou a obrigação de ordenar aos alegantes para no prazo de 10 dias apresentarem novas alegações corrigidas do lapso de omissão pela não tramitação eletrónica.

Porém o Tribunal não aceitou promover a superação do equívoco, antes tomou uma atitude radical de mandar desentranhar as alegações dos autos.

Estará de acordo como o mesmo sistema jurídico?

É óbvio que não.

É hábito ordenar ser as peças processuais que sofram de erro ser corrigidas dentro de um prazo normalmente mínimo por ordem do Meritíssimo Juiz no processo e aproveitando os ato úteis praticados.

Porém, sob o domínio do mesmo atual Cod.P.Civil, ou seja no domínio da mesma legislação foi decidido de forma oposta.

52

Ora, no processo a correr pelo 4º Juízo Civil do Tribunal de Leiria - Pº 638/13.6TBLR - foram apresentados atos processuais, mas não foram apresentados em juízo, por tramitação eletrónicas de dados, nos termos definidos na Portaria prevista no nº 1 do artº 132. E o douto despacho termina:

"Assim, notifique o A para no prazo de 10 dias dar ao normativo citado enviando por transmissão eletrónica de dados todos os articulados apresentados pelo menos após a entrada em vigor do NCPC" - tudo nos termos do artº 423 do NCPC- tudo conforme o doc. nº 1 que se junta nos termos do artº 423.

O cumprimento do despacho foi feito e não houve prejuízo para ninguém e a Justiça cumpriu-se.

Mas Conclua-se:

Verifica-se um tratamento totalmente desigual de dois casos substancialmente iguais e proferidos no âmbito da mesma legislação.

Ora, como já há força de caso julgado na decisão proferida pelo Tribunal de Leiria tem especial relevância o direito aplicável ao litígio.

E, não há dúvida, já houve uma "semi-solidificação" da douta decisão do Tribunal de Leiria.

No entanto, a parte beneficiada pelo convite à parte de transmissão eletrónica, ficou abertamente favorecida em desfavor dos reclamados, aqui recorridos, que sendo A.A, com uma expetativa total da procedência do recurso ficarem sem alegações.

Mas, a Justiça não é isto!

E sem Justiça não há Paz!

Há que equilibrar as várias formas de prestar.

Ora, não se duvida que os recorrentes não tiveram as mesmas dignidades nem foram tratados igualmente como as partes do Pº 638/13.6TBLR.

De tal maneira que se este Recurso não tiver êxito, os recorrentes ficam espoliados do que herdaram de seus pais.

Consequentemente, foi violado o princípio de igualdade, previsto no art.º 13 do CRP, porque os Recorridos ficaram em situação de desigualdade perante a Lei.

Assim a não aplicação do artº 3 da Lei 41/2013 de 26 de Junho especialmente de "normas transitórias " no primeiro ano desta lei, determinará a inconstitucionalidade do art° 132, do mesmo diploma, por ser norma de transitória.

Termos em que aplicando o artº 3-Intervenção oficiosa do Juiz - á aplicação do artº 132 se fará boa Justiça revogando-se o douto despacho que mandou desentranhar as alegações que foram apresentadas por meios físicos.».

IV - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados “supra”.

Ora, o nosso entendimento é o de que a questão suscitada na reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC foi solucionada pelo Relator, na decisão de 18/11/2014, em termos que merecem a plena concordância deste Colectivo.

A acrescer ao já alegado e que foi versado na decisão do Relator, vêm os Reclamantes afirmar que:

- A não aplicação oficiosa do disposto no artº 132º determina a inconstitucionalidade desta norma;

- Houve violação do princípio da igualdade em seu desfavor, porquanto num outro processo a correr termos noutro tribunal, ao contrário daquilo que sucedeu com eles no que concerne alegações de recurso que apresentaram nos presentes autos, as partes foram convidadas a enviar por transmissão eletrónica de dados todos os articulados apresentados sem ser por esse meio.

Ora, não se entende que no presente contexto se justifique trazer à colação a inconstitucionalidade da norma do artº 132º do NCPC e a recusa da intervenção oficiosa do juiz, nos termos do artº 3º da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, porque não foi a recusa do carácter oficioso – oficiosidade essa que se indicia logo pela epígrafe do artigo - da intervenção do juiz, nos termos desse artº 3º, que serviu de fundamento à negação da pretensão que os Reclamantes procuravam ver atendida ao abrigo desta norma.

O que se entendeu foi que a situação a que respeitava à reclamação dos AA não preenchia a previsão de qualquer das alíneas desse artº 3º, pelo que carecia de fundamento a invocação desta norma.

Quanto à violação do princípio da igualdade, dir-se-á que, a seguir o entendimento dos AA, essa violação ocorreria sempre que determinada norma fosse interpretada de forma divergente pelos Tribunais, o que, como se sabe, acontece, legitimamente, com frequência.

O que os AA sustentam, afinal, é que a mesma norma foi interpretada em dois processos distintos de diferente forma, sendo que a interpretação que foi feita no seu caso não lhes foi favorável, tendo sido os intervenientes do outro processo contemplados com uma interpretação mais benévola.

Ora neste diverso tratamento não tem subjacente a aplicação de qualquer norma, que, “per se”, ou em razão da interpretação que o Tribunal dela faça, seja violadora do princípio da igualdade, pelo que o que está subjacente à alegação da violação deste princípio constitucional, não é, verdadeiramente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, mas antes a “inconstitucionalidade da decisão” tomada em desfavor dos AA.

Dir-se-á, ainda assim, que não tendo os AA suscitado, adequadamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa com respeito à violação do princípio da igualdade, não se detecta que se haja aplicado qualquer norma que, à luz desse princípio ou de outras normas da Constituição da República Portuguesa, seja de reputar de inconstitucional.

Acolhe-se, pois, o entendimento expendido pelo Relator na decisão de 18/11/2014, pelo que é de indeferir a reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC, o que ora se decide.

V - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em manter a decisão do Relator de 18/11/2014, indeferindo a reclamação apresentada nos termos do art.º 643º do NCPC.

Custas pelos Reclamantes.

Coimbra, 17/03/2015

Luís José Falcão de Magalhães (Relator)

Sílvia Maria Pereira Pires

Henrique Ataíde Rosa Antunes


[1] Quando se reproduzirem, ainda que parcialmente, as decisões do Relator, serão também transcritas, as notas de rodapé respectivas embora que com numeração diferente da que consta nos textos originais.
[2] Consultável em “http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur=&ficha=1341&pagina=52&exacta=&nid=9683”.
[3] Por isso mesmo, a Portaria 1417/2003, DE 30 DE DEZEMBRO, que se inseriu no âmbito da reforma do contencioso administrativo, previa, a par, as duas formas de transmissão, dizendo no nº 1 do seu artº 2º:” A apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica é efectuada por correio electrónico ou por transmissão electrónica de dados através do endereço http://www.taf.mj.pt.”.
[4] Cfr. a decisão da Relação de Évora, de 26/10/2006 (Reclamação nº 2422/06-1), consultável em “http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase”.